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TER its ; iaee\enele JOMENTO a ic) | Eee @ Jesus se casou com Maria Madalena, sua legitima sucessora e lider da igreja primitiva. OB ectem a ech MDNR Cte eR MMM oti M i aeulects EM) imperador Constantino no Concilio de Nicéia. @ Os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e Jodo nao ensinam a Wee Star MERC ICceon te cael ire) ONE ek cence eiec ie tren ticle ce OMe eRe CM ieMur ne aaa euro Aten tt Rate ene ase Essas afirmag6es fazem do cristianismo 0 maior e mais bem engendrado embuste de todos os tempos. Sera? Dan Brown, autor do eletrizante Icelust- Imo ee/«/ (ele 2)- Ia (IePal reL- MT et" Mle od- rls ELK} histdricos. MilhGes de pessoas tém acreditado nessas inverdades, crendo Pelee eee te meee ecg Neste livro, o eminente tedlogo Erwin W. Lutzer examina as afirmag6es de PE Seno eee ern nna iaue Cee) (rel [cect eer tiv t= [O =o Om SCM (o Me ae UMMC Mola e-em Oa] meticulosa e perspicaz, ele desmascara os mitos por tras dessas e de outras WretaYs fee NAL LIN (OREM CUR F-ls (cle MA Sela Me [0 Mb di Maot Bee oa A fraude do cédigo Da Vinci é uma defesa clara e contundente da TIT CoLATee eT (eMe [Meg eT TATED LOM Me Mel -cicor- c(t eal =a CTs ae etd eer aE ant ese Mee tee Reet Case Mu Re MSC RCE) Lela Erwin W. Lutzer é pastor-titular da Moody Church em Chicago, eva. E bacharel em Meese MM ene keel ee men a Rees eee ea Ce Rue acre M Reel RU rt naes ltl ole mich TET ege ues Ear Rom ee paras ee ec eo Met ate ea elu e P=) ONE oe a aerate eae Boel Evalue Lc ere Egat feat ee) RMON oF el ee Me ee Wg le eo reeled sucessos publicados pela Editora Vida. Seus programas de radio sao transmitidos por PTA eet escent eee sect eae etc teen ce [cree Met RS ee Meee OR eT ISBN 85-73 Ti encoaree eted e Ar Ey olings57 www.editoravida.com.br ida Editora do grupo | Diregao executiva BO on: Odign Da Vinci pugeasenel teehee ZONDERVAN Eupe. Marrins ! HarrinCousns | . | Supervisio de produgao 7 SANDRA Let Edicora filiada a _ . cial Geréncia financeira ‘Camara Brasitéia po Livro, Sercio Lima. ASSOCIAGAO BRASILEIRA DF Eocrows Cxisthos Geréncia de comunicagao ¢ marketing Associngsio NACIONAL Sencto Pavaint De Lavrarias: . 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Todos ox direitos em lingua portuguesa reservados po Eprrora Vipa Rua Jiilio de Castilhos, 280 » Belenzinho ce 03059-000 Paulo, se Telefax 0 xx 11 6618 7000 www.editoravida.com.br PRoIBIDAA RETRODUCAO FOR QUAINQUIEK MEIOS, SALVO UM BREVIS CITACDES, COM INDICAGAO DA FONTE. Todas as citages biblicas foram extraidas da Nova Versio Internacional (wv1), ©2001, publicada por Editora Vida, salvo indicago em. conuzirio. nais de Catalogacio na Publicagao (cir do Livro. si RODRIGUES A nossos bons amigos, David e Nancy Lagerfeld, que me alertaram para o fato de alguns leitores de O cédigo Da Vinci estarem confundindo lendas com fatos e superstig6es com histéria séria. O compro- misso deles com o Jesus auténtico ajudou outras pessoas a encontrar o caminho. Agradeco a Erwin Lutzer por langar esse petardo sobre o rematado embuste apresentado em O eddi- go Da Vinci. As heresias do gnosticismo dos séculos Ife II esto vivas e em plena forma. Que este livro possa liquidar com essas heresias em nossos dias. Dr. R. C. SPROUL Fundador ¢ presidente do Ligonier Ministries e autor de Salvo de qué? (Vida) Erwin Lutzer apresenta uma resposta bastante oportuna a quem ¢ tentado a confiar na frouxa areia da cultura popular, desprezando a rocha sélida da verdade imutdvel de Deus. A fraude do cédigo Da Vinci 0 ajudara a navegar em meio as alegacdes de uma cultura que, tendo abandonado o Jesus ver- dadeiro, apegou-se a uma imagem feita a semelhan- ca dele. THOMAS H. L. CORNMAN, PHD Historiador especializado em histéria da igreja Vice-Diretor e deao da escola de graduacgao do Moody Bible Institute 8 | A froude do cédigo Do Vinci O dr. Lutzer conseguiu mais uma vez. No que se refere a esclarecer a confusio filosdfica e moral de nossos dias, nin- guém obtém melhor éxito. Sua andlise de O cédigo Da Vinci é meticulosa, perspicaz ¢ irretorquivel. SANDY RIOs Presidente da Concerned Women for America Se Lutzer escreve, eu leio. Pastor perito em teologia e pregador vigoroso, trata-se de um escritor atento a cultura, que expe provas nitidas e cativantes em defesa da verdade. Possibilita ao leitor separar a verdade da ficcdo, os fatos da fantasia, a realidade do mito. A fraude do cédigo Da Vinci é um livro de leitura obrigatéria. Decifra os cédigos da cons- piragao e nos capacita a crer com firmeza na “fé de uma vez por todas confiada aos santos” (Jd 3). Dr. JACK GRAHAM Pastor da Prestonwood Baptist Church, Plano, Texas Presidente da Southern Baptist Convention sumario nota do autor O enigma de Jesus pretacio Um breve exame de O cédigo Da Vinci um O aiistianismo, um politico e um credo dois Aquela outra Biblia tres Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal quatro Banidos da Biblia: por qué? cinco Uma bem-sucedida busca por Jesus Sels Caminhos discordantes: a igreja ¢ seus adversdrios epilogo Do meu coragao para o seu 13 25 67 87 107 125 145 \\ nota do autor 0 enigma de Jesus uem vocés dizem que eu sou?” Os discfpulos sabiam 0 que se dizia sobre Jesus. Para alguns, ele era Joao Batista ou um dos profe- tas, mas Jesus queria a resposta deles: “Quem vocés dizem que eu sou?”. Jesus insistiu em obter uma resposta, mas nao a respeito do que fazia ou dizia. Tampouco pergun- tou se os discipulos gostavam dele ou nao. Sua per- gunta abordava a esséncia de quem ele era como pessoa. Seria ele apenas um homem extraordina- rio ou algo mais? Essa questo nos assombra até os dias de hoje. A controvérsia em torno do langamento do fil- me A paixdo de Cristo comprova que essa divida ainda clama por resposta. Justin Pope, em um arti- go recente no Chicago Sun Times, afirma que Jesus éum simbolo remoto com muitas interpretacdes. A Froude do cédigo Da Vinci “Ha um Jesus negro e um Jesus branco. Sem parecer e com formosura, capitalista e socialista, austero e hippie. Dedica- do transformador social e consolador mistico.”! O cédigo Da Vinci sugere uma resposta diferente: Jesus, o homem casado; Jesus, o feminista; Jesus, o profeta mortal. E evidente que todos tém uma opiniao sobre Jesus. Neste livro, investigaremos as raizes histéricas do cristia- nismo primitivo. Procuraremos dar respostas dignas de cré- dito as seguintes questdes: “Quem ¢ Jesus? Os documentos que compée o Novo Testamento sao relatos confidveis de sua vida e ministério? O que isso pode significar para nés, que vivemos no século XXP?”. Examinaremos como os dissidentes dos primeiros sécu- los tinham uma interpretagao propria e radical da vida e da missao de Jesus. Tinham seus prdéprios documentos, convic- goes religiosas e mestres. Neste estudo, avaliaremos suas afir- maces e como elas ainda nos influenciam nos dias de hoje. Acompanhe-me nesta jornada, enquanto exploramos as origens da fé crista. Dr. ERWIN W. LUTZER ‘Books examine Jesus, as part of U. S. history, culture, The Chicago Sun Times, 13 fev. 2004, p. 48. prefacio Um breve exame de 0 cédigo Da Vinci em-vindo ao misterioso mundo das conspiragGes, codigos secretos e documentos histéricos escondi- dos desde os primérdios da igreja! Se vocé nao leu O cédigo Da Vinci, permita- me apresentar a histéria e algumas idéias origi- nais que vocé pode nao ter ouvido antes, como, por exemplo: * Jesus foi casado com Maria Madalena! * Deixaram descendentes que, por meio de casamentos, se misturaram a familia real francesa! Ha séculos tudo isso é conhecido, mas a ver- dade foi mantida longe do conhecimento puiblico por se temer a destruigio do poder da igreja! Alids, hd uma organizagao secreta 141 A fraude do cédigo Da Vinci responsdvel por guardar documentos que, se trazidos a puiblico, destruiriam o cristianismo como 0 conhe- cemos! “Os rumores dessa conspiracao vém transparecendo ha séculos”, diz 0 bem-sucedido escritor Dan Brown, em O cédigo Da Vinci. Alids, esse rumores tém se revelado “em intimeras linguagens, incluindo as artes, a mtisica ea litera- tura”. Também somos informados de que algumas das pro- vas mais impressionantes se encontram nas pinturas de Leo- nardo da Vinci. Ha meses O cédigo Da Vinci se encontra nas listas dos mais vendidos, e, com um filme a ser lancado em um futu- ro préximo, 0 romance certamente se tornard ainda mais conhecido. Se vocé nao leu o livro, certamente conhece al- guém que o tenha lido. Muitas pessoas esto pensando que ele contém alguma verdade. As evidéncias histéricas podem “Por que nao ser questiondveis, mas, como disse um critic podemos crer que isso poderia ter acontecido?”. Antes de responder a essa pergunta, vamos fazer um exa- me das premissas do livro. A histéria, em suma, éa seguin- te: O cédigo Da Vinci comega com o curador do Louvre caindo morto em uma poca do préprio sangue. Nesse inte- tim, Robert Langdon, professor de Harvard e especialista em simbolos esotéricos, esté em Paris a negécios. A policia francesa localiza Langdon em seu hotel ¢ Ihe pede que in- terprete um cédigo deixado prdximo ao cadaver da vitima assassinada. Em sua investigacao, Langdon é acompanhado por uma jovem criptdloga chamada Sophie Neveu. Quando Sophie, em segredo, alerta Robert de que ele € 0 principal suspeito do assassinato, eles fogem. Mas a Um breve exame de 0 cddigo Da Vinci vitima havia intencionalmente deixado pistas para que eles seguissem., Ao decifrarem as instrugdes em cédigo deixadas pelo curador, Robert e Sophie rapidamente percebeni que crime estd ligado a lendéria busca pelo Santo Graal. Pro- videncialmente, 0 casal consegue se associar a um fandtico do Graal, sir Leigh Teabing, cuja vasta pesquisa e conheci- mento auxilia seus esforcos na busca do Graal. Teabing, de forma entusidstica, apresenta ao casal os as- suntos que cercam os acontecimentos do Novo Testamento, o que inclui uma compreensao alternativa de Jesus, de Maria Madalena e da natureza do Santo Graal. Ele cita os evange- lhos gnésticos— documentos antigos que presumivelmente trazem relatos mais confidveis sobre a vida ¢ os ensinos de Cristo do que 0 Novo Testamento que conhecemos hoje. Ainda procurados pelas autoridades, Robert, Sophie ¢ agora sir Leigh escapam para Londres e depois para a Escé- cia, na esperanga de encontrar mais indicios sobre 0 assassi- nato € sua relacio com o Santo Graal. O leitor fica em suspense enquanto as personagens, determinadas ¢ inteli- gentes, penetram em um mundo secreto de mistério e cons- pirag3o, na tentativa de desmascarar séculos de engano ¢ siléncio. Sempre um passo a frente da policia, eles conse- guem se valer de cédigos secretos e manuscritos que a igreja tem tentado esconder do puiblico. E possivel que a parte mais interessante do livro, a qual forma sua esséncia, seja a idéia de que Jesus se casou com Maria Madalena, unido da qual lhes nasccu uma filha. Reza a lenda que, apds a crucificagao de Jesus, Maria ea filha, Sara, partiram para a Gélia, onde fundaram a linhagem A fraud do cédigo Ba Vinci dos merovingios, na monarquia francesa. Lemos ainda que essa dinastia perdura até hoje na misteriosa organizagao conhecida por Priorado de Sido, organizacao secreta que tinha os templarios como brago militar. Hd a suposigao de que Leonardo da Vinci, Isaac Newton ¢ Victor Hugo te- nham figurado entre os membros dessa organizacao. Até hoje, afirma Teabing, os restos de Maria Madalena e os re- gistros escavados pelos templarios estao guardados, envol- tos em segredo e mistério. E nao para por at: O cédigo Da Vinci reinterpreta 0 San- to Graal como nada mais, nada menos que os restos da es- posa de Jesus, Maria Madalena, que reteve o sangue de Cristo em seu titero enquanto carregava sua filha. Segundo o livro, Jesus tinha a intenga’o de que Maria Madalena liderasse a igreja, mas “Pedro nao via isso com bons othos”. Assim, cla foi declarada prostituta ¢ afastada do papel de lideranga. Ao que tudo indica, a igreja queria um salvador celibatério que perpetuasse 0 dominio mascu- lino. Por esse motivo, apés seu marido ter sido crucificado, Maria desapareceu coma filha e tornou a aparecer na Galia. Posse verdadeira essa teoria, ainda teriamos descendentes de Jesus entre nés. Robert e sir Leigh contam a Sophie que a verdadeira hist6ria sobre Maria fora preservada por meio de cédigos e simbolos cuidadosamente encobertos, a fim de evitar a ira da Igreja Catdlica. Nesses cédigos secretos, 0 Priorado de Sido tem conseguido preservar a prépria versio da vida con- jugal de Jesus e Maria, sem jamais contar toda a verdade. Também lemos que Leonardo da Vinci sabia tudo a res- peito dessa histdéria, tendo usado sua famosa pintura, A I | Um breve exame de 0 codigo Da Vinci | Ultima Ceia, para ocultar diversos significados. Nessa pintu- ra, Joao estd sentado a direita de Jesus, mas carrega caracte- risticas femininas. No fim das contas, constata-se que a pes- soa ao lado de Jesus nao é Joao, mas Maria Madalena. E, de forma reveladora, Leonardo nao pintou um copo ou calice sobre a mesa, outra pista de que o verdadeiro Graal é Ma- sentada a direita de Jesus! Enquanto Robert, Sophie e sir Leigh prosseguem em sua investigacao, a poderosa organizacao catdlica Opus Dei esta ri pronta para se utilizar de todos os meios necessdrios a fim de manter o segredo encoberto, incluindo-se 0 assassinato. Dispondo dos amplos recursos financeiros da igreja, a Opus Dei esta decidida a obrigar os lfderes do Priorado a revelar © mapa que traz a localizagao do Graal. Se os segredos do Priorado fossem revelados, a igreja seria desmascarada como uma fraude edificada sobre séculos de faldcias. Os objetivos de Dan Brown no so tao sutilmente vela- dos. Esse livro é um ataque direto contra Jesus Cristo, a igreja c aqueles de nds que 0 seguem e o chamam Salvador e Se- nhor. De acordo com 0 romance de Dan Brown, o cristia- nismo foi inventado para reprimir as mulheres ¢ afastar as pessoas do “sagrado feminino”. Como seria de esperar, 0 livro atrai as feministas que véem no retorno a adoragao da deusa algo necessario no combate a supremacia masculina. A conclusao dessa teoria é que 0 cristianismo se baseia cm uma grande mentira ou, mais exatamente, em varias vrandes mentiras. Antes de tudo, Jesus nao era Deus, mas loram seus seguidores que lhe atribufram divindade a fim ile reforgar o dominio masculino e reprimir quem adorasse | | | | | | | 8 A fraude do cédigo Da Vinci o sagrado feminino. Alias, segundo Dan Brown, foi no Concilio de Nicéia que Constantino introduziu 0 concei- to da divindade de Cristo com o fim de eliminar toda a oposigao, declarando herege quem discordasse. Além dis- so, Constantino também escolheu Mateus, Marcos, Lucas ¢ Joao como os tinicos evangelhos que se encaixavam em seus planos machistas. Oitenta outros evangelhos foram rejeitados, uma vez que apontavam Maria Madalena como a verdadeira lider da igreja. “Era tudo uma questao de po- der”, diz o livro. Por mais incrfvel que pareca, descobrimos que Israel, no Antigo Testamento, adorava tanto o Deus masculino Jeové como sua correspondente feminina, Shekinah. Sécu- los mais tarde, a igreja oficial, que odeia o sexo ea mulher, reprimiu essa adoracao a deusa e eliminou o sagrado fe- minino. Esse conceito de sagrado feminino que a igreja tentou reprimir é, na verdade, a idéia paga de que em ritos sexuais o homem ea mulher experimentam comunhao com Deus. “A uniao fisica com a mulher era 0 unico meio pelo qual o homem podia se tornar espiritualmente completo e che- gar a atingir a gnose — o conhecimento do divino.”’ Mas esse uso do sexo para entrar em comunhao com Deus re- presentava uma ameaga a Igreja Catélica, visto que mina- va seu poder. “Por motivos dbvios, a igreja fez de tudo para demonizar 0 sexo e reinterpretd-lo como um ato peca- 'Dan BROWN, O cédigo Da Vinci, Rio de Janeito: Sextante, 2004, p. 328. Um breve exame de 0 codigo Da Vinci minoso e repulsivo. Outras religides importantes fizeram © mesmo.”? “... quase tudo 0 que nossos pais nos ensinaram sobre Jesus Cristo € mentira’, lamenta Teabing. O Novo Testa- mento nao passa do produto de uma lideranga machista que, para controlar o Império Romano e reprimir a mu- ther, inventou o cristianismo. O Jesus verdadeiro era um genuino feminista, mas seus desejos foram desconsiderados para proteger os objetivos masculinos. Se O cédigo Da Vinci fosse anunciado como apenas um romance, seria meramente uma leitura interessante para fa- ndticos por conspiragSes que se agradam de suspenses agi- tados. O que torna 0 livro preocupante é a alegacao infun- dada de que se baseia em fatos. Nas paginas preliminares, lemos que 0 Priorado de Sido existe, assim como a Opus Dei: seita profundamente catélica e um tanto controversa cm virtude de relatos de lavagem cerebral, coerg4o e “mor- tificagao corporal”.’ Por fim, podemos ler: “Todas as des- crigdes de obras de arte, arquitetura, documentos e rituais secretos neste romance correspondem rigorosamente & rea- lidade”. Em seu site, Dan Brown faz ainda outras declaragdes sobre a confiabilidade histérica da obra. Alguns criticos cnalteceram o livro por sua “pesquisa impecdvel”, Uma mulher, ao ouvir que o livro era uma fraude, contestou: “Se nao fosse verdade, nao teria sido publicado!”. Um homem “bid., p. 309. ‘Busca da purificagio espiritual por meio do flagelo fisico. (N. do’ 20 A fraude do codigo Do Vinci disse que, agora que tinha lido o livro, jamais conseguiria voltar a entrar em uma igreja. Os leitores devem saber que a trama central desse livro ja existe hd séculos e pode ser encontrada na literatura esotérica e da Nova Era, como em O Santo Graal e a linhagem sagra- da, de Michael Baigent.‘ que serviu de referéncia para o romance. A diferenga consiste no fato de Brown ter em- brulhado essas lendas em um conto aparentemente histéri- co hoje lido por milhées de pessoas. Muitos que léem 0 li- vro ficam imaginando se 0 que ele afirma poderia, ao me- nos em parte, ser verdade. Quando a ABC’ realizou um documentirio sobre O cé- digo Da Vinci, deu credibi das vezes, desprezou estudiosos a favor de rumotes sensacio- dade ao livro e, na maior parte nalistas e especulagGes sem fundamento. Embora o progra- ma tenha terminado com a declaragao “Nao temos nenhu- ma prova’, fica claro que o livro recebe certo respeito ao sugerirem que, com ou sem provas, Dan Brown pode ter esbarrado em alguma coisa. Pouco tempo atrds li The Templar revelation: secret guar- dians of the true identity of Christ,’ escrito por Lynn Pickett e Clive Prince, que apresenta tematica semelhante a de O cddi- go Da Vinci, supostamente baseada em pesquisas histéricas. *Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. *American Broadcasting Company [Empresa Americana de Difusao], uma das empresas televisivas oficiais dos Estados Uni- dos. (N. do E.) “Publicado em portugués com o titulo A grande heresia: 0 se- gredo da identidade de Cristo (Sao Paulo: Beca, 2000). (N. do T.) Um breve exame de 0 cédigo Da Vinci Kisse livro tenta legitimar a idéia de que Maria Madalena foi a mulher designada por Jesus para iniciar a igreja. Ain- da sustenta que o Novo ‘Testamento teve toda a questo ritualistica censurada, incluindo-se os ritos sexuais. Até que ponto é plausivel que uma conspiragao tenha mantido em segredo a verdadeira histéria de Maria e Je- sus? Se isso for verdade, toda a estrutura da teologia crista ¢ uma trama para enganar as massas. Se for fato, todos os apéstolos fizeram parte dessa trama e estavam dispostos a dar a vida pelo que sabiam ser mentira. Se for verdade, nossa fé, a fé dos que confiam em Cristo, nao tem funda- mento. REVELANDO 0 EMBUSTE Considerando que O cédigo Da Vinci afirma ser semi-his- térico, é importante perguntar: “Esse livro é digno de cré- dito?”. Muitos se perguntam onde Brown cruza a linha en- trea verdade e a ficcao, o fato ea fantasia. Hd a possibilida- de de que algum dia, em algum lugar, venhamos a desco- brir que sua versio da histéria tem credibilidade? Escrevi este livro na tentativa de responder a essas ¢ a outras perguntas, Examinaremos temas como o Concilio de Nicéia, os evangelhos gnésticos, o canon do Novo Testa- mento e as pinturas de Leonardo da Vinci. Poderia Jesus nao ter passado de um lider inspirado que fundou um mo- vimento religioso? Os gnésticos representam uma forma primitiva de cristianismo usurpada pelos apdstolos machistas do Novo Testamento? Ao responder a essas questOes, creio que sua fé sera nao apenas desafiada, mas fortalecida. 2 A fraude do codigo Da Vinci Nao tenho intengao de listar todos os erros histéricos de O cédigo Da Vinci — 0 que seria uma lista realmente longa. Entre suas afirmagoes infundadas encontramos: “Jesus Cris- to foi uma figura historica de uma influéncia incrivel [... que] inspirou multiddes” quando estava na terra e, “Durante 300 anos de caga as bruxas, a Igreja queimou na fogueira a quan- tidade impressionante de cinco milhoes de mulheres”.” Essas e outras falsas afirmacGes nao sao realmente 0 mais impor- tante no principal ataque que o livro faz a fé crista. Minha intengao é concentrar-me, em vez disso, nas observacdes obs- cenas feitas a respeito de Jesus e da Biblia. Eis algumas das principais questdes a que tentarei res- ponder: * Constantino inventou a divindade de Cristo? Foi o Concilio de Nicéia, convocado por ele, que determi- nou que livros deviam ser incluidos no Novo Testa- mento? * Osevangelhos gnésticos sao fontes confidveis da his- toria neotestamentaria? * Quem definiu os livros que constituiriam 0 Novo Tes- tamento e qual foi o critério utilizado? Quando essas decis6es foram tomadas? * Eadmissfvel que Maria Madalena tenha casado com Jesus? ¢ A Opus Dei foi encarregada de destruir o Priorado de Sido a fim de esconder segredos sobre o Jesus ver- dadeiro? P. 135. Um breve exame de 0 cédigo Da Vinci * Sera verdade que o gnosticismo (definido mais adian- te) éum “cristianismo alternativo” aceitavel, que po- deria representar a verdadeira fé crista? * Seconcordamos a respeito de Deus, precisamos tam- bém concordar a respeito de Jesus? Acompanhe-me na jornada que nos levard a fascinante histéria das origens do cristianismo ¢ aos fatos que defini- ram a igreja. Tenha ou nao lido O cédiga Da Vinci, acredito que vocé se beneficiara de uma resposta crist4 aos ataques desferidos contra o Jesus histérico. 3B um 0 cristianismo, um politico e um credo ao nos faltam boas razOes para reagir com ceticis- mo quando um politico abraca a religiao, princi- palmente se a religido 0 ajuda a alcangar suas am- bigdes politicas. Vejamos o imperador Constantino, apontado em O cédigo Da Vinci como o inventor da divin- dade de Cristo visando a consolidar 0 préprio po- der. O livro também afirma que ele eliminou do Novo Testamento os livros que nao se encaixavam em seus objetivos politicos. Em O cédigo Da Vinci, Brown afirma que, ao declarar a divindade de Cristo, Constantino soli- dificou seu dominio e adquiriu o direito de decla- rar herege quem discordasse. O imperador convo- cou 0 Concflio de Nicéia em 325 d.C. para rati- aria o respaldo ficar essa nova doutrina que lhe tr: desejado. Sir Leigh Teabin, um apaixonado pelo 26) A froude do cédigo Da Vinci Santo Graal, explica a Sophie que os delegados presentes no concilio tinham concordado sobre a divindade de Jesus. Ele entao acrescenta: “... até aquele momento da histéria, Jesus era visto pelos seus discipulos como um mero profeta mortal... um grande e poderoso homem, mas que nao pas- sava de um homem. Um mortal”. Por raz6es politicas, portanto, Constantino “promoveu Jesus a divindade quase [trés] séculos depois da sua morte”.! Ao mesmo tempo, assegurou o dominio masculino ea re- presso da mulher. Ao forcar os outros a aceitar sua visdo, comprovou seu poder ¢ ficou livre para destruir seus ad- versdrios. A segunda alegacao presente no romance é que Constan- tino rejeitou os outros evangelhos por consideré-los favora- veis ao sagrado feminino. Voltando a citar Teabing: “Mais de 80 evangelhos foram estudados para compor 0 Novo ‘Testamento, e no entanto apenas alguns foram escolhidos — Mateus, Marcos, Lucas e Joao. [...] A Biblia, conformea conhecemos hoje, foi uma colagem composta pelo impera- dor romano Constantino, o Grande”? Em outras palavras, Constantino reconheceu um bom negocio quando o viu. Por isso, convocou o conselho para assegurar 0 dominio masculino e aceitar os documentos candnicos favordveis a seus planos. No romance, Langdon diz: “O Priorado acredita que Constantino e seus sucesso- res do sexo masculino conseguiram converter 0 mundo do 'Ibid., p. 251. [A edigao brasileira traz erroneamente “quase quatro séculos”.] ‘Ibid., p. 248. 0 cristianismo, um politico e um credo paganismo matriarcal para o cristianismo patriarcal através de uma campanha de demonizagao do sagrado feminino, climinando a deusa da religiio moderna para sempre”. Com esse feito, o curso da histéria da igreja foi consolidado de acordo com os desejos de Constantino. Ainda lemos: “Lembre-se de que era tudo uma questao de poder”. Comecemos a investigar essas afirmagoes. Neste capitu- lo, separaremos os fatos da ficgao, examinaremos os regis- tros antigos e descobriremos exatamente o que Constantino fez, eo que nao fez. Os historiadores cristaos concordam que, depois dos fa- tos do Novo Testamento, o mais importante acontecimento da histéria crista é a conversao do Imperador Constantino i ismo em 312 d. Em poucas palavras, eis a his- téria: as tropas de Constantino estavam estacionadas na ponte Milvio, préximo aos portées de Roma, onde se pre- paravam para depor o imperador romano Maxéncio. A vi- toria faria com que Constantino se tornasse efetivamente 0 tinico governante do império. Todavia, na noite anterior & batalha, Constantino teve uma visao que transformou sua vida ea hist6ria da igreja. Nas palavras de Eusébio de Cesaréia, que foi tanto histo- riador como confidente de Constantino, o imperador esta- va orando a um deus pagio quando “viu com os préprios olhos a imagem de uma cruz iluminada nos céus, acima do sol, trazendo a inscrigio: Com este sinal vencerds [...| F-ntao © Cristo de Deus apareceu-Ihe em sonho com o sinal que ‘Ibid., p. 134. 2] A traude do cédigo Da Vinci ele havia visto nos céus. Ordenou-lhe que reproduzisse 0 sinal, utilizando-o como protegao em todas as batalhas con- tra seus inimigos”.“ Para encurtar a histéria, Constantino cruzou a ponte e ganhou a batalha, lutando sob a bandeira da cruz crista. Posteriormente, promulgou o Edito de Milao, decretando que os cristéos nao poderiam mais ser perseguidos. Apés isso, embora fosse um politico, assumiu a lideranga em dis- putas doutrindrias que estavam perturbando a unidade do Império. Voltemos a Nicéia (atual Iznik, na Turquia, cerca de 200 quilémetros de Istambul) para descobrir 0 que aconteceu naquele lugar hé 1 700 anos. BEA-VINDO AO CONCILIO Pessoas criadas em um pais em que a religiao, em grande medida, é de cardter privado ¢ a diversidade é aceita de bom grado, podem achar dificil acreditar que, no infcio do século IV, as disputas doutrindrias estivessem dividindo o Império de Constantino. Conta-se que, se vocé comprasse um pao no mercado de Constantinopla, poderiam lhe per- guntar se vocé cria que Deus Filho fora ou nao gerado. E, se perguntasse sobre a qualidade do pao, poderiam dizer- Ihe que 0 Pai é maior ¢ o Filho, menor. Contribuindo para essas controvérsias, havia um homem chamado Ario, que vinha ganhando muitos seguidores ao “Mark A. NOLL, Tierning points: decisive moments in the history of Christianity, Grand Rapids: Baker, 1997, p. 50. [Publicado em portugués com o titulo Momentos decisivos na histéria do cristianis- mo (Sao Paulo: Cultura Crista, 2000).] 0 cristianismo, um politico e um credo ensinar que Cristo nao era Deus em todos os seus atributos, mas um deus criado e inferior. Ele cria que Cristo era mais que um homem, mas menos que Deus. Era um grande ora- dore, criando frases sonoras e de facil fixagao para sua dou- trina, suas idéias se tornaram amplamente aceitas. Apesar de muitos bispos o declararem herege, 0 debate nao tinha fim. Na esperanga de resolver as discérdias e unificar o cris- tianismo, Constantino convocou o primeiro concilio da cristandade em Nicéia. Na verdade, o imperador até pagou as despesas dos bispos que compareceram. Constantino nao se importava com pontos teolégicos mais sutis. Logo, praticamente qualquer credo 0 teria deixado satisfeito, com a condigao de que unificasse seus stiditos. Como disse um historiador: “O cristianismo tornou-se tan- to um caminho para Deus como um caminho para a unifi- cagio do Império”.> O préprio Constantino fez 0 discurso de abertura, dizendo que a desuniao doutrindria era pior que a guerra. Alguns delegados se ressentiram dessa intromissao de um politico nas doutrinas e procedimentos da igreja, enquanto outros aacolheram de forma positiva. Veja que, para os que atravessaram um periodo de intensa persegui¢ao, essa con- feréncia, realizada sob a bandeira imperial, era o céu sobre a terra. O GRANDE DEBATE Mais de trezentos bispos se reuniram em Nicéia a fim de solucionar as quest6es sobre cristologia, ou seja, a doutrina ‘Tbid., p. 51. 29 30 A fraude do cédigo Da Vinci acerca de Cristo. Tao logo Constantino encerrou o discur- so de abertura, os debates tiveram inicio. Aassembléia, de forma maci¢a, declarou Ario herege. Ainda que Ario tivesse a oportunidade de defender suas concepgées, os delegados reconheceram que, se Cristo nao era completamente Deus, Deus nao era o Redentor da humanidade. Dizer que Cristo fora criado seria negar um claro ensino das Escrituras: “Pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e€ na terra, as Visiveis € as invisfveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; to- das as coisas foram criadas por ele e para ele” (Cl 1.16). E evidente que, se ele criou sodas as coisas, nao podia ele mes- mo ter sido criado! Muitas outras passagens que ensina- vam a divindade de Cristo foram acrescentadas, extraidas tanto dos evangelhos como das epistolas (Jo 1.1; Rm 9.5; Hb 1.8 ete.). Apés terem confirmado a divindade de Cristo, os dele- gados passaram a considerar como ele se relacionava com 0 Pai. Eusébio, o historiador, apresentou sua visdo, afirman- do que Jesus tinha uma natureza semelhante & de Deus Pai. Embora nao tivesse sido convidado a participar dos de- bates, o tedlogo Atandsio estava presente. Ele cria que até mesmo dizer que Cristo é semelhante a Deus é nao perceber a plenitude do ensino biblico sobre a divindade de Cristo. Seu raciocinio de que Cristo sé poderia ser Deus em sua plenitude se sua natureza e a do Pai fossem a mesma foi ex- presso por seu representante, Marcelo, bispo da Asia Menor presente na conferéncia. Constantino, vendo que o debate ia em conformidade com a posigao de Atandsio, aceitou O cristionismo, um politico e um credo a sugestao de um bispo mais erudito e sugeriu que os dele- gados usassem a palavra grega homoousion, que significa “exatamente a mesma coisa”. Em outras palavras, Jesuis te- ria exatamente a mesma natureza do Pai. O conselho concordou e, hoje, temos 0 famoso Credo niceno. Qualquer pessoa que j4 tenha citado 0 credo sabe que Jesus é descrito como “Luz de Luz, verdadeiro Deus, de verdadeiro Deus; gerado, nao feito; consubstancial com o Pai; por quem todas as coisas foram feitas” (grifo do au- tor). Nao ha diivida alguma de que os delegados ratifica- ram a divindade de Cristo no sentido mais amplo. E por que esse debate deveria nos interessar? Alguns cri- ticos tm achado curioso que o Concilio de Nic¢ia tenha discutido tao insignificante questao. A diferenga entre as palavras gregas para semelhante e mesmo se resume em uma tinica letra: a letra 7. Alguns defendem que isso se asseme- lha aos tedlogos que discutem minticias, debatendo peque- nos detalhes com quase nenhuma relagio com 0 mundo real. Teria sido muito melhor que ajudassem aos pobres ou se envolvessem na politica da época! Mas William E. Hordern conta uma histéria que mostra como uma tinica letra, ou virgula, pode alterar 0 significa- do de uma mensagem. No passado, quando as mensagens cram enviadas por telégrafo, havia um cédigo para cada sinal de pontuagao. Uma mulher que viajava pela Europa cnyiou uma mensagem ao marido, perguntando se podia comprar um belo bracelete de 75 000 délares. O marido respondeu com a seguinte mensagem: “No, price too higi | Nao, preco muito elevado)”. O telegrafista, ao transmitir a 3] | A froude do cédigo De Vinci mensagem, deixou de incluir a virgula. A mulher recebeu a resposta: “No price too high [Nenhum preco é muito eleva- do)”. Ela comprou o bracelete, 0 marido processou a em- presa de telégrafos e ganhou! Afinal de contas, as pessoas | que usam cédigo Morse devem transmitir toda a pontua- | cao. Sem dtivida alguma, uma virgula ou uma minticia | podem fazer grande diferenga na transmissao de uma men- | sagem!® Embora 0 Concilio de Nicéia estivesse dividido entre as | palavras gregas semelhante e mesmo, a questao era de extre- | ma importancia. Se Cristo fosse uma criatura, ainda que a 32; mais nobre e elevada dentre elas, Deus estaria apenas indi- retamente envolvido na salvagao do homem. Como disse um historiador, Atandsio percebeu que “somente se Cristo for Deus, sem qualquer limitagao, Deus tera se tornado homem, ¢ assim, a comunhao com Deus, 0 perdao de peca- dos, a verdade de Deus e a imortalidade teriam sido com certeza trazidos ao homem”.” Em O cédigo Da Vinci, lemos que a doutrina da divinda- de de Cristo passou por uma “votacao bastante renhida”. Isso nao passa de fic¢ao, visto que, dentre os mais de 300 bispos (acredita-se que eram na verdade 318), somente cinco protestaram contra o credo. Alias, no fim das contas, °A layman’ guide to Protestant theology, New York: Macmillan, 1955, p. 15-6. [Publicado em portugués com o titulo Zeologia protestante ao aleance de todos (Rio de Janeiro: JUERP, 1986).] Reinhold SEEBERG, The history of doctrine, Grand Rapids: Baker, 1964, p. 211. 0 cristianismo, um politico ¢ um credo somente dois se recusaram a assinar. O resultado da vota- (to nao foi exatamente envolto em suspense, Isso nao quer dizer que o Concilio de Nicéia tenha solu- cionado todas as diferengas. O arianismo continuou a ter scus adeptos e os imperadores posteriores apoiaram a visio que lhes parecia mais oportuna a sua época. Mas, desse momento em diante, a ortodoxia crista continuou a susten- tar que Jesus era “verdadeiro Deus, de verdadeiro Deus”. Quanto a ser ou nfo genufna a conversao de Constan- tino, é algo que merece reflexao e debate. Nao sabemos se cle foi um adorador do Sol antes de sua “conversao”. E apa- rentemente seguiu tal adoragao durante o resto de sua vida. Além de tudo, atribui-se a ele a padronizacao da adoracao crista com o estabelecimento do domingo® como dia de culto. Ele sem dtivida se utilizou do cristianismo para fo- mentar seus objetivos politicos. Mas sera que ele inventou a divindade de Jesus? Antes daquele concilio, acreditava-se que Jesus nao passava de um homem extraordinario? Nao ha o menor traco de compro- vagio histérica dessa idéia. A divindade de Cristo nao ape- has era um consenso entre os delegados, mas, como pode ser facilmente demonstrado, uma doutrina sustentada pela igreja séculos antes desse concilio se reunir. Ao contrario da afirmagio de Teabing em O cédigo Da Vinci, ainda antes do concflio de 325 d.C., muitas pesso- us acreditavam que Cristo era mais que um “profeta mor- tal”, Devemos separar alguns momentos para ler 0 legado 5O dia do deus Sol na cultura pagi. (N. do E.) 3 34 A fraude do cédigo Da Vinci dos pais apostdticos: aqueles que conheceram os apdstolos e foram ensinados por eles. Entao poderemos examinar os escritos da segunda e da terceira geracao de lfderes, cada um confirmando a seu modo a divindade de Jesus. OS PAIS DA IGREJA Permita-me apresentar alguém que ansiava morrer por Je- sus. Essa era a atitude de Indcio, bispo de Antioquia, na Siria. Em 110 d.C., escreveu uma série de cartas a diversas igrejas enquanto era levado para ser martirizado em Roma. O ponto central de sua doutrina era a convicgao de que Cristo era Deus encarnado. “Ha um tinico Deus que se manifesta por meio de Cristo Jesus, seu filho.”” Outra fon- te é ainda mais especifica: Indcio fala a respeito de Jesus como “Filho de Maria e Filho de Deus [...] Jesus Cristo, nosso Senhor”, e chama a Jesus “Deus encarnado”. Na ver- dade, chega a referir-se a ele como “Cristo Deus”.!° Lembre- se de que isso foi escrito completos duzentos anos antes do Concilio de Nicéia! Dentre outros exemplos, figuram os seguintes: * Policarpo de Esmirna, discipulo do apéstolo Joao, enviou uma carta a igreja de Filipos entre 112 ¢ 118 d.C. Nessa carta, ele supde que aqueles a quem a car- ta se dirige reconhecem a divindade de Jesus, sua °E. H. KLOTSCHE, The history of doctrine, Grand Rapids: Baker, 1979, p. 18. "Geoffrey BROMILEY, Historical theology: an introduction, Grand Rapids: Eerdmans, 1978, p. 4. 0 ctistianismo, um politico e um credo exaltagao aos céus e posterior glorificacao. Policarpo foi martirizado por volta de 160 d.C., dando teste- munho de sua fé na presenga de seus cxecutores."! * Justino Martir nasceu na Palestina e ficou impres- sionado com a capacidade que tinham os cristaos de enfrentar a morte de forma herdica. Quando ouviu o evangelho, converteu-se ao cristianismo € se tornou defensor da fé que amava. Disse que Cristo fora “filho eapdstolo de Deus Pai, e mestre de todos”.'* Nasceu em torno de 100 d.C., sendo martirizado em 165 d.C. * Treneu tornou-se bispo de Lido em 177 d.C. Passou grande parte da vida combatendo a heresia do gnos- ticismo, o qual examinaremos no préximo capitulo. Dissertando sobre passagens como Joao 1.1, ele es- creveu que “qualquer distingao entre 0 Pai ¢ 0 Filho é inutil, pois o Deus uno fez todas as coisas por inter- médio de sua Palavra.'? Aessa lista, poderfamos acrescentar mestres como Tertulia- no (150-212) que, cem anos antes de Constantino, defendia que Cristo era completamente humano ¢ completamente divino. Dezenas de outras obras, escritas nos primeiros sécu- los, provam que a igreja primitiva declarava a divindade de Jesus. Suas convicges estavam alicergadas nas Escrituras do Novo Testamento, cuja autoridade jé era aceita pela igreja. USEEBERG, The history of doctrine, p. 69. ?BROMILEY, Historical theology, p. 14. SIbid., p. 20. 35 A fraude do cédigo Da Vinci Durante os dois séculos e meio que antecederam o Concilio de Nicéia, a opiniao quase universal da igreja era favordvel a divindade de Cristo, tal qual ensinavam as Escrituras. 0 TESTEMUNHO DOS MARTIRES Quando nos lembramos das perseguigdes em Roma, en- contramos mais provas de que a divindade de Cristo nao foi idéia de Constantino. Se tivéssemos pertencido a uma pe- quena congregacao na Roma dos séculos II ¢ III, terfamos ouvido o seguinte anuncio: “O imperador [César Augusto] expediu nova ordem, determinando que todos os cidadaos romanos comparegam a ceriménia politico-religiosa plane- jada para unificar a nagao e reavivar o decaido patriotismo dentro do Império”. Os romanos acreditavam que, se alguém tivesse um Deus acima de César, nao seria confidvel duran- te uma emergéncia nacional como em, por exemplo, a guer- ra. Era ordenado que todos os bons cidadaos “adorassem o espirito de Roma ¢ 0 talento do imperador”, conforme o texto do decreto. Na prdtica, essa ceriménia se resumia a queimar incenso e dizer: “César é Senhor’”. Por vezes, a perseguig4o era especificamente dirigida contra os que adoravam a Jesus. Todavia, na maior parte dos casos, César nao se importava com o Deus que uma pessoa adorava. Apés fazer a confissao anual obrigatéria de que César era “Senhor”, a pessoa ficava livre para ado- rar o Deus que desejasse, incluindo-se Jesus. As congrega- Ges cristas — e havia muitas delas — tinham de fazer uma escolha dificil: ou cumpriam sua obrigagao de cida- dao, ou enfrentavam uma cruel puni¢ao. Muitos cristaos assistiram a seus parentes e amigos serem atirados As feras 0 cristionismo, um politico e um credo ou chacinados por gladiadores por se recusarem a confes- saro senhorio de César. Se Jesus fosse visto como uma dentre muitas op¢és, os crist&os poderiam oferecer lealdade a outras manifestagdes do divino. Por que nao chegar a um denominador comum om o conjunto de todas as religides? Isso nao apenas teria favorecido a harmonia, mas também o bem comum do Estado. Assim, a escolha, em rigor, nao era se os cristaos adorariam a Cristo ou a César, mas se adorariam a Cristo e a César. Se vocé algum dia tiver a oportunidade de conhecer Roma, nao deixe'de visitar o Panteao: uma das mais anti- pas e belas construgdes ainda de pé hoje, concluida em 126 d.C. Uma obra prima de perfeigao com um enorme domo hemisférico. Era considerado 0 “templo dos deu- ses” para Roma. Um lugar onde todos os diversos deuses da Antigiiidade romana estavam dispostos. Cheio de esta- tas e artefatos, era ali que ocorria a adoracéo das muitas icligides romanas. Curiosamente, os pagdos nao viam nenhum conflito en- tre a adoragdo ao imperador € a adoraco a seus préprios deuses, O paganismo, tanto 0 antigo como o atual, sempre {oi tolerante com outros deuses finitos. Afinal, se seu deus nao éuma divindade suprema, nao lhe resta escolha. E pre- ciso admitir outros deuses e celebrar 0 esplendor da diver- sidade. Mas os cristéos compreendiam algo com bastante clare- za: se Cristo era realmente Deus, ¢ eles assim criam — se cra “verdadeiro Deus, de verdadeiro Deus” — ndo lhes era possivel adord-lo juntamente com outros deuses. Assim, 37 38 A fraude do cédigo Da Vinci embora alguns sé curvassem diante de César a fim de salvar avida ea familia, muitos — milhares deles — estavam dis- postos a desafiar as autoridades polfticas ¢ pagar caro por seu comprometimento. Apés um tempo de intensa perseguicao para quem de- clarava a divindade de Jesus, aconteceu o inesperado. O imperador decidiu que a persegui¢gao aos cristaos deveria cessar, Para cumprir sua palavra, autorizou que uma estd- tua de Jesus fosse posta no Panteao para expressar sua boa vontade e provar que Jesus era agora considerado um deus legitimo, juntamente com os outros. Mas os cristaos disse- ram: “Muito obrigado, mas nao queremos isso”. Eles com- preendiam que a divindade de Jesus significava a impossi- bilidade de abrig4-lo sob o mesmo teto com deuses pagios. Quero apenas destacar que, séculos antes de Constantino, esses primeiros cristaos j4 tinham comprovado crer na di- vindade de Jesus. E, por suas convicgdes, passaram por re- presdlias, PperseguigGes e, muitas vezes, a morte. A afirma- go de O eddigo Da Vinci, segundo a qual Constantino “pro- moyeu Jesus a divindade” é pura ficgao. Nao é de admirar que a marca dos hereges nos tempos do - todo es- Novo Testamento era a negag4o da encarnacao. “ pirito que confessa que Jesus Cristo veio em carne procede de Deus; mas todo espirito que ndo confessa Jesus nao proce- de de Deus” (1Jo 4.2,3). A convicgao de que, em Cristo, Deus se fez homem era o cerne da fé dos primeiros cristaos. 0 CONCILIO DE NICEIA £ 0 CANON DO NOVO TESTAMENTO oO cédigo Da Vinci, assim como muitos textos ocultistas, afirma que Constantino e seus representantes decidiram 0 cistiniso, um politico © um cedo climinar livros especificos do Novo Testamento, excluindo tudo 0 que se opusesse a sua teologia do dominio masculino c aseu esforgo pela repressio sexual. Ja citamos sir Leigh Icabing dizendo que mais de oitenta evangelhos foram apreciados na formagao do Novo Testamento e que a Biblia como a conhecemos foi compilada por Constantino. Pude ler viséo semelhante em The Templar revelation [A revelacao dos templarios], livro em harmonia com O cédigo Da Vinei que alega apresentar a plausibilidade histérica desses acontecimentos. Os autores asseveram: “Em nossa opiniao, a Igreja Catédlica jamais quis que seus membros soubessem do relacionamento entre Jesus e Maria. Eis 0 motivo de os evangelhos gnésticos jamais terem sido inclui- dos no Novo Testamento, razao também de a maioria dos cristaos nem saber que eles existem. O Concilio de Nicéia, uo rejeitar os muitos evangelhos gnésticos ¢ votar para in- cluir somente Mateus, Marcos, Lucas e Joao, nao dispunha de um mandato divino para perpetrar esse enorme ato de censura. Agiram visando a prépria preservagao, pois naquela D’Hol- bach identifica Voltaire como a origem da ficcao, mas, ao pesquisar mais profundamente, descobrimos uma fonte ain- da mais antiga para esse boato. Um documento anénimo chamado Vetus synodicon, es- crito por volta de 887 d.C., tem um capitulo dedicado a cada concilio realizado até aquela data. Todavia, o com) pila- dor acrescenta detalhes ausentes nos registros histéricos. Em seu relato sobre Nicéia, ele escreve que o concilio tratou de assuntos como a divindade de Jesus, a Trindade e 0 cénon. Ele diz: “Os livros canénicos e apécrifos foram diferencia- dos da seguinte maneira: na casa de Deus, os livros eram Uhttp://www.tertullian.org 0 cistianismo, um politico ¢ um credo colocados no chao, ao lado do altar sagrado. Entao 0 conse- Iho orava ao Senhor, pedindo que as obras inspiradas fos- sem encontradas em cima do altar, como de fato aconte- cia”.'6 Esté mais do que claro que isso nao passa de lenda. Nao h4 mengao alguma de tais procedimentos nos docu- mentos principais que dizem respeito a Nicéia. Ainda que essa histdria fosse verdadeira, continuaria sem comprovacao a afirmacao de que o concilio rejeitou de- terminados livros do Novo Testamento por promoverem o feminismo ou a idéia de que Maria Madalena fora casada com Jesus. Esses assuntos simplesmente néo entraram em debate. Por falar em lendas, ha outra em torno do Credo de Nictia. Essa lenda conta que, apds a morte dos dois bispos que nao assinaram 0 credo, os pais da igreja, nao querendo alterar 0 milagroso numero 318 (supostamente o nimero de dele- gados presentes), depositou o credo sobre suas tumbas du- rante toda uma noite, “onde suas assinaturas foram mira- culosamente acrescentadas”.'’ Esse tipo de superstigao pu- lulava na era medieval. Mais adiante veremos que Constantino solicitou que cin- qiienta Biblias fossem copiadas para as igrejas de Constan- tinopla. Mas é falsa a afirmacao encontrada em O cédigo Da Vinci de que Constantino manipulou as Escrituras ou excluiu determinados livros. E um bom lembrete de que as lendas sao muitas vezes confundidas com os fatos, de tal ‘Ibid. "Ibid. 4] 42 A fraude do cédigo Da Vinci modo que chegam a suplanté-los. Quando se apresenta uma histdria sem consulta ds fontes, pode-se escrever qualquer coisa que venha 4 mente. No pantedo das falsificagdes, O cédigo Da Vinci esta bem ao lado das aparigoes de Elvis. A HISTORIA SE REPETE Ja vimos que o governo oficial romano abominava 0 ex- clusivismo do cristianismo: a idéia de que Cristo era 0 unico caminho para Deus. Os romanos ficavam encolerizados di- ante da simples mengao de que Cristo estava acima dos ou- tros deuses — ou, ainda, de que nenhum outro deus se- quer existia. Para eles, era insuportavel, tanto do ponto de vista politico quanto religioso, a insisténcia crista de haver um s6 redentor legftimo disposto a vir salvar a humanida- de. Os romanos eram tolerantes com todos, menos com os intolerantes. No préximo capftulo, veremos que outro poderoso ata- que contra a fé crist@ nao veio da classe dominante, mas de fandticos religiosos que queriam mudar a doutrina crista. Apesar de 0 gnosticismo ser um movimento religioso e nao politico, partilhava das mesmas motivagées do governo ro- mano: nao podia tolerar as afirmagées exclusivistas feitas por Jesus. Os gnésticos, de maneira cinica, usaram o que lhes aprouve na fé crista, negando 0 que consideravam doutri- nas tacanhas ensinadas pela igreja primitiva. Ao investigarmos 0 gnosticismo, verificaremos notaveis semelhangas com a busca pela espiritualidade encontrada hoje em dia. O gnosticismo convida seus seguidores a di- vidir a lealdade entre Jesus ¢ as divindades conflitantes 0 cristignismo, um politico e um credo inferiores. Afirma que nossa verdadeira necessidade nao é © perdao, mas a auto-iluminagao. Jesus, afirmam os gnés- ticos, pode ajudar-nos nessa empreitada, mas nao é indis- pensdvel em nossa busca pela salvacao. O gnosticismo rejeita a conclusao de Nicéia, a menos, é claro, que todos sejamos vistos como divindades. Como os adeptos da Nova Era em nossos dias, os gnésticos acredita- vam que cada pessoa pode encontrar Deus em sua vida. Nao é de admirar que Paulo escrevesse: “Pois vira o tempo em que nao suportarao a sa doutrina; ao contrario, sentin- do coceira nos ouvidos, juntarao mestres para si mesmos, segundo os seus prdprios desejos” (2Tm 4.3). Acompanhe-me na investigagao dos documentos gnés- licos. dois Aquela outra Biblia océ sabia que hd outra Biblia a venda nas livrarias de sua cidade? Nao estou me referindo a uma nova tradugao da Biblia, mas a uma verséo completa- mente diferente: uma Biblia com cerca de cingiien- ta livros. Alguns desses livros trazem nomes como Evangelho de Tomé, Evangelho de Filipe, Evangetho de Maria e Evangelho da verdade. Seja bem-vindo a Biblia gnéstica, que mantive aberta na minha frente enquanto escrevia este ca- pitulo, Algumas pessoas gostam mais dessa Biblia do que aquela com que estamos familiarizados. Gos- tam do que ela ensina sobre Deus, Cristo, a huma- nidade e a mulher. Essa Biblia permite-nos trans- formar Deus no que quisermos que ele (ou ela) seja. Essa Biblia aceita 0 sagrado feminino e 0 conheci- mento esotérico pessoal. Enfim, estamos livres de A fraude do codigo Da Vinci doutrinas coibitivas como o nascimento virginal, a divinda- de exclusiva de Jesus e sua ressurreigao. Essa Biblia é sufi- cientemente ampla para abranger toda a nossa cultura, per- mitindo-nos crer no que desejarmos. Ha um sentimento cada vez maior de que descobrimos um canon alternativo, o qual nos apresenta um jeito dife- rente de “ser cristao”. Argumenta-se que os chamados evan- gelhos gnésticos trazem relatos da vida de Jesus e de seus ensinamentos mais confidveis que os presentes nos evange- lhos candnicos. Os evangelhos gnésticos, diriam algumas pessoas, representam melhor 0 cristianismo primitivo que aquela Biblia com que a maioria de nés foi criado. A introducao da Biblia gndstica diz: “Apresentamos estes textos como livros sagrados e escrituras sagradas dos gnésti- cos, formando assim, no todo, a literatura gnéstica sagra- da”.! Desse modo, de par da nossa Biblia classica, temos agora textos “sagrados” que competem com ela. Em O cédigo Da Vinci, os evangelhos gnésticos forne- cem a base histérica para o suposto casamento entre Jesus e Maria Madalena, aparentemente presente no Evangelho de Filipe. No romance, sir Leigh Teabing cita a passagem ¢ fala: “Infelizmente, para os primeiros editores, um tema terreno particularmente perigoso vivia aparecendo nos evangelhos. Maria Madalena. [...] Mais especificamente, ‘Willis BARNSTONE & Marvin MEYER, The gnostic Bible, Boston! London: Shambhala, 2003, p. 19. Existem ainda outras tradu- goes dos Evangelhos gnésticos, como a editada por James M. ROBINSON, The Nag Hammadi Library (3. ed., Leiden: Brill, 1988). [Recém-lancada em portugues, o livro Apécrifos ¢ pseudo- epigrafos da Biblia (Sio Paulo: Novo Século, 2004) contém todos os evangelhos gnésticos mencionados nesta obra. (N. do R.)] Aquela outra Biblia o casamento dela com Jesus Cristo”.’- Mais adiante no ro- mance, o Fvangelho de Maria é citado para demonstrar que Jesus tencionava que Maria Madalena se tornasse a lider da igreja. Visto que o tal casamento entre Jesus e Maria Madalena éocerne de O eddigo Da Vinci, examinaremos essa questao com mais detalhes no capitulo seguinte. Por ora, quero ape- nas fazer uma rapida apresentagao dos evangelhos gnésticos, a fim de compreendermos melhor suas origens e doutrinas. A palavra gnéstico origina-se do grego gnosis, que signifi- ca “conhecimento”. A palavra ¢ utilizada, mais exatamente, com o sentido de conhecimentos ocultos acessiveis somente aos iluminados. Os gnésticos acreditavam compartilhar de experiéncias espirituais secretas que lhes punham em posi- ¢4o privilegiada para interpretar a religiosidade do mundo. Sua versao do cristianismo era, dentre outras coisas, femi- nista. Deus é as vezes descrito como um ser andrégino, ou seja, com caracterfsticas tanto masculinas quanto femininas. Alguns desses textos descrevem ritos sexuais, outros fazem referéncias confusas a ensinamentos sobre Jesus e seus disci- pulos. Naturalmente, esses textos sao usados na literatura feminista na tentativa de redefinir 0 cristianismo, revelan- do a “verdadeira historia” por tras de suas origens. “Dezenas de textos cristaos j4 foram considerados sagra- dos, depois, heréticos ¢, por fim, esquecidos. Por que estamos voltando a procuré-los?”* Essa diivida foi apresentada na °P, 261. 3David van BIEMA, The lost Gospels, Time, 22 dez. 2003, p. 56. 4] 48 A Froude do cédigo Do Vinci revista Time, cuja matéria de capa tratava desses evange- Thos. Lemos ali que esses evangelhos “preenchem uma necessidade evidente de visdes alternativas da histéria cris- (4, tanto por parte de prosélitos da Nova Era como por par- te de fidis heterodoxos incomodados com algumas restri- g6es teoldgicas em sua fé”.* O artigo afirma que alguns gru- pos de estudo de igrejas estao lendo esses evangelhos alter- nativos e descobrindo que esto em harmonia com o atual espirito de tolerancia, endossando a religiao do tipo “faga vocé mesmo”. Visto que a Biblia —a tradicional — sobreviveu ao teste do tempo e os discipulos sobreviveram ao teste da histéria da arqueologia, nao seria minimamente justo passarmos a Biblia gnéstica pelo mesmo exame histérico recebido pela Biblia mais conhecida? Infelizmente, isso éao mesmo tem- po mais dificil e mais facil. E. mais dificil porque a Biblia gnéstica nao traz referéncia alguma a rios, vales ou seqiién- cias de acontecimentos especificos, como faz a Biblia tradi- cional. Na maior parte, os evangelhos gnésticos nao tem nenhuma pretensao de ser um registro fidedigno de qual- quer fato. Sao mais exatamente meditagées de varios mes- tres. Na verdade, como veremos mais adiante, os escritores gndsticos nao acreditavam que os fatos histricos fossem realmente relevantes 4 busca espiritual. Nao obstante, é facil fazer uma critica desses evangelhos, visto que sabemos bastante sobre os gndsticos e seu modus operandi para por em divida sua confiabilidade. Falando ‘Ibid., p. 56. Aquela outra Biblia de forma gentil, nao hé motivo para aceitar o valor histéri- co dos evangelhos gndsticos. Seu mérito se restringe a in- formar sobre a crenga dos gndésticos, embora nao tragam mais informagoes sobre Jesus, Maria Madalena ou 0 cristia- nismo primitivo. No entanto, considerando 0 fato de esses evangelhos se- rem constantemente citados em O eédigo Da Vinci, além de amplamente utilizados em diversas interpretacdes mos observar mais ocultistas do Novo Testamento, prec atentamente sua origem e contetido. ‘Hravamos assim uma batalha por nada menos que a verdadeira Biblia. DESCOBRINDO 05 ESCRITOS GNOSTICOS n 1945, no Egito, um camponés que cavava em busca de lertilizantes encontrou um jarro de ceramica vermelha. Imaginou ter achado ouro, mas, como alguém ja disse, na verdade achou algo muito mais precioso que ouro. Dentro do jarro havia treze rolos de papiro, envoltos em couro, es- critos em copta. Ainda que alguns manuscritos estivessem queimadbos ou estragados, muitos estavam intactos. E bégico que ninguém sabe quando foram enterrados, mas as datas de origem dos originais vao de 150 d.C. ao século IV ou V. K'specialistas traduziram esses documentos para os idiomas modernos, de modo que nés mesmos pudéssemos 1é-los. To- dos esses escritos, juntamente com outros de origem chine- sa ¢ judaica, so encontrados na Béblia gnéstica. Um rdpido histérico se faz necessdrio. Os gndsticos eram um grupo de pensadores grandemente influcnciados por Platao. Discordavam entre si em muitos assuntos, tornando 49 50| A fraude do cédigo Da Vinci dificil resumir suas crencas exatas em poucas frases. Basta dizer que a maioria negava a idéia de um Deus tornando-se carne, pois a matéria era considerada m4 e, com base nisso, Deus nao podia tornar-se homem. Especulavam sobre a origem do mal ¢ seu relacionamento com a criagao. Afir- mavam que o homem deve achar seu proprio caminho para a salvagao, e seu problema no ¢ 0 pecado, mas, sim, sua necessidade de autoconhecimento. Alguns gnésticos aceitavam abertamente uma divinda- de que era tanto feminina quanto masculina. Quase todos negavam a ressurreicao fisica de Jesus. Alguns chegavam a ensinar que Jesus nao morrera na cruz, mas outro homem tomou seu lugar. Embora discordassem sobre 0 modo de alcancar a salvag4o, concordavam em que estava a nosso al- cance. A redengao, para eles, podia ser alcancada pelo en- contro direto com o divino, sem nenhuma mediacao de Cristo ou da igreja. Como era de esperar, os ensinamentos gndsticos tém sido conhecidos e estudados desde o inicio de nossa era. Por sinal, Ireneu escreveu no século II 0 livto Contra as heresias, no qual desmascara os ensinos gnésticos apresenta as razdes para os cristaos os considerarem hereges. Assim, de certa for- ma, os documentos atuais trazem muito pouco de novo. No- vidade é a fascinagao popular por esses textos por causa do ambiente religioso dos Estados Unidos. Citando Marcus Borg, autor de The heart of Christinity [A esséncia do cristianismo): “Ha grande interesse nas divergéncias entre os primeiros cris- tos porque muitas pessoas que safram da igreja e algumas que ainda estao nela buscam outra forma de ser cristas”.° “Ibid., p. 56. Aguela outra Biblia UNA AVALIACAO DA BIBLIA GNOSTICA Fagamos juntos um passeio pela Béblia gndstica. Como ja vimos, alguns dos livros trazem nomes com os quais estamos {amiliarizados: Evangelho de Pedro, Evangelho de Maria, Lvangelho de Filipe e Evangelho de Tomé. Logo, indepen- centemente do que sejam esses “evangelhos”, nao hé duivi- da de que os autores tentaram passar a nitida impressao de que se baseavam em fontes cristas. Mas até que ponto essas fontes sao confidve Autoria espéria »ara comeco de conversa, nem mesmo o pesquisador mais radicalmente liberal acredita com seriedade que o Evange- /ho de Tomé tenha sido escrito pelo Tomé do Novo Testa- mento, ou que o Evangelho de Filipe tenha sido escrito pelo Vilipe do Novo Testamento. Pode-se afirmar o mesmo dos outros evangelhos gndésticos que ostentam o nome de apés- tolos. Como poderemos ver, as datas dos documentos e os locais em que foram escritos demonstram terem sido nao niais que meramente atribuidos aos apéstolos. Isso tinha por (inalidade emprestar-lhes credibilidade, dando assim a im- pressao de serem uma versao remota do cristianismo. A igreja primitiva rejeitava completamente qualquer li- vro escrito sob pseudénimo, ou seja, por alguém usando o nome de um apéstolo a fim de ganhar credibilidade. O apdstolo Paulo, jé a par desses escritos em sua época, escre- veu: “Irmaos, quanto a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo © A nossa reuniao com ele, rogamos a vocés que nao se dei- xem abalar nem alarmar tao facilmente, quer por profecia, 5 52 A fraude do codigo Da Vinci quer por palavra, quer por carta supostamente vinda de nds, como se o dia do Senhor jé tivesse chegado” (2Ts 2.1,2). Os hereges, j4 naquela época, escreviam cartas usando o nome de Paulo. Tais fraudes nao condizem com a inspira- 40 divina creditada aos documentos do Novo Testamento. Um dos motivos pelos quais a segunda epistola de Pedro era rejeitada por algumas pessoas na igreja primitiva eram as dtividas sobre Pedro ser de fato seu autor. Aqui nao é lugar para tratarmos dos motivos de tal con- trovérsia, mas podemos dizer que Origines, por volta de 240 d.C., afirmou que tal epistola era contestada, sem no entanto rejeita-la. Eusébio, que j4 tivemos oportunidade de conhecer, também o incluiu em uma lista de livros contes- tados, mas nao o deixou de fora do canon. Caso tivesse sido escrito por outro autor, ele provavelmente nfo teria come- cado com a saudacio: “Simao Pedro, servo e apéstolo” (2Pe 1.1). Pedro, mais que qualquer outro autor que quisesse usar seu nome para atribuir autoridade ao livro, teria maior ten- déncia a referir-se a si mesmo como Sim4o. Ademais, suas doutrinas estao de acordo com os outros livros do Novo Testamento. Tal concordancia é mais um si- nal positivo de sua canonicidade. A natureza pessoal de sua experiéncia também confirma que 0 livro foi escrito por Pedro, discfpulo de Jesus. A histéria demonstrou a sabedo- ria da igreja em incluir esse livro em seu canon. Nenhum livro, cuja autoria fosse considerada espuiria, teria sido acei- to no canon sagrado. Acredito nao haver dificuldades para concordar que qualquer escritor, ao atribuir sua obra a alguém mais famo- so com o fito de conseguir aceitagao, nao inspira confianga Aquela outra Biblia alguma. Discordo de John Dominic Crossan, da DePaul University. Em recente especial de televisao, ele afirmou tra- tar-se apenas de um procedimento convencional que obje- tivava atingir um publico maior, sugerindo que nao era antitico os autores usarem um pseuddnimo famoso.° Essa pi Biblia éa palavra de Deus, algo de que muitos de nds estao ica até poderia ser aceita entre os gndsticos, mas, se a convencidos, um texto inspirado jamais aprovaria tal ardil, ainda que fosse pratica comum. Podemos ler no Antigo Testamento: “As palavras do SE- NHOR so puras, sio como prata purificada num forno, sete vezes refinada” (SI 12.6; grifo do autor). E no Novo Testa- mento Paulo escreveu: “Também agradecemos a Deus sem cessar o fato de que, ao receberem de nossa parte a palavra de Deus, vocés a aceitaram, nao como palavra de homens, mas conforme ela verdadeiramente é, como palavra de Deus, que atua com eficdcia em vocés, os que créem” (1Ts 2.13). K inconcebfvel que essa Palavra de Deus pudesse se valer de um engodo. As datas tardias dos livros Esses textos gnésticos nao foram escritos por testemunhas oculares dos fatos do Novo Testamento. Mesmo estudiosos que preferem atribuir credibilidade a esses documentos afir- mam que a data mais antiga n4o se situa antes de 150 d.C. Sao pelo menos cem anos ou, mais provavelmente, 150 anos “Banned from the Bible, especial do History Channel 25 dez. 2003. 53 54 | A froude do cédigo Da Vinci apés a época da crucificagao de Jesus. Como jd disse, outros textos tém sido atribuidos aos séculos IV, V ou mesmo VI — muitas centenas de anos depois dos dias de Jesus. Cada livro presente na Biblia gnéstica traz uma rdpida introdugio escrita por algum estudioso contemporaneo. Embora saibamos que o Evangelho de Tomé pode ter sido escrito no século I (outros especialistas consideram sua ori- gem muito mais recente), lemos que o Evangelho de Filipe foi provavelmente “escrito no século III e, possivelmente, na Siria”.’ Considera-se que o Evangelho de Maria foi pro- vavelmente escrito no século U1.* A questao é a seguinte: al- guns desses evangelhos foram escritos diversos séculos apds a crucificagao de Jesus. Compare isso com os evangelhos can6nicos, escritos por testemunhas oculares e escritos an- tes de 70 d.C. (apesar de 0 evangelho de Joao provavel- mente nao ter sido completado antes de 95 d.C.). Se vocé tivesse escolha, em que descricao de Abraham Lincoln acreditaria? Na formulada por seus contempora- neos ou na de pessoas que, 150 anos apés sua morte, tecem conjecturas sobre sua vida privada e filosofia politica? Ain- da mais quando esses especuladores esta decididos a pér as préprias teorias politicas na boca de Lincoln. 0 conteddo dos livros Se vocé ler os evangelhos gnésticos, nao ficard impressiona- do com semelhangas entre eles co Novo Testamento, mas, ‘The Gnostic Bible, p. 259. “Ibid., p. 478. Aquelo outra Biblia sim, com as mais incriveis discrepancias. Esses evangelhos niio sao apenas desprovidos de contetido histérico, mas che- gama ser anii-histéricos. Contém pouco contetido narrati- vo enenhum senso cronoldégico. Nao demonstram interes- scalgum em pesquisa, geografia ou contexto histérico. Nao (razem nenhuma pretensao de estar em harmonia com os evangelhos canénicos. Apresentam algumas citagGes ¢ alu- ses ao Jesus do Novo Testamento, juntamente com muitas frases absurdas atribuidas a ele. Para provarmos um pouco de alguns desses livros, veja as seguintes sentengas atribusdas a Jesus no mais famoso den- tre os evangelhos gnésticos, o Evangelho de Tomé: Jesus [Yeshua] disse: “Bem-aventurado 0 ledo a quem 0 homem consome; torna-se o ledo homem. Maldito 0 ho- mem a quem 0 ledo consome; torna-se 0 leao homem”. Jesus [Yeshua] lhes disse: “Quando fizerem do dois um e quando fizerem 0 interior como o exterior, 0 exterior como © interior, o acima como o embaixo, e quando fizerem do macho e da fémea uma s6 coisa, de forma que 0 macho no seja mais macho nem a fémea seja mais fémea, e quan- do formarem olhos em lugar de um olho, uma mao em lugar de uma mao, um pé em lugar de um pé e uma ima- gem em lugar de uma imagem, entio entrarao no Reino”. Jesus [Yeshua] disse: “Aquele que conseguiu compreender o mundo encontrou uma carcaga, e daquele que encon- trou uma carcaca o mundo nao é digno”. "P. 46, 51 € 57. 55 56 Afraude do codigo Da Vinci Parece realmente Jesus falando? Os evangelhos gnésticos contém conceitos especulativos. A maioria poderia ter sido elaborada a despeito da vinda de Jesus Cristo. Muitas das citagSes presentes no Evan- gelho de Tomé, por exemplo, poderiam ter sido proferi- das por qualquer lider religioso ou pretenso profeta. Os gndsticos, no entanto, a fim de autenticar suas especula- Ges, procuravam vincular suas doutrinas a Jesus ¢ aos apéstolos. Em conseqiiéncia, aproveitavam-se de algumas palavras de Jesus, mas desprezavam completamente sua obra de redengao. O que importavam eram as idéias, nao 0s acontecimentos. Como alguém ja disse, é simplesmente mentira que o gnosticismo represente o movimento cristao primitivo, mais tarde usurpado pelos primeiros lideres da igreja (tal qual Constantino), os quais impingiram sua versao do cristianis- mo por razoes politicas. A idéia de Jesus desejar que Maria Madalena fosse a lider da igreja, com a adoracao do sagra- do feminino, bem como a informacao de que suas inten- g6es foram suprimidas por dirigentes da igreja vidos pelo poder, apegados a dogmas e avessos ao sexo, é negada por dezenas de documentos antigos ¢ averigudveis, como ser4 demonstrado mais adiante neste livro. Longe de ser uma versao auténtica do cristianismo, 0 gnosticismo era um parasita que tentava vincular seus con- ceitos platénicos ao incipiente e popular movimento cris- tao. Temos todos os motivos para crer que a igreja primitiva estava correta em insistir que 0 gnosticismo era uma cor- rupgao da verdade original, e néo uma fonte legitima e Aquela outra Biblia imparcial de informagoes sobre Jesus ¢ a fé crista. A con- cepeao atual de que os gnésticos foram vitimas do cristia- nismo, sendo entao absorvidos por uma igreja vida. por poder, é simplesmente mentirosa. No capitulo 6, examinaremos com mais detalhes os mo- tivos de nao podermos conciliar 0 gnosticismo com o cristia- nismo histérico. Verificaremos que sao, na verdade, abor- dagens completamente diferentes da busca religiosa. Por ora, basta observar que os documentos do Novo Testamen- to nao registram apenas os ensinamentos de Cristo, mas principalmente o que Jesus féz. Ele nao veio para apenas ensinar, mas — o que é mais importante — para morrer na cruz em um sacrificio pessoal pelos pecadores, ressuscitan- do ao terceiro dia para confirmar suas afirmacées. Em ou- tras palavras, o cristianismo é uma religiao histérica, com suas raizes em fatos especificos e verificaveis. O gnosticismo éuma teoria baseada em idéias — conflitantes, devo acres- centar —, sem nenhuma fundamentac&o em fatos com lo- cais e épocas especificos. Por falar nisso, é importante nao confundir os evangelhos gndsticos com os livros chamados apécrifos."” Estes so en- contrados nas versdes catélicas da Biblia e ausentes das pro- testantes. Na maior parte, estes livros adicionais foram es- ctitos antes do tempo de Cristo. Ganharam credibilidade ao ser incluidos por Jerdnimo na Vulgata, a tradugio latina Qs apécrifos (Tobias, Judite, Barugue, Sabedoria, Helesidstico 1 e 2Macabeus - além de alguns acréscimos feitos em Daniel [caps. 13 e€ 14}) sao todos livros escritos em grego, referentes ao Antigo ‘Testamento, Nao dizem respeito, portanto, ao Novo ‘lestamento ¢ ascu canon (N. do R.) 57 58 | A fraude do c6digo Da Vinci das Escrituras. Nao dispomos de tempo ou espago para de- bater se sao ou nfo textos inspirados, portanto basta deixar claro que os apécrifos em nada se relacionam com os textos gndsticos. VERSOES DA HISTORIA Podfamos passar mais tempo examinando os evangelhos gnésticos; 0 que nao deixaremos de fazer no préximo capi- tulo. Por ora, cabe perguntar: por que hd o desejo cada vez maior de aceitar esses textos? Vivemos na era pds-moderna, na qual alguns historiadores afirmam que a histéria j4 nao deve ser a busca de fatos objetivos, mas, sim, da interpreta- ao desses fatos. A histéria, dizem eles, devia ser revisada com o fim de reforgar a auto-estima e promover intengdes politicamente corretas. Com base nessa mentalidade, a histéria pode ser molda- da conforme o desejo do individuo, a fim de alcangar os objetivos desejados. Os registros do passado devem ser es- miucgados, editados e modificados para se amoldarem a nossa época. Esse foi o motivo de um escritor pés-moderno dizer que devemos fazer a sociedade reagir 4 “histéria imagindria do passado”.'' Em outras palavras, 0 esforgo de descobrir os fatos deveria ser abandonado a favor de histérias de valor psicoldgico. Em O cédigo Da Vinci, sir Leigh Teabing, o especialista no Graal, diz que “a histéria sempre € escrita pelos vence- dores. Quando duas culturas entram em conflito, o perde- dor é obliterado, e 0 vencedor escreve a histéria — livros “Esse comentério de Traian Stoianovich foi citado em The death of truth, de Dennis McCallum (Minneapolis: Bethany, 1996, p. 139). Aquela outra Biblia «ue glorificam sua propria causa e menosprezam a do ini- migo perdedor. Como Napoledo disse certa vez: ‘O que é historia, senao uma fabula sobre a qual todos concordam?””.” Se Napoleao estava certo, chegamos & conclusao légica de «que a pesquisa histéria é desnecesséria e contraproducente. lim um mundo assim, a ficcdo transforma-se em histéria. Precisamos apenas achar uma mentira com que concorde- mos e seguir com ela. Essa Ansia por aceitar os evangelhos gndsticos nao se ba- seia em pesquisa histérica séria, mas em um compromisso pré- vio com o feminismo e no desejo de ter um Jesus mais pare- cido conosco. E, como seria de esperar, no conceito de que a comunhao com Deus é alcangada por meio do éxtase sexual eneaixa-se perfeitamente & obsessdo pelo sexo de nossa era moderna. Uma mentira que alguns escolheram abracar. O famoso estudioso do Novo Testamento Raymond Brown (sem relagéo alguma com Dan Brown) disse que nesses evangelhos “nao vemos nem um Unico novo fato verificdvel sobre o ministério do Jesus histérico, eno maxi- mo umas poucas novas frases que poderiam ter sido ditas por ele”.'° Sobre O cédigo Da Vinci, 0 escritor catélico Andrew Greeley disse: “Trata-se de um livro interessante, Com cer- teza, uma vez iniciada a leitura, o leitor nao para até seu encerramento. No entanto, 0 leitor devia refletir sobre quan- to disso é fantasia. Eu diria que praticamente 0 livro todo é uma grande fantasia. De tempos em tempos, surge um novo 2p, 273. “The Gnostic Gospels, The New York Times Book Review, 20 jan. 1980, p. 3. 59 60 A fraude do cédigo Da Vinci livro que promete contar quem Jesus realmente era e/ou como a igreja escondeu o “verdadeiro” Jesus durante deze- nove séculos. De certo modo, nenhum deles se vale de uma pesquisa histéria séria”.'4 CONHECA UM HISTORIADOR Quando abrimos o Novo Testamento, ficamos impressio- nados com a diferenga entre ele ¢ os evangelhos gnésticos. A diferenga é, quase literalmente, a existente entre as trevas ealuz. O escritor Lucas, por exemplo, apresenta a metodo- logia utilizada em seu trabalho histérico. Ele detalhou o que os historiadores costumavam fazer quando os fatos eram relevantes. Ao ler a Biblia, vocé descobrird que a Palavra de Deus chegou até nds de diversas formas. Algumas vezes Deus fa- lava diretamente com os profetas, revelando coisas que no tinham como ser conhecidas de outra forma. Outras vezes ele mesmo escrevia as palavras, como no caso dos Dez Man- damentos. Todavia, Deus também se utilizou de recursos naturais, como no caso de Lucas, cujo livro foi escrito apés cuidadosa pesquisa. No pardgrafo de abertura, Lucas explica como seu livro foi escrito: Muitos jé se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nés, conforme nos foram transmitidos por aqucles que desde o inicio foram testemunhas oculares “Da Vinci is more fantasy than fact, resenha literdria, National Catholic Reporter, 3 out. 2003. Aquela outta Biblia e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidado- samente, desde 0 comeco, e decidi escrever-te um relato ordenado, 6 excelentissimo Teéfilo, para que tenhas a cer- teza das coisas que te foram ensinadas (Le 1.1-4). Lucas realizou uma investigagito cuidadosa. E. como se ele tivesse dito: “Estou escrevendo a maior histéria do mundo, c isso merece a melhor pesquisa que eu possa realizar”. Embora outros tivessem escrito sobre Cristo, e Lucas nao cespreza esses relatos (alias, deve ter se beneficiado das pes- quisas neles conduzidas), ele estava decidido a escrever com grande cuidado e atengao aos detalhes. E como ele fez sua pesquisa? Em primeiro lugar, Lucas menciona as fontes € os documentos utilizados. Mesmo que cssas fontes jd existissem, queria escrever ele mesmo um re- lato sobre Jesus, visto que toda grande personalidade mere- ce mais de uma biografia. Faz referéncia entéo a testemu- nhas oculares que estavam dispontveis para a verificagao de detalhes. Lucas era médico, logo faz sentido que tenha efe- tivamente conversado com Isabel ¢ Maria sobre o nasci- mento de seus filhos. Lucas foi companheiro de Marcos e, mais tarde, do apés- tolo Paulo. Dessa forma, podia fazer perguntas que esclare- cessem e verificassem os fatos. Como Lucas menciona ou- tras testemunhas oculares presentes “desde o inicio”, estava cm posi¢ao de pesquisar a histéria toda. Quando afirma que verificou os fatos cuidadosamente (da palavra grega akribos), quer dizer que se manteve con- centrado na exatidao da tarefa. O bom historiador nao abor- da sua histéria com um conceito preconcebido; nao comega | 61 62 A fraude do cédigo Da Vinci seu trabalho procurando adequar a histdria a seu gosto pes- soal. Ele segue os fatos até onde o levarem. Em seguida, Lucas organizou seu material segundo cer- tas caracteristicas. Afirmou querer escrever um “relato or- denado” dos acontecimentos. Sua organizagao nem sem- pre foi cronolégica: vez ou outra, organizou seu material conforme o tema. Algumas vezes agrupou os fatos para tornar o material mais compreensivel. Todavia, de forma geral, seguiu a cronologia dos fatos, juntando 0 que se re- lacionava mutuamente, a fim de que Teéfilo pudesse ter melhor compreensio da histéria. E 0 mais importante é que hé uniformidade e coeréncia em seu relato; hd uma progressao ldgica. Por fim, escreveu de modo que o leitor pudesse tomar uma decisio inteligente baseada no material. Nao sabemos muito sobre Tedfilo (cujo nome significa aquele que ama a Deus), mas parece claramente alguém de destaque, visto que Lucas se refere a ele como “excelentissimo Teéfilo”. Somos gratos por Lucas ter escrito a ele e, com efeito, a todos nés sobre a maravilhosa histéria de Jesus. Ao escrever a seu amigo, deixou claras suas inteng6es: “para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensina- das”. Escreveu abertamente, pois sabia que seu amigo pre- cisava ter certeza (do grego asphaleia). Ao pé da letra, a pa- lavra grega significa alguém “capaz de sustentar-se em local firme”, evitando assim cometer algum erro nesses assuntos de tao grande importancia. O objetivo da carta era dissipar qualquer dtivida que Tedfilo tivesse, pois, naquele momen- to, o homem provavelmente ainda nao era cristao. Aquela outra Biblia Sera que Lucas era capaz de ser um historiador impar- cial? E légico que sim. Ele nutria convicgées profundas so- Ire 0 que escrevia? Sim. E isso 0 desacredita? Nao mais do que seria desacreditado um sobrevivente do Holocausto ao descrever 0 que passou, visto que escreve com a conviccao € o desejo de informar as pessoas sobre coisas importantes. Entao, até que ponto Lucas era um historiador fidedig- no? Ele ainda escreveu Atos dos Apostolos, repleto de por- menores histdricos: cidades, mares, navios e detalhes geo- graficos. Sir William Ramsey, célebre historiador ¢ arqued- logo do século XIX, esforgou-se por demonstrar que a histé- ria de Lucas estava cheia de erros. Apés toda uma vida de trabalho e estudos, porém, ele escreveu: “A histéria de Lucas ¢ insuperavel quanto a sua fidedignidade”.'° Sua avaliagao também é confirmada pela arqueologia moderna. A ESCOLHA DIANTE DE NOS Por que alguém preferiria os evangelhos gnésticos em lugar dos relatos verificdveis encontrados nos livros candénicos? A resposta s6 pode ser encontrada no espirito da época: 0 an- scio pela diversidade doutrinaria, a pressio do feminismo e a obstinada insisténcia de que podemos ter uma experién- cia direta com Deus sem contemplarmos a pessoa de Cris- to. Somente esse desejo de “estar na moda” pode explicar o fato de as pessoas se precipitarem estupidamente rumo as intrincadas doutrinas da Biblia gnéstica. “The bearing of recent discovery on the trustworthiness of the New Jestament, veed., Grand Rapids: Baker, 1953, p. 81. 64 A fraude do cédigo Da Vinci Sea historicidade do Novo Testamento no fosse supe- rior 4 dos evangelhos gnésticos, todos os esforgos em defesa do cristianismo jé teriam desmoronado hd muito tempo. A revista Time esta certa quando diz: “Os textos recuperados também suprem o cada vez mais voraz apetite por espiritua- lidade mistica nos Estados Unidos”.'° As pessoas estao bus- cando um relacionamento com Deus que nao esteja vincu- lado a doutrinas ou religiao formal. Buscam um cristianis- mo alternativo que consiga associar a reinterpretacao de Jesus com discernimentos esotéricos, mais o melhor das outras religides. Elaine Pagels, que escreveu um livro resumindo as dou- trinas dos evangelhos gndésticos, admite que esses textos $30 atraentes para quem busca a espiritualidade. Isso ocorre por- que eles “trazem ecos do budismo ¢ de Freud, com um ain- da maior aprego pelo papel da mulher”.'” Nesses documen- tos, ela afirma haver encontrado um “cristianismo menos em harmonia com crengas dogmiaticas, como o nascimento virginal e mesmo a divindade de Cristo, além de maior con- cordancia com a salvagao por intermédio de uma experién- cia espiritual continua”."® O Jesus de O cédigo Da Vinci nao é um salvador; foi relegado ao papel de homem. Quic4 um homem até mes- mo extraordindrio, mas, apesar de tudo, um homem. De acordo com os gnésticos, ele é apenas uma dentre as muitas emanacoes de Deus. Todavia, no Novo Testamento, vemos P. 56. "Time, p. 57. “Ibid. Aquela oulra Biblia um retrato completamente diferente de um homem divi- no, capaz de selar a brecha existente entre Deus € nds. Voltaremos ao gnosticismo no capitulo 6 para demons- tar as raz6es por que nao podemos classificd-lo como outra forma de cristianismo. O Jesus gndstico e o Jesus do Novo ‘Testamento sao radicalmente distintos. E nosso destino eter- no depende de saber diferencid-los. Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta c amplo o caminho que leva a perdigao, e sio muitos os que entram por ela. Como é estreita a porta, e apertado 0 caminho que leva a vida! Sao poucos os que a encontram (Mt 7.13,14). 65 trés Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal sse romance, O cédigo Da Vinci, traz esse nome em virtude da afirmacao de que Leonardo da Vinci foi membro do Priorado de Sido. O Priorado era um pequeno bando de conspiradores que sabia a verdade sobre 0 casamento de Jesus e Maria Mada- lena. No entanto, por causa da oposigao da igreja, esse explosivo segredo precisava ser escondido. A fim de escapar a ira do Vaticano, os membros do Priorado teriam codificado seu estimado conheci- mento em pinturas, livros e obras arquiteténicas, de forma que apenas os iniciados pudessem deci- frar o significado. No livro, como seria de esperar, a poderosa organizagao catélica Opus Dei estd de- terminada a intimidar o Priorado, esforgando-se para abafar os fatos que destruiriam o cristianismo como 0 conhecemos. Desse modo, continua 0 livro, podemos encon- trar mensagens ocultas nas pinturas de Leonardo 68 A fraude do cédigo Da Vinci da Vinci. Alias, suas pinturas trazem a prova codificada de que Da Vinci sabia que Jesus era casado com Maria Madalena e¢ que ela, nao um cdlice, era o Santo Graal. Le- mos ainda que “o casamento de Jesus ¢ Maria Madalena faz parte dos registros hist6ricos”.! Mas sera mesmo? Responderemos a essa diivida neste capitulo, & medida que formos debatendo diversas outras questées: teria Leo- nardo pintado Maria Madalena, ¢ nao Jodo, em A Ultima Ceia, sua obra-prima? Seria a prépria Maria Madalena o Santo Graal? O que dizer das evidéncias histéricas que vin- culam os dois em um relacionamento especial? E, por fim, seria possivel que Jesus tivesse sido casado? LEONARDO, 4 ULTIMA CEI E MARIA Leonardo foi um filho bastardo, que, de acordo com 0 diario de seu avd, nasceu em 15 de abril de 1452, um sdbado, em Vinci, vilarejo que distava cerca de trinta qui- lémetros a oeste de Florenga. (Portanto, “Da Vinci” nao é seu sobrenome, mas uma referéncia ao vilarejo em que nasceu.) Esse jovem precoce foi levado para Florenga, onde se tornou aprendiz de um dos mestres pintores. O entusi- asmo de Leonardo era tal, que ele trabalhava de sol a sol para aprender seu oficio. Nao causa surpresa que Leonar- do estivesse seguro de que a pintura era a mais elevada vocagao humana. Acreditava que se deve pintar “tudo o que o olho pode ver”. Além disso, passava seu tempo vago projetando brocas, guindastes e equipamentos militares. °P. 262. Jesus, Maria Modalena e « busca pelo Santo Graal Nao dava a menor importancia a religiao, a nao ser como veiculo para sua expressao artfstica. Achando que seu mentor em Florenga nao lhe dava o devido valor, Da Vinci apelou a Ludovico, o duque de Mi- la0, perguntando se seus servigos nao poderiam beneficiar o duque. Foi la que Da Vinci passou vinte anos de sua vida. Em 1495, Ludovico encarregou Leonardo de pintar A UL tima Ceia para o refeitério do mosteiro dominicano na ci- dade de Santa Maria da Graca, a fim de que os monges tivessem algo agradavel para ver enquanto comiam. Em O cédigo Da Vinci, lemos que Leonardo, que estava por dentro do segredo, na verdade pintou Maria Madalena, no Joao, A direita de Jesus em seu retrato da Ultima Ceia. Além disso, nao ha célice algum sobre a mesa porque Leo- nardo queria que as pessoas compreendessem que Maria era 0 cdlice, o Santo Graal. Robert Langdon, uma das principais personagens do romance de Brown, afirma que a presenga de Maria na tela representa “o sagrado feminino ea deusa, © que, naturalmente, se perdeu nos dias de hoje, pratica- mente eliminado pela igreja”.” Em seu livro Humanists and reformers: a history of the Renaissance and Reformation |Humanistas e reformado- ves: uma histéria sobre a Renascenca e a Reforma), Bard Thompson afirma que a pintura de Da Vinci é uma obra de teor psicoldgico, visto que cle nao esta interessado em dou- trinas, como a da ceia do Senhor. Em vez disso, Leonardo estd interessado no impacto da traicao de Judas. Ao obser- varmos a pintura, podemos ver a expressao aturdida no ros- to de cada discfpulo depois de Jesus anunciar que um deles Tid. p. 255. 9 70: A fraude do cédigo Da Vinci o trairia. Judas é o-unico que nao se surpreende. Encolhe-se nas sombras ecome nervosamente.* Se j4 faz algum tempo que vocé viu uma réplica de A Ultima Ceia, ache alguma e vocé concordaré que Joao, sen- tado a direita de Jesus, realmente apresenta uma aparéncia efeminada. Mas Bruce Boucher do Instituto de Artes de Chicago discorda da interpretagéo de Dan Brown, consi- derando-a “um exagero e tanto”. “A criagao de Leonardo, na verdade, aponta em outra direcao. Confirma a descri- cao florentina tradicional da Ultima Ceia, enfatizando a traigao € o sacrificio, em lugar do calice e da instituicao do sacramento”,‘ continua Boucher. Ele ainda acrescenta que essa representacdo de Joao condiz com outros retratos de origem florentina. Talvez pudéssemos observar que a figura nao tem nenhum sinal de seios. Jack Wasserman, professor aposentado de Histéria da Arte na Temple University, sim- plesmente diz: “Quase tudo que Dan Brown afirma sobre Leonardo esté errado”.> Mas isso leva-nos a explorar a seguinte questao: “Em que consistia a busca pelo Santo Graal, e de que provas dispo- mos para garantir que Maria Madalena era o cdlice que guarda o sangue de Cristo?”. A BUSCA PELO SANTO GRAAL Ninguém sabe 0 que aconteceu com 0 calice em que Jesus bebeu na noite em que instituiu a ceia do Senhor. Lendas )Grand Rapids: Eerdmans, 1996, p. 141-3. “Does “The Da Vinci code” crack Leonardo?, The New York Times, Arts and Leisure, 2 ago. 2003. ‘Patrick R. REARDON, “The Da Vinci code” unscramble, Tem- po, The Chicago Tribune, 5 fev. 2004, seco 5, p. 4. Jesus, Maria Madalena a busca pelo Santo Graal afirmam que foi dado a José de Arimatéia, mas nao pode- mos ter certeza disso. O que realmente sabemos € que, no século XII, circulavam histérias sobre o cdlice, chamado.San- to Graal, o qual, acreditava-se, teria poderes magicos. ‘Tais lendas, na verdade, baseavam-se em superstig6es celtas sobre 0 cdlice como simbolo de transformacao e re- novacio espiritual. Alias, muitas dessas lendas podem ser encontradas na mitologia grega anterior aos tempos de Cristo. Imaginava-se que determinados calices ¢ caldei- roes podiam trazer conhecimentos secretos ¢ beneticios es- pirituais para quem os possuisse. Desse modo, esses objetos passaram a ser associados & adivinhagio e a varias praticas ocultas. Tais lendas foram associadas as histérias do rei Artur e dos Cavaleiros da Tévola-Redonda. Um relato diz que o Graal chegou de fato a aparecer, langando um encanto so- bre todos os presentes. O rei Artur jurou achd-lo com a ajuda de seus cavaleiros. Lancelot era o mais valente dentre eles, mas, por azar, apaixonou-se pela esposa do rei Artur. Por causa de seu pecado, Lancelot sé conseguia ter vislum- bres do Graal. Visto que sé aparecia aos que fossem mais puros, 0 Graal o evitou e a todos os outros que 0 procura- ram. De acordo com a histéria, acreditou-se que um sem- nuimero de tagas fossem o célice sagrado. Durante muitos séculos, houve a convicgao de que o Graal era um objeto — mais especificamente 0 copo, ou cdlice, utilizado na Ultima Ceia. Mas, lé pelo século xv, surgiu a idéia de que o Graal nao era um objeto, mas uma linhagem familiar. Em O cédigo Da Vinci, o Graal é apon- tado como 0 sang réal, a linhagem familiar que descende de 7 Maude do cédigo Da Vinci Jesus. Segundo se supunha, Maria Madalena teria dado continuidade a linhagem de Jesus ao dar a luz sua filha, e um dos descendentes de Jesus deu origem & dinastia dos merovingios, no trono francés. O livro termina com a per- sonagem principal em frente a piramide invertida, no mu- seu do Louvre de Paris, orando no que poderia ser 0 ttimulo de Maria. Uma das tltimas frases do livro é “A busca pelo Santo Graal é a busca para se ajoelhar diante dos ossos de Maria Madalena. Uma jornada para orar aos pés da exi- lada’.° Isso teria aturdido os cavaleiros que procuravam 0 Santo Graal e acreditavam que se tratasse de um cdlice. Mas existe alguma prova razodvel de que Maria tenha sido casada com Jesus? Ela é mencionada em passagens dos evangelhos gnésticos apresentados no ultimo capitulo do romance. Como sabemos, a Biblia nao trata de scu relacio- namento com Jesus. Foi a primeira testemunha da ressur- reigao e, por algumas pessoas na igreja, era conhecida por “Apéstolo dos Apéstolos”. Portanto, quem foi Maria Madalena? Vamos primeiro ver 0 que o Novo Testamento diz a seu respeito, € depois ve- rificar as referéncias encontradas nos evangelhos gnésticos. MARIA MADALENA £ Q NOVO TESTAMENTO Lucas, 0 escritor do Novo Testamento, apresenta um grupo de mulheres que seguia Jesus ¢ seus discfpulos, ajudando a sustenta-los financeiramente. Algumas dessas mulheres “ha- viam sido curadas de espiritos malignos e doengas: Maria, Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal chamada Madalena, de quem haviam safdo sete deménios; Joana, mulher de Cuza, administrador da casa de Herodes; Susana e muitas outras. Essas mulheres ajudavam a sustentd- los com os seus bens” (Lc 8.2,3). Aqui cabe uma pausa para ponderarmos no que essa passagem mostra. Vemos que Jesus rompeu a tradicao ao permitir que mulheres viajassem com ele, ajudando a sus- tentar seu ministério. Os rabinos da época jamais tolera- riam que as mulheres tivessem tamanha abertura, nem a honra advinda de uma associac4o tao direta. Em regra, as mulheres eram identificadas por seus maridos, mas Maria cra chamada Madalena — era identificada por sua cidade de origem (Magdala situava-se na costa ocidental da Gali- Iéia). E possfvel que nao fosse casada. No capitulo anterior, Lucas inclui a histéria de uma pros- tituta nao-identificada que veio até Jesus. Algumas pessoas conjecturam que essa seria Maria Madalena. Em 591 d.C., © papa Gregorio, o Grande, proferiu um sermao na PAscoa em que declarou que a prostituta de Lucas 7 era a Maria Madalena mencionada em Lucas 8. Todavia, nao ha real- mente razo alguma para fazermos tal associacao. ‘Talvez a identificagao hipotética do papa Gregério visas- se a suprimir qualquer lenda em torno do papel de Maria ha igreja primitiva. Ainda assim, é exagero supor que cla tenha sido estigmatizada como prostituta com 0 propésito de eliminar uma suposta rivalidade com o apéstolo Pedro. Segundo O eddigo Da Vinci, Jesus pretendia que a igreja fosse estabelecida a partir de Maria, mas a igreja primitiva adulterou os documentos e declarou-a prostituta com a fi- nalidade de tornd-la inadequada para tao elevada posigao. B 4 A fraude do cédigo Da Vinci De qualquer modo, em 1969, o Vaticano corretamente remediou séculos de deturpagao e reconheceu nao haver razio alguma para identificar Maria com a prostituta arre- pendida. Vez ou outra, Maria Madalena também é erroneamente identificada como Maria de Betania, irma de Marta e Lazaro. Nao ha duvida alguma de que ela é chamada Ma- tia Madalena com o propésito especifico de diferencid-la das outras Marias dos evangelhos. De uma coisa podemos ter certeza: ela teve uma maravilhosa histéria de conversao e foi a primeira testemunha da ressurrei¢ao do Senhor a que amava. O ministério de Maria junto a Jesus colocou-a em conta- to com Salomé, mae de Tiago e Joao, e também com Maria, mae do Senhor (Jo 19.25). Essas corajosas mulheres esta- vam ao pé da cruz quando Jesus morreu. Maria Madalena ficou velando até que o corpo fosse descido, envolto em linho e depositado no sepulcro de José de Arimatéia (Mt 27.61; Mc 15.47; Le 23.55). Entao, no primeiro dia da semana, ela e outras mulheres “compraram especiarias aromaticas para ungir 0 corpo de Jesus” (Mc 16.1). Ao chegar, viram 0 sepulcro vazio e um anjo, o qual lhes disse que Jesus tinha ressuscitado dos mor- tos. Maria correu para contar a Pedro e a Joao, voltando com eles para o sepulcro. Embora estivesse vazio, nao pu- deram encontrar Jesus, entao Maria permaneceu l4 mesmo apés a partida dos dois homens. Examinando 0 interior do sepulcro, viu anjos que lhe per- guntaram o motivo de seu pranto, Ela respondeu: “Levaram embora o meu Senhor e nao sei onde o puseram” (Jo 20.13). Jesus, Maria Madalena ¢ a busca pelo Santo Graal Ela continuou olhando a escuridao da tumba até ficar convencida de que estava vazia. Pode-se imaginar que ela estivesse pensando no que fazer em seguida. Ela, a passos lentos, recuou. Aprumou-se enquanto seus olhos se ajusta- vam a luz ao redor. Nisso ela se voltou e viu Jesus ali, em pé, mas nao 0 reco- nheceu. Disse ele: “Mulher, por que est4 chorando? Quem vocé est4 procurando?” Pensando que fosse 0 jardineiro, ela disse: “Se o senhor o levou embora, diga-me onde o colocou, ¢ eu o levarei”. Jesus lhe disse: “Maria!” Entao, voltando-se para ele, Maria exclamou em aramaico: “Rabéni!” (que significa “Mestre!”). Jesus disse: “Nao me segure, pois ainda nao voltei para o Pai. V4, porém, a meus irmaos e diga-lhes: Estou vol- tando para meu Pai e Pai de vocés, para meu Deus e Deus de vocés” (Jo 20.14-17). Maria Madalena quis agarrar-se aos pés de Jesus como uma crianga que teme a partida dos pais. Agora que o tinha achado, nao queria perdé-lo. Naquele momento, porém, Jesus disse: “Nao faga isso”. Jesus estava efetivamente dizendo: “Vocé voltar4 a me ver, pois ainda nao subi para o Pai. Nao pense que me perderd, pois estaremos juntos pelos préximos quarenta dias. Nao precisa entrar em panico”. Sim, era 0 mesmo Jesus, mas a natureza da relacao havia mudado. Algumas pessoas diriam, em defesa de O cédigo Da Vinci, que naqueles tempos uma mulher era proibida de tocar um i) 16 A fraude do cédigo Da Vinci homem; logo, esse relato indicaria que ela e Jesus eram ca- sados. Mas trata-se sem dtivida de um ato espontineo de devocao, Jesus podia, com toda a certeza, ser tocado. Note que mais tarde, quando as mulheres deixaram o sepulcro, encontraram-no e “se aproximaram dele, abragaram-lhe os pés e o adoraram” (Mt 28.9). Evidentemente, Maria nao era a tinica mulher com permissao para tocar Jesus. Nosso Salvador nao se deixava limitar por costumes culturais, quan- to mais um que impedisse uma mulher de tocar um ho- mem com decéncia. Maria, com certeza, amava Jesus profundamente, mas nao hd indicio algum de um romance entre os dois. Foi deveras uma mulher privilegiada e honrada por atrair a misericérdia e 0 carinho do Salvador. E podemos nos rego- zijar pelo fato de serem da mesma forma aceitos todos os que se achegam a Jesus. Apés a ressurrei¢éo, Maria desapa- rece das paginas do Novo Testamento, voltando a surgir so- mente séculos mais tarde, na mitologia de ensinos ocultistas vinculados ao movimento Nova Era. Concordo que, de uma perspectiva historica, a igreja fa- Ihou em nao dar a mulher seu lugar de direito no ministé- tio cristéo. No entanto, nao podemos aceitar a afirmagao de O cédigo Da Vinci de que “Jesus foi o primeiro feminis- ta’, em virtude do significado que essa expressao assume na sociedade atual. Jesus realmente desprezou os tabus cultu- rais que atribufam posi¢ao ignominiosa 4s mulheres, consi- derando-as cidadas de segunda classe no Reino de Deus. Nas Escrituras, as mulheres sao iguais aos homens, ainda que com funcdes diferentes. Nao é preciso dizer que aqui nao é lugar para debatermos o papel da mulher na igreja. De qualquer forma, devemos Jesus, Maria Madalena e a busca pelo Santo Graal tessaltar que Jesus rompeu padrées, pondo a mulher em um lugar de honra e respeito. O fato de mulheres como Maria Madalena serem convidadas a viajar com ele, bem como o faro de conversar a sés coma mulher imoral no pogo de Jacé demonstram sua disposi¢ao de passar por cima dos tabus da cpoca, convidando mulheres para sua esfera de influéncia. MARIA MADALENA £ 0S EVANGELHOS GNOSTICOS Im O cédigo Da Vinci, lemos que, ao ocultar a verdade sobre o casamento de Jesus e Maria, a igreja realizou “a maior ope- ragio de dissimulac&o de toda a histéria”. As provas desse casamento sao supostamente encontradas nos evangelhos gnésticos. J& aprendemos que esses escritos sdo erroneamente denominados “evangelhos”, pois na realidade nao s40 abso- lutamente “evangelhos”. Em todo caso, devemos examinar o gue eles tém a dizer sobre Jesus e Maria Madalena. Em primeiro lugar, o Evangelho de Filipe diz: Sua companheira é Maria de Magdala. Jesus a amava mais que aos outros disc{pulos. Beijava-a freqiientemente na face, mais que a todos os outros discipulos. Eles lhe disseram: — Por que a amas mais que a todos nés? O Salvador respondeu dizendo: — Como ¢ possfvel que eu no os ame tanto quanto a ela? Se um homem cego anda nas trevas junto a outro que pode ver, ambos esto na mesma situa¢4o. Quando vier a luz, aquele que vé, verd a luz. O cego continuard em trevas.” 7BARNSTONE & MEYER, The Gnostic Bible, p. 273. 77 #8 A froude do codigo Da Vinci Deve-se ter consciéncia de que, por causa da ma quali- dade dos papiros, falta uma ou outra palavra nos originais. O texto diz: “Beijava-a freqiientemente no(a) [texto ileg{- vel]...”, de modo que os estudiosos preenchem 0 espago em branco com palavras como boca, face, testa etc. Na verdade, todos sabemos que o texto devia dizer “mAo”, ou mesmo “bochecha’, pois o relato afirma que ele também beijava os outros discfpulos, ao que tudo indica, na bochecha, como ainda se faz no Oriente Médio. O relato, ainda que fosse verdadeiro, nao diz nada sobre casamento. Mas O cédigo Da Vinci faz a seguinte afirma- cao: “Como qualquer estudioso do aramaico poderd lhe explicar, a palavra companheira, naquela época, literalmen- te significava esposa’.' Naturalmente, poderfamos observar que esse texto nao nos chegou em aramaico, mas em copta. Além do mais, a palavra “companheira”, em ambas as lin- guas, é muitas vezes usada em referéncia a “amizade” — de modo algum terd o significado invariavel de “esposa”’. Esse relato detém alguma credibilidade? Antes de respon- der, precisamos lembrar que os estudiosos situam a autoria do Evangelho de Filipe por volta do século I, cerca de du- zentos anos depois de Jesus. Nao se trata exatamente de uma testemunha ocular! Leia esse evangelho e vocé ver4 um amontoado de inco- eréncias. Textos desconexos que mudam abruptamente de assunto. Sao apresentadas doutrinas como: “Existem mui- tos animais no mundo que se apresentam de forma huma- na”. Também diz: “O inverno é 0 mundo, 0 verao é 0 outro SP. 263. Jesus, Maria Modalena e a busca pelo Santo Graal reino. Por essa razdo é apropriado que nao oremos no in- verno”. Se quiser mais sabedoria, veja isso: Deus é um tintureiro. Assim como os bons corantes; os corantes auténticos, dissolvem-se nas coisas que sao tingi- das por eles, o mesmo também ocorre com aqueles a quem Deus tingiu. Seus corantes so imortais por causa de suas cores. © que Deus mergulha, ele mergulha em Agua.” Os gnésticos criam em dois deuses, ¢ o deus criador era mau. “O mundo foi criado por engano. Porque aquele que o criou queria fazé-lo imperectvel e imortal. Ele falhou.”!” No resto do livro, Jesus é apresentado como uma dentre muitas criaturas que procedem de Deus. Esse tipo de texto tem a clara intengdo de expressar uma filosofia paga, nao de dizer algo confiavel sobre Jesus. Vocé pode escrever 0 que desejar se nao estiver preocupado com os fatos. Lembre-se de que nao temos pista alguma sobre quem escreveu esse evangelho. Com toda a certeza nao foi o Filipe do Novo Testamento, mas algum pseudo-escritor que cos- turou uma enorme quantidade de idéias gndsticas descone- xas. Pode ter escrito esse texto por causa das lendas sobre Maria Madalena que ja circulavam no século tM. De qualquer ma- neira, esse escritor desconhecido podia apenas especular so- bre o relacionamento entre Jesus e Maria. E, ao que parece, fez uso dessas especulagGes para os propésitos que tinha. O Evangetho de Maria gnostico descreve uma revela- ¢&0 especial dada a Maria Madalena por seu Salvador. °BARNSTONE & MEYER, The Gnostic Bible, p. 270. “Ibid., p. 286. 19

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