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ee Pry unkind Promanennirct ts i an preset TC Lica a rey FAKE NEWS hh © dU) EDITORIAL | CAPITULO 4 “QUEM SE IMPORTA?”: A CHEGADA DA ERA DA POS-VERDADE ee O BREXIT*, TRUMP E A NOVA A AUDIENCIA Poutniea Para tudo ha um tempo: 1968 teve inicio a grande revolucao da liber- dade pessoal e o desejo pelo progresso social; 1989 sera lembrado pelo colapso do totalitarismo; e 2016 foi o ano que langow a era da “pés-ver- dade” de forma definitiva. A natureza, as origens e os desafios dessa era Sao 0 que este livro procura abordar, Entramos em uma nova fase de combate | POS-VERDADE No cere dessa tendéncia global ests um desmorona, aa valor da verdade, compardvel ag aS de aoe moeda ou de agao. A honestidade e a Gaeeogse sao mais consideradas ie maior prioridade nas trocas politicas. Como candidato ¢ Presiden, Donald Trump depreciou a suposicao de que o lider do mundo. deve ter ao menos uma familiaridade obliqua com a verdad, acordo com o site PolitiFact, que checa informagées e é ganhador, Prémio Pulitzer, 69% das declaracdes de Trump so “predominant mente falsas”, “falsas” ou “mentirosas”*. No Reino Unido, aca nha a favor da saida da Unido Europeia triunfou com slogans comprovadamente nao verdadeiros ou enganosos, Provadamente ressonantes, Os sites conspirativos ea midia social tratam com desdém, nals impressos ou a grande midia (mainstream media —sm),. tando-os a voz desacreditada de uma ordem “globalista”; uma liberal’, cujo tempo jé passou. Os “especialistas” sao difamados com um cartel mal-intencionado, ficaveis. “Ouse saber” foi o lema Proposto por Immanuel Kant; Tluminismo, 0 Congénere de hoje é: “Ouse nao saber.” Nao por acaso, em 2016, 0 “QUEM SE IMPORTA?”: A CHUGADA DA t Estamos rapidamente nos tornando | que os monstros totalitérios podem. Todos os ditadores até agora tiveram de suprimir a verdade. Por meio de nossas acé que isso no 6 mais necessario, que adquir espiritual capaz de despojar a verdade de qual De uma maneira bastante radical, como povo livre, « livremente que queremos viver em um mund Em 2010, o blogueiro David Roberts examinou as tages da ci€ncia politica-académica e chegou a ci tes, mas de uma perspectiva distinta. Era Teconfortante. os eleitores reuniam fatos, tiravam conclusdes desses PosigOes a respeito das questées com base em suas cc thiam um partido politico de forma correspondente. comportamento eleitoral nao condizia com esse. Roberts escreveu, os eleitores escolhiam um. part liacdes de valor, adotavam as opinides da mentos para apoiar essas opiniGes e (s6 entao) reforcar essas alegacGes: Vivemos na politica da pés-verdade: que a politica (opiniao publica e1 quase totalmente desconectada substancia da legislagao). Sem « pOs-VERDADE da: respectivamente, Como “Tornay a nida: res Am a ” mudanca mal e ‘re “Reassumit 0 Controle”. As duas vitg: Eig Grane senopis ieee ‘Orias any, ed displicentes de experts, pesquisadores de op iz rises laram as prev! iadores de apostas. As duas iluminaram q alse enc iblica € 8 ‘ a rmacao, uj : d trar. De modo mais ostensivo, ambas as ingurp, gist e colapso do poder da verdade ‘o surgimento a classe politica ¢ Midiaticg falh; surg a Cigdes ram em Te} vo e alarmant i am um novo e ‘Ont ee. conduta eleitoral. A tese do blog de Robert se fornou uma motor lidade geopolitica. a ‘i Donald J. Trump € venerado por seus partidarios como um homem de negécios nao contaminado pela politica. Ele é aclamado como 0 mestre das transagdes, do balango patrimonial e da relagia qualidade-prego, No entanto, como primeiro presidente da pés-ver. dade, ele é muito mais bem percebido como um animador de audits Fio do que como um politico ou magnata (que, apesar de tudo, pediu faléncia seis vezes).! Nao por acaso ele twittou com tanta furia ao ser tidicularizado no programa humoristico Saturday Night Live [SNL] e atacado por Meryl Streep na premiagao do Globo de Ouro, Quando Amold Schwarzenegger assumiu seu antigo papel como apresentador do reality show O aprendiz, Trump usou 0 Twitter para dar seu vere dicto: “Uau, jé chegaram os indices de audiéncia e Amold Schwarze meper ie ‘afundou’ (ou destruiu) em comparacao coma maquina de = ee iniciais de Donald John Trump]’. Mesmo durante tempo para ums an Para a presidéncia, o presidente eleito teve Como mens nn? 4 fotos com Kanye West. ’ = Por mais i ee World Wrestling Entertainment Hall of Fame 2007,.no “Wy ee em transfo! “QUEM SE IMPORTA?”: A CHEGADA DA ERA DA. 7OS-VERDADE Pode haver uma maneira melhor de descrevero comportamento desse presidente? i “Nao ha mais questdes em relacao 4 verdade na luta livre do que no teatro”, Barthes escreveu, uma formulacao que parece ramente familiar na era da “pés-verdade”. O. desempenho é ! a dico, mas sempre oportuno”, apresenta uma “baixeza amorfa” @ imagem sempre distrativa do resmungao, confabulando sem fim, i seu desprazer”. O espectador se diverte coma “magniloquéncia emo- (2 cional, os paroxismos frequentes, a exasperacao das réplicas”>. Para Trump, nada disso € uma distracdo: é essencial tanto para engajado, Suas prioridades nao sao a politica, os recursos humanos ou 2 diplomacia. Em vez disso, ele atribuiu um noyo: papel a presidéncia, como 0 papel mais cobicado do show business, parte de uma série con: Hinua que o levou de ringues de luta livre, via breves aparicoes em fil mies, até 0 Salo Oval da Casa Branca. Streep e 0 elenco i sa apenas seus inimigos, mas companheiros intérpretes: tivais. Nesse contexto, deve parecer ridiculamente antiquado © governo como o forjamento de planos de agao politica evidéncias e a busca de apoio politico necessario para im que conta so os indices de audiéncia. Bee €o motivo de o/presiiest a aa do que a de Obama, em 2009. Na manha falou pessoalmente com Michael T. POS-VERDADE afirmou, porque o novo piso branco que revestia o National efeito de “destacar areas onde as pessoas nao estavam, ao fereg Passo Rio ele advertiu, pretendia “cobrar responsabilidade da imprensa”"* nas posses anteriores, a grama eliminou esse visual”, Por mais irritados que Spicer e seu chefe pudessem estar, a pag, cao deles era hilariante e insustentavel. Coube a Kellyanne assessora do presidente, encontrar um modo de esquadrinhar og. culo epistemolégico e fazer a conciliagao da afirmagao falsa com a prova fotografica. No dia seguinte, no programa jornalistico Mee the Press, da rede NBc, Conway disse para Chuck Todd que havia uma explicacao perfeitamente razodvel: “Nao seja tao radical em relacio isso, Chuck. Vocé esta dizendo que é uma mentira [...], Sean Spic Na realidade, nao foi a primeira vez que um partidario de Trump apresentou um argumento desse tipo. Em dezembro de tie Nell Hughes, comentarista de tendéncia conservadora, § @ percepgao era tudo o que contava. “Em toda campanha, un interessante de se observar é que as pessoas dizem que Nao sao realmente fatos”, ela afirmou no programa T Show, da National Public Radio. “E como analisar cia ou um copo de 4gua cheio pela metade. Todos de interpreta-los como verdade ou nao verdade. nao existem mais.” Contudo, Conway era alta funciondria da | animadora de torcida midiatica. Em uma ti nao s6 reconheceu a alvorada da era da Em sua radiante celebragao da intervencao lar ao conhecido dito de Nietzsche de “QUEM SE IMPORTA?”: A CHEGADA DA ERA DA POS-VERDADE seus “fatos” em contraste com os meus “fatos alternativos”. O funda- mental era se manter a frente nessa batalha. A vitéria sempre esteve no ceme da politica. Mas agora — se a maxima de Conway prevale- cesse —seria a tinica coisa importante. Intitil negar o papel que a Psicologia e os instintos pessoais de Trump desempenharam nesse processo. Muito antes da candidatura presidencial, a relagao do magnata com a verdade era desgastada, na melhor das hipéteses. De Roy Cohn, seu advogado, reparador de encrencas e confidente — e ex-promotor piiblico chefe nas audiéncias anticomunistas do senador Joseph McCarthy —, Trump aprendeu que a “marca” tem mais importancia que a contabilidade puiblica de fato e ficgao, e que a busca insone por publicidade é muito mais importante que a cobertura objetiva sem erros. Q que Cohn ensinou a Trump foi muito mais do que relag6es ptiblicas tradicionais — o gerenciamento das noticias —, mas a criagao de um mito moderno. Nesse jogo, os fatos eram um luxo e, frequentemente, algo irrelevante. Em seu best-seller Trump: a arte da negociagdo, escrito por um ghost-oriter, Donald Trump refere-se em tom de aprovacio a “hipérbole verdadeira” — um eufemismo, se alguma vez houve um. O que importa nao é a veracidade, mas 0 impacto. Seu mordomo, Anthony Senecal, revelou que Trump, ceria vez, afirmou que os azulejos no quarto das ctiangas em Mar-a-Lago, seu clube em West Palm Beach, foram pessoal- mente desenhados por Walt Disney. Quando Senecal questionou essa historia improvavel, seu chefe respondeu: “Quem se importa?’ ~ i ea O que Trump queria dizer era que a historia importaya mais que os fatos, E foi exatamente sobre essa base que ele fez sua campanha em 2016. Em vez de alimentar a forca 0 eleitorado com um inventario de fatos ¢ detalhes de seu curriculo, ele bramiu uma narrativa que impos, até certo ponto, uma ordem bruta sobre as complexidades mutaveis da vida moderna, Ele foi explicitamente desagregador ao prometer a Proibicao da imigragao de mugulmanos, um muro ao longo da fron- teira com 0 México, um retorno ao protecionismo econdmico. a5 768-VERDADE Paseo ponto: oferecer 4 grande massa de Clete 4 No entan' Bi de inimigos contra quem eles poderiam pe brancos Mes “qual seriam capazes de desempenhar um p, ca uma historia c Renae a América Novamente Grande”, 9 ice plano iio ne de racional: melhor uma narrativa fantasiosy is Phat que nenhuma. No centro dessa narrativa, estava g ee Trump, um Gatsby sujo, cujo exibicionismo vulgar — ridicularizado pela midia — era exatamente 0 que tommaya a histéria, tio sedutora.”” Avitoria o persuadiu de que, agora, ele estava mais on menos liberado das restrigdes incémodas relativas aos fatos, Avancemos para a primeira entrevista coletiva de Trump como presidente, em que. disse que alcancara “a maior vit6ria no colégio eleitoral desde Reagan’. Ao ser corrigido por Peter Alexander, da rede NBC, trou que, em 2008, Obama assegurara 365 votos — 61 a mais, Trump —, 0 presidente resmungou: “Estou falando dos r nos.” Alexander respondeu que o republicano George H. conquistara 426 votos, em 1988, e Perguntou, com base’ fi eae de Trump, por que os norte-americanos deveriam : Semen tranquilo, o presidente disse apenas: ’ wa ana Ne alidade, vies informagio por at. Mi te substancial, vocé nao concorda?.”* Em. ‘entador atribuir a ascensio da p Tenlador¢errado. Sea culpa, 3 : Ser jogada sobre um i “Quen oe 1 RTAP: A CHEGADA DA HMA DA ¥OS-VERDADE Trump também compreendeu que, guard: oes, a decisio do povo britinico de ladas as devidas propor. sair da Unio Europeia era um ral para sua futura vitéria, Dias antes da eleigho presidenctal, ele previu que o resultado seria “Brexit mais, mais, mais”. O.que le quis dizer foi que a insurgéncia briténica contra o establishment pro-uniao europeia corresponderia e seria superada pelo levante do povo norte-americano contra as elites fracassadas de Washington. Mas os paralelos eram mais profundos. Arron Banks, 0 empresd- rio que financiou a campanha Leave.eu, em favor da saida da Unido Europeia, estava correto em sua andlise do resultado do referendo: “A campanha pela permanéncia na Uniao Europeia apresentou fatos, fatos, fatos, fatos. Nao funciona. Vocé tem de se ligar emocionalmente: com as pessoas. Esse € 0 sucesso de Trump.” Aqueles que pressio- navam pela permanéncia da Gra-Bretanha na Unido Europeia bom- bardeavam o ptiblico com estatisticas: a saida custaria 950 mil empregos no Reino Unido; 0 salario médio cairia para £ 38 por semana; cada familia pagaria, em média, £ 350a mais por ano em produtos basicos; £ 66 milhdes por dia em investimentos dos paises da Uniao Europeia no Reino Unido estariam em risco; 0 custo da saida seria de £ 4,3 mil por familia... e assim por diante.™ Ficou facil caricaturar essa torrente de dados indigeriveis como nao mais do que uma série de afirmag6es arbitrarias, © que os partidarios do Brexit entenderam envolveu a necessi- dade de simplicidade e ressonancia emocional: uma narrativa dava significado visceral a uma decisio que talvez pai ensaio § Leave, favoravel ao Brexit, sustentou na época: da saida tinha de ser claro e se apegar a ressent do ptiblico,Uma mensagem baseada nas ; Proporcionadas pelo Brexit — “Go Global” —| mente defensével, mas nao ganharia votos. Tealizada por Cummings sobre a ah POS-VERDADE Gra-Bretanha revelou a potencial forga de tragao de uma de “Reassumir o Controle”. Em segundo lugar, Cummings acreditava que 6 custo pertencer a Unido Europeia — supostamente £ 350 milhbeg. atilde 2 aparecer em primeiro plano na campanha e, crucialmente, ‘denne , como dividendo para o National Health Service (ning — sfieadg Nacional de Satide). Em outras palavras, subvencionar Médicos 5 enfermeiras, e nao burocratas de Bruxelas (sede de importantes ya tuigdes da Unido Europeia). Em terceiro lugar, a campanha dey, ea” apresentar o possivel acesso da Turquia 4 Uniao Europeia como um perigo claro e presente para o controle britanico da politica de migra. so. “Fiquel surpreso com o choque que foi para a campanha de pee | manéncia quando nos a atingimos com a Turquia’, Cumn recordou mais tarde em um texto biografico de um blog’, Surpreso| nao, ele estava certo de que a perspectiva de imigracao — sobretudo. da Turquia — iria mudar muitos votos e ajudar a levar a campanha: favor da safda a uma vitdria historica. As analogias com o sucesso de Trump nao sao exatas, mas, Banks entendeu, sao bastante proximas. A rapidez com z sores do Brexit mudaram de posigao a respeito das pr tinham vencido o referendo foi de tirar 0 folego. No pros listico Newsnight, da ppc, um dia apés 0 referendo, membro do Parlamento Europeu pelo Partido negou que seu partido houvesse prometido ou uma reducdo dréstica na quantidade de imigrantes. que aconteceria algum declinio radical’, i Evan Davis, apresentador do programa, “? de controle.”* ‘QUEM SE IMPORTA?”: A CHEGADA DA HMA DA FOS-VERDADE um politico conhecido por sua integridade e seu intelecto —, mas © “Ns” a0 qual Han- nan se referi’ — nao incentivara a impressio de que a quantidade de nio seria verdade dizer que o lado vencedor migrantes entrando no pais cairia. Em 16 de junho, Nigel Farage, o entao lider do Partido de Inde- pendéncia do Reino Unido (xi), divulgou um cartaz de uma longa fila de refugiados sirios incluindo o slogan "Ponto de Ruptura”*_ A imagem foi amplamente repudiada, sobretudo por Boris Johnson, o porta-voz oficial mais proeminente da campanha favordvel A saida da Uniao Europeia, que declarou estar “profundamente triste’? coma situagao. Sem dtivida, ele estava: o cartaz explicitava o que os outros preferiam sé insinuar Os eleitores que apoiaram o Brexit procuravam 9 controle com um propésito. Sob distintos aspectos, as diversas campanhas a favor da saida da Unido Europeia ficaram satisfeitas por desencadear expecta tivas ascendentes entre aqueles que escolhiam jogar a culpa de seus inforkinios — reais ou imaginarios — sobre os imigrantes, Portanto, foi cultivada a nogdo perniciosa de que a mobilidade social da popu- lagao é um jogo de soma zero: aqueles que vém para o Reino Unido so um bando de parasitas que privam os britinicos nativos de luga- res nas escolas, moradias, empregos e assisténcia médica (todas so alegacdes imaginarias, desmascaradas em detalhes por Neli Demi- reva, da Universidade de Essex)=", Embora 0 ingresso da Turquia na Unio Europeia fosse uma possibilidade remota, na melhor das hipo- teses — como deixa claro o mais recente relatério anual da Comissio Europeia a respeito de seu progresso —, conveio aos partidarios do Brexit para aticar medo em relag4o ao seu acesso e uma consequente onda de migrantes mugulmanos™. Foi a politica da pés-verdade em seu estado mais puro: 0 triunfo do visceral sobre o racional, do enganosamente simples sobre 9 hones tamente complexo. Nao havia como essas expectativas a respeitd de imigracdo serem alguma vez Satisfeitas por um governo sério em 29 POS-VERDADE jo ao crescimentO econémico. Sempre existiriam Seto, relacao - qualificados da Uniao Europeia seriam requ ON Ge migran’ jvro era escrito, havia 130 mil desses mig NOs — anto este livro eee Migrany endian cistema de satide e assisténcia social, e mais a Jhandono siste Itado d MeCeSsérig, u de outra, oresultado do referendo, Nao fez gi De uma forma 0 ie 7 f a as regras que governam a imigracao de fora da Unido x par ee aes ‘ ia ou para as obrigagoes britanicas suboraead a Convencio dae Nag6es Unidas relativas ao Estatuto dos Refugiados. As forcas que motivam a mobilidade populacional nao seriam subjugadas saida do Reino Unido de uma organizagao supranacional, A Gra-Bretanha jamais se tornard a patria nativista que algun. imaginaram ou foram incentivados a imaginar: sempre ‘Permanecers uma nacdo pluralista e heterogénea, que acolhe milhares de recém | entre sentimento e fato é pertinente para Pp Neremos. De fato, para o quadragésimo presid Sbvio para distingio entre os dois, Ap6s corrigit a ‘ada de certa pessoa de conhecé-lo quando Ban expressou esse consolo revelador: Ser se fe oo POS-VERDADE scat racionalizacées podem aliviar a conscincia presp ram nada para aliviar a cultura de desconfiang neal ao Vietna e a Watergate, e alcang eta nio fizel rafzes remontam Monica Lewinsky e no subsequente pedido de impea Clinton. Ao declarar com grave veeméncia que nao de sexuais com a stta. Lewinsky, Clinton maculou para preen e ! curriculo, mergulhou a reptiblica em uma crise que ome ae fianca que restava em oliticos e condenou o siste aig norte-americano a uma polarizacao aparentemente inevitayels, Por séculos, e com certeza desde o Huminismo, houve uma supp. ja de que mesmo a democracia mais Sélida s si¢ao incontest. danos quando seus politicos tém o habito de mentir, Foi tos — a base para a participacao britanica no conflito — dosos”, “apimentados” ou, de resto, falsificados. Na politico pop-star de 1997 veio a ser considerado “Bliar” [trocadilho com seu nome; liar significa “1 forca corrosiva para a politica britanica,em vez do, Trabalhista. “Ha essa grande questao da confi trou em seu diario, em julho de 2003 — ‘QUEM SE INFORTA?™: A CHIGADA'BA IRA BA/Nés-vaRpAny iro a respeito de homossexuais, de refu wiados que espalhavam e da colaboragio entre comunistas ¢ anticomunistas®, Nao mais que nossos politicos eleitus falem a, verdade: isso, por to, foieliminado do perfil do cargo ou, no minimo, relegado de ignificativa da lista de atributos requeridos, o é bastante familiar em sociedades marcadas pelo totalita- ado ou pela autocracia no presente. Em se excelente ae Is Tr vervthing Is Possible a tespeito da Riissia contemporanea, Peter Pomerantsey descreve o cansago gerado por vai checar (por meio de amigos, da Reuters, de algo que nao seja a Ostankino [rede de teve pro-Putin, controlada pelo Estado]) se s8o realmente fascistas ssumindo © poder na Ucrania ou se ha criangas sendo crucifi- das, vecé descobre que ¢ tudo falso e que as mulheres que afirmaram ter visto isso so na realidade figurantes contratadas disfargadas de “testemunhas oculates". No entanto, mesmo quando vocé sabe que toda a justificativa para a guerra do pre- sidente € fabricada; mesmo quando vocé compreende que o motivo ¢ criar uma nova tecnologia politica para poupar o pre- sidente todo-poderoso e esquecer da derrocada da economia; mesmo quando vocé sabe e entende que essas mentiras sao Contadas muitas vezes na Ostankino — depois de um tempo voce se vé assentindo. Porque é dificil entrar na cabega a ke felt de que estéo mentindo tanto e de maneira tio audaciosa tempo todo. E, em certa medida, vocé acha que: Pode mentir tanto e se dar bem, isso nao significa © Poder real, o poder de definiro que é vi Entio, nao seria melhor vocé simph is as ros-viRDADE tirar até mesmo © cidadao alerta de seu jerdade, Maso que toma seu lugar? Na Russia de Pomerantsev, €@ resignagao cognitiva, uma reti- ma corrida aparentemente invencivel. O que importa nao é a rada de ie o racional, mas a convicgao arraigada. De acordo com Ale- Td Bia cientista politico e polemista (apelidado de 0 “Rasputin de Putin"): “a verdade é uma questao de crenca, I) Essa coisa de fatos nifo existe,” Sem diivida, nao por acaso Dugin sesnceea em influente entre a “direita alternativa” norte-americana — uma rede pauico coesa de nacionalistas, incluindo o escritério da Casa Branca de Stephen Bannon, estrategista-chefe de Trump, neonazistas e grupos de sobrevivencialistas®. Com Dugin, eles compartilham a crenga de que a verdade ¢ aquilo que vocé entende dela. ‘A mera exaustiio pode compromisso com av! Putin, deacordo com ~ No Ocidente, 6a conexao emocional — sempre parte da tomada de decisao politica — que ameaga eclipsar nossa insisténcia herdada verdade como principal critério em disputas politicas. Michael documentarista e ativista de esquerda norte-americano, foi umd cas analistas a prever 0 resultado da eleigao presidencial. Michael Moore in Trumpland, ele descreve os sentimentos riam os eleitores a apoiar o subqualificado candidato Eles perderam seus empregos, os bancos exec tecas, depois veio o divércio, a mulher e os filhc €0 carro foi retomado. Nao tiram férias ha ; a planos de sade de quinta categoria, em receber uma maldita oxicodona. “QUEM SE IMPORTA?": A CHECADA DA ERA DA POS-VERDADE captou foi que o eleitorado nao estava com disposigso de 4nimo para escutar sobre as qualificagdes de Hillary Clinton para 0 Salo Oval; ou, de modo oposto, prestar muita atengio aqueles que os advertiam sobre as mentiras,# intolerncia e © amadorismo de Trump. Eles queriam, enviar © maior “dane-se” da historia humana. Segundo Moore: "Eles iriam se sentir bem por um dia ou uma semana. Talvez um més.“® Trump nunca foi um candidato simpatico. As pesquisas de opiniao mostraram que os norte-americanos estavam perfeitamente conscien- tes de suas falhas de carater. No entanto, ‘Trump passou para eles uma empatia brutal, enraizada nao em estatisticas, empirismos ou informa- gdes meticulosamente adquiridas, mas em um talento desinibido para a fiiria, impaciéncia e atribuicdo de culpa. A afirmagSo de que ele era “franco” nao significava — como poderia ter significado no passado — “ele esta falando a verdade”. Em 2016, queria dizer: “Esse candi- dato é diferente, e talvez resolva minhas ansiedades e esperangas.”” A socidloga Arlie Russell Hochschild escreveu sobre a “historia profunda” que sustenta as atitudes politicas e © comportamento social: “Uma historia profunda é a hist6ria de sentir como se:éa narrativa dos sentimentos da historia na linguagem dos simbolos. Ela elimina ¢ gamento. Elimina os fatos. Conta para nés como as coisas esto.” Em suas viagens pelos campos pantanosos da Louisiana, recorrendo a muitas conversas, Hochschild desenterrou uma historia que, ndo ela, moldou a maneira pela qual aqueles com quem ¢la conversou enxergavam e entendiam a América moderna. Era fundamentada em ume metafora elaborada: “Vocé esta pacientemente longa fila que leva colina acima, como em uma pereg €ncontra situado no meio dessa fila, junto com também sao brancas, mais velhas, cristis € Sexo masculino, algumas com curso superior, colina] [...] esta o sonho americano, © obje a fila. [No entanto] [..] o sol esta POS-VERDADE sos onde voce mora, E entio: “Voc? psa fin 1 fila na sua frente!” No relato de Hochschild, 0s homens o ag mine a na ila sentem que seguiram as regres, tornaram 304 pals grange mesmo assim estio sendo prejudicados por mulheres, migra a cionsrios do setor piblico, refugiados e outros beneficisrog a dinheiro dos pagadores de impostos, que “escoa rapidaments ma Ha poucos empre: coador da compaixao liberal” A investigagao de Hochschild nao é uma apologia, mas uma para interpretacio. O prisma da “historia profunda” —nessecasy « histéria da direita norte-americana no sul do pais — éuma ferrament, inestimavel na anélise da era da p6s-verdade. Explica 0 papel desem. penhado pela narrativa — em contraste com dados desagrepados — na conduta poli s Esse papel nao é novo. Na maior parte da hist6ria humana, h rias tribais e mitologias compartilhadas fizeram mais para explicarg comportamento humano do que a avaliacdo fria da evidéncia verifies. coletivas competiram com a racionalidade, o pluralismo ea prioridade da verdade como base para a organizacao social. O que é novo é a extensao pela qual, no novo cenério de digitali- 2asa0 ¢ interconexao global, a emogao esta recuperando sua pri ©a verdade, batendo em retirada. As forcas que impulsionam retirada sao o assunto do préximo capitulo. Contud lo, 0 ressurgimen da narrativa emocional nas uiltimas décadas — vada —é¢ 0 corolério essencial. Se 0 século xx foi a era do totalitarismo e Tota, também foi a era da terapia e de sua: mund Freud reformulou a maneira pela —independente da moda académica — in nea popular uma série de ideias que se mo eae “QUEM SE IMPORTA?”: A CHEGADA DA ERA DA POS-VERDADE Na psicandlise, os argumentos ¢ 08 contra-argumentos ako avaliados no nivel patoldgico em referencia a neuroses pessoais, © Ao no legal, de acordo com nggdes tradicionais de verd: wens rativo € tratar 0 paciente com éxito, e ndo estabelecer fatos, Confinada ao consultério, a terapia, no inicio, foi uma questao inteiramente privada. No entanto, 0 paradigma da terapia se espalhou para muito além desse cenério clinico e assumiu um papel dominante na cultura e nos costumes contemporaneos. Muito antes de os “memes” se tornarem “virais”, a psicologia popular se alastrou pelo mundo e se alojou no ptiblico como um meio de tudo explicar, As formas que essa conquista assumiu vatiam desde insights esclarecedores sobre a maneira como vivemos até psicologismos bara- tos que desculpam tudo e nao explicam nada. Um exemplo da pri- meira categoria € a escola de economia comportamental, que lancou luzes sobre o papel dos impulsos Psicolégicos e sociais nas decisées economicas’’. Estreitamente relacionado a isso € 0 estudo da “inteli- gencia emocional” — popularizado pelo psicélogo Daniel Goleman — © 0 papel desempenhado pelas competéncias emocionais, tais como. empatia, autoconhecimento, autorregulacao em lideranca, nho no local de trabalho e relagées sociais®. Baseados nesses. Drew Westen e Daniel Pink investigaram, respectivamente, €mocao no comportamento politico e a crescente | hemisfério direito do cérebro — responsavel pela criati fividade e empatia —na era da automacao%. personagem de “Agora, o que es que Thomas Grad igrind, emanda sombria: além de Fatos. Apenas 0s da humanidade tergiversam nao sto melhor de Dickens, em sua di ges garotos nada Nao: 0 maior proposito ye moldar a propria realidade de alguém. reeber 0 quao egoista esse axiom pode se tomar. livro sobre os baby boomers, os Segunda Guerra Mundial e meados da década de 1960: “[Essa geracae €] relativamente indiferente a mentiras ou transgress6es que nao parecem fazer mal evidente a ninguém. Ela preza as boas intengoes ¢ se dispoe a tolerar muita coisa daqueles cujos “4 Bla embeleza seus registros militares, coracdes estéo no lugar certo. 5° Para essa coorte, a sinceridade curriculos e suas historias sexuais- emocional sempre foi a maior vyirtude — maior, em muitos,casos, do Tempos dificeis, quero sio Fatos. Ensine a es piveis na vida. Fatos sao dese} é fugir do literalism Nao 6 dificil pe wid Brooks assinala em seu Como Da’ nascidos entre o fim da que a dura busca da verdade objetiva preconizada pelos seus pais, Nao € que a honestidade esteja morta: 0 que os psicélogos minam “viés da verdade” permanece um componente a docarater humano. Contudo, agora € percebido como uma p entre muitas, endo necessariamente a maior. Compartilhar seus. aBEDIDS mais profundos, moldar seu drama de vida, falar com 0% ee essas buscas estao cada vez mais em disputa aberta co discutiveis valores tradicionais. Como Ralph Keyes, um dos prim panies a fazer uma adverténcia sobre os perigos da pé afirma: “{Muitos] adotaram uma postura terapéul cobra a responsabilidade de ninguém em relagao. a muito de qualquer coisa.”** ' __ Orisco é que uma proporcao cada vez me 80es seja banida para o ambito do se torne um ramo da psicologia en Entao, a questao é: como 0. ideal de ; {20 estiolado, a ponto de concorrer cionalismo contemporaneo? O que ae | | “voce Mio e CAPAZ DE LIDAR COM A VERDADE!”; AS ORIGENS DA ERA DA pis: -VERDADE O COLAPSO DA CONFIANGA “O povo deste pais ja esta farto dos especialistas” — a declaragio fol impressionante nao s6 pela audacia, mas por quem a proferiu. Michael Gove, entao secretario britinico da Justiga, era um dos membros mais intelectuais do gabinete de David Cameron, muito eloquente, culti~ vado ¢ erudito, De todos os principais defensores do Brexit, ele era a tiltima pessoa de quem alguém esperaria um ataque aos “especialis- tas”. Mas foi exatamente isso o que ele fez em um programa de per- Suntas e respostas sobre o referendo transmitido pelo canal Sky News, em 3 de junho de 2016, Meses apés o referendo, Gove disse a Andrew Marr, da anc, que as Noticias a respeito de seu comentario foram “injustas”, que era “mani- festamente absurdo” sugerir que todos os especialistas estayam errados “que: “[Ele se referira] a uma subcategoria de especialistas, sobretudo eal “conomistas, pesquisadores de opinido publica, cientistas sociais, que’ Precisam refletir sobre alguns erros que cometeram, da mesma forma Aue uM politico como eu refletiu sobre alguns erros que cometeu." 4n eae ane wacharociavernto expen MAP, Ja aabia = politica: dloscany (anny fundamental part 6 fontes teadiclonals de iavidiosae, mercorarian out até tonalinant@ so fol a Unica hierarqula ou Anatitulgie, ivonos ae ergueram no reference 4 éa base social da era da pom-verdad sto flui dessa fonte unica e deletéria in outras pala sdidas dependem de um grau relatiy mente alto de honestidade para preservar 4 ordem, defender a punir os poderosos e gerar proaperidade, Como Francis Fukuyanr observa em seu livro Confianga — as virtudes socials ea criagito da ridade, o capital social que se umula quando 08 cidaddios coopers rupuloso se converte em sucesso econdn fa dle wpreaentar nor ele penny AW Nodireito que estay 1e original de Gove fol wn fille de oatagy mente sagax, Explorou ut exit; uma erescente suspella de que vitéria do Bre autoridade ¢ informagio eran « ede Bruxelas ne fraudulentas. Aelit contra a qual os britanicos Esse colapso da confiar todo o re: todas as edades bem-suce de modo sincero e e: reduz os custos dos processos judiciais, da regulamentagho @ primento dos contratos*. Além da esfera comercial, a confianga é um mecanismo f mental de sobrevivéncia humana, a base da coexisténcia que qualquer relacionamento humano — de um ca’ sociedade complexa — funcione com algum grau de: década de 1990, Ted Goertzel, sociélogo da Universidade lizou uma pesquisa de opinido por telefone que ¢ inclinados a desconfiar dos outros também eral acreditar em teorias da conspiragdo?. Uma. acaba se tornando nao mais do que um al duos que tremem em suas paligadas. No entanto, nas Ultimas décadas, es: mundo embarcou, quando uma sé1 - conspirou para esgotar as reservas, financeira de 2008 levou a econ 86 foi evitado pelos ime fCAPAZDELIDARCOM A VERDADEI" AB ORIG Peo MNS DAWRA BA POS-VERDADH acto, proprios bancos responsdveis pelo desastrose colapso, O Occupy Wall Street foi apenas a manifestagao mais visivel de uma indignagio muito aa maior em relagdo ao fato de que algumas instituigées eram “grandes de demais para quebrar”, enquanto as pessoas comuns pagavam o Preco, _ G08 Publicos impostos a pelos governos cientes do déficit. A hostilidade a economia globalizada mudou das margens para o es centro do discurso politico, Tornou-se corriqueiro questionar ‘um sistema econdmico apresentado de inicio como fonte segura de cescente prospe- ridade e que, naquele momento, pareceu terrivelmente vulneravel aos caprichos de sua elite operacional e— talvez pior —ajustada para bene- a ficiar aquele mesmo grupinho, enquanto os padroes de vida estagnavam, a ou caiam para os restantes 99%, Em grande parte, os contra-argumentos: estatisticos em apoio a globalizacao agravaram a indignacdo. Os ntime- e ros apresentados em defesa do sistema nao pareciam corretos', Na Gra-Bretanha, em 2009, na sequéncia da crise financeira, veio. a humilhacao da classe politica por conta do escandalo das despesas. parlamentares. Em uma série de artigos notaveis, 0 Daily Telegraph expos as praticas questionaveis que permitiram que os membros do. Parlamento suplementassem seu salario oficial, cobrando tudo do pagador de impostos, incluindo limpeza de fossa, casa para patos de £1,6 mil, tampa para banheira e filmes pornograticos. . Havia muito tempo, os politicos eram objeto de suspeita. No Enquanto isso, conatruxoscs de Jimmy © ja emissora, ficou clarissimo, 0 fale- de uma cultura de foi pbeneficidrio ames Q. Wilson, em seu livro clas- ja “atengao seletiva”. Por exem- tigacdes que nao dao em nada, das pelo pessoal da BBC, a ndrios nao as relatou- Paradoxalmente, 0 acesso de seguranga maxima de Broadmoor ea. isto como evidéncia de seu impulso. ente horripilante. Sem diivida, “pior crise” cido aprese™! negligenda insti sico Bureaucracy, plo: fechar os olhos, dar of the Pops tucional: aquilo que J chama deo problema di de ombros, inves gristias senti tador de Top te das an, Independentemen' maioria dos funciot Savile ao hospital psiquiatrico de escola feminina de Duncroft era V! beneficente, em vez de algo verdadeiram Savile era protegido pelo estrelato e por sua notéria propensao a amea: car instaurar processos judiciais. Contudo, ele também dependew da indiferenca dos outros. De todo modo, mais uma vez, aos olh publico, uma grande instituicao se revelou deficiente. Para o jornalismo impresso, a controvérsia sobre grampos' nicos ilegais foi um desastre: forcou 0 fechamento do tabloi the World, o pedido de demissao de seu editor, Andy Co i como = rentincia posterior como porta-voz an entao pri tro David Cameron e a ampla investigacao occa an entre 2011 e 2012, sobre a conduta da imprensa. | alle deste Avan) orcenie regulatério ao qual as p' sb ie ainda nao esta resolvido. No i ee em jogo do que regras picasa ae se sujeitara. a EM 2003, a rev c listas, Jayson ae % BROATAT DN LIDARCOM-A'VARDADHI': AR OMIGHNE DAARAISAPORVEND ID avaliagao editorial. O desastre representou uma ameaga mortal — eyj. jada por pouco — a uma das grandes instituigdes da vida evi, norte-americana. Sem chivida, nio é por acaso que o presiclente ‘Trump pwitta rotineiramente que o New York Times esté “falhandlo”: ele sabe em quais organizacdes miditicas mirar — as “marcas com auréola” —¢ Hale procurardo verdadeiramente cobrar responsabilidade dele. Ape- sar de toda a conversa a respeito dos jornais impressos, porém, foi o Washington Post que forgou Trump a demitir Michael lynn, seu conse- Jheiro de Seguranga Nacional, apés apenas 24 dias da posse, Da mesma forma, 0 trauma do escandalo britanico relative aos grampos telefnicos — em combinagao com as dificuldades financei- ras da midia impressa na era digital — colocou em perigo a confianga do publico no préprio jornalismo, que é necessaria mais do que nunca, A tarefa do populismo é simplificar a todo custo, comprimir fatos inconvenientes em uma forma preordenada ou exclui-los totalmente. Ojornalismo tem como tarefas reyelar a complexidade, a nuanga e 0 paradoxo da vida publica, desmascarar a transgressao e — 0 mais importante de tudo — regar as raizes da democracia com um forneci- mento constante de noticias confiaveis. Exatamente quando a con- fianga na midia é mais requerida, ela, de acordo com pesquisas de opinido mundiais, caiu ao menor numero de todos os tempos*. Vivemos em uma era de fragilidade institucional. As instituigdes dasociedade agem como anteparos. Sao os Orgaos que encamam seus valores e suas continuidades. Langar luzes sobre seus fracassos, sua decadéncia e seu colapso absoluto ¢ intrinsecamente perturbador. Mas isso nao é tudo. A pos-verdade floresceu nesse contexto, quando os frrewalls e os anticorpos (misturando metaforas) se enfraqueceram, lo 0s supostos fiadores da honestidade vacilam, 0 mesmo acon- ‘ece com a verdade. O filésofo A. C. Grayling talvez tenha razao a0 ‘dentificara crise financeira como o momento germinal que levou, em ‘Westao de anos, a era da p6s-verdade. “O mundo mudou depois de 7008", ele disse a pnc, em janeiro de 2017 —eassim foi o a porummmer” om 1 verdade, também p wainformagio, da pr 33.) y primavia d ja da de ones ys altimos ances, Dy ganda enganosa e ro nome para forma que posvendade nio ¢ sees de lobby © a8 rela essa inchistria nao tem nadaa ver com as ag ’ porativas 8 s, ins .s beneficentes, > i _ gnstituicdes beneficentes, i as, Empresas, : ativas legitima: 5 - fazem campanhas ¢ figuras PU direito de buscar blicas tem todo © no labirinto governamental emididtico, ociada & form Seo soci fracesso institucional ¢ - ee jsteia mUlsDE buiu a indvisteia Y an 3 So sentagao profissional parte da luta de foice publicidade, e nio ¢ uma amea Bem diferente, porém, é nulagio de politicas, ca a estrutura civica saudavel, ‘a difusdo sistematica de organizagdes de fachada que atuam a favor de grupos de int desejam suprimir a informagao precisa ou impedir que o' ajam contra eles’, Como o jornalista investigativo Ari R afirma: “Essas mentiras sao parte de um ataque coordena gico, planejado para esconder a verdade, confundir controvérsia onde nenhuma antes existia,”* a Esse ataque tem suas raizes distantes no inicio das ati 1954, da Tobacco Industry Research Committee [Con gagio da Industria do Tabaco], organismo patrocit industria, criado em resposta 4 crescente ansiedade iccmnascgune a ae icativa folia sutileza d Beeston atalha imediatamente, existéncia de um consenso cientifico, Foi pro * piiblico e estabelecer uma falsa : de _heaamgaa ‘uma ligacao entre €S que os desafiaram, ‘masa confusio Rnciin pe sRRS252 “voctiwko f CAPAZ DELIDAR COMA VERDADEI”: AS ORIGENEDA/BRADA POS-VaKbaDE Isso proporcionou aos negadores da mudanga climdtica um modelo para suas proprias campanhas, Mare Morano, eX-assessor epublicano que dirige o site ClimateDepot.com, fez esta afirmagao; “(CQ engarrafamento de transito é] 6 maior amigo do cético do aqueci- mento global, porque isso é tudo o que realmente se quer. [...] Somos a forga negativa. Estamos apenas tentando Parar coisas.” Prenunciando oataque de Gove aos “especialistas”, Morano admitiu que ser um leigo orientado ideologicamente é muitas yezes uma vantagem diante de um académico: “A maioria dos cientistas que enfrentamos vai ficar em seu proprio mundo especializado ou area de expertise [...] muito hermético, muito dificil de entender, dificil de explicar e muito chato.”? Conchui-se dai que 0 truque é propiciar entretenimento disruptivo como distracao da ciéncia laboriosa. A midia, sobretudo os canais de noticias que ficam 24 horas no ar, esta constantemente sedenta por confronta¢ao, o que, muitas vezes, cria a ilusdo de uma luta entre posi- s6es igualmente legitimas, o que Kingsley Amis denominou “neutra- lidade perniciosa”’”. Sem diivida, uma disputa desse tipo era 0 objetivo daqueles por tris do “Climategate”: a divulgaco, em 2009, de milha- tes de e-mails e arquivos hackeados de um servidor da Unidade de Pesquisas Climaticas da University of East Anglia (vEA). A geniali- dade daqueles que divulgaram o contetido foi selecionar frases e paré- grafos que pareciam, coletivamente, sugerir um acobertamento académico e um hiato humilhante entre o que os cientistas diziam em Publico eo que eles diziam uns aos outros em particular. — adequad? para rastrear fa ava desmentindo suas popserva eraaauséncia de “um sister de obi do eee : mnennuirn eNO cHyal, mas sim lamentandel conclusdes cientificas soPre° aquecimento ea precisavann". conclusdes 5 es equeciee » Estadual da Pensilya. a falta de infmestratura iver ae eon pec ate Relatorio apos rela nidor¢ Me ot nia, de uma comiss20 parliament _ na sigla em ingles), de sites oes € de nvestigagao independente ad iu que OS arquivos nao mina. to de mudanga climatica, nem con~ dade académica dos cientistas envolvidos. No entanto, 0 trabalho dos negadores ja estava feta) De acordo com um levantamento da Universidade Yale, 0 apoio do publico ay ciéncia do aquecimento global caiu de 71% para 57% entre 2008 e 2010, Uma pesquisa de opiniao britanica mais recente, publicada em 2019, sugeriu que 64% dos adultos britanicos acreditam que o clima e mudando, “principalmente devido a atividade humana”. Esse n parece indicar uma maioria razoavel. Contudo, considere 0s ri ‘onze anos depois da publicacao pelo governo britanico do Stern sobre os efeitos da mudanca climatica na economia, e no' depois que a Climate Change Act {Lei da Mudanga Climati formou em lei as metas de reducao de emissées, 0 public esta convencido totalmente de que a propria sobrevivéncia | nidade se encontra em risco. Antes de sua eleicao, Trump twittou: “O conceito de ea tn ps ar is a orte-americano nao competitivo, le que ose cosesdasticns coca a obieti 0: S— manter o status quo —nunca encarou eats Ps compartilhado pelos. na Ge satide nos Estados Unidos, evidencias pode ser solapada mudanga limatica]”. de checagem de in! contratada pela propria U' ‘ jentifico a TesPe™ rastrear [a indo suas nentando| Pensilva- nistragao de sites endente io mina. em con: acordo blico a ©2010, n 2017, 1a esta imero riscos: atorio > anos trans~ a nao ann ORNS DA MA Da wy ‘Ooi DAD priors f re se a a ‘ : Neletuoidg “Obamacare*, foio vio das “com que aleangou esse objetive, f P ooo, em una postagem 0 Facebook, Sarah Palin excqveied si alasa, disse que S€ a8 Propostas ele Obama para gt pions ie Je preco acessivel fossem postas em pratic Sr upos de avaliay = constituidos por burocratas decidiriam se pacientes idosos gu ane com doengas crénicas seriam “merecedores de assisténeia médica”, Bra uma distorcdo grotesca do projeto de lei, qu oferecia orienta: <2ovoluntiria aos pacientes do Medicare em relacio a testamentos em vide, atenclimentos ee casos terminals e cuidados paliativos. Nio exis. tiam planos para “comissdes da morte”, nem nunca existiram, Con: tudo, 4 expressdo teve intensa tepercussio emocional e ideolégica entre aqueles predispostos a desconfiar da reforma do sistema de satide e interpreté-la como uma medida nada norte-americana ¢ pro- tossocialista. Uma semana apés a postagem de Palin, quase 90% dos ibiam de sua adverténcia e trés em dez disseram que acreditavam nela. De novo, a mentira prevaleceu. Ainda que a norte-americano’ legislacao final omitisse a cléusula de orientagao, que fora excessiva- mente deturpada, a quantidade de norte-americanos apreensivos em relagio as “comissdes da morte” havia crescido em agosto de 2012", Essas campanhas de desinformagao prepararam o terreno para a era da pés-verdade. Invariavelmente, seu propésito ¢ semear divida, em vez de triunfar de imediato no tribunal da opiniao publica (em geral, um objetivo impraticavel). Como as instituigdes que tradicional- mente atuam como arbitros sociais — juizes no gramado, por assim dizer — foram sendo cada vez mais desacreditadas, os grupos de pres S20 bem financiados estimularam o publico a questionar a existéncia da Verdade conclusivamente confidvel. Assim sendo, a pratica normal 0 debate antagénico é a metamorfose em um relativismo permicioso, Em que a cagada epistemol6gica nao s6 € melhor do que a captura, 4s é tudo o que importa. A questao é manter a discussao em anda- “mento, para assegurar que nunca cheguem a uma conclusd0. 49 BEM-VINDO AO BAZAR DIGITAL a metamorfose ” 1. Na primeira iu co a0 digital de banda larga de alta parato e mais rapido de impacto cultural, compor- ‘A ascensao dessa industria traigoei@ coinci maciga da paisagem midiatica € coma revolug! década do século, a disponibilidade ao alcance velocidade transformou a internet do meio mais publicacao j4 inventado em algo que teria um é i i fundo. tamental e filoséfico muito mais Pro = O que ficou conhecido como “Web 2.0" nao era apenas um feng- meno tecnolégico: substituiu as hierarquias pela oe par par, as deferéncias pelas colaborag6es, 0S encontros agendados pelos flash mobs, a informagao de propriedade particular pelo software, cédigo aberto eo consumo passive de midia eletrénica pelo e gerado pelo usuario. Prometeu democratizagao numa escala s precedentes”. E, sob varios aspectos, voga da revolucao digital ignora os beneficios espantosos trouxe a humanidade em questao de anos. Ja é diffcil ima mundo sem smartphones, Google, Facebook ou YouTube, cumpriu a promessa. A depreciac humanitédria, instituicdes beneficentes ou a economia de pojadas dessas ferramentas. O tecido conjuntivo da we maiores feitos da historia da inovagéo humana. A tinica notavel do que o impacto dessa tecnologia é a chegamos a admitir isso como natural. f No entanto, como todas as inovagGes tra espelho da humanidade. Junto com seus APAZ DELIDAR COMA VIERDADEI”: Ap, graoiicar ORIGENS DA ERA DA Fés-v1 vot rERDADE, 7 informagdes sobre seus bilhSes de atores; 0 assim. chamado “} Enire eles, Google, a Microsoft, a Apple, o Facebook e a Aes orfose t os "Cinco jrandes” — superam por ampla margem todos ‘0s bancos. reira gedados, sistemas de arquivos e bibliotecas que existiram na historia ee humana. Em cada interagao, Postagem, compra ou busca, 08 usu ido de revelam algo mais a respeito de si mesmos; informagao ‘que'se tornow. mpor commodity mais valiosa do mundo, Também se foi o tempo em que agregar dados era uma tarefa’ foray humana fatigante. Softwares como Hadoop e MapReduce da Google, pars i plataformas de programagao de cédigo aberto, s4o capazes de digerir pelos quantidades extraordinarias de dados para qualquer propésito imagi- re de navel. Muitos deles serao benignos: por exemplo, a identificagao pre- erido coce de epicdemias com base em padroes de busca. Contudo, o possivel sem uso de big data para manipular mercados financeiros e processos poli- ticos s6 agora esté ficando claro. Como sir Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web, advertiu em sua carta para marcar 0 28° ano de sua criacdo: © atual modelo de negécios de diversos sites oferece contetido: gratuito em troca dos dados pessoais. Muitos de nds concorda- ‘mos com isso — embora muitas vezes aceitando documentos com termos e condi¢des longos e confusos —, mas, basicamente, n3o nos importamos que algumas | 5es seja d em troca de servigos gratuitos. No entanto, ndo estamos nos _ dando conta de um truque. Quando nossos. os A linguagem era sébria- risco de se tornar — pode 4 ¢olidindo contra a privacidade, financeira. Rssa tecnolog' m motor muito importante, pri de. Nos primeiros anos da Web timista que @ internet facilitanis oc muitos suptseta : jismo sustentavel. Na pratica, ano rnho para a cooperagio ¢ 0 plurals ato on-line e um refligio em céma tecnologia por ° ae anne vin'sendiscertee ra 2 Ge esjetrde 2017: "NOs nos tornamos . wien bolhas que comegamos a aceitar apenas informa¢ i, a nao, que correspondem as nossas opinises, oe vez as sas opinides nas evidéncias que estao por al. : Apesar de suas ma Ihas, a web tende a amplificar o estridente e dispensar a comp Para muitos — talvez a maioria — estimula 0 viés de nao a busca pela divulgagao acurada. Em seu livro sobre a verdade, o fildsofo Bernard Wil terizou a internet deste modo: ia também foi dial e indispensivel da pos-verdas [Ela] apoia aquele esteio de todos os vilarejos: trdi lugares de encontro que crescem com tapi livre e desorganizada de mensagens que se cé uma variedade de afirmagées fantasiosas, sus Supersticiosas, escandalosas ou maléficas. As muitas desses mensagens sejam verdadei babilidade de queo Préprio sistema distinguir as verdadeiras so até mais Comoveremos em um ; | a crescente ¢ TS Sos ae ra 1 i jwAe FCAHAR DE LODATEOOM A) yor om outros aapecton, a (eenologia digital instintos jd existenten, Um desseg yea, ou soja, NORKO Impulao de: r afins. AW certo Ponto, ene Impulse gemp) mididticn: no Reino Unido, os Jeltores de o tempo gravitam em torno do Daily Telegn liberal preferem o Guardian, No enitante, os considerados como provedores confldvels ¢ Como C. P, Scott, editor d Guardian de 1872.0 1929, declarou de forma: rios sao livres, mas 08 fatos sho sagrados,” Ainda amplamente respeitada como pri imprensa de qualidade, a distingio de Scott se onine, A midia social e os mecanismos de busea,¢ ehashtags, tendem a nos dirigir para 0 ¢o d pessoas que concordam ¢onoseo, M como “trolls” aqueles que se atrevem a diet que as opinides tendem a ser reforgadas, ¢ a: Definhamos no assim chamado “filtro bolha’ De fato, nunca houye um modo mais t *spalhar uma mentira do que posté-la Sos criaram muitas das técnicas da mai temporinea, pondo em circulagao mates ™as também via vazamentos cui Para se assemelhar a obra de cyb erpunl ™Pacto do hacking russo na eleigio ainda era objeto de investigagao, No Sobre sua extensio, Sea politica éa Score em relagio a informagio.’? informagdes pre e para as JAS FALSAS também vende. Aqueles @ quem Tim Wu, A pés-verdade ove denominet Universidade Colimbia, tem pelo nosso tempo € © valor, Fazem quase tudo par ‘i iam James tinha raza 30." s a seTen aquferidos da linha de de embustes caga-cliques — afirmagoes médicas NA0/GEIES visdes imagindrias de discos voadores ou de. timulos 2 publicagao sao (ate agora) marginais ea fa Para aqueles que est&o na midia ente a responsabilizagao. Aag embuste para o ciberes oa eS Be conta de que Will que eu resolvo prestar afent P ie gibi dora. meia envie a efervescéncia do seu trabalho, Nunca o antigo adégio de que a mentira répido do que a verdade pareceu tao atual. Como Eric S. Raymond previu de forma dando lugar ao bazar." Os sistemas hierarquicos de: marcas estabelecidas — jomais, canais de tevé — so adequadas para consumo, se esforgam: Speakers’ Comer* csmico da nova midia. E um) cas da grande midia: Bc, CNN, The Times (e's York), Guardian, Financial Times e The Econ algumas — permanecem fundamentais para ae predominantes. Mas também é ve

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