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Judith Butler Quadros de guerra Quando a vida é passivel de luto? Traducdo de Sérgio Lamarioe Araldo Marques da Cunha Revisio de traducio de ‘Marina Vargas Revisdo técnica de (Cala Rodeigues 3*edigio Rio de Janeiro 2017 Coppi a aor © jth athe 2008 lpg sg eral © Ves, 2009 opp wads © Cans Brae, 2015 “Tl xg: Framer of War Whe I Life Grea Ccranast caraLonichona rove ses01 TO NACIONAL DOS TORS DELINHOS RL Tec rons Qo eur Quid spe dea CL jt trai Sede Nena Lame {kml i eae tes Crag 207, hry aia. cnt ene Saag, Tes adios cata tps eed (LP tininiesten er e SLL Te mind pnd ono Ando Onsen de Tai Dios dea ado autos poe EDITORA CVIEIZAGAO BRASILIA EDITORA Jose otv§O LTDA. Ras Augen, 171 Rae RJ — 20921380 — ‘Ty 258 2000, Sem or rece Reo CCdnres ces trae soe 00s langanenon cone vends ta eer ‘areocordcom bru 1) 25852002 peso no Bas ie Nota da editora A tradugdo do titulo original Frames of War como Qua- dros de guerra € uma tentativa de trazer a multiplicidade de sentidos que a palavra original frame carrega, como, amplamente discutido pela autora. A preferéncia por “enquadramentos”, seguida no texto, aponta para uma opsio especifica, a teoria do enquadramento formulada pelo sociélogo Erving Goffman. “Quadros” amplia a pro- posta do texto: trabalhar com molduras que restringem_ .©20 mesmo tempo configuram o olhar. A opgio por no criar neologismos foialogica que acompanhou a traducio dda obra. O subtitulo When Is Life Grievable? passou a Quando a vida 6 passivel de lutot, de mancira a evitar 4 utilizagio de “enlutével", que a lingua inglesa permite ‘com mais facilidade do que a portuguesa e como Judith Butler prefere no original. Da mesma forma, preferimos adaptar, € literalmente,conceitos como grievable/ungrievablelgrie- ability (passivel de luto/no passivel de luto/condigio de luto}, precarity/precariousness (condigio precéria/ precatiedade), recognition /recognizable/recognizability (ceconhecimentolreconhecivelicondigio de ser reconhe- sraduzie ‘avaonos oF Guseen cles se tornam impossiveis.E isso implica uma pritica critica de pensamento que se recusa a acetar sem discuti. ‘0 enguadramento da luta identtéria que pressupde que (0s sujeitos ja existem, que ocupam um espago pailico ‘comum e que suas diferengas podem ser reconciliadas se tivermos ferramentas adequadas para uni-los. A questio é, nna minha opinio, mais extrema e exige um tipo de andlise capaz de colocar em xeque o enquadramento que silencia ‘a pergunta de quem conta como “quem” — em outras ‘compulséria da norma ao circunscrever 5 A teivindicagao da nao violencia palaveas, a uma vida passvel de luto. ‘Duvido muito que ando violénca possa ser um principio, se entendemos por “principio” uma regra consistente, passivel, de ser aplicada com a mesma confianga e da mesma manei- +2 toda e qualquer situacio. Se ha uma revindicagdo de 1nio violéncia ou se a néo violéncia nos revindica, parece ser outra questio. A nio violéncia surge, entéo, como um dliscurso ou um ape. A pergunta pertinente, portanto, se toma: em que condigBes somos receptivos a est reivindica ‘40,0 que torna possivel accitar a reivindicagio quando ela surge, ou, melhor dizendo, o que possibilta o surgimento da reivindicagio? A capacidade de responder 3 reivindicagio tem tudo 1 ver com como ela é formada e enquadada, mas tam- bém com a disposigo dos sentidos, ou as condigoes da prépria receptividade. Com efeito, aquele que responde é forgosamente modelado por normas que com frequéncia fe SRC geet an i ‘cometem certo tipo de violéncia, ¢ que podem perfeita- mente predispor este sujeito a certo tipo de violencia. éestranha aquele a quem o discurso, ‘Assim, a violencia ndo violencia € dirigidos a violencia no se encontra, ‘a principio, presumivelmente “fora”, A violéncia © a indo violéncia ndo slo apenas estratégias ou téticas, mas configuram o sujeito e se tornam suas possibilidades ‘constitutivas€, assim, uma luta permanente, Fazer essa 0 € sugerir que a ndo violéncia é a luta de um firma finico sujeto, mas também que as normas que atuam sobre ‘o sujeito s30 sociais por natureza, € que os vinculos que violéncia sio vinculos esto em jogo na pritica da sociais, Portanto, 0 “um” singular que luta com a nao violéncia esta em processo de reconhecimento de sua propria ontologia social. Embora os debates sobre esse tema muitas vezes presumam que podemos separar com facilidade as questdes da pritica individual e as do com- portamento de grupo, talvez o desafio da nio violencia onsista precisamente no desafio a presungio dessas “ontologias duais. Afinal de contas, se 0 “eu” é formado por meio da ago das normas sociais, e invariavelmente com relagio a vinculos saciais constitutivos, pode-se inferir dat que toda forma de individualidade € uma determinagio social. Inversamente, todo grupo nio s6 ‘composto por um € delimitado por outro, mas també conjunto diferenciado, que peessupde que a singulari- zagio constitua um aspecto essencial da sociabilidade. ‘0 problema, contudo, no pode ser definitivamente respondido por meio do recurso a esses argumentos, A WtivinDicago 4 NKo VioLENciA ‘muito embora eles sejam, na minha opinio, cruciais para ‘qualquer consideragio critica da ndo violencia. Temos de perguntar: *ndo violéncia contra quem?” e “no violencia ‘contra o qué?”. Ha distingOes que precisam ser feitas, por exemplo, entre violéncia contra pessoas, contra seres sencientes, contra a propriedade ou contra o ambiente, Além disso, hd formas de violéncia que esto destinadas se contrapor ou a deter outras violéncias: as titicas de defesa pessoal, assim como a violénciarealizada em nome | do combate & atrocidade ou & fome, ou outras crises hu- is, ou nos esforgos revolucionstios para insttuir | uma politica democrética, Embora neste breve capitulo final eu nfo possa abordar essas questdes cruciais em. toda a sua especifcidade ¢ urgéncia, talvez.possa esbo- ar de forma mais ampla as condigbes de possibilidade para registrar a reivindicagio da nao violencia. Quem & © sujcto ao qual o discurso da no violéncia & ditigido, por meio de quais enquadramentos essa reivindicagio se torna razoavel? Pode haver muitas decisGes a serem tomadas, uma vez que a reivindicagio é registrada (pode. se perfeitamente registrar a reivindicagio e resistir a la), mas a minha aposta € que, se hé receptividade reivindi seré menos fcilacitar a viléneia como um fato social normal Em um recente coléguio sobre differences, fui conv dada pla flsofa Catherine Mills considerar um apa- zenteparadoxo! Mills assnala que existe uma violéncia _mediante 2 qual o susito € formado, ¢ que as normas ue fundam o sujet sio, por definigio,violentas. Ela pergunta como, entio, se esse for 0 caso, posso fazer um apelo pela no violencia. Poderiamos fazer uma pausa imediatamente e perguntar se sio apenas normas que | formam osujito, se as normas que efetivamente tomam, | parte nessa formacio sio necessariamente violentas. Mae amos acca a tese por enquano, ever sone ela onleva Somes, plo menos parcialmente, formados pot meio davinncia Sho atributos ands gneros ou eatego sociaiscontta nossa vontade,¢ ean catego ineigibilidade ou condgio de ser reconbesdo, 0 que_ Stica que ambem comanicam gust poem 8 thcor soa dando intligbidade ow da intel {dade prea, Mas mesmo qu iso sia verdad, e acho Secs inda assim dveria ser ponte ama qu ceta Fepcurnereial pots ser produrida etre a violencia trediante a qual somos formados violencia com a [Gal uma vr foxmados, or ondutimos Na eldade, “Pode sr que, peisamente poraie alg é formado vrravds da vileaci, a esponeablidad de do repetia Wioenia da formas anda mas ugene importance demos perfetamente ser ormados no interior de uma Tetris de poder avin ndo que ier qu preciemos, Gevtada ov automaticamentereconstitieessa atria te long do curso de noses vias. Para entender 0, Jeemos de pensar pot um momento sobre 0 ue € set | fonmado em particular, ser formado por normas, ¢ |

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