You are on page 1of 88
Dois aspectos fizeram deste livro um cléssico dos esiudos sobre traducdo: 0 estilo — concisa, lve, ‘agradével — ea variedade dos aspectosfocalizados por ‘Paulo Rénai, indo desde a traducdo de poesia até a ‘méquina de tradusir: dois exiremos dessa atividade 10 ‘multifacetada, Trabalho pioneira, tendo sido um dos rimeiros a se ocupar do tema em nossa lingua, Escola ide tradutores fem-se renovado e ampliado a cada nova ‘edigdo, Esa, que € 0 quinta, vem enriquecida de wm epoimento profundamente iigicoe human, relacionado com um episédio vvido pelo autor jd no Brasil eno exercicio de uma profisao que tanto tem ‘contribuido para engrandecer edignificar. De Paulo Rénai Teia tambo A tradueo vivida Guia pritico da iraducdo francesa Nao perca o seu lim Dicionaro universal de citagdes A Minnull _62 edicdo revista e ampliada 4 Escola de tradutores ‘Sai do prelo pela quinta vex esta Escola de tradutores e, como ‘aconteceu em quase todas as suas reedicdes, em enriquecida de capitulo nova. E que capitulo! Paulo Rénai nos conta nel, com ‘a concisdo ea sobriedade que S00 ‘caracterstica de seu estilo, nada ‘menos do que oepisddio da tradugdo mais dificil que the coube Jazerem toda a sua vida. dificil ‘ndo por problemas linglsticos, j ‘que foi jeta do hingaro, sua lingua materna, mas por um ‘detathe profundamente igica, ‘profundamente humana, pela ‘primeira vez revelado em livro ‘A varledade dos assuntos aqui Jocalizados mosira-nosa ‘versatilidade com que Paulo Ronal se movimenta no universo da tradugda,Seja ela iterria ou 1éenica, seja0 estudo comparado de tradugoes de um mesmo texto, ‘ua tradupdo e versdo de poesas, sejaa critica a livros sobre 0 ‘assunto ou 05 aspectos tedricos — tuo isso se combina com um ‘estilo extremamente agradével ¢ Tluente para fazer de letra deste ‘ivro wm motivo de prazere uma “Fonte de ensinamentos, pos 0 ‘grande professor que o autor sempre foi evidenciase em sua ‘preocupasdo de ilustrar com fatos ‘coneretos as comentdrios que faz. ESCOLA DE ‘TRADUTORES COLEGAO LOGOS DO MESMO AUTOR, NA MESMA EDITORA: Guia Prtico da Tredupo Frances (3 ed.) A Tradugo Vivida (2 8) Nao Perea 0 seu Lain (3 08) Dicionirio Universal Nova Frotinde Cites (2° 2) Mar de Hira, Antlogla do Conto Universal (ylunes | ‘lb, em eslaborao com Aurlo Buarqe de Handa Fereiea 2+ ed) PAULO RONAI SOCIO BENEMERITO DA ASSOCIACRO 'BRASILEIRA DE TRADUTORES ESCOLA DE TRADUTORES eis, revista e amplinda A oe stionanowsaowta sa ssn CoP iS aoe 26-72 ‘ti MG er i ENR ote A Carles Drummond de Andrade “Traduzir € conviver.” Todo Guimares Rosa SUMARIO Advert ‘Trade 0 intradesive! 2 Tradupio teal e efeitos de eile 5. Tdugtes inlets 5 sole de tradutnes "A arte de tadusie” 6. “As Hinds if 7.0 papel do tradtor 8. “Convenitclae inconveniencin ds tad 9. A wadugso no mendo moderne! 10. As clladas da teadegio tenicn 11. Confdéncas de taduones 12, Pascal para besiees 15. Laos quatro vere, parn qué? 16, © taditor tradurio 15. Um inérprete de Came: 16. Alexander le Lenard 17. A desforea do ttin 16 Andancse experience de ui rade tno 18. Amiguin de teadir 20. Um pionira da wadasSo mecca no rail 21. A wadeeio. mais iil Arend, fost, polite Indice de ssutose de nomescitados " 8 a 38 Baegezaen 12 19 10 Ms 1s: ADVERTENCIA Este livro naseeu da reunido de alguns artigos so- bre assuntos de traducio; daf o seu caréter algo frag- rmentirio alinhavado. Que, apesar disto, tenka qus- tro edigies ergotadas deve explicarse pela austncla de trabalhos em portugués sobre um assunto cuja re- levincia vem sendo reconhecida, ‘Aos sete artigos da primeira edigio (1952) foram screscidos outros quatro na segunda (1956); depots dda terceira (1967), simples reimpressio, @ quartn (1976) apareceu aumentada de mais nove capitulo, perfazendo um total de vine, além de um apéndice. Sedicado ao exame de tés versbes do poema “os de Carlos Drummond de Andrade, para o francs, 0 fleméo e o inglés. O que tem de novo nesta quinta cedigio € 0 capitulo 21. Bem sei que um tratado metédico sobre a tradugio seria mais dil, mas, para empreendé-to, seria preciso ‘que eu pudesse dedicatsme exclusivemente & maté (Ore, 06 artigos aqui reunidos foram compostos 0s intervalos de aulas sobre outros assuntos © no meio de trabalhos escrtos os mais diversos — numa pale va, em circunstincias pouco fevorévels & unidade ‘de composiglo. Mas, como varios leitores, ainda assim, ime {ém generosamente assegurado que 0 livrinko, tal ‘qual, thes prestow algum servigo, agui vai ele con- servando suas caractristicas primitivas © esperando fo com a amenidade tornélo mais pritico, compensar a falta de sistemati do tom, Em todo caso, ps jumtoithe um indice anaiteo. Eta reedigio de Escola de Tradutores sai depots da de outro liveo meu, A Tradugao Vivida, langado pela mesma editora. Os dois trabalhos sio eomplement ree; as remissOes Agucle, em notes de pé de pégina do presente volume, sjudario a relaconsos. Sitio Pois B,julho de 1986. Paulo Rénai 1. TRADUZIR © INTRADUZIVEL Julgavase outrora, sem maior exame, que todos os textos de literatura eram treduziveis e que 0 sucesso dda operagéio dependia exclusivamente da habilidade Modernamente chegou-se 3 con- a de que todo texto literdtio € funds traduzivel por causa da propria na- re teoria tém apontado com razio que as palaveasisoladas nfo tm sentido em si mesmas: a sua sigificaglo 6 determi- nada, de cada vez, pelo respectivo contexto. Por con: texto, entendese a frase ou 0 trecho em que # pal se encontra de momento, tomados entendive or tum conjunto de centenas’ de outras frases lidas ou ‘ouvidas anteriormente pelo ouvinte ou liter, e que subsistem no fundo de sua conscicia ‘Traduzidas 9s palavras, ou mesmo as frases, de de- ‘erminado idioma para outro, elas ficam arrancadas 40 contexto miltiplo da lingusfonte € recolocadas no contexto completamente diverso da linguaalvo. EE como num texto literfrio nfo € apenas a ldéia que escolhe as palavras, mas sio muites vezes as palavras ‘que fazem brotar idas, toda obra literéria transpor- tada para outra lingua’ constturia caso de Ou entlo, com afieme Georges Mouiin, "se ace mos as teses correntes sobre a estrutura dos lic ‘das morfologias e das sintaxes, chegamos & conclusio de que 0 traduso deveria ser impossivel. Mas os tr ddutores existem ¢ produzem e suas produgées pres- tam servigos tei. Poderseia dizer que # existéncia da tradugdo constitu o escindalo da Linguistica con- temporines. Até agora o exame desse escindalo tem sido mais ou menos recusado""* Esse exame, 0 pré- prio Mounin empreendewo admiravelmente em sua Obra nunca assaz lembrada, colocando a_questio a tradusio como wm aspecto da comunicagio © re: solvendo'a antinomia em termos filosficos. ‘Alertado para a existéncia do problema, anos antes da publicaglo da notivel tse de Mounin, sem me pro pot a tarefe daa de resolvéto, admit daleticamente, ‘ho intrito da primeira edigao deste livrinho? a im- possibilidade da tradugio Iiteréria, pera dali infer {que ela era uma arte, O objetivo de toda arte nfo é algo impossivel? O poeta exprime (ou quer exprimit) ‘0 inexprimivel, © pintor reproduz o irreproduzivel, © ‘estatudio fixa 0 infixivel. Nao € surpreendente, pois, ‘que o tradutor se empenbe em traduzir o intraduaivel, ‘A idéia da impossibilidade da tradugio nfo €, aliés, to moderna como parece. Herder — ele mesmo, um grande tradulor — jé assinalava que “ninguém pen 2 além do idioma”? isto €, que o proprio pensamento 7 Geeges Mounin — Les Probfimes Thtoriques de fa Tra duction Prefieio de Doriique Avr. Pais, Bilingue des Taées, NRE, Gallimard, 1963, p- 8 (Ed. bas: Os Problemas Tetris da Tradagaa. . Palo, Cui, 1973) 1 pple Roi — Escola de Tradatore. Rio de Yasiro, Os ‘Caderon de Cura, Servigo de Decumentgso do Miniirio fn Eng © Saude, 1952, 0.5 5 Herder -— Speed der Humanist, ed, Benno Schwabe & (cr Ba, Kloterbers, 1983, p34 6 condicionado pelo idioma em que 6 concebido, Em ‘outras palavras: hd certs idéia que s6 podem nascer na conscigncia de pessoas que falam determinads lin- ‘fs, ou mesmo que nascem unicamente por certa pes- soa falar determinads lingua ‘Assim, por exemplo, » propria opinifo de que tadutor trai necessariamente & idéia do autor talvez seja devida, antes de tudo, 2 possibilidade, no italie- tno, do trocadilho traduttori tradiori; em qualquer ‘cura Lingua, em que as duss palavras no t&m forme somelhante, a idéin nasceria mais dificlmente © no teria a mesma oportunidade de generalizasio. “Se {65+ ‘semos traduzir em inglés a f6rmula tradicional tradu- tore, traditore por the translator i a betrayer,retirari ‘mos ao epigrama rimado todo o seu valor paronomé tieo”, diz Roman Jakobson’ Da mesma forma, se 0 nome alemio do travessio rio fosse Gedankenstrich, provavelmente Schopen- hhaver, aborrecido com 0 abuso que certos escritores faziam desse sinal, nfo teria observade que © némero de travessbes estava na rarso inversa do de pens rmentos. ("Je mehr Gedankenstriche in einem Buche, ddesto weniger Gedanken.") ‘A simples existincia da palavra Weltanschawng, {de tho dificil tradugl0 nos idiomas romfnices, impse ‘muitas vezes um rumo a0 pensamento alemio, Dificil ‘mente um erttico slemo, ao consagrar uma monog fia a um esertor, deixaré de incur um capitulo sobre “A Weltanschauig de Pulena”. Os alemies, sugestio- nados pela palayra, admitem que qualquer um possui Tn On Translation, de Ruben A. Brower e ali. New York, Oxford University Pres, 1966, 5 uma Weltanschawung, so passo que um latino $6 reco nhecerd uma “maneira especial de encarar © mundo” ‘2 um pensador original. Outro exemplo tipico de intraduzbilidade, eseolhi> do entre centenas: o titulo de um livro de versos de René Laporte, L’An Quarente, publicedo durante auerra, Ele néo alude apenas» data da débdcte fra ‘esa, mas também a um modismo popular: je m'en rmoque comme de Van quarante. Sem a exist@ncia des a0 autor provavelmente nunca teria ocor wvelmente complexo, HE uma ligaglo intrinseca entre 0 pensamento e 0 seu meio de expressio; sua inseperabilidede, embora rnem sempre tio clara como nesses casos extremos, os, atenta constantemente contra essa let ploo- [gia da linguagem, Em teoria, os maiores obstéculos da tradugio seriam formados por hol6frases, conceitos que 6 t&m desig. ‘naglo dentro de um nico idioma. “Saudado", por cexemplo, & privilégio do portugués; o francés toilette ‘io tem equivalent perfeito em nenhuma lingua, como © alemio Hinterland, como o inglés shopping, como © iano commedia delfarte, e assim por diante? [Na realidade, o tradutor af nem tenta a tradug sabenda de antemo que nfo existe equivalente per- feito, resignase a manter o termo primitive, valendo- se dis muletas do grifo, das aspas ou das notas de pé © "Ver wma relaco de holtass de diversas lingus em Paulo Rana A Tradugzo Visa. Rio de Jane, Nova Fonte, 2 ed 1981, ps4, de pégins, Quer dizer que (pelo menos na tradugto fem prosa, e € deste que falamos, pois a outta cons- titi arte totalmente divers, ainda menos codiicével) nfo so as palavras “intraduzivei" que atrapalham ‘mais otradutor, Para ele as dificldades comegam com 8s palavras “traduziveis", pois a3 mais simples entre clas excondem armadilhas ‘Assim, como todos sabem, monsieur & equivalente, em portugués, de “senhor”. Se, porém, o tradutor fran: 8s de um romance brasileiro traduzisse a. pengunte “Como vai o senhor?” por Comment va Monsieur?, falsearia o tom da conversa, pois em port interrogagio se usa entre pessous sovialmente igua 0 passo que em francés se faz de criado para amo. Por autro lado, falando ao telefone, uma personagem francesa ve anunciaria asim com a maior naturalidade: (Cees Monsieur Un Tel qui parle; mas a tradugdo brast- Ieira — “Eo Sr. Fulano que fala” — transformélaia ‘num individuo pretensioso ou cBmico. 38 assim o dicionério nunca fornece solu fo. Os dicionérios bilingies, inclusive os melhores, ajudam a compreensio, mas sfo bem pobres em su- estes para o tradutor les contém, pelo menos, of modismos e ceus cor ‘porém, é condicional fe deve ser aproveitada sempre com desconfianga, Nu- rma obra preciosa de J. G. Weightman’ encontramos provas bem claras dessa afirmaso. Assim as expres ses filer & Vanglaise © 10 take French leave indicam fexatamente a mesma ago € constituem, dentro das FFG, Welghinan — On Language and Writing. Londes, Sylvan Pres, 1947, p10 respectivas linguas, "fragmentos cristalizados de pre- concetos” semelhantes. E evidente, no entanto, que, tencontrando num romance francs com personagens francesas © modismo filer & Vanglaise, um bom tradu- tor britinieo nfo poderé traduzio pelo equivalente inglés, por meis perfeito que este seja. Essa observe. 80 aplice-se aos equivalentes de todos os modismos: cles 86 equivalem em determinadas circunstincias. O ‘meu Diciondrio Francés Portugués traduz Ce n'est pas 4a mer & boire por “Nao & nenhum bicho-de-sete-cabe #8”. Pode ser uma tradusio boa, engenhosa até; mas posso imaginar uma porgdo de contextos em que seria Aesaconselhével utilizéla; por exemplo, se for dito por um marinheiro, a quem a imagem caracteriza, ou usado numa ocasido onde se trata realmente de beber, ete, Da mesma forma Qui se fait brebis le loup le man ¢ pode bem significar “Cem se faz de mel as moscas ‘© comem" mas nem sempre admitird essa traducio. outa adverténcia importante Weightman pSe 0 tradutor de sobreaviso contra a possivel confusio entre ‘modismo e imagem individual’ Com efeito, quando se trata de imagem inventada pelo autor, o intrprete ter de conservéla; quando, pelo contréro, a imagem € cristalizada e jf pertence ao patrim6nio da lingua, cle terd de substituFla por outro modismo do idioma ‘para o qual traduz ov expressarihe © sentido sem re- corer a imagens Procuratei ilustrar esse conselho com dois exem> plos escolhidos por mim. Um conto de Alphonse Dau- et, “Le Curé de Cucugnan”, comega por esta frase “Tous les ans, la Chandeleur, les pottes provengaux Thiam ppublient en Avignon un joyetx petit livre. rempli jusqu’aux bords de beaux vers et jolis conte.” B evi dente que a expresso rempli jusqu‘aux bords é uma {imagem corrida 20 autor, porque o alegre livrinho dos poetas da Provensa se asserelha s uma cesta ou ‘uma tina transbordante de uvas ou azeitones depoi da colheita. Sob pena de flagrant infdelidade, 0 tr- ddutor terd de conservar a comparaplo, tio caracteri- tica do estilo de Daudet e tio sugestiva, V4 ume expresso como marchande des quatre sai- sons, apesar de seu ar espontineo e pottico, faz parte das stock phrases da lingua francesa, e 0 tradutor br jo hé de vertbla por “verdurera”. ““Vendedora das quatro estagdes” seria mais bonito, mas totalmente Injstificével e descabido, ‘Tudo isso mostra, apenas, que as difculdades do tradutor nfo podem set circunscrtas e também que ‘io hé problema de tradugio definitivamente resolv do. Cada palavra se apresenta, de cada vez, num con texto diferente, que a embebe de sua etmosfera e the altera o sentido, ds vezes quase impereebivelmente. ‘Assim, nosso offelo de tradutores € um comércio fntimo e constante com a vida”, como diz Valery Lar bbaud;' nfo é, de forma alguma, um jogo de pacigncia ‘com palavras mortas¢ fichadas para sempre. 7 Vatsy Tatbaud — Sous PTncation de Sin ferme Pee, ‘allinard, 1946, p. 85 19 2, TRADUCAO LITERAL E EFEITOS DE ESTILO Pensace geralmente que a traduslo fiel € a tradu- so literal, e que, portan:o, qualquer tradugio que ‘no sea literal livre. A maioria dos candidatos a tra- Estamos citendo termos cujas sfinidades se compreendem facilmente. Em muitos cazos, porém, a coita € diferente e previsa-se de toda ‘uma educagdo especial, do conhesimento das expres- bes da literatura clissica para se apreender o que © autor pretendeu exprimir. Em tais palayras encostam- Se, como que num travessero, outras expressies re. fletindo idsias que se harmonizam com clas." ‘A parte humanamente mis preciosa e mais como- vedora de muitas “notas de tradutor” €, decerto, a ex- plicapo que nos dio da atragdo que levou 0 intérprete 5H de.uma afinidade ‘radutor de Poe), entusiéstica de uma obracprima (como ‘quando Goethe se apressau em verter O Sobrinho de Rameau, de Diderot), ou ainda a sensagio de se en- contrar em transe parecido ao em que jd se debateu © grande escrtor estrangeiro, o qual se tomne lnmao na infelicidade. Foi este 0 caso de meu amigo Istvén Vas, autor de uma versio hingara de Villon, fcita mum campo de concentragdo nazista em 1940, Chania de Geishas. Trades pour Ia pemite fis du Juponais pur ‘Stalber Oteria et HideakéTwamura. Pats {G1 Cas, 1926; lneoduio. “Esta tradugo nfo foi feita com 0 piedoso intuito de mostrar 20 piblico 0 verdadero Villon. Teno pouca tendéncia para pedagogo.... Aconteceu apenas que as dduas experitneias substanciais de Villon, a danga da ‘morte ¢ 0 degredo, se tornaram no veréo passado mi- ‘has proprias experitncias principais. E quando, nessa época, O Grande Testamiento me veio cait nas mos, essa alma nus entre tera e cfu prendewsme iresstivel: mente € me fer pegar da pena." identificagdo do tradutor com o traduzido na 80 € no sofrimento deve ter contibuido para 1 tradugio aver saido uma auténtica obra-prima, 7 Frangle Villon Nagy Testaments, Vat In fois ‘Budapess, Offa, 1940: prefico. 12, PASCAL PARA BRASILEIROS A Difusto Européia do Livro, orgenizada em Sto Paulo com capitis franceses,apresentouse no mercado brasileiro do livro pelo langamento, em tradugGes por tuguesas, das novidades que maior éxito estavam al- cangando em Pat jciatva implicara o reconhe cimento de uma realidade nfo percebida por muito ‘tempo pelos efculos intelectusisfranceses, a saber que existia ‘no Brasil um grande péblico interesado em ou deixar que ele se desvie para cultures no momento mais stuantes, como a nor- teamericana. A acsitagio favorével dos volumes sim- pilticos de DIFEL, que se sucederam num ritmo inten- 0, mostrou que seus 2 primeira solucio ‘Assim, pois, a firma curopéia jé estava desempe- snhando interessante atividade cultural antes mesmo de Iniciar um novo empreendimento ainda mais impor {ante do que o ante pio em portuguts dos "Clésscos Garnier justificada popularidade dentro e fora da Franca. Os volumes dessa série, tio Darata quanto dil, passaram sucessivamente por vé ros aperfeigoamentos; além de sensivel melhora do aspecto grifico, o: texts salem cotejados com as edi 980s mals fidedignas e acompanhades de introdughes © notes de especalistas. Tenho-me valido indmeras ‘vezes dessa preciosa aparelhagem, especialmente no preparo da edigio brasileira de A Comédia Humana, 8 posso referirme com palavras de louvor e gatidiio | probidede despretensisa, 2 intligéncia Idcida e & tenidigho esclarecida dos universitiros franceses, cujo trabalho nesta coleglo podia em geral ser considerado modeler. ‘Tenho, pois, todos os motives para saudar com re- sgoaijo este reaparecimento da velha Casa Garicr, de ‘nome inseparavelmente ligado @ histéria da literatura brasileira. ‘Um exame répido do primeiro volume da ccleso, (0 Pensamentos de Blaise Pascal’ sugereme algumas observagées talver sproveitéveis na organizagso dos volumes a seguir. io cabe aqui uma apreciagdo nem sequer suméria esses grandiosos fragmentos da vasta obra apologé- tica interrompida pela morte do autor, e que, mesmo assim, contém uma das disecagSes mais pungentes da ‘condigio humana, exibindo-the com agudeza cruel a8 contradig6es © os fraquezas. Bases axiomas slo vaze- dos num estilo dos mais perfeitos em sua naturalidade seu despojamento, e que exige novas tradugGes pe- rddicas para operat no esptito do leitorestrangeiro de eada époce um efeito imediato © poderoso, seme- Thante a0 que exereeu no espirito dos eontempordneos ‘A editora encontrou um tradutor excelente na pes soa de Sérgio Milt, igualmente indicado pela sus Pas, Ponsamentee Inroducto ¢ notte de Ch. M. Des GGranges"Tredugdo de Serato Mile. "Clasicos role" da Ditto Earopcin do Livro, S50 Palo, 1957, 294 pig Inteligeneia extca, a sua fina sonsibilidade ¢ as rates francesas da sua extensa cultura. A sua tradugao, cor eta, flexivel, de leitura ageadavel, mantém at princi pais caracteristicas do original. Tetia gostado de com: ‘aslo com os trabalhos de seus vérios predecessores, ‘mas s6 tive mo, no momento, uma tnica versio em Portugués, a de Paulo M. Oliveira, da Atena Editora (Sic Paulo, 5d). 0 confronto dessa versdo com a de Sérgio Millet mostra que ese, embora tenba aprovei- tedo trechos inteiros do trabalho de seu antecessor, soube divergir dele quando a interpretasao earecia de clareza ou elegincia. Trés exemplos apanha- es 80 acaso ho de exemplificar o que afirmo (a tra- dust de Sérgio Milliet figura em segundo lugar; 08 rimeros correspondem & mumeragéo dos fragmentos na edigio em tela): 46. Diseur de bons mots, mauvals caracidre. (“Dic aedor de boas palavras, mau caréter.") “Fazedor de frases de espirto, mau carater.” O tradutor anterior cometera aqui um verdadeiro contrasenso; Sérgio Mil- lietrestabelecen o sentido do original. 472. Nous ne nous tenons jamais au temps présent [Nous anticipons Vavenir comme trop lent & venir, com ime pour hter som cours; ou nous rappelons le pase, ‘pour Varréter comme trop prompt: si imprudent, que nous errons dans les temps qui ne sont pas nétres, et ne pensons point au seul qui nous appartient; et si ains, que nous songeons & ceus qui ne sont plus rien, et échappons sans réflexion au seul qui subsite, (*Ni ficames nunca no tempo presente. Antecipemos 0 fu furo como demasiado leno para vir, como para apres sar 0 scu curso; recordamos o passado, pera parlo, ‘como demasiado répido: tio imprudentes, que erramos 2 ros tempos que nfo to nostos e nfo pensamos s6 no que nos pertence; e tio vlos que sonhames com os que no so mais nada ¢ evitamos sem reflexio 0 ‘nico que subsiste.”) “Nido ficames nunca no tempo presente. Antecipamos o futuro, por chegar demasiado Tentamente, como para apressarthe 0 curio; records ‘mos 0 passado, para det#lo, por demasiado répido: tio ‘imprudent, que erramos nos tempos que no so not. 0s € 86 pensimos no que nos pertence; tio véos, {que sonhamos com os que jé no existem e evitamos sem reflexBo 0 tinico que subsist.” Observese de pas- sagem que nous errons se traduziria talvez melhor para eviter ambigti 80, Dioi vient qu'un boiteux ne nous irite pas, et un esprit boiteux nous irrte? A cause qu'un Boiteux reconnalt que nous allons droit et qu'un esprit Boitewe dit que c'est nous qui boitons; sans cela nous en aurions Ditié et non colére. ("Como se explica que um coxo ‘nfo nos irite, e que um espiito coxo nos irrte? ‘que um coxo reconhece que andamos dirito, e um fespirito coxo diz que somos nés que coxeames; sem isso, teriamos piedade dele e nfo raiva.”) ‘Como se explica que um coxo néo nos frrite © um espirito cox nos aborresa? E que 0 coxo reconhece que andames irito, e um espirito coxo afirma que n6s é que ms ceamos; se assim nfo fosse teriamos piedade © no ‘Vésse, mesmo por essas poucas amostras, que se trata de trabalho de rel valor, digno de aplauso. Ma visto que o volume se apresenta a0 mesmo tempo como © primeiro de ume colegio, nfo nos parece descabido artiscar alguns reparos, que talvez possam ser Ievados ‘em considerago pelos editores nos volumes sucessvos. 9s Com todo 0 respeito que nos inspira a excelente presentagio do professor Des Granges, parcce-nos sutiveltraduzir mera e simplesmente, junto a um texto clissco, toda a aparelhagem critica — introdu- ‘ronologia, notas etc. — que aparece na edigdo france, Sendo volume deinedo aitores que nfo em o francés, de que serve, por exemplo, a biblio- ‘rafia suméria da p. 3, composta unicamente de ttulos franceses? (Ela seria utlmente substituida por out inda que mais modesta, de ensaios braileiros © por tuguesesrelativos a Pascal.) Da mesma forma, carecem de razao de ser notas de pé de pégine como esa: “Ler 6 Testamento de Pascal eos documentos relativas& sua ‘doenga em Brunschvicg, t. X, p. 295. © preficio de Des Granges relata,sobretudo, shi {6ria do texto dos Pensamenios, acidentada como pou- cas obras literérias a tiveram. Com efeito, cada editor adotou, pelo menos até os trabalhos de Léon Brun- fechvicg, ertério diferente na arrumagio desses frag- rmentos desordenados. Falando a um pablico versado na histéria intelectual da Franga, o autor estava dit- ‘pensado de situar Pascal dentro do panorama e a época e de resumir as caracterstcas do movimen- to jansenista, no qual ele desempenhow papel tio im- Portante. Este fato, natural numa edigdo francesa, transformase em lacuna na edigio brasileira, lacune ‘de modo algum compensada pela inclusio da Vida de Pascal eerta por sua irm, M™ Pétier, para leito- res contemporineos mais do que suficeniemente en: fronhados nas discussbes entre jesuftas © jansnistas; [or isso mesmo, a autora restringiase a dar um rotrato fntimo, aliés de grande beleza, do irmio admirado, o Faz falta, a0 nosso ver, uma introdugio geral de autoria de um erudito brasileiro que explicasse de ma- neira concisa a08 Ieitores do Brasil, evjos anteceden- tes culturais tanto diferem dos leitores franceses, 0 background artistco, religiso, filosético € filolégico ‘de um dos textos mais densos ¢ mais perturbadores da Iiteratura mundiel. No temos a menor dvida de que ‘0 proprio tradutor se teria desempenhado com brilho ‘essa tarefa eminentemente didtica ‘Temos a impressio de que o valor desse volume seria sensivelmente aumentado pelo scréscimo, na préxima edigio, de um indice analitico (como © que Se promete em apéndice i tradugéo do Emilio, de Rousseau). Numa obra fragmentiria como essa de Pascal, cujo plano ficou prejudicado pelo inacabe- 6 leitor nfo pode guiar-se pela concatenayio das idéias ou pela Nogica da estrutura; um indice € tanto mais necessirio quanto se trata de um desses Ii vyros que raramente se Iéem de maneira corrida, mas {reqientemente se consultam. ” 15, LACLOS QUATRO VEZES, PARA QUE? AA publicagio em prazo relativamente curto de nada ‘menos de quatro tradupdes de uma obra clisica fato bastante raro pare provocar curiosidade. Que foi ue fez de Les Liaisons Dangereuses, de Choderlos de ‘Laclos, escrito em 1781, 2 obra estrangeira mais pro= curada pelos editores brasileiros? ‘Tratase, na verdade, de um desseslivos que, cons tituindo toda a obra de seus autores, bastam para thes franjesr imortalidade. Estranho romance que tem como assunto 2 gratuita conspiragio de um catal de ‘moniaco para espalhar o mal e a corrupgio em torno de si. Considerado escandsloso por uns, moralizador por outros, & um dés livros mais famosos do second rayon (como Emile Henriot qualifiea oF produtos da literatura libertina)e, na sua fria objetividade, ante- ipa mots eciorscontempordncos qu prope representar o amoralismo da gerasio transv Se essa “atualidade” era responsvel pelo filme que dele hi pouco extrairam Roger Vadim e Roger Vi land transpondo o enredo para um ambiente moderno, fo foi, decent, © Unico motivo da proliferagio das tradugées brasieias, devida também 8 falta de coor: ‘denagéo dos nosses programas editorials. Em 1947, José Olympio publicou As Ligaedes Peri- lugdo do saudoso OsSrio Borba e, simul- tow sob o titulo de As Rela ‘goes Perigosas, vertido por Carlos Drummond de An de. Bastaria a existéncia de um desses trabalhos,as- sinados por quem os assinou, para dispensar, pelo ‘menos até 0 fim do séeulo, 0 aparecimento de qualquer nova traduglo, Entretanto, em 1961 sai outra versio, com 0 ttule de As Relardes Perigosas, pela Difusio Européia do Livro, e em 1962 uma quarta, pela Edi fora Vecchi, que reassume © nome do As Ligardes Perigosas. Os ceditores das duas cikimas tradugées esconhecer completamente as duas primeiras. 0 exemplar da Difusio Européia do Livro no as men- ions nem nas “orelhas” nem na introdugio, ¢ entre 1s opiniGes sobre Laclos nfo cita nem a de Wilson Lousada, que introduziu a traducio de Osério Borba, nnem a de Carlos Drummond de Andrade, que fez ante: ceder a propria de um prefécio verdadeiramente ma sista. © exemplar da Editora Vecchi vai mais longe, re ‘vindieando com sltivez para si, no texto das “orelh ‘uma prioridade inexstente: "A presente edigio em lin: ‘ua portuguesa € prova evidente do alto. progresso cultural atingido por nosto pats, onde um editor de vistas largas publica um livro que por muito tempo foi rudemente combatido em sua propria pétria, Franga.” Além do lamentével desperdicio de esforgo que re- presentam esas duas novas tradugdcs, levantam al: tzuns problemas de apresentacdo que, embora insignifi ‘antes & primeira vista, podem alterar toda 0 do Heitor. E preciso lembrar que 0 romance reveste a forma, frequente na époce, de correspondéncia. As carts tr. o cadas entre meia dizia de pessoas da alta sociedade, © vazadas_na_linguagem inconfundivel do século XVIII, distinguem-se por tragos esilisticos pessois, caractcristicos de eada protagonicta, Nov decorter de © autor no is nome. Isto é, a sua inicial, em que, sequindo outra prética do tempo, se esigna como mero adaptador de uma correspondén- cia exisfente, ¢ aponta como provas de autenticidade cessas divergencias individuais de estilo. Ao mesmo tempo, para prevenit o etcindalo provével, afirma suas intengSes moralizadoras ao publicar a colegdo de ‘arias. Afinal, em algumas notas de pé de pégina pre: fende or ter encontrado certs cartas cuja existéncia se infere das outras, ora ter suprimido algumas que io interessavam 40 Teter. Anteposta a esse preficio do “redator”, uma adver: tncia do “editor” procura dsteur tas slibis, deixando entender que 0 livro & mesmo uma obra de fics. Na realidade, advertéaciae prefécio, aquel smente esaprovadora, este aparentemente justficativo, sal ram ambos ds pena de Laclose visam 20 mesmo obje- tivo: agusar a curiosidade do leitor.B, pois, evidente ‘que 0s dois constituem parte inaliendvel da obra Por isso mesmo, lamenta-se que a Editora Vecchi fenha cortado essas duas notas, coisa tanto mais in compreensivel quanto manteve a breve nota final do “editor”, explicando logo depois ser este idéntica 20 préprio autor. Se a edigo da Difusio Européia do Livro, publica. da na valiosa séri dos Clésscas Gamier, nio se res sente de semelhantes omissSes, apresenta utrasfalhas, ‘que assinalamos no intuito de colaborar para 0 aper {eigoamento de uma iniciativa de allo valor cultural. ‘A mais grave, a nosios olhos, é a falta do nome do ttadutor! Outra, s6 explcsvel por um lapso, € a au séncia no frontispiio do nome do proprio autor. Por outro lado, eabia acompanhar a adverténcia e a nota final do pseudoeditor, a que me refer, de uma nota que explicese 0 sentido peculiar do termo. ‘A auséncia dessa explicagdo deve-se 20 fato de a Difusio Européia terse limitado a reprodusir as notas de Yves le Hir constantes da edigSo francesa da Casa Gamier, onde elas prestam excelente servigo, enquanto za edigdo brasileira muitas dentre elas perderam 0 sentido. Ao pé da pégina 13, ondo se trata de uma ve- Jha tia “‘cujos bens jé esto todos legados”, encontra se por exemplo, em relagdo a sltima palavra, esta ex: plicagio: “Esse termo juridico designa a disposigdo pela qual uma pessoa & chamads apés outra a uma su ‘essio.” Eis uma explanagéo que toma incompreensi- velo que estava perfeitamente claro. Recorrendo &edi- ‘gio francesa de Le Hi, leo: "Une veile tante dont tous les biens sont substitués.” AS, sim, havia necessi- dade de explicar que “ce terme juridique désigne la disposition par laquelle une personne est appelée& une suceession apres une autre”. Mais adiante(p. 107) esta frase "Seu marido tem 0 mais belo bosque do mundo, ‘que conserva cuidadosamente para os prazeres de seus amigos”, € comentada assim: "Tipo dos trocadilhos {rosseiros muito a0 gosto dos ibertinos do século XVIII” — mas, no caminho do francés 20 portuguts, © trocaditho perdeusse. Na pégina 178, aps a carta 87, lese outra nota que desafia a acuidade de qualquer 7 aundo intormasies tosis sera Sérgio Mi Ieitor: “Nas Edig6es, aqui acabs a sogunda pare.” Levei tempo a descobrir que a ediglo francesa de Le Hir que serviu de original para o texto da Difusto foi feita na base nio das edi ‘manuserito; mas, a ease respeit, nada consta do volu- re brasileiro. Nota semelhante serve para desorientar ‘oleitor depois da carta 124: "Aqui acaba, nas Edigoes, ‘teresa parte.” Observeros ainda que, numa nota ‘da pégina 85, 0 comedisgrafo francés Alexis Piron & ‘onfundido com Pirro (Python), filésofo grego da An- tiguidade, e, © que & pior, esse erro 6 atributdo a La- clos, Foi por causa de tis armadilhas que, a0 organ 2ar a edigio brasileira de A Comédia Humana, de Bal- ‘ac, me sbstive de simplesmente reprodusir s notas de qualquer edigho francesa, por melhor que Fosse. (Para ser exato e,talver, prestar servigo em eato de ceventuais reedigdes,direi que as dues edigOes antric- res deixam tamibém a deejar. A de Toss Olympio omite ‘2 “adverténcia do editor”, mantendo apenas 0 “prefé- io do redator" talandodhes, porém, 0 prafécio do tradutor, o que nos 44 2 impressdo de que a “adverténcia” foi rei Brasil de 1947, e no na Franca de 1782. Para desa- ‘rravo de Drummond, um dos tradutores mais escrupu- Tasos mais fidis que j4 conheci, delaro que testemu- hei @indignago com que ele no primeiro exemplar impresso da prOpria tradugio descobriv a espontinea colaboragdo de um revisor gaticho, que “'melhorara” todos os sobrescritos das cartas colocando erase na preposigto a, assim: O Viseonde de Valmont & Cecilia, Volanges, A Presidente de Tourvel a Madame de Ro- semonde, ¢ assim por diante) 100 Um exame comparativo das quatro tradusbes pode- ria ser inclufdo no programa da ainda inexistenteesc0- la do tradutores ou dar até matéri para uma tee de faculdade: seria 0 instrutivo como todos os traba- thos de real mérito, que honram 0 oficio. A prépria tradusio do titulo, em que uns usoram “Tigngbes", outros “relacbes", mereceria uma discussie, Outro ponto euriosa é questio do tratamento. Drummond © seu sucessor anGnimo resolveram manter 0 “v6s" Tinka; Osério Borba admite "és" em certas 10s adotou 0 “voce” por toda parte. Compreende-se que essa tradutora, por fazer a sua versio para uma colegio chamada “Os Maiores Exitos da Tela”, tenha sentido 1 necessidade de modernizé-a. De maneia inteligente, ‘no se limitow a0 emprego dos pronomes, mas reju: vvenesceu todo o estilo, quebrando os longos parégrafos do original, eujos periodt alongados e preciosos no so dissociariam da. segunda pessoa do plural. Mais de tuma vez encontra ela solugdes tio felizes que suas falas, em outros trechos,s6 se explicam pela provavel pressa que deve ter exigdo a sincronizacio da edico com © langamento do filme. O tradutor andnimo da Difusfo Européia, profssional competente e honest, nem sempre consegue subtrairse 8 sintaxe original, 0 {que torna o seu trabalho algo pesado. Apesar das ine- sfvels qualidades de ambos, nenhum dos dois suplan- tas versbes anteriores: a de Osério Borba, texo leve natural, e, sobretudo, a de Carlos Drummond, que rmantendo 0 sabor Ancien Régime do original, conse- ‘gulu 20 mesmo tempo conservare a elegincia e trans- is vezes quae Apresentemos, a titulo de amostra, a versio de dois periodos pelos quatro tradutores: 1, CARTA 26, DA PRESIDENTE TOURVEL AO VISCONDE DE VALMONT: Je m’en tens, Monsieur, vous déclarer que vos sen iments moffensent, que leur aveu m‘outrage et sur- tout que, loin d'en venir un jour 2 les partager, vous te forceriez 0 ne yous revoir jamais, si vous ne vous imposies sur cet objet um silence qu'il me semble avoir droit dattendre et méme exiger de vous. A) Maria Licia Pessoa de Barros: “Faso ques- tio de Ihe delarar que seus sentimentos me ofen- sobretudo ‘qe, longe de chegar algum dia a compartthéls, assim me forgard @ no vélo mais, se no se Impuser# este respeito um siléncio que julgo ter to de esperar, ¢ mesmo de exigi, de sua B) Andnime: “Limitome, Senhor, a del vor que voitoe sentimentos me ofendem, que a confissio deles me ultraja ¢ principalmente que, Tonge de me induzir a partfhélos um dia, vs me forgareis @ nunca yos rever, a no ser que pos: sais impor sobre esse asrunto tum sléncio que se re afigura ter o direito de esperar até de exig e von.” ©) Osério Borba: “Limitome, Senhor, 2 vos dizer que vostce sentimentos me ofendem, que 2 confssio desses sentimentos me ultrja ¢ que, Tonge de vir um dia « patios, v6s me obrige. seis a deixar de ver-vos para sempre seni fizer des em torno do assunto um siléncio que me parece tenho o direito de esperar © mesmo de cexigir de vs.” 1D) Carlos Drummond de Andrade: “Limitome ‘2 declarar que vossos sentimentos me ofendem, ‘que a confssio deles me ultraj, e sobretudo que, cem vez de partilhélos, vés me forgareis « nunca mais formar a ver-vos, se nlo vos impuserdes s0- bre esse assunto um silncio que suponho ter © diteto de esperar © mesmo de exigi.” (As diferengas sio pequenas, de nuangas apenas: ‘mas, se hé uma arte em que as muangas importam, é decerto a do tradutor. Observarsedé, na versio A, “fago questio”, que nfo equivale a je m’en tens, © 0 pronome de “eompartihé-ta", que faz supor ser fissdo e nio os sent na versio B, lado de “impor”, que altera © sentido do conjunto,) 2. CARTA 33, DA MARQUESA DE MERTEUIL. ‘AO VISCONDE DE VALMONT: (Nesta missiva » demoniaca marquesa desaconsetha ao seu ciimplice © uso de correspondéncia em suas tentativas de conquista a virtuosa Presidente de Tour- vel, por deixarem as cartas margem excessiva para hesitagio e reeuo.) os Songer done au temps qu'il faut pour éerire une lettre, & celui qui se passe avant qu'on la remetie: et ‘oye si, surtout une fename a principes comme votre Dévote, peut vouloir si longtemps ce qu'elle tiche de ‘ne vouloir jamais A) "Pense, portanto, no que & preciso para es ‘rever uma earta, no que se passa antes de remeté- la; ¢ voja se, principalmente uma mulher de prin- cipios como a sua devota, pode querer tanto tem- poo que ela se esforga para no querer nunce.” 'B) "Pensai no tempo que & preciso para escre- ver uma carta e no que se passa antes de envié EE vede se uma mulher, prncipalmente de prin- cipios como a vossa Devota, pode querer tanto ‘tempo o que ela se esforgs por nio querer munca, ©) “Pense no que é preciso para se escrever ‘uma carta, no que se passa antes de remeter essa carta, ¢ veré se, sobretudo uma muther de prinet ios como a sua devota, pode querer tanto tempo © que ela se esforga por no querer nunes D) “Ora, pensal no tempo que é preciso pare screver uma carta, no qUe se passa antes de envifla, e vede se uma mulher, sobretudo de principios como a vosta devota, pode querer durante tanto tempo aguilo que ela procura nio querer nunca.” NNote-se que no inicio das tradugdes A ¢ C desapa- receut a palavra “tempo”, entretanto essencial pare 0 sentido; vejase 0 involuntério trocadlho das varian- 108 tes Ae B (“principalments"... “de principios"), de que io hé vestigio no original; © observe-se nas quatro versGes um pronome (“no que se passa”) evja supressio parece convenient. Pouco tempo depois de publicado este artigo, rece- bi de Lisboa carta do eminente teatrélogo e tradutor Joio Pedro de Andrade, que me comunicou ter ele proprio, em colaborapio com Alfredo Amorim, publi ‘ado pela Portugilia Editor, por volta de 1960, uma tadugio das Liaisons Dangereuses, Essa tradusfo,in- titulada As Ligapdes Perigosas, que ele anunciou he- verme remetido, mas que infelizmente no me chegou ‘as mis, representa pois a quinta variante do romance ‘de Laclos em portuguts! Assinaloe a existénc as consideragGes tecidas pelo missvista acerca das ‘quatro versGes brasileiras — que lamento no poder reproduair por falta de espago — e as amosteas que dava da propria mostram tratarse do trabalho de um profissional competente e consciente. A coexistincia de tantas tradugées, todas de quali- dade, € inexplicével do ponto de vista editorial — mas podetia ser explorada em trabalhos de comparagio do ‘mals alto interesse nos cursos de tradusdo, jf existentes em nimero razodvel em noseas faculdades de letras. 14, © TRADUTOR TRADUZIDO “Na origem da gloria de um autor estrangeiro en- contra-se freqientemente um homem, um intermedié: tio que, para ‘langar’ aquele que admira, deve pos suit diversas qualidades, 20 mesmo tempo socials € Tierra." Sto palavras de Léon Lemonnier na introdugio & digo modelar que dew das Histérias Exiraordindrias de Edgar Allan Poe, tradvzidas por Charles Baudelai- re, Gragas a0 estudo desse erudito francés podese squilatar com exatidio tudo © que o autor das Flores do Mal fez pela gloria de Poe. Ainda vivo no momento fm que Baudeleire Ihe descobriu a obre, Poe era con- siderado pelos contempordneos como importante crii- 0, mas 05 seus poemas ¢ contos eram pouco aprecia- dos. $6 muito depois, em parte sob # influéncia da repercussio que estas éltimas obras alcangaram no ‘estrangero, obteve ele o lugar que ocupa ns histri dda literatura americana, ‘A partir do momento em que a conheceu, Baudel re apaixonouse pela arte de Pos, na qual. descob cstranhas afinidades com suas proprias teorias e ten- ‘ncins,¢ propés-se como verdadsira missio divulgar ‘a mensagem daquele onginguo e desconhecido poeta. Entregou-se a essa tarefa com um ardor que nunca se artefeceu e que surpreende numa alma tio instivel, tio propensa a entusiasmos e deseneantos ficcs. 106 Foi em 1847 que pela primeira vez Baudelaire leu uma pagina de Poe, provavelmente “O Gato Preto”, conta que ele gravou quase intiremente de cor. Desde fquele momento procurou ler tudo o que o outro es- crevera e saber tudo a seu respeito. Depois de intei- rado da morte trigica de Poe, ocortida em 1849, du- plicou os esforgos a fim de obter para 0 seu idolo infeliz pelo menos a compensssio da glia péstuma. [Nas memérias reminiscéncis dos contemportneos de Baudelaire heats suse 9 asididade vyeres iritante, com que ele tra lao nome de Poe, foyends or ileus spendin no deixando em paz enquanto nio tomavam partido pot le, Gautier, Asselineau, Champfleury foram conus: tados assim’ Outros que se correspondiam com Bai: delaire, entre estes Sainte-Beuve, Taine, Vigny, vera 1 saber de Pos por melo de cartes. Mas 0 maior servi: 59 que 0 poeta presiou ao culto de Poe foram suas tradugdes das Histérias Extraordindrias, publicadas primeiro em revista ejornas, depois reunidas em dois ‘Yolumes, assim como do romance Arthur Gordon Py. Como introdusso aos volumes, escreveu também Vida de Poe, bastante inexata (na falta de Fontes fide- mas cheia de amor 20 seu biografsdo ¢ de ‘dio aos que o prejudicaram na sua tribulada exist cia, Falando € escrevendo acerca de Poe, traduzindo- The a8 obras, agua contestava com pai it todos a tomarem conhecimento do caréter excepeional daguela nova arte. primero conto traduzido por Baudelaire foi publi- ceado em 1848: o segundo, somente quatro ancs depois. [Nesse interim, Poe, com quem seu admirador francés 10 rio estabelecera contato pessosl, morrera. Depols de 1852, multiplicaramse as tradugoes. Para exeeutlas, Baudelaire pésse a reaprender o inglés com todo 0 afinco © ndo relaxou esse estudo durante os quatto ‘anos que levou # reunir a matéria dos dois volumes. (© texto ofereca inimeras dificuldades nio resolvidas pelos dicionérios, neologismos com que a erescente cvilizasio norteamericana entiquecia a lingua ingle- sa, termos de slang local, expresses familiares. Para compreendélos, Baudclare entrou a procurar visjan- tes chegados dos Estados Unidos, tomouse assiduo fre ‘lientador dos botequins onde se reuniam marvjos, {grooms jéquels. Quanto aos termos tenicos, que Pos fempregava com a maior propriedade, Baudelaire en ‘rogou-se a sérias pesquisas; para verter Arthur Gor- don Pym, tornow-se ele também oritslogo, geéerafo, oficial de marinha, © consultar atlas, mapas, instru: mentos de navegasio e de céleulo. Foi precisamente aqucla preocupacdo que o impe- dia de teaduait as poesias que julgava intransponiveis fem qualquer lingua; que o levou a rever sempre, na véspera da publicagio, as provas dos contos a sare em folhetim: que 0 fet realizar uma revisio compl antes da publicago em volume € co mente provas sobre provas do liv. © ‘conhecimento de tais pormenores modifi sivelmente o retrato de Baudelaire, orglhoso, botmio, ce&tico incorrigivel, épateur de bourgeois, ¢ mostra ‘como nele era profundo ¢ humilde 0 respeito alheia. Mesmo que 0 centendrio da morte de Poe possa con- ferir um minimo de atualidade a estas notas sua ra Bae em 1960, 108 ‘2 de ser encontra‘se mals numa coincidéncia cutiosa: ‘0 acabamento de uma traducio dos Pequenos Poemas em Prosa de Baudelaire, flta com entusiasmo e pertc cia iguas, caracterizado pelo mesmo esforgo de pet fcigio.’ Depois de acompanhé-la de pert, vejo agora, ‘0 ler a8 informagdes de Lemonnier acerca de Baude- lire tradutor, que o autor dos Poemas em Prasa acaba de obter uma versto portuguese feita nos mesmos prin- cipios que ele aplicava as suas tradugSes. [Esses Poemas em Prosa, obras-primas lavradas com. todos os requintes de wm artiste excepeional e de um idioms supercivilizado, esto chelos de alusBes mal esbosadas, de ironia @ um tempo velada e feror, de um. satanismo vistosemente exibido e que a olhos néo-ad- vertidos esconde uma ternura profunda e uma violen- ta revolta ante a estupider da existéncia (0 autor che- sou a induzir em erro o grande Tolsti, que o conde ‘nou como nocivo © antisocial); constituem um tre ‘mendo teste para o tradutor, que, além de manterhes 1 misteriosa harmonia, o indefinivel ritmo intima, tem de fareja, por trés de cada palavra, as segundas in- tenges do autor, em estado de perpétuo desafio contra © letor,aitude de defesa que se vita toda contra quem tenta transpé-los a outra Kngus. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira a por essa tarefa como Baudelaire pela versBo das His ‘rias Extraordindrias. Pelo motivo que levou este tl timo a absterse da tradugdo das poesias de Poe, ele ‘também nfo abordou as Flores do Mal, mas ps na ver so dos Poemas emt Prosa tanta paciéncia ¢ tanto TPeadh pela princi ver em 1950 na Colegio Rubiyét ela Livarie Jost OlympioEator 108 ‘euldado como se estivestem excritos em versos os mais lifes. Trad ialmente para enfeixé-los num volume; ao lembrarse de publicélos um por um nos jomais, revives, refundivos mais uma vex —e con tinva a revé-los’e a refundilos de prova em prova. jar uma das tradugbes publicadas em jomnal com a versio "definitiva” do vo. Tume da José Olympio, poderé verficer nfo somente ‘mas também a escrupulosidade desso tra: batho de continuo poliment. Por mim, tive a satisfacio de acompanhélo pasto 1 passo em todas as mindclas da tarefa, Nio tendo ido a Franga até 0 momento de acabar essa tradusao, AU: télio possufa do francts aprorimadamente o excelente ‘conhecimento livresco que Baudelaire tinha do inglés. Dai a sua desconfianga consigo mesmo, que o levou rio somente a pacientes indagapses sobre 0 sentido ‘exato, o matiz sentimental, o efeito estétco de inime- tos termos, mas também a um coteo, linha por linha, ‘com o amigo que teve a sorte de estudar francés na Franga. Em tudo isso, evelase um respeito como que religioso a0 texto original, como ee algo importante ‘dependesse da versio exata de cada nuanga da repro- ‘dugio de todos os valores emocionais. E, em resumo, ¢ erreio impresionante de Baudelie 40 texo_de NNote-se que tal atitude representava no tempo de Baudelaire algo de excepeional. Os tradutores france- 85 da época traduriam geralmente com fidelidade ‘muito relativa,preferindo & versio rigorosa uma “adap- lagdo ao gosto francés", critério dos mais eldticos ¢ ‘que nfo raras vezes encobria conhecimento deficiente dda lingua estrangeira ou pressa em lquidar a tare Os tradutores de Poe nto constituiam excesio & regra Lemonnier mostra como um acrescentava, Outro cor tava, o tereeiro interpretava em ver de simplesmente verter. Baudelaire, entretanto, mostrouse intransigen- dotando o principio da tradugio Tiel; os erros que ‘om todo aquele cuidado haviam de aparecet provinham da forgsa limitagdo de seus conhecimentos de inglés, e nunca do propésito deliberado de faclitar ‘2 tarefa para si mesmo. Embora hoje se tenha um conceito mais justo do oficio de tradutor, nio se pode dizer que, em linha ge- ral, nivel das tradugdes tenha melhorado. A exigt cia de rigorosafidolidadedificilmente € atendida nesta poca de trabalho mecanizado ¢ feito sem amor, em que no ha mais profssdes e oficios, s6 empregos biscates. E€ por isso que 0s Poomas em Prosatraduzi- dos por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira mere- ‘em atengo especial, justamente pelo que essa mani- festagio de respeito e amizade a um grande morto tem de comovedoramente anacronico. Outros que nfo eu, mais sensiveis 20 niimero da lingua, eriados dentro do seu génio, poderto dizer me- Thor quanto o tradutor conseguiu teeriar a atmorfers ‘igica do original; por mim, fago questo sobretudo de assinalar como a tradugao brasileira fo feitae como © raro fenémeno da dedieagko de Baudelaire & memé- de Poe se esti reproduzindo entre née em relags0 a0 préprio Baudelaire, 15. UM INTERPRETE DE CAMOES: ‘Uma tradugio artistica€ tio rara como um bom car samento: exige 0 encontro milagroso de um grande original com um grande tradutor. Ee histéria de um ddesses encontros que deseo referit aqui Gyula Greguss ¢ uma das personagens secundérias ‘mais simpéticas da vida literéria da Hungria no século XIX. Ele encarna bem um tipo ainda freqdente nessa época tio rica em valores espirituais: 0 do cientista Titerato, Nascido em 1829, descendente de ma familia de cscrtores, cedo The ccorreu a idéia de abrasar a ear reira das letras. Seu irmio Agost, um dos fundadores 4a erfticaTiteréria na Hungria, conta:nos como, ainda sinasianos, 0s dois conceberam 0 plano de incorpo rar as grandes obras do teatro universal ao patrimSnio spiritual da nacéo. Ene nossos castelos de Espanhe figurava 0 pro: jeto de aplainar © caminho do drama hingaro trid indo os melhores dramas de todas as nasGes ¢ de todas as €pocas, pera, a seguir, publi-los numa vasta coleinen. Para isso seria necessério © concurso de v Flos colaboradores, mat na juventude mio nos falta 0 espitito de ini Reunimo-nos cinco amigos para 1 distribuigdo da tarefa. Vood fica com ob gregos, voce ‘com Plauto, vocé com este ou aguele —e assim ficou regulado o'empreendimento, Gyula fol servide com sbundinci, pos the demos Shakespeare © Calder, E oi por isso que ele se pos a estuder o espana e, logo depois, o portogés.” ‘Mas a Revoluslo de 1848, entre cura coisas, are palhou a exceugdo desses planos. Gyula Gregus ais fovse no exércto revolicionétio, batevse conta of sustricos, fol ferido, depos feito prisioneito;evadiv: fe, viveu foragido algum tempo, e acabou seus ests tn Escola Poitenica de Vien, Talvez all vese per manecido, se a revelago de sev passadorevoluclons- tio fo The trourenteaborrecimentoe. Ast, ei an depois da Revolugfo, preferiu voltar & Hungria. De 1857 alé sua morte, sobrevinda em 1869, fol profes: sor de Citncas, , durante véros anos, diretor do Gindsio Luterano da Capital DDepois daquela juventude agtada, que apresenta tanta semelhangas com a de Zsigmond Kemény, autor de uma biografia romanceada de Cambes’ © mesmo com a de Camées (uma pando ifeli, a experéneia dos campos de batala, a fuge,o exo), tomarese GGreguss uma pertonalidade harmonioss, Puncondrio consenciowo © austero, na rods de seus amigos era tum homem modesto ¢ simples, amador das bows pe- lestras e da misica; ia muito, procurando sempre co- nhecet 0s grandes excritores no original. Ao lado de T Fler Ge Abnfed (Vide © tas"), romance incmplet, certo em 1844, em ue 0 autor mixture tontecimentoe da ‘ogratia de Comes aos de prépsi vda. — Cf. em mew iro Como Aprendi o Portigus Outre Aventra (Rio, ANeno. 25 ed, 1975, p 152 €56), “Canoes penonagem de uma mo ogra, us suas atividades de professor © administrador, des ‘course como cientsta © homem de letras. Seus trabsthos de especialista pertencem a0 domt- das Cidncias Naturalis, sendo 0s mais importantes entre eles Cenas da Natureza, Calor e Gravitaydo, A Temperatura da Agua do Danio. [No campo da Literatura estreou, como todo © mun- do, com versos, mas que ndo reuniu em volume. Obte- ve certa fama com suas tradugées: O Principe Cons ante, de Caléerén; Um Ninho de Fidalgos, de Tur- fgqueniev; © Os Lusiadas, sendo que esta stima Ihe va- Te sus eleigdo para @ Sociedade Kisfaludy, a academia literéria mais importante da época. Para o diseurso de posse escolheu um assunto bem catacterstco de sus atividade bifronte: “Questdes Limitrofes das Cién- cis e da Estética”; nesse trabalho insistia na uilidade, para os cientistas, de uma cultura Iterdra, e para os estetas, de um conhecimento melhor da natureza. AS- sim, as obras cietificas se tornariam mais atraentes, ‘0 passo que as especulagses de esttica Iucrariam em clareza, ‘Tendo especial prediless0 pelos trabalhos cientif- cos de pretenses Iiterdras, Greguss caprichava em bu- rilar 0 estilo de seus enssios, mesmo os mais téenicos, Entre suas lcituras preferidas figuravam representan- tes desse glnero hoje algo desacreditado, em primeiro lugar © Kasmos, de Humboldt. Por outro lado, na Li- teratura procurava as obras que tinham alguma afini- dade com as Ciéncia, especialmente a Ciéncia Natu ral. Pois Humboldt, na obra referda, exaliava Os Lu: siadas néo tanto como realizavio pottica, mas come io extraordinério de observagtes acerca dos fendmenos da natureza, cuja fideidade munca vem a ser prejudicada “pelo entusiasmo do poeta, pelos ador- nos do discurso nem pelos tons suaves da melancoia’ E acrescentava: “E inimitavel em Camées a represen- taglo do contato eterno entre are mar, entre a8 nuvens, de estrutura tio variada, com seus processos meteoro. [igicos,e os diversosestados da superficie ocefnica. [No verdadeiro sentido da palavra, Camdes € um gran- de pintor do mar.” ‘Sem divida, fo esse trecho do Kosmos que desper tow 0 intersse do hideélogo Gregus por Os Lusiadas 1 ponto de Ihe fazer empreender o estudo do portugues , depois, a versio do poema. As palavras de Hum- boldt, antes de serem reproduzidas no prefcio da tr

You might also like