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Historia do mundo pora as criancas No tempo das cavernas Mis como a senhora sabe que as coisas se pas- saram assim? —perguntou Emilia. - Quem viu? — Ha dois modos de saber ~ explicou Dona Ben- ta. - Um é vendo, pegando, cheirando, quando as coi- sas estao diante de nds. Outro é imaginando, ou adi- vinhando, ou inferindo. Também ha duas espécies de adivinhacoes. Uma com base e outra sem base. Se eu digo: adivinhe em que mao tenho o niquel e apresento as minhas duas maos fechadas, trata-se de um caso de adivinhagaio que € puro jogo. A pessoa perguntada pode acertar ou errar na resposta. Questao de sorte. Mas se 0 chao esta molhado de chuva e com marca de sapato que andou na lama, eu adivinho, ou infiro, que por ali passou gente, porque sei que os sapatos nao caminham por si e sim com gente dentro. Esta adivi- nhagao nao é mais jogo, pois nao passa de pura aplica- ¢ao do nosso bom senso, ou senso comum. Pois muito bem: é raciocinando com base nos vestigios encontrados, que 0 nosso senso comum adi- vinha muita coisa que se passou ha milhares de sécu- Jos atras. — Aposto que vovo vai falar em machado de in- dio — cochichou Pedrinho para 0 Visconde, que estava mudo como um peixe. ~Nas escavacoes feitas em muitos lugares - con- tinuou Dona Benta - acharam-se pontas de flechas e de langas e também machados (Pedrinho piscou para o Visconde). Nao de ferro, como os de hoje, mas de pedra. Poderiam esses objetos provar a existéncia, naqueles tempos, de ledes, jacarés ou avestruzes? 19 0 autor relerese & His: toria registrada em docu rmentos escritos. Na época de Lobato, acreditavase que @ Historia s6 passou a existir a partir do desenvolvimento da eserita, No entanto, a His- toria @ construida pelo ser humano mesmo sem escrita, O que diferenciava os se- res humanos de outros ant: maiseraa capacidade de ima: sinar, de antocipar e resolver problemas e no apenas 0 bi- pedismo. Os desenhos eram muitas ‘vezes pinturas feitas com tin. tas a base de argitas de diferentes, earvio, sangue e ordura de animais, rochas e Plantas. Usavann as propre ios, os dedos ou pinceis e spatulas primitives, 20 Monteiro Lobato _ Nao, vov6! - gritaram os dois meninos. : diam provar a existéncia de homens, porque so os ho- mens usam tais objetos. — Muito bem - aprovou Dona Benta. - E 0 fato de esses objetos serem de pedra prova que o ferro ainda nao se achava descoberto. E o fato de estarem enter- rados muito fundo, com espessissimas e velhissimas camadas de terra em cima, prova que isso foi muitos séculos antes da descoberta do ferro. Também foram encontrados ossos de homens dessa era, os quais mor- reram milhares de anos antes que a humanidade prin- cipiasse a ter Historia. Guiados por tudo isso, nds hoje sabemos que vida levavam esses nossos antepassados da Idade da Pedra, como dizem os sabios. Eram puros animais selvagens, dos mais ferozes e brutos. Diferenca nica: andavam sobre dois pés. Fora dai, peludos como os lobos e cruéis como todas as feras. Nao dormiam em casas. Quando a noite vinha, o chao lhes servia de cama. Mais tarde o frio os obrigou a morarem em cavernas de pedra, onde estavam mais abrigados dos rigores do tempo e da sanha dos outros animais. Homens, mulheres e criangas eram, pois, sim: ples bichos de caverna. Passavam 0 tempo cagando viventes mais fra- Cos ou fugindo de outros mais fortes. Na caca usavam 0 mundéu, isto 6, um buraco feito no chao, disfarcado com galhos secos, folhas e terra em cima. Ou entiio em pregavam flechas de ponta de pedra e machados tam bem de pedra. Em certas cavernas por eles habitadas foram encontrados desenhos dos animais que costuma- vam cacar, desenhos feitos na pedra. ~ Com que lapis, vov6? —perguntou Narizinho. ~ Tais desenhos eram evidentemente feitos com {06 8 bon ae ascads. Por mais que a gente dé tra- em tal época nia descobrir outro lapis possivel aia avant as omens alimentavam-se do que po- de 0v0s furtados sony fe castahas, demel, de frutas, aue 0 fogo ainda 8 ninhos. E tudo comiam cru, pois uma ferocidade a fora descoberto. Deviam ser de y “par. Edquelinguafalavam, vow? — perguntou Pedrinho. po Historia do mundo para as © mea _ Expressavam-se por meio de grunhidos. No en- tanto, foi desses barbaros grunhidos que provieram to- das as linguas modernas. Como roupas usavam sobre 0 corpo a pele dos animais cagados ~ nao peles curtidas e macias como as temos hoje, mas cruas e com mau chei- ro. Horriveis e desagradabilissimos, esses nossos ante- passados! O meio de conseguir mulher nao era namorar uma rapariga e pedi-la em casamento, Nada disso. O pretendente marcava na caverna proxima uma que Ihe agradasse e de repente entrava 1A de cacete em punho, amassava a cabeca da menina, ou dos pais, caso a defen- dessem, ¢ a levava sem sentidos, arrastada pelos cabe- los. Uma pura cacada. Eram homens de luta permanente. Atacar, rou- bar, matar o mais fraco, bem como fugir do mais forte, constitui a regra de vida que vem da primeira lei da na- tureza: cada qual por si. Ou mata ou é matado; ourouba ou é roubado. Nos somos descendentes dessas barbaras eriaturas e por isso temos no sangue muito de sua sel- vageria. Apesar da educacao que o progresso geral trou- xe, intimeros homens hoje ainda agem como os da Idade da Pedra. Por isso é que existem tantas cadeias e forcas e cadeiras elétricas. ~ Vocé queria ser nascida na Idade da Pedra, Emi- lia? —perguntou Narizinho a boneca. — Queria, sim, s6 para ter 0 gosto de ver uma noi- va arrastada pelos cabelos. ~ Boba! Nao valia a pena. Uma menina daquele tempo nao tinha banheiro para tomar banho de manha, nao tinha escova para escovar os dentes, nem pente para pentear os cabelos. Um horror de vida... — Além disso — continuou Dona Benta ~ por falta de talheres tinha de comer com os dedos numa grande e feiissima panela de barro, tnica para toda a caver- na. Nada de cadeiras e camas ou redes. Para dormir €sentar, chao duro. Nada de livros, lapis e papel para escrever. Os dias sempre iguais e completamente va- zios. Uma menina como vocé teria de passar as horas brincando com os irmaos de fazer pelotas de barro, ou coisa semelhante. As cavernas eram escurissimas e midas, cheias de aranhas e morcegos. Vestuario, A ideia de que a selvage dos seres humanos atuais esté ligada ao modo de vida dos nossos antepassados nao 6 mais aceita, Interpretar o passado com 65 olhos do presente ¢ desa conselhavel. Em Historia {sso é chamado de anacronis mo, Nao se pode falar q dias eram completamente va ios, uma ver que, no contex to da época em que viviam, os seres humanos se relaciona vam sovialmente de acordo com a cultura de sua época. 21 jam os homens até vida, Emilia? Ainda ‘a com pa is aranhas

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