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6.1 Introducado Este capitulo apresenta uma discussio, sempre atual, sobre a relago dos individuos ‘com a sociedade. Compreendida a partir de uma visio dicot6mica, que separou o indi ‘vido da sociedade, essa fo teve reflexos nas varias éreas do conhecimento~so- ‘ologia, medicina, economia, psicologia e outras ~ ¢ na vida cotidiana, em que muitos quivoces foram produzidos, Os acontecimentos sociais foram pensados descolados de cada um dos individuos e estes (os sujeitos) como constituidos de forma independente das sociedades is quais pertencem. O objetivo deste capitulo é demonstrar como essa cotomia & falsa, como “nenhum dos d sem 0 outro” ¢ as miitiplas possibi- klades de articulagio entre ambos os polos; pretende abordar as transformagaes desses Eonceitos, que se metamorfoseiam para dar conta de um modo de compreender © smano como singulatidade no coletivo € como produtor da historia, da cultura, dos fontecimentos. Ou seja, poder pensar em uma sociedade composta de individuos/ ularidades © a pessoa como um eu constituido de um nés,a partir das relagdes que estabelecem para a convivéncia e a produio coletiva da vida. .2 Individuo e sociedade — uma dicotomia a ser superada Na vida social de hoje, somos incestantemente conffontados pela questio le se © como é possivel criar uma ordem social que permita uma melhor « PATE 2- TEAS TRRNSERSAS harmonizacio entre as necessidades e inclinagSes pessonis dos individuos, de um hado,¢, de outro, as exigenciasfeitas a cada individuo pelo trabalho coope- rativo de muitos, pela manutengio e eficigncia do todo social! Norbert Elias excreveu isso em 1939,* ¢ aponta que os dois aspectos ~ satisfacio pessoal ¢ eficiéncia social ~sio interdependentes. $6 possivel uma vida coletiva livre de tensSes ¢ contltos se os sujeitos que fizerem parte dela tiverem satisfacio suficiente, 86 € possivel essa satisfigio de cada um dos membros da coletividade se esta for livre de perturbagdes e contfltos. £ ainda Norbert Elias que nos ajuda a continuar: [A relagio de pluralidade de pessoas com a pessoa singular a que chamamos “individuo”, bem como da pessoa singular com a pluralidade (que chamamos de “sociedade"), no é nada clara em nossos dias (0 aucor se refere 20 ano de 1987] [.-] dispomos dos conhecidos conceitos de individuo e sociedade, 0 primiro dos quais se refere ao ser humano singular como se fora uma entida~ de existindo em completo iolamento, enquanto o segundo (sociedade)[..] & centendido, quer como mers acumulagio, coletinea, somat6rio desestruturado «de muitas pessoas individuais, quer como objeto que existe para além dos in- dividuos e nfo é passivel de maior explicacio [..J nese timo caso [..] 0 ser hhumano, rtulado de individuo, ¢ a pluraidade de pessoas, concebida como sociedade, parecem ser duas entidades ontologicamente diferentes. 6.3 Adicotomia A visio dicotémica que separou os sujeitos (s6cios) e a sociedade foi produzida no pensamento moderno que acompanhon a instalagio ¢ o desenvolvimento do capitalis- ‘mo no mundo ocidental. Sio varios os aspectos que podem ser trazidos para a anilise para que se possa compreender melhor a relagio individuo-sociedade que se estabele- eu como pensamento hegemdnico. (© capitalismo, diferente do modo de produgio feudal, libertou os humanos das formas de escravictio € de servidio, compreendendo os homens como seres livres © auténomos. © eapitalismo precisava dessas ideias, pois a burguesia precisava conquistar ‘© poder politico (o econémico ela jf havia conquistado quando surgi: como clase), ¢ ELIAS, Norbert, A sviedade dos indus. Sto Paulo: Companhia das Letra, 1994. p17. © primeino capiculo do lito A sovedae dos indodues, Os demais capeilos foram escrtos, respec tivamente, nos anos de 1940-1950 e 1987, ELIAS, 1994, p.7. 2008.47. OsveT0 A COLEOADE o para isso precisava romper com as ideias e valores que estavam instalados na sociedade © que legitimavam © modo de produsao ¢ as relagdes dominantes. Era preciso deixar de acreditar na hietarquia social cristalizada para acreditar na possbilidade de ascensio mudangas sociais;era preciso criar 0 individuo para ser o consumidor das mercadorias, produzidas, incluindo a liberdade de escolha em um mundo que passwva a produzir uma diversidade de produtos que deveriam encontrar diferentes pessoas interessadas; cra pre= ciso comprar a mio de obra trabalhadora sem que se necessitasse sustenti- permanen- temente, Assim, aqueles conjuntos de sujeitos que formavam a classe dos servos ou dos nobres foram “esfacelados” para surgir o individuo. E, também, 0 capitalismo precisava da “permissio” social para explorar a natureza de forma a enriquecer suas possibilidades, de producio infindivel de mercadorias, Era necessirio separar o humano da natureza. A nova ordem social exigia novas ideias e concepedes para legitimé-la. A ciéncia ‘moderna surge atendendo a esas necessidades. Afiema 0 sujeito como sujeito do co- ‘shecimento e individuo livre e racional ¢ afirma, a0 mesmo tempo, [.-] © objeto de conhecimento como sendo a natureza independente do ho~ ‘meme submetida ds suas proprias leis, Afrma-se,entio,sjeito e objeto camo independentes € exteriores um 20 outro, © sujeito € capaz de conhecer & twansformar natureza por suas proprias caracteristicas © posbilidades (uso da razio soberana ¢ dos érgios dos sentidos). E 0 objeto é passivel de co- ‘ahecimento, porque tem qualidaces que podem ser apreendidas e obedece a determinagSes naturais:! Assim, 08 sujeitos se separaram do mundo dos objetos. Sujeitos so 0s que conhe- cem e objetos aqueles que sio conhecidos. © conhecimento cientifico (inclusive 0 da Psicologia, que precisou enffentar 0 fato de ter seu objeto como o proprio sujeito) vai seguir sendo construido sem avangar em uma compreensio da relagio entre o sujeito © 0 mundo dos objetos. Hi uma naturalizacdo desses polos: sujeito que se constitu in= dependentemente de sua agio transformadora que cria 0 mundo dos objetos e objeto {que se constitui sem que se faga referéncia & forca humana que esti depositada nele, A dicotomia, como referido na introducio, vai se refletir na construgio de campos da ciéncia que cuidam e estudam, em separado, esses dois polos. A Sociedade e seus s6cios (individuos) vao aparecer como aspectos que convivem se relacionam, mas no como Ambitos de um mesmo proceso: o da agio transformadora + GONGALVES, M.G.M. BOCK, A. M.B.Individuo-sociedade: uma relaglo importance na psi- cologia social. In: BOCK, A. M. B.A perpecin sio-kstrics na fomasda em pcloia, Petropolis: Vozes, 2003. 47. FARTE2 TEMAS RASHES do sujeito sobre 0 mundo na busca de sua sobrevivéncia e do coletivo, em que o mund material € produzido e, a0 produzir essa transformagio, o humano produz-se a proprio. Nas tentativas de compreensio dos individuos e da sociedade, vio sungir visdes ora penderio para um lado da balanca (0 individuo) da dicotomia, ora para o outs lado (a sociedade). As sociedades serio pensadas como se sempre tivessem estado Ii; sujeitos serio pensados como naturais, tendo na biologia ou mesmo em suas consti «es psiquicas as forgas para sua cxisténcia. A redugio das andlises (tanto da sociedad quanto dos individuos) a elas préprias, buscando as explicagdes para sua existéncia em suas préprias forgas ou caracteristicas (tidas, portanto, como naturais) 6 6 que denom amos, na anilise critica, de naturalizario. Sko, na verdade, absolutizagées, na medida que a explicacio dos fendmenos esti neles mesmos ou em outro aspecto tomado come tinica explicagio. HA teorizagdes que, com base dicotémica, naturalizam o individuo & © psicolégico ¢ outras que naturalizam o social Em uma concepcio da sociedade oposta,as ages individuais fo 0 centro de qual quer fenémeno, ou seja, todos eles sio explicados pela criagio e planejamento humang contudo, é impossivel compreender a sociedade da qual fazemos parte como algo q cada um (¢ todos juntos) planeja. Elias defende que a sociedade “[...] s6 existe ponqugl existe um grande niimero de pessoas, sé continua a funcionar porque muitas pesso: isoladamente, querem e fazem certas coisas, € no entanto sua estrutura ¢ suas grandes transformagGes hist6ricas independem, claramente, das intenges de qualquer pessoa particular”.° A comparacio, feta pelo préprio Norbert Elia, é esclarecedora, quando aque cada uma das notas de uma misica nfo é a misica pois nfo a revela, mas quanda {juntas consticuem o que chamamos ¢ reconhecemos como miisica, Em uma concepeio de individuo oposta, as relagdes vividas em sociedade, o trab Iho coletivo, os objetos que circulam nessas relagdes, desde a inguagem, sio fundamen tais para se compreender os humanos da forma como se apresentam. © humano é unt; ser ativo que transforma 0 mundo material e natural de acordo com suas necessidaces faz isso com os outros humanos (é um ser social). nessa trajetéria que a sociedade ¢ @ individuo que conhecemos séo constituidos e permanentemente reconstituidos. O nés (0 coletivo) se constitui no sujeito (singularidade) por meio das RELAGO (de complementaridade, oposicéo, conflito). © foco nas relagdes surge, para autores 5 BLIAS, 1994, p13. osteo AcounoasE ctiticos, como um novo modelo capaz de contribuir para a superacio da dicotomia. A relagio entre individuo € coletivo deve ser tomada como eixo das reflexdes,¢ 0 indivi- duo e a sociedade como Ambitos distintos do mesmo processo. [186 € possivel alcangi-lo [a superagio da oposigio] quando se ultrapassa a mera ertica negativa 8 utiizag3o de ambos como opostos ¢ se estabelece um novo modelo da mancita como, para o bem ou para o mal, os seres humanos individuais ligam-se uns aos outros numa pluralidade, isto &, numa sociedade [4] fso se expressa no conceito fundamental da balanga nés-eu, © qual indica que a relaglo da identidade-eu com a identidade-nés do individuo nio se estabelece de uma vez por todas. mas est sueita a transformagées muito espe- cificas. Em tribos peguenas e relavamente simples, essa relagio & diferente da cobservada nos Estados industralzados contemporineose diferente, na paz,da que se observa nas guerras contemporaneas. Esse conceito (n6s-eu) faz com que se abram 4 discussio ¢ 4 investigacio algumnas questBes da relaglo entre individuo fe sociedade que permaneceriam inacessiveis se continussemos a conceber a pessoa, e portanto a nés mesmos, como uum eu desttuido de um nds." © humano cria o mundo 3 sua semelhanga. Olhe em volta e veri como tudo que ali se encontra possui humanidade, Agora olhe uma pessoa e veja como ela possuii como, areas de identidade aspectos do coletivo e da cultura. Si0 Ambitos que nio se confun= dem, pois nio sio a mesina coisa. Quando filamos de sociedade e quando falamos de individuos, sabemos que nos referimos a objetos distintos. A questio esti em entender a constituigio desses objetos como realizada em um mesmo processo marcado pela relagio entre eles. Leontiey afirma em seu texto O homem e a cultura que as aptiddes humanas no sio transmitidas por hereditariedade biolégica, mas sio adquiridas na vida coletiva em que se inserem as aprendem por um proceso de apropriagio da cultura... cada individu aprende a ser um homem. O que a natureza Ihe di quando nasce nao Ihe basta para viver ‘em sociedade. E-Ihe ainda preciso adquirir 0 que foi alcangado no decurso do desenvolvi- mento histérico da sociedade humana” E, além de adquirir a heranga social da humani- dade, os humanos continuam a produzir 0 mundo cultural e social onde estio. As eriangas que nascem encontram sempre um mundo novo e deixario sempre um mundo transfor= mado. sociedade estari sempre, como os humanos,em permanente modificagio, ¢ esas transformagies se dio e se dario pela relagio que existe entre individuo e coletividade/ sociedade. Somos scios no empreendimento de transformar o mundo € a nés mesmos. © BLIAS, 1994, LEONTIEY,A. 0 desenviniment do psiquiono Sio Paulo: Centauro, 2004. p. 285, e 10 | nme seusmsexas 6.4 Asingularidade do sujeito Na sociedade, hii uma ondem invisivel: nas grandes cidades ninguém se conhece « ‘todos caminham apressados, em uma liberdade de movimento (ir ¢ vir), com seus pen— samentos e intencdes, mas hd uma ordem oculta, Ou seja, cada pessoa vista em sua sin gularidade tem ma histéria, tem uma fungio e nio é possivel abdicar disso ~ 0 médico. nfo ¢ carpinteiro o professor nio é policial -,e para cada fancio ha certos padres de comportamento esperados que sio diferentes daqueles de uma comunidade indigena, por exemplo. A ordem invisivel da sociedade dé a cada um dos individuos, dependendo de sua rigem social certa gama de alternatives (mais ou menos rests) para sua condita ‘Ao mascer, cada individuo traz sua constituigio peculiar e jé 0 aguarda um lugar social (na rede de relagdes socias); é diferente ser menino ou menina na China, ser @ filho mais velho ou cacula,nascer em tuma familia rica ou pobre, de pais heterossexusis ‘ou homossexuais. E, dependendo das condigdes/caracteristicas desse grupo social (¢ dos dlemais que se seguirio em sua historia pessoal) alguma(s) das indimetas possibilidades de se constituir como jovem ¢ adulto X ouY irdo se definindo: sera operirio ou diplo ‘mata, seri agtieultor/camponés ou administrador de uma empresa agroindustrial. Para ir se apropriando do mundo do qual o recém-nascido jé faz parte,a LINGUAGEM é instrumento privilegiado. E em seu primeiro grupo de pertencimento (a familia ou seat substitute) que 0 bebé e depois a crianga iri se deparar com as normas sociais e costu: mes, iso ocorre por meio da linguagem. A crianga “entra em um filme que jé coms cou”, Por iso, também, que é possivel campreender que uma crianga do século XIX diferente de uma crianga do século XI, Um exemplo: li no existia 0 computador, agora hi programas para “brincar” no computador para criangas de 2 € 3 anos de idadey Assim, fala-se aqui de um sujeito que esti constituido em uma sociedade, que vive relagdes determinadas ¢ que possui uma cultura também especifica. Mas essa insereag nio anula a singularidade do sujeito, ao contririo, a afirma. “No individuo est sinte tizada a particularidade (as mediages sociais) ¢ a universalidade (a generacidade) qual foi possivel ao individuo apropriar-se’"* A singularidade do sujeito € exatamente a su apropriagio do que é caracteristica do seu tempo e lugar, mas que esti posto como singular, proprio e configurado em um individuo especifico. TOLIVEIRA, M. Ks REGO,T. C, Vigoss © as complexas relagdes entre cogniglo ¢ afeto. ARANTES.V.A. (org) Afeiidade ns exola: alternativas tedricas e privicas, Sie Paulo: Summ 2003. p.50, SLID EACOLETMDNDE n Individuo € sociedade aparecem como Ambitos de um mesmo processo, como jé afirmado.“[..] 0 sujeito € uma unidade mélipla, que se realiza na relacio eu-outro, sen= do constituido e constituinte do proceso sécio-hist6rico e a subjetividade & a interface esse processo.”* Afirmamos com Charlot que “todos nés somos 100% singular € 100% social e © interessante é que o total mio € 200%. O total ainda € 100%".!" As formas sociais estio nos sujeitos, constituem-nos e Ihes possiblitam a existéncia. A sociedade nio & uma contraposicio do individuo, mas a posibilidade de sua existéncia, tanto fsica quanto psicologica. Nao hi um sujeito a priori, pois ele se constitui e encarna as formas sociais de existéncia, Gonzilez Rey nos diz; “As dimens6es da subjetividade social aparecem dde forma implicitae diferenciada nas expressdes do sujeito e nos sentidos subjetivos que ‘configuram sua subjetividade individual”. 6.5 Comunidade ou sociedade Neste inicio de século, constatamos — novamente — a emergéncia de pequenos ‘grupos, que buscam instituir um estilo de vida ¢ organizagio das relagSes, pautados pela proximidade, pelastrocas¢, principalmente, pelo compartilhamento de ideias ¢ crengas ‘comuns. Um exemplo € a comunidade do Daime. Ao mesmo tempo, os jovens que se ‘conectam virtualmente com virios pontos do planeta a partir de determinado interesse (Geguidores de um artista) também se nomeiam comunidade. E, também, quando as forgas de seguranca ingressam em um territério da cidade para tentar erradicar a crimi- nalidade (policia pacificadora no Rio de Jancito, policia comunitiria em $30 Paulo ou «m Salvador) afirmam que estio enteando ma comunidade e seus moradores também se referem ao seu territério de convivéncia como tal. ‘Sio situagdes bastante diferentes as quais o termo/conceito se refere na atualida- de. Em sua origem, a comunidade se caracteriza por ser pequena, pela proximidade fisica/geografica, pelas relagdes de ajuda mitua e seguranga dos cidadios ¢, a0 mesmo tempo, por uma vigilincia maior ¢ maior homogeneidade entre seus membros, por um ritmo de vida regulado pela natureza, como nas comunidades camponesas ou de 7 MOLON, 5.1, Subjeiidae e consiigio do sjeito em Vigotki.PeSpelisVores, 2003. 116 ® CHARLOT, B, Relago coma eco osber ios airs populares, Reta rnp, Flori, pols, v.20, p. 17-84, jol/de, de 2002. Namero expec 8 GONZALEZ Rey, FL. O emocional na conwstigao dsubjetvdade. In: LANE, S. T. Ma ARAUJOX. (org) Arua ds emotes Petepols ores, 1999p 175, PARTE2- TEMAS TRARSUERSNS artesios, A garantia de seguranga com seu prego de “menor liberdade”, mas as pessoas squerem ambas! (© desenvolvimento do capitalismo moderno levou 3 substituicdo do entendimental natural da comunidade de outrora (dos camponescs, artesios), seu ritmo regulado pela natureza ¢ pela tradicio, por outra rotina, planejada artficialmente € coerctivamen impos e monitorada, O melhor exemplo € a linha de montagem, da “organiza¢a cientifica do trabalho”. Taylor pretendia scparar © desempenho produtivo dos motiva ‘esentimentos dos trabalhadores; é a méquina que determina © movimento ¢ niio sob cexpaco para a escolha pessoal, iniiativas, cooperagio. O resultado que visa a produtivi= dade é a rotinizagio do processo de produ¢io, a impessoalidade da relagio trabalhador= “maquina, a homogencidade das agSes, 0 que se caracteriza como OPOSTO 20 am= biente comunitirio, conforme destaca Bauman.” osteriormente,na linha do tempo, sucesso industrial pasou a ser asociado 20 “se tir-se bem” dos trabalhadores. Em lugar de confiar plenamente nos poderes cocrcitivos d mquina, apostava-se nos padres morais dos trabalhadores, em sua piedade religioss, _generosidade de sua vida familiar ena relacio de confianca patric-empregado.As cidades modelo construidas em tomo das fibricas tinham a finalidade de recompor, reproduzs ‘ese ambiente « mentalidade, considerando seus efeitos positives na produtividade do t balhador. Essas“‘cidades” ou vils estavam equipadas com moradias decentes, com capel cxcohs primirias, hospitais © confortossocias bisicos ~ todos projetados pelos donos di fibricas.A aposta era na recriagio da comunidade em torno do lugar de trabalho ¢, na transformagio do emprego na fibrica numa tarcfa para “toda a vida". Essa propo visava retirar 0 cariter desumanizante da méquina e recuperar/preservar algo da rela paternal (entre aprendiz e mestre) ¢ do espirito de comunidade, Uma ideia que mio prs ‘perou, embora essa tendéncia tenha sido novamente proposta por Mayo; ou sea, it ‘como atmosfera amigivel,atengio do gerente ¢ principalmente a ideia/sentimento de, estamos todos no mesmo barco” (Jealdade & empresa) io importantes na produtividad [A fibrica fordisea entou uma sintese entre essas duas tendéncias ‘Bauman afirma que guardamos — no senso comum — 0 termo comunidade ps situagBes positivas/“coisa boa’; seu significado e as sensagSes associadas @ palavra “um lugar confortivel, aconchegante” que envolve a vida da pessoa. E sociedade modo como esti organizada e funciona) é um termo usado para quando querem BAUMAN, Zyamunt. Comunidade —a busca por seguranca no mundo atual Rio de Jancro: Jo Zabat, 2003. ‘osueraEACOLTIOADE B atribuis as origens e determinacdes de situagSes precirias, dificeis que a pessoa vive. Em sintese,“para quem vive em tempos implaciveis — competicio, desprezo pelo outro..—a palavra comunidade evoca tudo aguilo do que sentimos falta". Considerar os diferentes modos de organizagio que as pessoas “escolhem" c/ou de que participam — no caso, sociedade ¢ comunidade ~ revela as mudangas ao longo da Historia e, a0 mesmo tempo, a coexisténcia dessas diferengas no momento atual. Ou, desde a década de 1960, no modo como os jovens propunham uma organizagio social mais“libertiria” (@ comunidade hippie) ou desde antes, como as comunidades indigenas € as tribos afficanas. Essa discussio permite tornar mais Gbvio como a construgio de um modo de organizagio da coletividade ~ comunidade ou socicdade — produz diferentes estilos de vida, rotinas, expectativas quanto 20 comportamento do outto e referencias pata o proprio comportamento e crengas. No caso dos diferentes usos do conceito de comunidade na atualidade, 0 que & co- mum em sua diversidade sio os tragos identitirios ~ uma crenga, um ritual, uma regio de moradia, um interesse comum. E essa identidade-nés se revela na identidade-cu. de cada membro da coletividade, independente da proximidade fisica. No caso da policia, sua proposta comunitiria significa a permanéncia em um territério no sentido de que 4 populacio local a assimile como parte desse territ6rio e estabelega relagdes de proxi- ‘midade ¢ confianca. Consideracées finais Para concluir, voltamos a Norbert Elias, que no capitulo “Mudangas na balanga nos- eu", escrito em 1987, afirma que: [..] am erro aceitar sem questonamento a naturezaanttética dos conc {0s “individao” ¢ “Sociedade” [..] esas palaas nio existram sempre {pelo menos no com a conotago que Thes dainos hoje) [.] no easo do conceito INDIVIDU [..] arualmente, a fingio principal do termo “individu” & expresar@ideia que todo ser human do mundo & ou deve se uma entidade auténoma e, a0 mesmo tempo, que cada ser humano €, em certosapectos, diferente de todos os demas, ¢talvez devs sé-o [..] € caracteritico da ex trutura das soiedades de nossa gpoca que as difeengas entre as pessoas, sua identidade-cu, sejam mais skamente vilorizadas do que agilo que es tem em comum, sta identidade-nés A primeira suplanta a segunda © BAUMAN, 2003. % ELIAS, 1994. p, 129, m RTE 2-TEUASTRANSVERSAS Elias analisa as mudangas historicas que permitiram que saissemos de uma condigo social de identidade-nés para uma identidade-eu. A formacio do Estado-nagio, como © «grande organizador, centralizando cada vez mais 0 poder ¢ 0 controle da vida de todos ¢, 30 mesmo tempo, relacionando-se de forma indireta com eles (por meio de instituigbes, organizagdes sociais), vai individualizando a sociedade e fortalecendo a identidade-eu. E ese é um tema para um proximo capitulo. Atividades complementares 41. Imagine que vocé esté sozinhola) na frente do espelho de seu quarto se arrumando para lum encontro muito desejado, Aproveite essa situaco para refletir sobre a influéncia do (OUTRO em suas escolhas. Em que medida o que the contaram sobre o processo de selecao profissional em uma er- presa na qual vocé quer muito trabalhar interfere no seu mado de se apresentarlingua- gem, padrio de vestuario)? Como vocé faz para manter seu estilo pessoal e, a0 mesmo tempo, atender as expectativas da empresa? Reflta sobre isso, pensando e relatando suas experiéncias pessoas com essa questio. |. Algumas histérlas que conhecemos trazem a questéo do individuo e da sociedade ou do coletivo. Entre elas estio Robinson Crusoé, Mogli-o menino lobo, O enigma de Kaspar Hau- sere A guerra do fogo. Escolharn um desses filmes, assistam e debatar na classe, em uma ‘espécie de pinga-fogo, a importancia da sociedade/coletivo na constituicao do sujeito, Na ‘técnica do pinga-fogo a turma se divide em duas partes e uma delas arrola argumentos para defender uma posigéo, enquanto a outra parte arrola os arqumentos para a defesa da posicao contréria, Estando os grupos preparados, inicia-se o debate, em que cada grupo tente fazer valer sua posiéo. Bibliografia comentada © livro A sociedade dos individues, de Norbert Elias, aqui utilizado por nés como re~ feréncia, é excelente para o debate da relagio individuo-sociedade. Publicado em 1994, pela editora Zahat, teve seu primeito capitulo escrito em 1939. distincia no tempo no retirou a lucidez da reflexio de Elias. Vale a pena conferir. osuenoEncoiswvonoe | 75 Na primeira série de videos Nao éo que pare, reaizada pela TV Futura em parceria com © Conselho Federal de Psicologia, hi um programa, “Individuo e Coletivo”, que ode ser bastante interessante para o debate em questio. O video problematiza a ques- Ho e afirma posigdes, aqui defendidas, de olhar a sociedade e o individuo superando a dicotomia existente em nosso pensamento. Alguas filmes como O enigma de Kaspar Hauser, de Werner Herzog (1974), A guer 1a do fog, de Jean-Jacques Annaud (1981), também podem ser importantes auxiliares do debate. Referéncias BAUMAN, Zygmunt. Comunidade ~ a busca por seguranca no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. CHARLOT, B. Relacio com a escola c 0 saber nos bairros populares. Revista Perspectiva, Florianépolis, v. 20, p. 17-34, jul./dez. de 2002, Niimero especial ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivfduos. Sio Paulo: Companhia das Letras, 1994, O proceso civilizador. Rio de Janeito: Jorge Zahar, 1993, v. 1 e 2 GONCALVES, M. G. M.; BOCK, A. M. B. Individuo-sociedade: uma relagio importante na psicologia social. In: BOCK, A. M. B. A perspectiva sécio-historica na JSormagao em psicologia. Petropolis: Vozes, 2003. GONZALEZ Rey, F. L. O emocional na constitui¢ao da subjetividade, In: LANE, ST. MARAUJOY. (orgs) Arqueologia das mores: Petropolis: Vozes, 1999. LEONTIEY, A. 0 desenvolvimento do psiquismo. Sio Paulo: Centauro, 2004, MELUCCI, Alberto, Movimentos sociais e sociedade complexa. In: Revista Movimentos Sociais na Contemporaneidade. Sio Paulo: Niicleo de Estudos ¢ Pesquisa sobre Movimentos Sociais do Programa de Estudos Pés-Graduados em Servico Social, n. 2, PUC-SP, 1997 IOLON, S. I. Subjetividade e constitwicao do sujeito em Vigotski, PetcGpolis: Vozes, 2003. OLIVEIRA, M. K; REGO,T. C.Vigowski eas complexas relagdes entre cognigio ¢ to. InARANTESV.A. (org) Afetividade na escola: alternativas tebrias e priticas io Paulo: Summus, 2003.

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