As Relacoes Esteticas No Cinema Eletroni

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ge ay Pedro Nunes is > way ty {RELAR OES E ‘ ISTE} ] 4 we sce AS RELACOES PARAMORFICAS NO CINEMA "A desordem é essencial criagao, enquanto esta se define por uma certa ordem” Valéry Ao propor um quadro geral sobre as fungées da linguagem centrado na Lingiiistica, Roman Jakobson acabaria também por langar contribuig6 s efetivas para os sistemas signicos visuais, particularmente ao cinema. Essas contribuicdes, evidentemente, ao serem transpostas para codigos de natureza distinta aos codigos verbais, implicam necessariamente em adaptagdes ¢ reformulagdes de natureza conceitual, tendo-se como premissa que as linguagens visuais, mesmo as que incorporam as linguagens verbai sio regidas por uma outra sintaxe muito mais flexivel do que as regras de combinagio dos sistemas verbais. Neste sentido, ao examinar 0 paradigma estético no cinema, constatamos a importancia da fungao poética descrita por Jakobson e o posterior deslocamento conceitual dessa fungao com estudos que brotam de diferentes eixos tedricos, sobretudo da Semidtica. O arcabougo tedrico sobre a fungio poética é aqui estudado com as necessirias modificagdes, principalmente no caso particular do cinema, em cuja tessitura signica indicial se entrecruzam varias linguagens, Também € preciso ressaltar a propria preocupagio de Jakobson em estabelecer a ponte de suas investigagdes com os sistemas visuais, orientando-se para uma perspectiva semidtica a partir de seu contato com 61 as teartay de Charles Sanders Peirce. Desta forma, 0 Conceite de fungio poética sistematizado por Jakob ultou da prépria com base na teoria da informagao, v1 dificuldade do autor em visualizar as fronteiras poético ¢ nao poético. A fungio poética pode ser caracterizada pela construgio permanente de paralelismos, colocando em ta fungio se relevo a propria mensagem, ou seja, € evidencia pelos mecanismos _ produzidos gem. Trata-se, em intencionalmente no interior da menss do processo de des-sintagmatizagao da outras palavr mensagem, valorizando, por conseguinte, toda a cadeia significante em sua dimensio intersemistica. Jakobson sintetiza que “a fumydo postica projeta o principio de 50"? equivaléncia do eixo de seleyao sobre 0 eixo da combina Sera entio a projegio do paradigma sobre o sintagma que caracterizara a mensagem estética, ordenada a partir de estruturas dinamicas que espacializam o significante. Ao valorizar o significante imprimindo-lhe uma certa tactilidade ¢ materialidade, a fungio poética, em qualquer sistema de signos, busca a ambigiiidade polissémica da mensagem, tornando o signo andrégino por natureza Trata da exploragio das posssibilidades combinatérias do signo, de forma a revelar a sua pluralidade ¢ multiplicidade de tons. 2° Neste sentido observar ensaio escrito por Roman Jakobson “A Procura da Esséncia da Linguagem ” In: Linguistica ¢ Comunicarao, onde o autor reconhece e estabelece nexos com as teorias do signo formuladas por Charles Sanders Peirce. O proprio Jakobson admite que muitos equivocos tragados pela Lingitistica seriam diremidos caso houvesse um contato com o projeto semiético edificado por Peitce. Sobre esta problematica revela: “Quantas polémicas fiteis e banais poderiam ter sido evitadas pelos especialistas da linguagem se Estes tivessem levado em conta a Speculative Grammar de Peirce e particularmente a sua tese de que “um simbolo auténtico é um simbolo que tem uma significagao geral”e, por sua vez, esta significagao nao pode ser senao um simbolo...”.p.16 27 Roman Jakobson. Lingiistica ¢ Comunicagdo. p- 130 A fungio poética, neste sentido nada mais é do que a articulagio de relagdes de similaridade e, por extensio, © rompimento com as relagées por contigiidade que tendem para confirmacio. A construgio do estético, nesta perspectiva, resulta da exploracio das possibilidades do signo em busca de sua opacidade estéreo-significante. O fracionamento do sintagma, a partir do gesto deliberado ¢ consciente do criador, resulta na constituigio do signo opaco que exibe- se enquanto corpo sedutor auténomo O signo estético, a partir dessa variante poética”®, é por assim dizer um signo denso em estado de permanente ambigitidade, podendo ser uma coisa e/ou outra, de nfo ser, de ser a coisa em si, ¢ portanto, essa sua condi¢ao espectral é algo que semanticamente denota a imprecisio. O rigor de toda e qualquer estrutura estética € a sua esséncia conotativa, cosida através de complexas combinagées semidticas instauradas no seio do proprio cédigo ¢ da mensagem 7 O termo “poética” sera utilizado no decorrer do presente estudo na sua acepgao mais ampla, portanto, semiética e, nado exclusivamente lingiiistica. Refere-se, dessa forma, as diferentes organizagdes signicas que incorporam desordens e as formas de decodificar as manisfestagées culturais emanadas como fruco de articulagao do pensamento. Esta concepg4o teérica, de certa forma, esta em consonadncia com o posicionamente de Bernadette Lyra e Eduardo Pefiuela que postulam o seguinte: “A poética € uma disciplina que estuda as desordens manifestadas numa mensagem e, por paradoxal que parega, uma disciplina que estabelece as regras dessa desordem. ...deve ser considerada como um instrumento de leitura, como um instrumento de interpretar.”In : programa da disciplina A Poética da Impureza em dois Cineastas Europens: Godard ¢ Greenaway. Si0 Paulo, Eca/Usp, 2. semestre de 1995. p.2. A fungio poética, conforme ainda ressalta Jakobson, esta em permanente didlogo com as demais fungoes da linguagem”, nunca existindo de forma isolada, Apenas se diferencia das demais fungdes, por tornar a mensagem palpavel e, conseqiientemente, voltada para si propria. Dai também a afirmacio de que, ao quebrar com a legibilidade do signo e desviar-se das regras estabelecidas para estruturagao da mensagem convencional, a fungio poética produz um outro signo, de carater palpavel, que carrega consigo a possibilidade de gerar infinitamente novos signos. Esse signo-presenga, oriundo do jogo estético na estrutura significante, é o que, num outro pdlo da cadeia semidtica, provocara o espectador pela sua propria fisicalidade ¢ também pela dinamica da linguagem que, por vezes, se transmuta metaforicamente. Dentro desta Otica, a dimensfo estética na obra de arte configura-se entio pelo processo transformacional do signo e da linguagem, capaz de incitar e envolver 0 leitor/ espectador ao violentar o cédigo légico e de desestruturar as combinagées previsiveis, quebrando assim as relagées de referencialidade do signo. Ao despojar-se do convencionalismo da significagio do signo, a funcao poética o torna muito mais flexivel, sensivel ¢ aberto a interpretagdes, dada a sua capacidade de imprimir virtualidades. A fungio poética, destaca Samira Chalhub, “define-se também como exploradora das fontes analégicas dos signos, ou seja, 0 que ba de virtualidades, de potencial de semelbanga entre as estruturas signicas resultaré numa recuperasao do sensivel do signo”.”? ? Trata-se das fungées Referencial, Expressiva, Conativa, Metalingiiistica e Fatica. Na verdade, Jakobson ampliou as trés primeiras fangdes propostas inicialmente por K. Buhler. °° Samira Chalhub. A Metalinguagem. p.20. A inscrigio das relagdes paramérficas no cinema consiste basicamente neste movimento de analogizagio do significante a partir das relagées de similaridade. Sio essas relagdes que imprimem ao objeto artistico uma originalidade expressa na fluidez sintatica dos signos que superam a sua fungio meramente representacional, Desse modo, assumir a condigao estética do filme no seu processo de construgio significa por parte do autor /criador, por em pratica mecanismos intersemidticos através de uma légica abdutiva, restaurando, conforme propoe Chalhub, as faces sensiveis do signo. Jakobson, referindo-se as formas de estruturagao cinematografica afirma que: “O cinema trabalba com fragmentos de temas e com fragmentos de espago e tempo de diferentes grandexas, muda-lhes as proporgées ¢ entrelaga-os segundo a contigiidade ou segundo a similaridade 0 contraste: segue 0 caminho da metonimia ou da metdfora (os dots tipos fundamentats da estrutura cinematografica)”.”! Segundo esta perspectiva, 0 cinema organizado com preocupagao estética segue o caminho da similaridade explorando as operacdes contrastantes e instaurando 0 jogo metaforico em seu corpo signico. Estes procedimentos, fundados em um arrojado ideario estético e sobretudo na montagem, provocam no filme um efeito materializador do signo, cujo resultado da-se exatamente pelo avesso do signo produzido no cixo da contigiidade. Trata-se ainda, com a aplicagio da fungio poética no cinema, de anular o papel mediador do signo com a finalidade do mesmo colocar-se como objeto- presenga que exala qualidades. Assim, ao libertar-se de sua fungao representativa, © signo estético no cinema impée-se como presenga sensivel, tornando-se intraduzivel em sua esséncia pelo seu estado de pura qualidade. A este respeito esclarece Fernando Segolin: 31 Roman = Jakobson. —_ Lingiistica. nema.1970. p. 155. Pottica. “O sign artistico n&o se comporta como um representante das coisas, mas antes como um re- presentante on um co-representante na medida em que, por via de sua natural intransitividade e opacidade, permite operar a coexisténcia sincronica dos sentimentos do insight nas incisbes qualitativas. Ao ecoar qualitativamente...o signo artistico nao mais representa - pelo menos no sentido que se atribui normalmente ao termo representagao...- , mas assume uma representarao branda ou o cardter propriamente de um quase-signo...” Percebemos assim uma espécie de deslocamento conceitual do signo estético, onde © signo, por suas ressonancias qualitativas, relaciona-se ao conceito de qualisigno formulado por Peirce."* Pelas suas relagées de semelhanga e também por ser um objeto nio nomeado ¢ estrutrurado na primeiridade, 0 qualisigno é por assim dizer um icone, que nio aspira a univocidade, materializando qualidades de sentimento. A rigor, pela sua natureza eminentemente plural € hologramitica, o qualisigno é 0 responsavel por todo movimento sinestésico das formas artisticas. No cinema, esse movimento sinestésico se caracteriza pelo entrecruzamento de varias linguagens, na articulagio dos planos, nos movimentos de cimera, na colisio das estruturas significantes, na fratura das unidades harmonicas da narrativa, na absorgio da eletronica, nas distors6es imagético-sonoras, nos contrastes, na meta significagio,enfim, as possibilidades criativas residem nessa singularidade de se trabalhar 0 movimento do signo indicial cinematografico explorando suas qualidades € possibilidades ideogramaticas 82 Fernando Segolin.Arce: Uma Pratica Huminada e Reflexiva. In: Face (2.1) p. 141. 4 «) qualisigno nao possui identidade. qualidade de uma aparéncia que nio S mera permanece a mesma por muito tempo. Em ve de identidade, (0 qualisigno) possui grande similaridade ¢ nio pode diferir muito sem ser erso” In: Peirce , Os chamado qualisigno Pensadores. p.124- “Toda espécie de movimento se inscreve em um Jilme: movimento de atores, de objetos, de cores, de luz de focos, de enquadramento, e de montagem Conjugados a isso tudo, movimentos de palavras e sons. Por conseguinte, 0 texto cinematogréfico apresenta-se como um mobile imenso, que adquire vida diante dos olhos do espectador.” O movimento aqui'denominado de sinestésico, também enfatizado por Bernadette Lyra, resulta da qualificagao do signo, ou seja, na passagem do signo de natureza referencial para a condicio de icone. Esse deslizamento provocado pela proeminéncia do signo estético é 0 que estampa o movimento criativo no filme fornecendo vida a obra de arte. Este procedimento, convém registrar, consiste fundamentalmente em propor um estranhamento acionado pela articulagio combinatéria do complexo significante ‘Todavia, é importante enfatizar que o qualisigno, na superficie signficante, produz a tridimensionalidade na narrativa mesmo que este procedimento semistico signifique a sua pulverizagio ou ainda a sua propria ivo de dilaceracio, dado seu aspecto dinimico e expr materializar sintaticamente qualidades abstratas. O cinema, ao construir inter-relagdes de qualidade pelo caminho da similaridade ou mesmo da sincronicidade, privilegia o icone em toda a sua transgressividade, evocando sempre novas realidades a partir do destilamento da linguagem com suas unidades signicas (planos, enquadramentos, movimentos de camera, recursos de transi¢io, pontuag4o, ritmo, passagens, ). O signo estético, ao explorar o potencial da iluminagao, articulagdes sonoras, cromiticas, gestuais. linguagem, possui essa natureza epifinica de, na obra de arte, apontar para varias diregées, sem fazer referencia a nada especifico. Constréi ainda as suas préprias reiagdes internas, pois da forma como esta estruturado, Bernadette Lyra. A Nave Extraviada. p.64. torna-se auténomo, apontando para si mesmo, dialogando com outros signos que integram a rede combinatoria das estruturas estéticas ¢ , finalmente extrojetando-se para fora de seu corpo estético pelas rupturas ¢ configuragées qualitativas. Sobre este aspecto, Julio Plaza afirma o seguinte: “produsir linguagem em fungao postica significa, antes de mais nada, uma reflexio sobre a propria linguagem como produgao signica e, sobretudo, uma diferenctacan entre linguagem como signo auténomo, auto-referente ea linguagem de uso comunicativo.”** Noutros termos, trabalhar a linguagem num sentido nao convencional, imprimindo-lhe relagées de natureza estética, resulta em acionar a autonomia e a sicalidade do signo promovendo o movimento estrutural do significante. Esse movimento estrutural de construgio de semelhanas por qualidades® se manifesta em diferentes niveis do filme - quebras da ilusio referencial, fragmentagio da narrativa, jogos de oposigées, enquadres conceituais, construgécs parataticas, novos engendramentos espago-temporais, utilizagao critica de recursos visuais e sonoros, relagoes inter-cédigos,...- fazendo explodir multiplicidades que provocam os sentidos no espectador. O cinema de natureza estética, como muito bem materializou Sergei Eisenstein nas diversas formas de montagem, é aquele que sincroniza os sentidos a partir de combinacdes sintaticas inovadoras que enfeixam a complexidade 95 Julio Plaza. Sobre Tradusao Intersemiética. p.104 3° Ao destacar as relagées intercédigos por semelhangas, Jiélio Plaza subdivide essas atividades signicas em semelhangas de qualidades, semelhangas de justaposigao ¢ semelhangas por mediagio.Nas semelhangas de qualidades 0 autor afirma que: “tem-se aqui todos os casos de paramorfismos ¢ paranomisias, simetrias e reversibilidade, de paralelismos sonoros, ritmicos e formais.” Tradusao Intersemistica, p.82 sinestésica. A significagio em toda a sua riqueza patencial esta subor-inada ao processo de articulagio sintatica do filme, em cujo entretecimento signico repousa a pluralidade. Mas € preciso destacar ainda novos pontos de convergéncia que aprimoram a no igno estético. Michel Shapiro, a luz da teoria peirceana, estabeleceu gradagées para a fungio poética, subdividindo-a em trés onde quem predomina é 0 icone, a funao representacional, relacionada diretamente ao objeto ¢ a fungdo adptativa, 7 concepgio de sub-fungdes: a fungao constativa, onde o simbolo privilegia as leis do cédigo Essas subdivisées ou espécie de transigdes postuladas por Shapiro preencheriam uma certa lacuna contastada pelo autor na funcao poética, advogando ainda nas ocorcéncias artisticas o desenvolvimento de um processo de semiose introversiva. Na estrutura filmica, a semiose introversiva se caracteriz pelo modelamento de construgdes simétricas, instauragio de paradoxo, da complexidade ¢ da atemporalidade com a explicita intengio dos signos dialogarem entre si, transitarem livremente de um ponto para outro ¢ colidirem com o proprio cédigo cinematografico em todo seu hibridismo, estabelecendo um movimento automérfico. No cntanto, mesmo sem estabelecer as gradagées da fungao poetica, propostas por Shapiro, Jakobson ja argumentava que a andlise do poético nao deve ser reduzida exclusivamente A fungio poética. A fungao poética, segundo ele, relaciona-se com as demais funcées da linguagem, havendo uma dominincia sobre as demais fungées nio poéticas, principalmente sobre a referencial 7 Essas trés subfungées formuladas por Shapiro como transigdes ou gradagées da fungao poética de Jakobson estao diretamente relacionadas com as categorias seno pitagéricas formuladas por Peirce ou seja: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. In: “Poetry and Lenguage, cosidered semiotic. Transactions of the Charles Sanders Peirce. a supremacia da fungaio pottica sobre a fungio referencial nao oblitera a referéncia (a denotacao) mas torna-a ambigiia, (...) ls mensagens de duplo sentido correspandem um destinador redobrado, um destinatirio desdobrado, e ainda uma referéncia desdodrada...""* Mais tarde, Michel Shapiro amenizaria a sua critica a Jakobson afirmando que “0 programa de Jakobson é uma geametrinapao absoluta da poética, com a consegiiente atribuigao 4 espactalizagdo (antomorfismos, invaridncia, simetria, paralelismo) do papel de tema que informa a estrulura poética. A nocgio de gno estético se adensa com as problematizacdes de Shapiro, ao destacar a espacializagio do significante, tornando as estruturas narrativas automOrficas suspensas pelas desordens operadas interior das redes significantes. No cinema, no sa Operacgao légico-construtiva de adogio do signo estético se compée ainda pela pontuacio intensa das metéforas poéticas” °° Roman Jakobson. Linguistica e Poética. In: Linguistica ¢ Comunicarao. p.150. °° Michel Shapiro. Dois paralogismos da poética. In: O Discurso da Poesia. “Poetique 12.28”, p.82 ” A metafora poética é formada por relages eminentemente idiossincraticas. “A metafora poética, metaforicamente é 0 plano de exercitagao das utopias radicais, pois a sua estrutura profunda carrega associagées de similaridade, apreendendo muitas vezes, o que nao é exprimivel verbalmente. E. por natureza espectral, quebrando qualquer idéia de univocidade.” In: Pedro Nunes. Cinema e Poética. p-60. Ainda a metafora poética, ao presentificar auséncias , maneja essencialmente com transgressdes formais que ampliam o universo de significagao do filme ou mesmo da obra artistica. Gelson Santana compreende que “A verdadeira metafora poética joga com a fransgressdo no campo das substituigdes. Desafia 0 uso( sobre o qual fundamenta a substituigae) ¢ 0 transforma.” Em Torno do Conceito de Metafora de Jakobson e Lacan. In: Revista Significagao n. 10. p.114. pela fratura das unidades harménicas, pela harmonia e desarmonia dos diferentes codigos que se interseccionam € se recombinam no cédigo cinematografico, gerando o movimento auto-reflexivo. A obra filmica, com suas ranhuras plasticas multivalentes, passa necessariamente, como ja observamos, por um processo organizativo que reside fundamentalmente em sua natureza combinatoéria. Antecedendo a todo esse processo de materializagio significante, o insight “ (movimento da percepgio) desempenha papel decisivo que culminaré com a montagem Mas, antes de especificarmos 0 cinema estético enquanto um procedimento de montagem, cabe apresentar a visio de que as construgées artisticas, . io dependem enquanto uma malha relacional complex exclusivamente do jogo combinatério dos signos. A montagem, elemento primordial na construgio de filmes verdadeiramente artisticos, admite também pressupostos filos6ficos que governam o tecido significante. A construgao do estético esta nessa atitude planejada de ultado jo de mundo peculiar a cada criador.* manejar criticamente o significante, em cujo expressa uma Vi “ O Insight funciona como uma espécie de introvisdo do processo criativo. Trata-se do sopro imaginativo que antecede o fazer artistico, estando intimamente relacionado a0 processo abdutivo situado na esfera do pensamento. “Mesmo autores com preocupagao formalista no filme admitem essa concepgao de que a obra artistica esta entranhada de uma peculiar visdo filoséfica do mundo. Podemos destacar dois déles: 0 cineasta Andrei Tarkovski e Youri Tinianov. Tarkovski ao associar 0 filme com a poesia afirma que: “Quando falo de poesia, ndo penso nela como género. A poesia é uma conseiéncia do mundo, uma forma especifica de relacionamento com a realidade. Assim « poesia torna-se uma filosofia que conduz o homem ao longo de toda a sua vida.” In: Esculpir 0 Tempo. p18. Como ja observamos, o signo estético cinematografico se reveste pela complexa relacio semidtica de ordenacao do significante (semelhangas sobre a contigdidade). A fungio poética, com as suas novas propriedades conceituais, esta centrada no proprio signo cinematografico, cada vez mais hibrido em sua materialidade marrativa ao absorver parcialmente ou totalmente a cletronica analdgica e digital, a partir da combinagio paradigmatica de todos elementos formais que compéem o sistema significante. Isso quer dizer que, mesmo na mais extrema relagao de desordem de uma estrutura significante, tomando-se como parimetro as narrativas filmicas convencionais, hé uma ordem articulatoria que rege toda ¢ qualquer perturbagio paradigmatica que é a montagem. A montagem, por este eixo reflexivo, pode ser considerada como um dos procedimentos mais importantes para o entendimento ¢ a construgao do cinema de natureza estética, onde trafegam diferentes texturas signicas previamente pensadas e selecionadas para gerar qualidades. Evidentemente que por tras de todo procedimento de montagem criativa esta um sujeito criador que, somente pela sua rigorosa capacidade inventiva, produzird o movimento vibratério dos signos necessdrio para o cinema de forca poética. A montagem, enquanto instincia articulatéria de significantes, antecede o proprio cinema, advém de outros universos signicos como a literatura, a pintura, o teatro ¢ a propria fotografia, que muito bem desenvolveu © conceito de fotomontagem através de Rodtchenko. Entretanto, sera sobretudo espelhado no género narrativo literario que o cinema de natureza convencional desenvolvera uma espécie de grafia visual bem particular. ‘Trata-se da incorporagio de procedimentos tipicos da tragédia, da comédia, da epopéia... que sio inicialmente transladados ao cinema como construgio da verossimilhanga, progressio dramitica, edificagio do herdi ¢ auséncia da complexidade, entre outras. Esses recursos narrativos, associados a organizagio da temporalidade/atemporalidade, espacialidade e ritmo, so apropriados e retrabalhados paulatinamente pelo cinema na constituigao do género melodramatico. O modelo classico dominante de cinema se destaca, desde as suas origens, pela construgio de nartativas ilusionistas que de certo modo escondem os seus mecanismos de representagio mas, ao mesmo tempo, demonstram também suas possibilidades metonimicas, regras especificas de combinagio e a propria constituicdo da linguagem cinematogréfica.® Os procedimentos constitutivos de uma possivel linguagem cinematogréfica, inclusive as diferentes concepgées de montagem, emergem particularmente da fase inicial do cinema, ou seja, da passagem das produgées do cinema primitivo a filmes com cadéncia narrativa. A camera, ainda nessa fase pioneira, se aproxima gradualmente de objetos e personagens. O plano aberto, muito identificado ao teatro, é recortado em sucessivos fragmentos até a captacao do detalhe significante. Com a constituigao dos planos, as nogées # Sabemos de toda polémica em torno do fato do cinema possuir ou no ama linguagem propria. Muito embora o cédigo cinematografico nao possua comparativamente as regras rigidas dos sistemas verbais, dispoe de suas caractecisticas préprias que Ihe confere determinada autonomia enguanto um sistema articulado de signos. Eisenstein, ao longo de seus estudos, nos demonstra a existéncia da linguagem cinematogrdfica com as suas intimeras particulacidades. O pardmetro para essa adogao evidentemente nao é a linguagem verbal, muito embora o cinema extraia dai alguns componentes que se adequam 4 nova linguagem audiovisual. O cinema, fazendo uso das potencialidades da eletrénica, cada vez mais dialoga irmanadamente com os sistemas verbais, contaminando-se iconicamente. Sobre os intersticios Palavra/Imagem, consultar ensaio esclarecedor de Lucia Santaella: Palavra,Imagem & Enigmas In: Revista da USP nd. pp 37-51. de continuidade, a fragmentacio de agdes experimentadas por Edwin Porter“, os enquadramentos, 0 movimento no interior dos planos ¢, posteriormente o préprio movimento de camera, 0 cinema cria seus préprios elementos de linguagem nos quais 2 montagem passa a ser uma espécie de matéria prima. Neste contexto, vale ressaltar a importancia de Griffith para o cinema ao lancar elementos inovadores para a linguagem cinematografica e, ao mesmo tempo, propor um estilo através da montagem, que se cristalizou como um modelo apropriado de narrativa para o grande publico. O proprio Kulechov™, que se preocupou em estudar a eficacia psicolégica dos clementos articulatérios do cinema americano ¢ os scus mecanismos de projecio ¢ idenfificayio”, admite a contribuicio de Griffith para o processo de montagem. No entanto, pode- se também afirmar que a nogio de montagem ja estaria incorporada no ato de filmagens nos trabalhos pioneiros de Meliés, a0 explorar trucagens, sobreimpressodes € conceber pequenos enredos parataticos. “ Tanto Noel Burch como Jacques Aumont consideram Edwin Porter um dos precursores do cinema montagem com os filmes “Vida de um Bombeiro Americano” (1902) ¢ “O Grande Roubo do Trem” (1903). Neles, Porter propée configuragées inovadoras para a época como por exemplo a nogio de simultaneidade. * «&1 primer realizador que utiliz6 el montaje como elemento de creacién cinematogrifica fue Griffith ... Los norteamericanos de la época de la Primera Guerra Mundial y de los afios posteriores (Ince, De Mille, Vidor, Griffity, Chaplin) fueron los mejores cineastas del mundo, y los técnicos y artistas de cine de todos los paises aprendieron las bases de su arte en el cine norteamericano. "Lev Koulechov. Tratado de la Realizacion Cinematografica. p.41. Sobre a construgao do modelo transparente © naturalista adotado por Hollywood e, particularmente, sobre as experiéncias de Kulechov, consultar: Ismail Xavier. O Discurso Cinematografico: A opacidade e a Transparéncia. 1977. Estes diferentes incrementos, sobretudo 0 padrio narrativo proposto por Griffith, culminariam, como ja destacamos, numa orientagio de cinema comprometida ao gosto facil. Por um outro lado, em contraposigio a essa ldgica, surgiram as diferentes vanguardas artisticas cinematogrdficas caminhando na contramio deste modelo transparente de narrativa. Dentre cla podemos destacar o movimento de cinema russo, o expressionismo alemio; o cinema independente americano © a propria Nouvelle Vague que foi inicialmente influenciada pelas teorias de cinema de André Bazin. Nesse contexto especifico, Arlindo Machado escreve que “Mesmo 0 modelo griffithiano de cinema, que havia se imposto sobre a produpio dominante durante cerca de cinguenta anos, como uma especie de estrutura bdsica do aparato significante, comega a ser questionado e negado por vérias frentes renovadoras, tais como a nouvelle vague francesa, 0 underground norte-americano ¢ os cinemas novos que estouram como pipoca em vdrias partes do mundo.”47 O cinema, ao longo do processo histérico, tomou rumos diversos ao incorporar a dinamica da criatividade As diferentes vanguardas histéricas cinematogrificas representam uma espécie de oxigénio cultural, face a légica miope da indistrica cinematografica. Fm especial, © conceito de montagem ganha corpo no seio de propostas tio antagonicas (vanguarda e retaguarda) mas que, a originalidade da montagem ¢ sobretudo do cinema, radicaria na diversidade tedrica de cineastas e estudiosos que conceberam 0 cinema como um instrumento com energia estética, capaz de produzir rupturas da ordem simbélica ¢ transformar o proprio conhecimento. Assim, dentre as varias teorias da montagem, sio expostas aqui , algumas idéias basicas de Eisenstein que, sem duvida alguma, influenciaram diretamente para consolidagao da linguagem cinematogrifica e ainda nos permitirio melhor compreender a forma filmica contemporanea de natureza estética ” Aclindo Machado.O Video ¢ sua In: Revista da USP n.16. p.11. A montagem etsensteiniana A concepgio de montagem formulada por Eisenstein é, sem davida, altamente complexa e provém de uma gama de afluentes tedricos. Ao enxergar o filme como um mecanismo organico para gerar choques emocionais, o autor estrutura sua propria teoria a partir de bases conceituais, por vezes até justapostas, como a escrita ideogramatica oriental, o haicai, o teatro kabuki, as teorias de Piaget, Freud, Pavlov, Gestalt ¢ Vigotski estudos da cor, da forma musical e da prépria estruturagao do pensamento.* O conceito de montagem é permanentemente atualizado pelo autor na medida em que entra em contato com as novas teorias da época e até mesmo por vivenciar a evolugio técnica” do cinema. Nesta direcao, as idéias estruturalistas ¢ particularmente aspectos da teoria de 4 As bases te6ricas utilizadas por Eisenstein para organizagao da montagem como linguagem sao diversas e complexas. Ao associar a montagem a uma légica pensamental ele parte dos estudos de Piaget sobre 0 discurso egocénttico na fase infantil e 0 aprimoramento desse mesmo estudo feito por Vigotski estabelecendo conexées entre pensamento e linguagem. Tendo por base essas idéias, Eisenstein elabora também a idéia de discurso interior no filme tendo como dominante a plurisignificagao ¢ estruturas imagisticas condensadas. Sobre 0 assunto conferir.S.M.Eisenstein, Da Literatura ao Cinema: Uma estratégia Americana. In: Ismail Kavier(org) A Experiénca do Cinema. pp.203-215. e LS. Vigotski. Pensamento ¢ Linguagem. Lisboa, Antidoto, 1979. ” Eisenstein sempre esteve atento as inovagées tecnolégicas e 0 seu desdobramento criativo no cinema. A entrada do som e da cor, as experiéncias com estereoscopia e a propria chegada da televisdo instigariam profundamente o seu olhar critico-criativo de filésofo e cineasta. Daf a sua condigao de estar na Jakobson sobre construgdes paradigmaticas, metonimia ¢ metéfora e sobretudo a nogio de dominante”’, influenciaram a sua cosmovisio dialética de montagem, Essa contaminagio se evidencia por ocasiio de seus primeiros ensaios sobre a montagem de atragdes € as teorias sobre cinema intelectual, periodo este em que finaliza trés filmes pilares de toda sua obra: A Greve (1924), O Encouragado Potemkim (1925) ¢ Outubro (1928), obras nas quais aplica as questées de sua teoria e a nogées de signos dominantes e cédigos dominantes na obra cinematografica. Dudley Andrew observa que: “A nogdo do dominante prevalecen na Russia durante os anos 20 ¢ sera divida Eisenstein estava Samiliarizado com 0 ensaio fundamental intitulado simplesmente “The Dominant”, escrito em 1927 pelo famoso critico literdrio Roman Jakobson.”! A concepgio eisensteiniana é de que cada plano ou fragmento deve funcionar como atracio dominante imprimindo dinamica, musicalidade e ritmo ao filme. As atragdes dominantes pensadas através da sintaxe da montagem, devem produzir fluxos sinestésicos que, de alguma forma, envolvam os sentidos.Concebido desta maneira, para gerar o impacto psicoldgico, o filme de natureza estética deve ser planejado a partir de ages dominantes que também priviligiam o conflito. SO dianteita de seu tempo 20 visualizar até que ponto uma nova descoberta pudesse ser um instrumento nao apenas voltado para as petipécias de mercado mas também para um bom uso estético. Sua compreensao é fortemente marcada pela intengio de aprofundar os estudos sobre as inovagées tecnoldgicas e extrair delas toda carga potencial e aplicé-las no ambito das criagdes culturais. *? Uma explicita alusao tedrica 4 nogao de dominante aplicada por Eisenstein esté Presente no ensaio “A Quarta Dimensao do Cinema”, escrito em 1929 e que integra o volume de ensaios A Forma do Filme. pp 71- % Também sera a partir deste mesmo ensaio que 0 autor passa a langar substdios para o que mais tarde denominaria de montagem pelifonica. J: Duddley Andrew. A Tradigi0 Formativa, In: As prinipais Teorias do Cinema. p.67 \ domimancu dos contlitos estara presente no r de cada plano, na montagem em si organizada inte pelo principio da justaposigao e na totalidade estrutural do filme. Este procedimento se faz presente também no proprio roteiro (onde ja se articula a sintese da montagem), pois nele estio demarcados ¢ condensados cio material todos os passos e instrugdes para filmica. Arlindo Machado detalha a noyiv de conflito no cinema: ssim ractocinava Vitsenstetn: sobre a mesa de montagem, temos uma quantidade inumerivel de planos lomados sub as mats vartadas condigées - mais abertos ( planos gerais) ou mais fechados (primeiros planos), mais claros ow mais escuros, com movimentos para esquerda ou para direita , com movimentos para cima ou para baixo, e assim por diante. Como corta-los e em que sequéncia dispé-los? Pode-se apenas emendar os fragmentos Linearmente, seguindo 0 fio de uma intriga: isso é 0 que fax 0 cinema narrativo vulgar. Mas nos momentos mais criativos da cinematografia, é preciso saber articular esses planos, combind-los e regé-los harmonicamente como numa sinfonia, faxé- los suceder uns aos outros segundo um principio ritmico e organizador. Esse principio, para Eisenstein, deveria ser 0 da contradigdo, ou seja, 0 choque de valores plasticos opostos, tanto entre dois planos sucessivos, quanto no interior de um mesmo plano. Montagem, para ele, era desencadeamento de conflitos.”®? Essa nogao de conflito, ou mesmo da dominancia de conflito, perpassa toda a obra de Eisenstein. Cabe destacar que ao longo de seus ensaios, Eisenstein precisa ainda mais 0 que caracteriza como dominancia do conflito.O conflito pode estar situado no interior de cada plano, na associacao dos planos ou mesmo nos conflitos *? Arlindo Machado. Eisenstein: Geometria do Extase. p45. Sie produzidos pela acao articulatéria da montagem. “O conflito é, de fat, 0 modo canénico de interagao entre duas unidades quaisquer do discurso filmico: conflito de fragmento a Sragmento, decerto, mas também dentro do Sragmento e¢ especificando-se este on aquele pardmetro particular.” © Essa nogio revela qualidades, pois no interior de cada plano ou fragmento ou noutros modos especificos de associagio, devem estar previamente pensados e materializados procedimentos de montagem (movimentos, enquadramentos, escalas, volumes, dimensao grafica,...) para gerar colisdes das intensidades em movimento que eternizam a obra artistica.* Trata- se de auferir a cada plano tensdes conflitivas, que articuladas ao todo se autonomeiam como presengas paramOrficas impactantes. Traduzindo, essa acéo dcliberada de estabelecer criativamente acdes conflitantes é, conforme a visio jakobsoniana, o curtocircuito operado no eixo sintagmatico ou, utilizando uma expressao contempordnea, trata-se de um “s/?? (pane) consciente a partir de selecoes em termos de similaridade. A montagem criativ , pensada por esse jogo dialético de agdes dominantes, consiste na justaposigéo de planos que funcionam como atragées intelectuais exclus vamente voltadas para produzir sentidos. Sob este foco, Kisenstein aplica no cinema conceitos inicialmente desenvolvidos em sua experiéncia com teatro” aprimorando a sua visio de montagem cinematografica —— * Jacques Aumont. A Montagem. In: Estética do Filme. pp 83-84. * Bisenstein apresenta diferentes modalidades de conflitos como agdes dominantes: conflito grafico, conflito de planos, conflito de volumes, conflito espacial, conflito de luz, conflito de tempo. Cada tipo de conflito pode apresentar subdivisées ou mesmo estabelecer interconexées produzinto um contraponto audiovisual. Dramaturgia da Forma do Filme. In: A Forma do Filme. pp 57 € 59. Trata-se de sua experiéncia com o0 teatro de atrasées © também a sua atengao especial voltada ao teatro Kabuki. O Kabuki, ao a cada contato com novas teorias que também se refletem em sua producio filmica. A montagem em si, entendida como uma organizagio finita e sequencial de significantes“ ¢ wma sintaxe para a correta construgdo de cada particula de um fragmento cinematografico.”** Resulta na justaposigao de fragmentos que funcionam como feixes de idéias pertubadoras ou como atragées intelectuais descontinuas materializadas pelo principio da contradigio. Assim, a combinagio de dois planos isolados gera um terceiro plano conceito propondo novas significagdes. Essa concepgio aparentemente simples para construir o potencial estético da obra cinematografica, funda-se inicialmente nos estudos sobre a cultura e a lingua japonesa. Posteriormente Hisenstein avanga a sua concepgio de escrita cultural cincmatografica ao aprofudar incorporar a tradigio e determinadas convengées culturais do oriente, avanga em relagdo a propostas com esquematismos de encenagio/montagem psicologizante. Pode-se dizer que 0 Kabuki é uma concepsao muito mais arrojada do que o teatro N6é porque se caracteriza como 0 “ conjunto monistico” onde “som - movimento - espago - voz ... funcionam como elementos de igual significancia."O Kabuki procura envolver sedutoramente o espectador através de solugées formais perfeitamente sincromizadas. Eisenstein ainda a0 comentar 0 teatro Kabuki em “Uma Inesperada Jungio”, raciocina que: “Dirigindo-se aos varios drgios dos sentidos, eles constréem uma soma em diregao a uma grandiosa provocagao total do cérebro humano, sem prestar ateng&o em qual desses caminhos estio seguindo "In: A Forma do Filme. pp. 28-29. % Sergei Eisenstein. Eh! Sobre a pureza da linguagem cinematografica. In: A Forma do Filme. p.107. seus estudos sobre os ideogramas chineses, particularmente 0 pictograma,” ‘relacionando por fim o seu arcabougo conceitual com a estrutura do pensamento primitivo, amadurecido na fase em que esteve no México envolvido nas filmagens do inacabado Que Viva México ! Trata-se de, pelo encontro desses caminhos diferentes pensar o cinema como uma atividade que quebra com a légica ocidental de pensamento e que se desloca por um trajeto mais abstrato e, portanto, metaforico. O percurso desta légica é entio explorar sensualmente o pré-légico™, enfatizando assim a descontinuidade e, por conseguinte, 0 afloramento da simultaneidade altamente carregada por associagSes tropol6gicas para formagio de conceitos abstratos. Dessa forma, as relagées de sentido sio instauradas pela ordenagio diagramatica entre a ordem sintatica e a fluidez do significado. — ° Na verdade, Eisenstein aprimora sua visto de montagem tomando como ponto de partida © pictograma, utilizando critérios de reotganizagao do real a partir de associagoes criativas © também jungées seletivas de imagens em desproporgao ao referente.Trata- se de associagées sugestivas, ou seja, a combinagao de dois pictogramas ou caracteres distintos evoca ou sugere por essa sintese criativa, uma terceira idéia na mente do espectador/leitor, Ainda em Eisenstein: a Geometria do Extase, Aclindo Machado nos esclarece esse principio: “Juntam-se do Pictogramas para sugerir uma nova rela Presente nos elementos isolados; ¢ assim, através da associagio de caracteres, chega-se Ao conceito abstrato © “invisivel”, justamente, o ponto de partida do cinema intelectual de Eisenstein: um cinema que, partindo do primitive pensamento por imagens, consiga articular conceitos com base no puro jogo poético das metaforas e metonimias.”p.63. ** Em o Desmantelando um Tirano, Eisenstein explica o porqué de sua preferéncia pelo pré- légico e a questio da sexualidade: “Me sinto concepgao de uma zona do pré-légico, daquele subconsciente que inclui sexo, mas nao é eseravizado por ele. "In: Memorias Imorais. p.68. atraido por minha prépri lstetteamente, 0 universo filmico forma-se molecularmente pela desordem composicional totalizante. A coeréncia semidtica do filme reside na instabilidade artistica causada pela desordem. Compor em desordem segundo preceitos de Eisenstein, portanto implica na ago deliberada do criador com a precisa finalidade de sustar fluxos de informagées, criar 0 choque ¢ nio consumi-lo deixando em suspenso para novas cartadas produtoras de conceitos. Significa ainda superpor ou fragmentar temas/objetos, ramificar caleidoscopicamente as microcadeias significantes, ou distorcer as relagées formais de natureza espago/ temporal. Sob este prisma, as desintegracdes abruptas, a decomposicio dos acontecimentos, ou mesmo a énfase acentuada em determinados detalhes que amarram a uma idéia totalizante, sio procedimentos pensados meticulosamente para o pleno funcionamento estético. A composicio estética é entio a antitese da ordem que busca a unidade mével nos paradoxos introjetados na engrenagem filmica. Ismail Xavier assinala que “Eisenstein, ao interramper o fluxo, monta os excursos que rasgam 0 espago-tempo para decompor momentos-chaves em figuras geradoras da imagem- conceito, intervengdo do narrador que 0 aproxima do discurso épico. Al montagem descontinua, com suas ambiguidades, dd ensejo para que o leitor avesso a tais procedimentos observe a presenca dos objetos como gratuita, um modo de acentuar formas e matérta inerte que sempre incomodon criticos como Bela Balazs on mesmo gente proxima de Eisenstein como Kulechou.”” * Ismail Xavier. EISENSTEIN: A Construgi0 do Pensamento por Imagens. In: ARTEPENSAMENTO. p.370. Essa maneira bem particular de construcio do objeto significante por meio de sungdes inesperadas formando microcircuitos que se esparramam pelo macro universo semidtico, é 0 que produz o movimento continuo no interior da propria estrutura filmica, onde © equilibrio estético funda-se eminentente nas relagées originais de conflito. Neste caso, a obra filmica reveste- se da possibilidade de voltar-se para si mesma ou sair de si mesma ao dialogar temporalmente com o presente, © passado e o futuro. O cinema de natureza estética, concebido segundo estas formulagées geradas a partir de Eisenstein, é um cinema atemporal na medida em que sua ossatura estrutural possui uma vida indefinida e conecta-se de forma auténoma e dialética com as dimensées de temporalidade hist6rica. © seu corpo significante é assim materializado circularmente, onde a montagem segue um trajeto andlogo 4 arquitetura do pensamento com estruturas simultaneistas interconectadas. Mas, se por um lado Eisenstein pensou a montagem espelhando-se na complexidade do Pensamento icénico ou como um arco tris com fugae™, por outro também relacionou o cinema a uma maquina que possui mecanismos previsiveis. Por essa dtica, todas ramificagées internas do objeto filmico sao procedimentos dos quais o realizador/criador deve reter total controle. Todos os elementos expressivos, como. por exemplo a constituicao de linhas que se harmonizam ou se colidem composicionalmente sio, por essa ordem de raciocinio, mecanismos conscientes ¢ auto- sustentados para o pleno funcionamento da maquina organica produtora de sensagdes. A “serialidade”, neste caso, é tio somente a originalidade da obra artistica. — Expressio utilizada por Nicole Stenger para definit a mente. In: CIBERSPACIO : los primeros pasos. p.51 Alids, a propria linha de pensamento de Eisenstein sobre cinema ¢ montagem se edifica a partir de oposigdes reciprocas. O seu legado estético coincide com um ve, com muito mais cinema radical, aplicando-se inclu vigor, na esfera do cinema eletronico ou m producdes de video-arte®, Sua _concepgao estética de cinema, esta plenamente entranhada nas poucas obras filmicas contemporaneas, particularmente as que assimilam a eletrénica como parte de seu corpo significante ¢, sobretudo, se presentifica nos filmes que articulam caracteristicas da contemporaneidade. Sio mo nas entio duas as questées aqui tragadas: 1 Com a presenga da eletrénica analégica e digital de forma parcial ou total no cinema, a concepgio de montagem cisensteiniana pode ser melhor explorada maleabilidade desses ou mesmo experienciada pe cquipamentos para agilizagio de etapas da produgio, flexibilidade de criagio, tratamento de imagens € sons € pela propria combinacao sintatica desses elementos significantes. O cinema, conforme exposigio esbocada no capitulo anterior, se desloca conceitualmente de um estado para outro pelo potencial inusitado langado tanto pela imagem eletronica analégica, como também pela revolucionéria contribuigdo enunciada pela cletrénica digital no campo de projetos estéticos. Consciente do potencial estético dessa nova anatomia eletronica contemporinea, o cinema contamina-se propositalmente para poder avangar ndo somente no didlogo com os novos suportes tecnolégicos mas também para dar o seu salto criativo, rompendo com um tipo de relagio meramente parasitaria com énfase nas pirotecnias de efeitos especiais abusivamente presentes nas produgées de cunho comercial. © cinema eletrénico amplia, por este lado da criagio, as possibilidades de exercitacio das idéias de montagem gestadas por Eisenstein ao optar por um hibridismo que o torma mais impuro e, consequentemente, liberto para criagdo. °! Arlindo Machado no ensaio “O video em sua Linguagem” revista da Usp n.4 estabelece relagdes entre 0 video e a concepgao de momtagem intelectual afimando que: “O video solicita montagem eloquente, uma montagem capaz de produzir sentido através da justaposigao de planos singelos. Na verdade, o video aponta para a mesma perspectiva da montagem intelectual de que Eisenstein foi o mais ardoroso defensor no terreno do cinema.”pp 11-12 2 O outro aspecto da questao reside ainda no imbito das idéias de Eisenstein sobre montagem | Sua concepgao de criacio cinematografica © todo o seu idcario filos6fico em parte ainda inédito, possuem extrema atualidade podendo inclusive serem identificados tragos em algumas obras que trabalham com caracteristicas da contemporancidade. Para Eisenstein, as leis que governam um filme nao sio as regras absolutas e sim relagdes arbitrdrias, Nesta acepcio, radica uma quebra total com as construgées filmicas de gosto clissico que se inclinam para a ordem ou mesmo para a apli a¢ao convencional das regras de sintaxe. No conjunto, o projeto estético de Eisenstein aponta para o que pode ser denominado de prazer da imprecisio, da transformagio da referéncia em espectralidade, da construgio fragmentaria, do pormenor, da dissipasio, da diversidade, do conflito da ordem e desordem, da d da multidimensionalidade. Estas caracteristicas estéticas sagregacio, da instabilidade, da repeticao ou mesmo da obra cisensteniana também se encontram em obras filmicas contemporineas de natureza arrojada, a exemplo dos filmes que aqui serio analisados: A Ultima Tempestade de Peter Greenaway e Anjos da No Wilson Barros. Neles aplicaremos os conceitos de fungio e de poética, funcgao metalinguistica e qualisigno que, em muitas vezes, se entrelagam conceitualmente ou se fundem tornando presente a prépria visao estética de Eisenstein. Apés a discussio de algumas caracteristicas do legado poético-filoséfico de Eisenstein acerca de sua contemporancidade e até mesmo a possibilidade de levar adiante suas idéias sobre montagem com o ingresso da eletrénica no cinema, cabe, por fim, destacar um exemplo especifico de combinacio vertical - a montagem polifénica - cuja esséncia de seus procedimentos serio visualizados particularmente em A Ultima Tempestade A montagem polif6nica O conceito de montagem polifénica® orquestrado por Eisenstein nos remete as suas experiéncias iniciais da fase do cinema mudo. Na verdade, ainda nessa fase, © autor procurou por em pratica a sua concepgio tebrica no filme a respeito da sonoridade das imagens visuais sob 0 crivo de uma visio inovadora de montagem. Para isso, foi também buscar contribuigdes nas modalidades artisticas predecessoras ao cinema, particularmente na pintura e na misica®, linguagens estas que forneceriam matéria prima para essa nova concepgao de cinema como pratica artistica multiforme e, em um certo sentido, hetcrodoxa quanto As suas regras de sintaxe No ensaio “A Quarta Dimensao do Cinema” In: A Forma do Filme, escrito em 1929, Eisenstein comega a elaborar uma teoria e metodologia da montagem polifénica fundada em atonalidades visuais. O amadurecimento teérico surgiria mais tarde, particularmente em trés ensaios basicos: “Sincronizagio dos Sentidos”, “Cor ¢ Significado” ¢ “Forma e Contetido: Pratica”; todos escritos em 1940. Essas nogées também aparecem no ensaio “Palavra e Imagem” com outro enfoque (celagdes entre cinema e poesia) reescrito por Eisenstein a partir de “Montagem 38”. Nele, 0 autor levanta aspectos expressivos para a composigao audiovisual, a questéo do compasso e as dissonancias entre a articulagao sintética e a métrica. Ao dotar 0 filme de uma articulagao ritmica, 0 criador/montador se caracteriza “como um compositor de harmonias audio-visuais "In: O Sentide do Filme. p. 38 © Eisenstein foi buscar na estrutura musical as relagées necessérias para o seu pensamento sobre montagem polifénica. Posterirmente, com a finalidade de aprimorar 0 conceito de polifénia no cinema, vai também buscar na estrutura da pintura os elementos basicos para 0 que denominou de montagem cromofénica. Na pintura, Eisenstein examina detalhadamente aspectos da obra de Leonardo da Vinci atentando para uma espécie de ie A montagem, nesta acepcio polifénica, desempenha o papel de regénc: i : ; ia dos significantes ou mesmo, € quem executa 0 arranjo composicional do filme através das mio habeis ¢ criativas do realizador/maest, do filme/sinfonia. ian Assim, ao estabelecer equivaléncias entre a Partitura orquestral ¢ a partitura dudio-visual, F = ‘i Sisenstein em Sincronizacao dos Sentidos resgata sua pro; 3 “ Pria atividade nematografica e nos diz que Para essa correspondéncia s+ teremos de extrair de nossa experiéncia do cinema mudo um exemplo de montagem polifonica, na gual um plano é ligado ao outro nao apenas através de uma indicagao- de movimento, valores de iluminagdo, pausa na exposigio do enredo, ou algo semelhante -, mas através de um avanco simultaneo de uma série miiltipla de linhas, cada qual mantendo um curso de composisao independente ¢ cada qual contribuindo para o curso de composig¢ao total da sequéncia.** — borbulhamento de elementos plasticos dramaticos e sonoros. Vé nas pinturas de E} Greco 0 principio da montagem cinematogrifica ou mesmo as tonalidades internas aprimoradas por Kandinski ou as sensagdes pertubadoras e sonoras provocadas pelas obras de Gauguin, Picasso, Van Gogh e Rembrany, entre outros. Esses estudos sobre 4 pintura estao relacionados com as escalas cromaticas no cinema e também visam estabelecer uma correpondéncia sonora. Na musica, Eisenstein fundamenta suas anilises na musica erudita e também na misica moderna (jazz), analisando 4 fungao da repetisao como forma expressiva, da linha melodica e do volume, com o propésito de estabelecer associagées entre som e cor, aplicando por fim ao cinema. : Sergei Eiseinstein. A Sincronizagao dos Sentidos. In: 0 Sentido do Filme. p.52. 87 O autor exemplifica essa passagem ao discutir uma sequéncia de O Velho € 0 Novo (1929), demonstrando que 0 avango simultaneo se manifesta com a construgio de diferentes Jinbas ( linhas de calor, linhas de vozes diferenciadas, linha do crescente éxtase...) cujo entrelagamento desses diferentes movimentos formam uma Jinha geral.Com este pensamento a polifonia torna- se patente com a criagio no interior do discurso cinematogrifico dessas variadas vozes, que introjetando musicalidade nas imagens, consequentemente incutem vitalidade epifanica ao signo. A montagem, neste caso, ao trabalhar o fragmento ¢ a totalidade, a tese ¢ a antitese, funciona como diapasao, regulando analiticamente a frequéncia do filme ou produzindo acordes dissonantes perfeitamente adequados ao projeto estético da obra artistica. Segundo este raciocinio, a estrutura polifénica no filme resulta de uma juncgio complexa de diferentes linhas interdependentes que variam evidentemente a pactir de cada idedrio criativo e que, composicionalmente, tecem uma /inha total da partitura filmica. Convém advertir ainda que a linha da trilha sonora como componente intrinseco da linha lofal nio funciona como um mero adereco sonoro, uma vez que exibe-se como um elemento expressivo que também possui infinitas variantes plisticas que modulam criativamente as imagens e que também possuem uma intensidade propria sincronizada ao corpo filmico para produzir simultaneidades. Fundamentalmente, a idéia de montagem polifénica concentra-se na modulacio “plastica” dos signos, ou seja, reside no aspecto de acasalamento dialético das relagdes formais do significante de maneira a gerar tautocronias sonoro-visuais. O filme, como uma pega sinfénica, é entio comandado por ritmos espaco-temporais que se enlagam ou se sobrepdem em sua diversidade e autonomia construindo a sua propria linha melédica. Isso quer dizer que a linha melédica no filme polifonico se expressa pela alas diaténicas que graduam formagio de diferentes es ritmicamente a estrutura filmica. Também a linha melodica ¢ formada por uma espécie de igualdade ritmica entre a faixa de som ¢ da imagem Ss Todos os elementos significantes devem ser realcados esteticamente numa mesma escala de importancia, independente de sua natureza material ou lugar que ocupa na obra de arte.O que varia é a intensidade aplicada por exemplo a determinada cena. Ainda, essa igualdade ritimica assegura a interdependénciae também 0 didlogo que deve existir entre ambas as faixas visando estabelecer correlagdes associativas e nio absolutas entre cor/som/imagem. O movimento ritmico, por sua vez, é traduzido pelas diferentes combinagées justapostas de significantes: cadéncia métrica, planos com distancias focais, planos com movimentos sincopados, acelerados ou retardados, ecos visuais ¢ escalas de equivaléncias tragadas da pintura e da musica, formando assim a linha melodica do filme pela agio composicional decisiva da montagem, composi¢io plistica dos significantes e da propria agio composicional do diagrama sonoro. ; O filme como uma sinfonia ritmica entrencada signicamente, organiza-se sincronicamente com base nas multiplas transformagées da forma. Todas as relacées significantes sao pontuadas ritmica ¢ melodicamente pela dinimica totalizante dos fragmentos pensados como notas musicais perfazendo um sistema organico de associagdes, oposigdes, repetigdes, paralelismos e equivaléncias, Assim, aplicar a concep¢io polifonica no filme é fazer cintilar os signos e, consequentemente, dota-los visceralmente de ritmo, movimento, plasticidade ¢ sonoridade. Esta faganha consiste em arrancar da esséncia da imagem a sua exuberancia sonora ou mesmo estabelecer ao significante sonoro uma correspondéncia visual. Pode-se dizer ainda que a intervengio polifénica faz brotar da cor um equivalente sonoro singular, tendo em vista que a cor nfo possui uma significagio unica Desta maneira, a cor em uma determinada sequéncia adquire uma intensidade de contetido e de sonoridade que, numa outra sequéncia de outro filme a mesma cor pode a umir um significado distinto e consequentemente, nao correspondente a cor anterior. A combinagio estética de todos esses elementos (cor/ som/imagem) também resulta em um filme de natureza cromofdnica conforme argumentagio de Bisenstein. © filme polifénico 20 prover 0 seu corpo orginico de intensidades musicais crescentes zaeyltactan ie processo criativo de operar com jungSea verte constitui-se também pela sintese harmonica 7 contrarios. Dentre as intmeras Gar wtemastn ° conjugagio polifénica o tecido siyaltiexene poder: constituir-se de atonalidades, discrepancias sonoras ¢ englobar os métodos de montagem Propostos por Eisenstein. Porém é importante destacar ainda ave, a linha melodica no filme estabelece total ruptura com a idéia de representacio de harmonia pela simples harmonia a harmonia polifénica funciona como um sonoro-visuais mbém Neste caso, : jogo polissémico dus antiteses | estabelecendo um movimento centripeto e ta centrifugo do significante. “Ao se combinar imagem e som, pode-se chegar a raga che todas essas sincronizacdo que preen oe potencialidades ..., ou ela pode ser construida co) base numa combinagao de elementos nao afins, sem tentar ignorar a dissondncia resultante entre os sons » 66 ¢ as imagens. Por esta afirmagio percebemos que a poner fo a fe polifonica engloba ¢ avanca em relagio is categorias ee 65 No ensaio “A Cor e o Significado”, Eisenstein retoma especificamente 0 seu estudo sobre cor, como ja vimos, estreitamente relacionado com a pintura. Num ensaio anterior “A sincronizagao dos sentides”, ele jd aponta para essa diregao especifica. In: Sentido da Filme. Em Memérias Imorais, Sto Paulo, Companhia das Letras, 1987; Eisenstein dedica trés pequenos artigos a0 problema da cor: “Tres cartas sobre a cor”, “Cor (1)” € “Cor ” pp.327-344. yer ehnensta, O Sentido de Filme. p.57 a8 Se montagem*’ anteriormente tragadas por Eisenstein. O objeto filmico, como um territério significador, flutua numa esfera icénica multisensorial perfeitamente amalgamada pelas estratégias semidticas de selecées ¢ combinagées para produzir rupturas qualitativas, Sio solugées originais, situadas ao nivel da primeiridade conforme a acepgio peirciana do signo. A montagem polifénica, por esse cotejamento de concepcées tedricas, se revela pela reverberagio icénica do signo ou mesmo pela geometrizagio musical da cadeia significante e que, por sua vez, instiga para um olhar reflexivo do intérpret TS ” Segundo o proprio Eisenstein a montagem polifénica abarca as categorias de montagem descritas em Métodos de Montagem ow seja: 1. Montagem Métrica - associagao de planos a partir de seus comprimenctos em processo andlogo ao compasso musical. 2. Montagem Ritmica - “Aqui, 0 comprimento real nao coincide com 6 — comprimento matematicamente determinado do fragmento de acordo com uma formula métrica. Aqui, seu comprimento pratico deriva da especificidade do fragmento, ¢ de seu comprimento planejado de acordo com a estrutura da sequéncia. "p. 78 Trata-se também de movimentos no interior do Proprio plano e violentagao da propria métrica. - 4. Montagem Tonal - é uma espécie de variaga0/aprimoramento da montagem riemica. Neste caso 0 movimento “ percebido num sentido mais amplo. O conceito de movimentagao engloba todas as sensacdes do fragmento de montagem . Aqui a montagem se baseia no caracteristico som emocional do fragmento - sua dominante. O tom geral do fragmento.” p.79 - 4. Montagem Atonal - é também um aprimoramento da montagem tonal, distinguindo-se dela. Origina-se pelo “conflito entre o tom principal do fragmento (sua dominante) ¢ uma atonalidade.” p.82 Trabalha a partir das escalas cromdtica ¢ dodecafénica valorizando niveis ritmicos ¢ dissonancias do significance. - 5. Montagem Intelectual _modalidade de montagem que opera com conceitos de apelo intelectual, exigindo por parte do espectador uma atividade pensamental. O método de combinagao é por atonalidades intelectuais, In: Forma do Filme. pp. 77-85. Enfim, a formulagio inovadora do conceito de montagem polifonica meticulosamente aprofundada per Eisenstein propicia ao cinema uma especie de consolidasio da linguagem cinematogritica, isso sn negar as diferentes contribuigdes tedricas so ree montagem. As idéias de montagem polifdnica estic as de plenamente projetadas em propostas filmicas de s radical, encontrando-se diluidas eet eect concepgio estética m a : fee em propostas do cinema classico (como forma de citagic ou como método de montagem) como também na esfera videoclipes ¢ infografias das produgées videograficas animadas. No nosso caso especifico do cinema, es maneira particular de montar o filme de forma musi a al composicional a partir do rebuscamento subjetivo da temporalidade®, amplia ainda mais 0 potencial estético do filme com o leque de possibilidades propiciadas particularmente pela edigio eletrénica. O dialogismo na edi¢ao eletr6nica Se a montagem conceitual, conforme muito bem assinalou Ismail Xavier® , deve ser entendida como um do pensamento, a edigio processo de constru¢io °8 Andrea Balzola afirma que “A montagem é 0 tempo filmico e, portanto uma concepsao do tempo, 0 seu significado subjectivo: no cinema, o tempo quantitativo desaparece. A temporalidade criada pela _montagem apresenta-se como uma_pluralidade descontinua de duragdes de enquadramento (entendido como esbogo do trabalho rodado em continuidade) é a unidade de medida relativa.”Para uma Virgindade Péstuma do Engenho Audiovisual. In: 0 Novo fo da Imagens Electrénicas. p.145. oP a cde ensaio “EISENSTEIN: A Construgao do Pensamento por Imagens” no qual Ismail Xavier busca uma particular compreensdo do projeto construtivo de Eisenstein em suas diferentes fases ¢ a sua articulagao com 0 pensamento. In: ARTEPENSAMENTO. pp 359-574. que o cletronica oricntada para materializacio de construgdes estéticas atrav és do principio de sincronizagio dos sentidos, se aproxima ainda mais das estruturas nao lineares do pen amento, possibilitando explorar com profundidade as idéias de Fisens cin. No universo cletrénico, mesmo o signo nao estético que possui caracteristicas distintas do signo de natureza indicial fotografico, esta inserido numa logi paradoxal mais complexa que o circunscreve analogamente num contexto mais abstrato, portanto, Pensamental. A imaterialidade é uma dessas caracteristicas que o torna fisicamente di tinto do signo puramente fotoquimico. A diferenca esta na sua manuseabilidade que é muito mais intensificada e potencializada pela via eletrnica, Neste e mais das so, a edigao cletrénica se aproxima muito estruturas do pensamento pela propria gama de possibilidades apresentadas principalmente no tocante pela maquina, ao engendramendo de fragmento a fragmento da mensagem pela cor strugao seletiva do signo tabe ao criador, evidentemente, Plorar toda essa capacidade gerativa e por assim dizer expressiva das mesas de edicio que torna 0 complexo Significante imagem/som muito mais flexivel para o universo da criagio voltada para multiplicidade. As ilhas eletrénicas , conforme discorre Lucia Santaella, apresentam-se como um universo onde tudo ou quase tudo é possivel: “Tempo reversivel, vida de tras para diante, um mesmo repetindo-se indefinidademente em mudangas impercep tiveis, bruscas interrupgées ou desfiles de pontos ile vista, montagem inconsitél de fragmentos disparatados, coesdo interna entre imagens geneticamente diversas, ritmo frenétice gue nenhum delirio, pesadelo on viagem psicodélica conseguiriam jamais imitar.”” acontecimento De certa forma, os procedimentos de edigio cletrénica vieram acelerar 0 processo de montagem ¢ conferir novos feixes de possibilidades sinestésicas ao ” Lucia Santaella das Médias. p. 103. Ilha Eletrénica. Ia: Cuttura cinema pela sua propria instantancidade ao recriar imagens pré existentes, de corrigi-las ou distorce-las, de sobrepo-las infinitamente criando eco de imagens, de encavalar inimeros frames/fotogramas em unico plano, de gerar imagens inexistentes com alto grau de realismo, de restaurar imagens genelicamente produzidas noutros suportes ¢ de trabalhar 0 minimo significante pixel a pixel. Como pode ser percebido, trata-se de uma gama “de recursos que podem ser perfeitamente canalizados numa perspectiva estética. Isso significa afirmar que estamos “chegando ao ponto da mais formidével reviravolia na face mimética da bistéria das imagens téenicas.”” O cinema, ao explorar os recursos da eletrénica imprime uma nova pulsio ao signo conferindo inclusive estruturas significant maior ritmo ¢ musicalidade 4 pela nova especificidade dos suportes eletromicos. Nos casos plenamente voltados para a criatividade, a narrativa se adensa qualitativamente muito mais no tocante a descontinuidade, ao detalhamento do fragmento, 20 estilhagamento da forma e 4 propria possibilidade de anova metamorfismo do signo, que se amplifica com ¢ dinamica introjetada pelas tecnologias eletronicas. Dentro desta conjectura, a vibragio polissémica cristalina aos sentidos dos signos torna-se ainda mais por esta nova dinamica ou mesmo nova corporeidade produzida pela agio dialégica do cinema com os sistemas Optico-eletronicos € digitais. Num certo sentido, isso quer dizer que 0 cinema, ao estabelecer 0 didlogo com a cletronica e vice-versa, ha nesta espécie de passagem, transito ou mesmo interseccionamento, um conjunto transformacdes que se processam em diferentes niveis. Inicialmente, ocorrem modificagées ao nivel do proprio cinema, referentes ao cruzamento de suportes ou mesmo interpenetragdes (intermidias) que essencialmente produzem modificagdes em profundidade no tecido significante cinematografico pelo processo de manipulagio criadora dos cédigos. Como decorréncia dessas modificagées anteriores, hd uma espécie de ee 1 Vicia Santaella. op. cit. p. 105. UE a transformacao do proprio sujeito social que entra em contato com as novas materialidades signicas Concomitantemente, ha modificagées do universo exterior provocadas nio sé pela agao das tecnologias, mas pela sua utilizagao e pelos diferentes produtos culturais hibridos que langam proposiges inovadoras. . Trata-se, entéo, de transformagédes operadas em diferentes niveis envolvendo a propria natureza da producio cultural, o proprio homem e o universo em que habita. Essa é uma espécie de dimensio renovadora provocada pelas inter-relagées tecno-criativas envolvendo o cinema e€ as tecnologi lhe sucederam. eletrénicas que Particularmente, o mundo intra-sistémico das ilhas eletrénicas exibe-se como um universo de possibilidades maleaveis, diferindo substancialmente do processo mais antigo de criagio na moviola. Evidentemente que uma condigio nao anula a outra. Como é sabide, a tecnologia por si s6 é incapaz de propor mudangas. Unicamente utilizando a tesoura poderemos ter propostas cinematograficas tio revolucionarias ¢ diferentes do que a mera utilizagio das switchers serio capazes de fazer. No entanto, temos que admitir que as ilhas de edigio apresentam recursos que aplicados ou transportados 20 suporte fotoquimico, tornam o cinema muito mais maduro no sentido contemporaneo . A verdade é que os novos suportes eletrénicos imprimem ao cinema uma nova materialidade intersemidtica que torna o proprio suporte muito mais flexivel, hibrido e impuro, seja com produgées de cunho estético ou mesmo de natureza comercial. Este fato permite um adentramento muito mais intenso no processo da fragmentagao intensa, da descontinuidade ©, ao memo tempo, possibilita a constituigio de um novo estatuto, muito mais volatil pelas gualidades ideogramicas”” dos suportes eletromagnéticos conectados também pelos sistemas digitais. ” Expressao utilizada por Jilio Plaza no texto La Imagen Electronica: Teatro en lo Cotidiano. In: 1] Simpésio Internacional de Semiética Lo Cotidiano y lo Teatral. Vol.I. pp 349-356. 95 A cletrénica libera as amarras do cinema particularmente de orientag4o estética permitindo, de diferentes modos, um maior controle sobre a imagem e na sua combinagio com outras imagens. Numa dessas situagdes, ¢ possivel referenciar filmes nos quais dirctores optam pela utilizagao da eletrénica no sentido de visualizar antes ou concomitantemente os resultados de luz, constrastes, atuagio de atores, deslocamento da camera etc. Neste caso, ¢ incorporado um video-assist junto a camera cinematografica. Mesmo que as imagens nio sejam aproveitadas para um preview da montagem, o diretor, juntamente com a equipe de produgio, langa mio desse mecanismo para corrigir possiveis falhas, adaptar possiveis situagées fornecendo antecipadamente um resultado de como ficario as imagens na pelicula. Esse encaminhamento evita gastos posteriores, confere maior velocidade ao processo de produgio e, a0 mesmo tempo, pode reorientar 0 processo criativo em suas diferentes instancias, inclusive permitir ao diretor optar por novos caminhos.’? Esse momento esta muito mais centrado na etapa de realizagéo, na qual o diretor ja pode exercitar 0 principio de montagem, facilitando 0 posterior trabalho de montagem propriamente dita. E importante frisar que cada vez mais se‘faz presente no cinema a utilizagaio de storybord eletrénico e também de roteiros eletrénicos com indicagées visuais e verbais para filmagem. Um outro percurso desse didlogo eletrénico no cinema é 0 de que mesmo um filme que nio absorva a imagem eletrénica em sua trama signica como recurso expressivo, apresenta imagens captadas simultineamente pelo rideo-assist ou mesmo a passagem (transposi¢io) do filme para o suporte magnético com o objetivo de realizar a “montagem”eletronica. Neste caso, a edicao eletronica é uma possibilidade de se trabalhar criativamente e também visualizar previamente a montagem de uma obra filmica. Com a 3 Arlindo Machado, em A Arte do Video, no capitulo dedicado ao cinema eletrénico, apresenta com detalhes 0 método usado por Coppola no filme O Fundo do Corasio (1981), onde 0 diretor utiliza a eletrénica nas diversas fases de produga dinamica das ilhas de edicao, esse processo podera materializar-se por meio de varias possibilidades ¢. dentre essas varias maneiras, pode-se apontar aquele em que © criador escolhe um modelo de edigéo como protétipo definitivo de montagem propriamente dita em celuldide. Assim, 0 modelo de edigao funciona como espelho para o processo de montagem do filme. _ Numa operacéo mais produtiva de intensificagio do diilogo eletrénico, o cinema pode assimilar, ou nio as duas etapas acima descritas mas, munpchihnente, absorvera imagens produzidas ou retrabalhadas exclusivamente pelo processo eletrénico. As ilhas de edigdo reprocessam material originério do propri Cinema ou mesmo de outros suportes devolvendo, posteriormente, ao préprio cinema imagens hibridas ou ainda formas produzidas essencialmente no mundo eletrénico. Nessa operagio camaleénica que tem por um lado a eletrénica e por outro o cinema, ha um enlace transformacional ¢ criativo do signo que expande o conceito habitual atribuido ao filme. Apesar das influéncias reciprocas do cinema nos sistemas televisual videografico ¢ digital, a eletrnica, em seu conjunto, é a responsivel pelo metamorfismo do cinema ampliando a sua capacidade criativa e montagistica mas, sobretudo, por oferecer ao cinema formas fecundadas e paridas tie somente pelo acesso eletrénico. Trata-se, conforme ja fora referido, de um aspecto de criagio que independe do ato mecanico de registrar através da camera que denominou-se de des-referencializacio. Tal procedimento, convém afirmar, rompe substancialmente com 0 processo de ilusio especular.” ee 7 Ainda em A Arte do Video, Aclindo Machado define ilusao especular como sendo a “lusio Produzida particularmente pelo sistema da imagem técnica, segundo a qual as imagens anotadas nos suportes de registro sio_reflexos das coisas sensiveis e visiveis do mundo dito real, como acontece nos espelhos."p.213 Sabemos que ja com o cinema temos o principio de “imaterialidade”. A materializagio da imagem para o espectador depende, no cinema, da ago projetiva da luz. Como exemplo deste principio de imaterialidade podem ser citadas as técnicas de animagio cinematografica cujo “referente” é 0 desenho. O referente, neste caso, é uma representa¢io e nao propriamente um objeto real. Esta possibilidade pode ser observada ainda em filmes experimentais com riscos e desenhos no proprio celuldide, fotograma a fotograma. Este principio “imaterial” também pode ser encontrado jé nas primeiras experiéncias do cinema com a deformacio do referente através de trucagens, sobreposigao de varios celuldides, pintura ou colorizagao processada diretamente na pelicula ou ainda através dos recursos técnicos da camera por ocasiao da filmagem. ; Em sintese, o principio de imaterialidade j4 nasce ¢ se desenvolve no cinema ¢ se apresenta de forma mais eloquente no universo eletrénico, expandindo a realidade pr6-filmica. Basicamente, essa des-referencializagio consiste na produgio significante de formas ¢ sons nas ilhas de edigio, nio possuindo referentes e sim uma representacio numérica, no caso das imagens digitais. Trata-se, conforme j4 observamos no capitulo anteriur, de formas espago-temporais que se dissolvem, se transformam ou se recompéem com mudangas cromiticas, cendrios inexistentes, ou ainda formas que se desintegram, deslizam, escorrem e€ que se juntam a outros tecidos signicos transpostos para a tessitura eletrénica. A imagem na esfera eletrénica € muito mais passivel de ser decomposta, modificada ou apagada.E uma imagem pronta para agao/interferéncia do criador. Isso é 0 que também admite Diana Domingues ao verificar que: “na imagem eletrénica em processamento, ha sempre uma vontade de agao. A imagem ¢ uma imagem pronta para mudar. 75 Diana Domingues. A Imagem Eletrénica ¢ a Pottica da Metamorfose. p.103 A eletron a, potanto, possibilita ao cinema imagens constituidas por um outro principio e que requerem uma intervengao ativa e dinamica por parte do artista/criador, dada esta sua natureza, que permite a ocorréncia de modificagées ou adulteragdes. Neste sentido, as possibilidades extraidas da maquina eletr6nica a partir de um indagar poético sio 0 que vincula o cinema a uma atualidade impossivel de ser conseguida sem essa mio dupla de acio dialdgica, uma vez que a eletronica, com sua capacidade técnica e expressiva, propicia ao suporte cinematogréfico solugées no campo visual ¢ sonoro completamente inovadoras a partir de uma perspectiva estética, porém, nao especificas ao cédigo cinematogrifico O cinema, ao adotar as diferentes vias do processo eletrénico, seja ao incorporar modernamente imagens produzidas inteiramente em computador, ao utilizar expressivamente os efeitos técnicos das ilhas de edigaéo digitalizadas como telas miltiplas, chromakey, dissolvéncias simultineas, ecos de imagens, imagens sincopadas ou fora de de sintonia; por absorver ruidos produzidos ao acaso; ao utilizar a edigio eletronica como antecipacao da montagem ou ao assimilar parcialmente ou integralmente a eletrénica nas ctapas de produgio e pos-produc¢ao convertendo o produto final ao suporte fotoquimico, torna-se um suporte significante antropofagico, com tecidos filmicos hibridos e, consequentemente, carregados de intertextualidades.” Ao metaforsear-se eletronicamente, o cinema estabelece uma ruptura consigo mesmo. Basicamente despe-se de um possivel estado de pureza, torna-se impuro sem negar a tradi¢gio, ampliando inclusive o seu didlogo com as formas mais primitivas de produgio de significantes. ES % Andrea Balzola fala que essa relagao entre 0 cinema e a eletrénica digital “pode também ser descrita como a transigao de um modelo processual combinatério de cédigos heterogéneos (0 cinema ) para um modelo processual sintético de cédigos heterogéneos; aquilo que no cinema é de fato combinado, montado, na electrénica é sintetizado, misturado.” In: O Nove Mundo da Imagens Elutrénicas. p.152, Ainda do ponto de vista poético, as ilhas de edi¢io tico no tocante propiciam ao cinema um salto intersem: as articulagdes sintaticas. A construgio da tessitura filmica torna-se mais complexa a partir da mediacio cletrénica, a0 poder explorar com muito mais vigor os processos simultancistas, o principio da disjungio, a construgio do ritmo, a musicalidade das imagens € a » dos sentidos na concepgio propria sincronizag eisensteiniana A eletrénica e sobretudo as ilhas de edicgao conectadas aos computadores ¢ bancos de imagens e som, propiciam ao cinema uma poética propria, da metamorfose, cujos ecos analégicos recriam 0 cinema quanto ao sew principio formativo. A eletronica, portanto, no seu conjunto, recria esteticamente o cinema instaurando uma certa desordem que extrapola a sua propria articulagio sintatico-semintica. Isso é 0 que observa Toni Verita ao enfatizar que a eletrénica “introduz ao sistema-cinema uma prodigiosa desordem no modo de contar ou destruir uma historia; no modo de combinar sons ¢ imagens; no modo de se servir do proprio meio cinemalogréfico; no modo de ver o filme.”” Da construgao estética ao intérprete As relagdes paramérficas no cinema consistem em um intrincado jogo de associagées combinatérias onde estruturas complexas dialogam com estruturas mais simples, num processo de enriquecimento ¢ plurisignificagio do signo. © signo _ indicial 7” Toni Verita. Maravilhosa Desordem. In: 0 Nove Mundo da Imagens Electrénicas. p.95. E importante salientar que a passagem refere-se 4 aplicagao da tecnologia eletrénica analégica no cinema, particularmente no video. No entanto, este trecho também pode ser aplicado as tecnologias digitais sem qualquer prejuizo de interpretasao. ar cinematografico de natureza estética € entio majerializado atraves de semelhangas qualitativas operadas com paralelismos imagético-sonoros, simetrias propria reversibilidade do signo. A montagem, como um processo estético de construgao ritmica, organiza estruturas reverberantes, instaura tensdes plasticas e¢ imprime, a partir de seus enlaces internos, a vida artistica ao filme. O cinema de natureza estética, em seus diferentes caminhos, consiste prioritariamente na manipulacao vertical do signo no eixo da similaridade, conforme teorizagées de Jakobson ¢ Eisenstein. A construgio do que aqui é denominado por de signo deslizante pensamental reside nesta relacio diretamente proporcional de acionar qualitativamente enquadramentos, movimentos de camera, tipos de planos, recursos técnicos por meio de trucagens ou efeitos de ilha de edigio, passagens, simultancidades, construgio de climas especificos, cenarios, vestudrios, interpretagio de atores, didlogos, iluminagio, absorcio de imagens hibridas oriundas de outros suportes ¢ utilizagio plena da cor e do som; todos orquestrados pelo processo articulatério da montagem. Significa, em sintese, a construcao de paradoxos gozosos. Para esse processo de inferéncia provocar a derrapagem do signo de um estado para outro, faz-se necessdrio o imbricamento orginico de todos esses clementos formais coordenados por um estilo. O estilo caracteriza-se entio pela forma peculiar ou mesmo pela mancira do realizador comandar todo processo criativo de sua concepgio inicial ao estado final da estruturacao significante. Para Henri Focilon, um estilo “é wm desenvolvimento, um conjunto coerente de formas, unidas ‘por um acordo reciproco, mas caja harmonia se procura, se faz ¢ se desfax com a diversidade”.® © estilo da obra filmica - peculiar a cada compositor/criador - imprime nas formas pulsac¢éo, movimento e deslocamento e se expressa ” Henci Focilon. A Vida das Formas. p.20. particularmente por meio da relagao inter-signica de Giyanizagio geométrica das formas pela acéo da montagem. © estilo pensado também como um um processo construtivo, pode incorporar ainda varios outros estilos. Sua caracteristica é fazer emergir um signo novo cujo potencial estético é estabelecer constantemente uma espécie de explosio do significante. Assim, o signo estético no cinema é regido por um conjunto de procedimentos que se expressam pela via do estilo. Nessa dimensio, define-se também como signo polifénico, visto que nao se esgota em si mesmo colocando-se como um objeto de desafio ao intérprete. Por essas caracteristicas, associado ao estilo inerente ¢ peculiar de cada obra filmica, 0 signo estético é também um signo perene. Sera sempre um signo novo, aberto a criagio de novos signos. Isso quer dizer que © processo de significagio esta intrinsecamente relacionado, ou mesmo dependente, do processo de organizagio do significante Fundamentalmente, o valor estético do cinema esta nessa relagio dialética de plasticizagao do significante ou mesmo de diagramagao da linguagem, de forma a revelar ou extrair dessas relagdes icénicas novas significagées. A partir de estruturas flexiveis que tornam o corpo filmico plenamente maleavel ou mesmo metaforicamente volatil, é que entra a agio do intérprete arguto. A obra artistica, mesmo na sua absoluta autonomia enquanto produto signico acabado, se completa ¢ se atualiza com a participacao de diferentes leitores/espectadores. Se por um lado temos o corpo filmico claborado como expressio consciente para gerar interpretagdes desautomatizadas, por outro temos 0 intérprete, incapaz de traduzir fidedignamente as miltiplas proposigdes exibidas pela rede significante. Embora a obra possa existir sem possiveis decodificadores, sera sempre o intérprete que permanentemente re-significara a obra artistica através da operagio critica de metalinguagem, num continuo movimento intersemidtico. Nesse percurso, encontram-se resson4ncias de significantes que geram novos significantes produzindo infinitos significados. Como pode ser percebido, trata-se de um processo permanente de semiose, de irrupsao ¢ 102 crescimento dos signos. Assim, 0 signo estético, nesse movimento de polos, cresce com a emergéncia de novos signos por meio da relagio triédica: interpretante-signo- objeto. Evidentemente que este mecanismo de Participacao do intérprete se manisfesta em diferentes niveis, ou seja, desde um contato mais simples com a obra até mesmo em um nivel mais profundo de recriagao intersemidtica da obra artistica.” Neste sentido, o processo de traducio/operagio critica do filme é entio um mecanismo de recriagio que modifica ¢ altera o original, efetivando-se com o transito entre diferentes cédigos. Dai também afirmar-se que as operagées de traducio intersemidtica ou franscriagdo, conforme denominagio proposta por Haroldo de Campos, sio igualmente atos de criagio, revelando a propria a¢io dos signos. Numa perspectiva mais geral, 0 ato criativo reside na complexa interacio entre o criador, a obra € 0 intérprete. Isso é 0 que indica Duchamp: “Em conjunto, 0 ato criativo nao é desempenhado apenas pelo artista; o espectador trax a obra para 0 mundo externo, ao decifrar e interpretar suas qualidades interiores, adicionando assim sua contribuigao ao ato criativo,”®° Do mesmo modo, ao focalizar a necessidade da consciéncia da montagem, Eisenstein defende um processo de criagio rigoroso, porém aberto na tentativa de engajar o espectador. 79 Sobre 0 assunto consaltar Tradu;ao Intersemidtica, Nele, 0 autor apresenta os diferentes ni is de tradugao tendo como pano de fando 0 pensamento de Peirce. Também Philadelpho Menezes em “A ‘radugao Intersemiética na Fronteira das Linguagens”. In: Privia, discute os sistemas tradutérios a partir das contribuigées de Jakobson. Marcel Duchamp citado por Martin Grossmann em “Dilagio em Duchamp: Uma Atitude Consciente no interior de uma Construgao Paradoxal”. In: Significagao n.10. op. cit. p.63. ‘Iincarada em seu dinamismo, a obra de arte é um proceso de formagao das imagens na sensibilidade ¢ na inteligéncia do espectador. E. nisso que consiste 0 aspecto caracteristico de uma obra de arte verdadeiramente viva, 0 que distingue das obras mortas, onde se leva ao espectadoro resultado de um processo de criagao que terminon 0 sen curso, a0 invés de o desenvolver no curso desse processo.”™! O processo construtivo do filme é entio pensado a partir de sua estruturagio como corpo dialético que enovela o espectador imprimindo-lhe choques. O filme, enquanto produto estético decantado, deve sugerir idéias ou mesmo variantes labirinticas para que 0 processo circular de semiose se complete em sua plenitude.O intérprete, diante do filme, é estimulado mentalmente a confrontar-se com os mecanismos da obra e atuar como uma espécie de co-criador. Para Eisenstein, o espectador, pela fora do método, deve ser arrastado para 0 ato criativo : “Na realidade, todo espectador, de acordo com sua individualidade, a seu préprio modo, e a partir de sua propria experiéncia - a partir das entranhas de sua fantasia, a partir da urdidura e trama de suas associagbes, todas condicionadas pelas premissas de seu cardter, habitos e condigao social - cria uma imagem de acordo com a orientagao plastica sugerida pelo autor, levando-o a entender e sentir o tema do autor. E a mesma imagem concebida e criada pelo autor, mas esta imagem, ao mesmo tempo, também é criada pelo proprio espectador.”*? O filme, mesmo no extremo paroxismo contemporanco da invengao, deve possuir fendas para que o intérprete possa navegar livremente por rotas * Sergei Eisenstein. Reflexies de um Cineasta. p. Sergei Eisenstein. Palavra e Imagem. In: 0 Sentido do Filme. p. 28. igualmente originais, com a finalidade de forjar significados também originais. Os filmes analisados no capitulo posterior e que integram o corpus deste trabalho, além da dimensio estética da incorporacio da eletrénica, possuem estruturas flexiveis planejadas para possibilitar a incursao critica dos espectadores.

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