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Ana Maria Monteiro — Adriana Ralejo (Orgs.) Cartografias da Pesquisa Mauad X Copyright © by Ana Maria Monteiro, Adriana Ralejo et al., 2019 Direitos desta edigdo reservados a MAUAD Editora Ltda. Rua Joaquim Silva, 98, 5° andar io de Janeiro — RJ — CEP: 20241-110 Tel.: (21) 3479,7422 www.mauad.com.br Lapa — ACEBOOK.COM/EDITORAMAUADX [J ecorroramauaox @ emavanxeorrors (21) 97675-1026 Revisdo e Projeto Grafico: Mauad Editora (Cip-Brasit. CaTALOGAGAO-NA-FONTE Sinpicato NACIONAL Dos Eprrores DE Livros, RJ. 316 Cartografias da pesquisa em ensino de histéria / organizadoras Adriana Ralejo, Ana Maria Monteito. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Mauad X, 2019. 904 p. =i; 15,5 x 23,0 em Inclui bibliografia e indice ISBN 978-85-9068868-6 1. Historia - Estudo e ensino - Avaliago. 2. Livros didaticos - Brasil - Histéria. 3.Curriculos - Planejamento. |. Ralejo, Adriana. II. Monteiro, ‘Ana Maria, 7 \Vanessa Matra Xavier Salgado - Bibotectria - CRB-7/6644 ‘Sumério ‘Apresentacéo — Cartografias da pesquisa em Ensino de Historia ‘Ana Maria Monteiro e Adriana Ralejo Prefacio Helenice Rocha PARTE 1 Trés territ6rios a compreender, um bem precioso a defender: estratégias escolares e Ensino de Historia em tempos turbulentos Fernando Seffner De lagarta a borboleta: possiveis contribuigGes do pensamento de Michel Foucault para a pesquisa no campo do Ensino de Historia Durval Muniz de Albuquerque Jinior PARTE 2 Ensino de Historia: uma incursdo pelo campo Mauro Cezar Coelho e Taissa Bichara ‘A Pesquisa em Ensino de Histéria no Brasil: poténcia e vicissitudes de uma comunidade disciplinar Sonia Regina Miranda Produgao sobre Ensino de Historia em periédicos académicos brasileiros (1970-2016) Nadia G. Gonsalves Ensefianza de la historia en Argentina: un panorama de investigaciones y redes Marta Paula Gonzdlez Pesquisa em Ensino de Historia: desafios contemporaneos de um campo de investigagao Carmen Teresa Gabriel Vestigios de leituras e escritas nas rotinas cotidianas do Ensino de Historia no Brasil (décadas de 1930-1960) Cristiani Bereta da Silva Investigar em Ensino de Historia: entre fronteiras ¢ limites epistemoldgicos Flavia Eloisa Caimi e Leticia Mistura Sentidos de “negro” no Ensino de Histéria: articulagdes em contextos de referéncia para a produgo do conhecimento no livro diatico Warley da Costa 19 2 43 61 85 113 127 143 163 187 199 Em nome da ordem: as escolas municipais paulistanas na ditadura civil-militar (1964-1985) e a professora por evocagéo Helenice Ciampi Qual o lugar da diferenga na pesquisa em Ensino de Historia? Cinthia Monteiro de Araujo 0 documentario Os guardides da Lagoa: a universidade no espaco do quilombo Carlos Augusto Lima Ferreira Os saberes dos professores sobre os conhecimentos que ensinam: trajetorias de pesquisa em Ensino de Historia Ana Maria Monteiro 217 239 255, an A Pesquisa em Ensino de Historia no Brasil: poténcia e vicissitudes de uma comunidade disciplinar Sonia Regina Miranda! Quizds el peligro mas grave en la utilizacién del término ‘Historia’ sea el de su doble contenido: Historia designa a la vez el conocimiento de una materia y la materia de este conocimiento Pierre Vilar Um campo, varias polémicas Durante o ano de 2015, enquanto se amplificavam os debates relativos a primeira versao do documento de Histéria proposto para a Base Nacional Co- mum Curricular (BNCC), um vasto coro dos descontentes manifestava-se nos espacos piiblicos, midias e redes sociais de modo contrario ao que se apresen- tava na proposta preliminar do documento proposto pelo grupo de trabalho da area de Hist6ria. Um grande debate se abriria até a publicagdo da segunda versio, quando, entio, o siléncio a esse respeito tomaria conta paulatinamen- te da cena pblica até a versio final, publicada pelo MEC j4 no contexto do golpe midiatico, judicidrio e parlamentar em curso. Aquela verso preliminar ~ cujo contorno central propunha para o deba- te ptiblico uma ideia de Hist6ria baseada mais amplamente na concep¢ao de “conhecimento de uma matéria”, a que se referiu Pierre Vilar na epigrafe aqui destacada ~ acabou sucumbindo mediante uma sequéncia de golpes a uma versao final encomendada pelo Estado, que situava os conteiidos que devem 1 Professora titular na Faculdade de Educagao da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Mestra em Histéria pela Universidade Federal Fluminense (1990), doutora em Educaco pela Universidade Estadual de Campinas (2004), com Pés-doutorado em Didatica das Ciéncias Sociais pela Universitat Auténoma de Barcelona (Espanha-2012). E-mail soniareginamiranda@gmail.com CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 85 ser ensinados as criangas e jovens em torno da classica quadripartic¢ao eu- ropeia, nos termos evocados por Jean Chesneaux (1995). A Historia enquanto matéria de um conhecimento sairia vitoriosa mais uma vez, ficando a perspectiva do conhecimento de uma matéria posta no plano secundario, ou mesmo invisivel. Mais uma vez no debate piblico, um campo de saber dotado de epistemologia propria deixou de ser considerado em face da ideia de que a Histéria se remete a contetidos selecionados do passado da humanidade. Suspendeu-se também qualquer zona de renovaco de principios em torno dos quais a pesquisa sobre a Historia escolar nao sé se constituiu, como também projetou uma comunidade particular de in- vestigadores ao longo das tiltimas décadas. Foi trazido de volta para 0 cenario de uma hist6ria escolar o que ha de mais conservador no ambito de uma Educago voltada para a aprendizagem do Tempo e do procedimento histérico. ‘As acusacdes aos formuladores daquela verso inicial eram miiltiplas e provinham de diversos endereos. Vozes piiblicas regularmente presentes na grande midia somavam-se a nomes do plano académico e Associagées espe- cificas que se juntavam em torno de um mesmo movimento de destrui¢ao radical da proposta. Seus argumentos iam desde a indignacao derivada de uma proposta de ruptura com uma ideia de tempo hist6rico consagrada pelo pensamento ocidental - seria o fim de uma Histéria necessaria & educacdo de nossas criancas e jovens que, imaginem, iam ficar sem estudar Hist6ria Antiga e Medieval em suas “completudes” ~ até a acusagao de que temas fundamentais estavam sendo sequestrados do suposto “direito & aprendizagem” em nome de uma proposta por alguns designada “Brasil céntrica” e “presenteista”. Os in- cautos formuladores, segundo os mais exaltados, teriam cometido o absurdo de apresentar falta de repertério basico, como a Revolugao Francesa, por exemplo. No calor dos debates, havia ainda a sugest4o de que os especialistas convidados — em sua maioria dedicados a investigacao da 4rea do Ensino de Histéria stricto sensu ~ teriam dado vazo apenas aos seus gostos de pesquisa particulares. No li- miar dos ataques, surgiam acusagbes de que o programa era uma das manifesta- Ges mais bem acabadas do lulopetismo, para ficarmos em uma das publicagbes com maior amplificagdo mididtica, que utilizaria o Editorial do jornal O Globo ea voz de um prestigioso historiador para desqualificar radicalmente a versao pre- liminar da proposta. Supostos pesquisadores do ensino de Hist6ria eram evo- cados a partir de um piblico amplo e inespecifico, j4 que bastava ter “Histéria” no nome que jé era suficiente para justificar um pertencimento que permitia discutir os processos educativos. Por detras disso, ha o primado de uma viséo de Hist6ria admitida exclusivamente como conhecimento a ser transmitido aos jovens, a partir de uma narrativa estabelecida e consolidada acerca do passado historico da humanidade. E mais do que transmitido, avaliado. Aquele denso debate acenava para algo que me interessa pautar neste texto: os processos de 86 SONIA REGINA MIRANDA disputa e legitimacao por detrs do entendimento do Ensino de Histéria como campo de atuac4o profissional e de investigacao. De minha parte e de meu lugar enunciativo enquanto pesquisadora do campo do Ensino de Histéria, eu me colocaria, desde os primeiros epis6- dios de propulsao de um denso ~ e algumas vezes violento - debate ptiblico, a favor das inteng6es gerais impressas na primeira versio daquele documento, 0 que nao significa dizer que eu ndo tivesse criticas que poderiam ensejar suges- tes de ajustamento. Em se tratando de um primeiro documento, era dbvio que existiam problemas de forma e contetido e, nesse sentido, jamais passou pela minha cabeca que aquela primeira versao consolidava o documento para a sua constituigao final. Para mim, era claro que o grupo de trabalho que se dedicou a formulagdo do documento preliminar da BNCC o fizera com compromisso clareza, especialmente em relacio a um prinefpio com o qual comungo: a ideia de que nao precisamos mais seguir reforcando um dado cédigo disciplinar canénico (CUESTA,1998) constituido h mais de um século, jé que ele se mostrou incon- sistente em historias de escolariza¢ao pelo mundo afora. Assentado numa pers- pectiva totalizante quanto ao tratamento do tempo, num olhar que nao consegue abandonar o progresso como modo de organizar os discursos sobre o pasado, esse formato canénico da disciplina Historia - associada exclusivamente ao estu- do de informagées de um passado histérico selecionado a partir de uma cultura historica instituida - nfo se coaduna com desafios centrais enfrentados pela so- ciedade brasileira contemporanea. Eu compreendia, aquela época, que a equipe teve clareza e coragem no sentido de se opor a esse paradigma de modo evidente. ‘Também compreendia que aquela equipe havia tomado uma decisdo crucial no processo de estabelecimento de um curriculo minimo nacional: a de priorizar 0 tratamento das questdes atinentes & Lei 11.645 e suas derivagdes, num contexto em que 0 coro dos descontentes em relacao a essa lei se mostrava cada vez mais caudaloso, e se misturava as pretensOes sérdidas e academicamente inconsisten- tes do Movimento Escola Sem Partido. Eu discordava do argumento reducionista de que, ao se abdicar de uma grande histéria europeia, estarfamos assumindo um ensino de Histéria empobrecido. Ainda que com criticas, eu entendia que aquele documento nao se apresentava como uma alternativa Brasil céntrica, tampouco abdicava de outras temporalidades e territorialidades. ‘Acima de tudo penso, olhando para trés, que o documento possufa potén- cia e suficiente abertura para ensejar um debate sobre caminhos inovadores para uma Histéria Ensinada. Além disso, era um documento que trazia pre- sente, em suas linhas ¢ entrelinhas, a convocagio da escola e da sala de aula diante da dimensao de problematizacao prépria do procedimento hist6rico, 0 que preconizava a revisdo de um ensino baseado na centralidade da aula expo- sitiva e do professor como tinica autoridade no processo educativo. CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 87 Curiosamente, o problema central inerente a formulag4o da BNC - a con- cepcao de avaliagdo em jogo na construgéo de uma proposta curricular de cunho nacional ~ nao era objeto do grande debate piblico, tampouco dos his- toriadores profissionais que se opunham a quebra dos paradigmas em torno do ensino. Nesse ponto, ninguém tocava. Tanto em termos de forma quanto em relagao ao contetido selecionado, ficava claro no proceso de construcao da BNCC que um curriculo nacional estava sendo formulado no para se ga- rantir 0 ensino, mas a eficécia dos mecanismos de avaliagéo. Até mesmo o modo pelo qual os contetidos eram apresentados nos remetia a proposicao de descritores pertinentes ao modelo da Teoria da Resposta ao Item, metodologia basica utilizada nos processos de avaliagao em larga escala. Alfredo Veiga-Netto, ao analisar a questo do poder da Avaliacao no debate sobre escola e ensino, nos chama atengao para o que ele denomina “delirios avaliatérios”. Segundo esse autor, a sanha avaliadora atual acabou por insti- tuir uma “quebra e reorganizagdo da sequéncia tradicional nas operasées curriculares (planejamento-execusdo-avaliagdo) sendo que tal sequéncia passa a ser avaliagao-plane- jamento-execugao. E a avaliagao que preside tanto 0 como, 0 que, o para quem planejar quanto 0 como, 0 com quais recursos e 0 quando executar” (VEIGA-NETO, 2013, p- 165). E justamente essa inversdo de principios que se situava na base da desqualificacdo do trabalho de construgdo da BNCC, tema que, contudo, se restringia ao espaco do siléncio, tanto no debate ptiblico quanto no académi- co. Pouca amplificaco foi dada ao problema, e especialmente os historiadores descontentes com 0 que se desenhava para o ensino de Historia se distancia- vam dessa abordagem. O entendimento da gravidade inerente ao modelo de BNCC em constru¢ao mantinha-se restrito aos pesquisadores do campo da Educacdo, preocupados com a discussao relativa a constru¢ao do saber, for- macio de professores, cotidiano da sala de aula e, sobretudo, com o tema das internalidades do ato educativo. Nao podemos também perder de vista que a construcZo da BNCC, em meio a sucesso das diversas vers6es do documento, ocorreria em um contex- to hist6rico peculiar, no qual se articulam tensGes na sociedade e na academia que nfo podem ser ignoradas. Em um debate contemporaneo acerca do lugar social dos antropélogos no Brasil atual, Marcia Lima evoca algo que produz sentido também para a nossa comunidade investigativa particular. Segundo a autora, assistimos, de um lado, a um grande crescimento do conservadorismo no Congresso e no Executivo ~ e por que nio reafirmar, na sociedade como um todo ~ ¢, de outro lado, aos “resultados das mudangas producidas pela timida redugio das desigualdades sociais e raciais, que alteraram o cendrio e os atores envolvi- dos nos espacos de produgdo de conhecimento” (LIMA, 2018). 88 SONIA REGINA MIRANDA No mesmo veiculo de debate acerca do papel dos antropélogos hoje, Flavia Biroli destaca algo essencial 4 compreensio também de nosso lugar académi- co, no qual lutamos pelo fortalecimento do-campo do Ensino de Histéria. A autora alude a um cenario de grande rea¢io conservadora atual, que se funda numa nogo pouco sofisticada de objetividade para questionar o cardter do conhecimento produzido, a autonomia do campo cientifico e a tesponsabilidade coletiva envolvida nos processos educacionais. O Movimento Escola sem Partido se destaca entre as organizacdes que tém participado da ofensiva contra o debate posicionado nas escolas no Brasil. Fundado em 2004 e hoje alinhado a ages presentes em diferentes paises da América Latina contra a agen- da de género, como as ocorridas no Peru, na Colémbia e no México, nas quais se destaca o slogan “Com mis hijos no te metas” (no caso brasileiro temos a maxima #meusfilhos,minhasregras), tornou-se mais, presente no espaco politico institucional a partir de 2014. O Projeto de Lei de 2015 (867/15) que tem como objetivo incluir entre as diretrizes € bases da educagao nacional o “Programa Escola sem Partido” & apenas o mais destacado entre dezenas de projetos em tramitacao no Congreso, que tém em comum o entendimento de que é preciso incluir nas normas educacionais 0 direito dos pais de educar seus filhos de acordo com seus valores morais e crengas religiosas. (BIROLI, 2018, p. 86) (© que vale para o debate recente dos antropélogos sem diivida vale para a nossa comunidade disciplinar particular, e, nesse sentido, ndo podemos ig- norar o fato de que é no interior da amplificacao desse debate que se constréi a polémica em torno do documento de Histéria da BNC. Isso significa dizer que, em meio a um debate piblico canalizado para a desqualificagao tacita do saber hist6rico em consonancia com os propésitos do movimento Escola sem Partido, o debate interno dos historiadores acabaria por produzir um re- sultado secundério nefasto: 0 demérito de um campo particular sobre o qual grande parte das pesquisas a respeito das dimensOes de ensino-aprendizagem da Histéria tem se realizado. Nao me estenderei aqui sobre o que foram o movimento de desmonte daquele documento da primeira versao e, ainda no governo Dilma Rousseff, © golpe da segunda verso, que levou a destituicao da equipe e a encomenda, num gesto administrativo, de um documento que nao fugisse ao script de uma cultura histérica canénica e, mais do que isso, que nao gerasse dificuldades in- contornaveis formulago de itens para avaliag4o em larga escala. Creio que, a esse respeito, o artigo-testemunho produzido pelos professores Giovani José da Silva e Marinelma Costa Meireles oferece contribuig6es preliminares signi- CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 89 ficativas (SILVA e MEIRELES, 2017). Também nao me deterei sobre o que foi a construgio das duas tiltimas vers6es desenvolvidas j4 no contexto posterior a0 Golpe de 2016, as quais circunscrevem o ensino de Histéria ao lugar cand- nico instituido na esteira da formacao do Estado Nacional Brasileiro. ‘A minha posi¢do assumida naquele contexto, bem como a de varios des- contentes que militaram em favor da destituicao daquele documento preli- minar, nos conduz a pensar naquilo que se dispde para nés como elemento central proposto para este texto: uma reflexo em torno do ensino de Historia no Brasil ao longo das iltimas décadas. Nao podemos ignorar, de um lado, o fato de que houve uma operacdo quase orquestrada de desmonte da versdo preliminar da proposta de Hist6ria e que essa aco foi expandida para além do cendrio académico. Todavia, ha, por outro lado, a amplificacdo de um discurso que busca desqualificar e des- conhecer a especificidade de um campo no interior do préprio cenério acadé- mico. Cabe-nos, portanto, buscar refletir: 0 que significa pesquisar ensino de Histéria no Brasil? Chaves de leitura sobre campos, identidades e pertencimentos Poderfamos evocar intimeros outros cendrios em torno dos quais se podem capturar distintas operacdes de desqualificacao do saber hist6rico ¢ de seu es- tudo, especialmente no ambito dos discursos mididticos num contexto de forte conservadorismo. Por que a polémica em toro da Area de Hist6ria na BNCC me pareceu significativa para pensar sobre o campo investigativo do ensino de His- toria no Brasil? Porque assistimos ali a um discurso de desqualificag4o oriundo da prépria comunidade de historiadores, a qual, ao desconhecer e desqualificar um campo de producao de saber e de pesquisa, nao favoreceu a redefinicao dos rumos daquilo que se desejava fortalecer: 0 conhecimento histérico enquanto elemento essencial ao pensamento e a educagao das novas geracées. Para interpretar esse conflito de saberes e posig6es, que emanam de lécus enunciativos diferenciados no interior do debate sobre a construcéo da BNCC de Histéria, nao podemos perder de vista 0 fato de que quando discutimos a questo do que selecionar em Hist6ria, enfrentamos também um denso deba- te, que envolve a construgo de narrativas acerca de como se compreendem e se narram a cultura e a temporalidade nas quais estamos inseridos. Cristhian Laville (1999 e 2011) ‘ha tempos ja vem nos chamando aten¢ao para as batalhas narrativas que podem ser percebidas em torno de curriculos de Hist6- ria de diferentes partes do mundo e, especialmente, para o quanto a Historia con- clamada no debate piiblico aparece francamente divorciada daquilo que tem sido o 90 SONIA REGINA MIRANDA desenvolvimento epistemoldgico recente dessa area de conhecimento, tomando-se por referéncia seus cénones académicos (LAVILLE, 1999 ¢ 2011). Mais recente- mente, esse autor viria a nos alertar para a forca com que teméticas relativas & Economia, Religido e Moral so evocadas enquanto barreiras ou territérios de tra- vessia para selecées e interdigdes no campo da Hist6ria Ensinada. No contexto de escritura de seu texto, diz-nos Laville (2011) que a provincia de Quebec ja enfren- tava um tenso debate sobre o que ensinar em termos de Histéria, j4 que haviam se passado trés anos e nao se chegava a um ponto de consenso, algo revelador da luta expressa entre o nacionalismo conservador, presente entre grupos de elite, € a possibilidade de outras escrituras da Hist6ria, colocadas nas maos dos docentes a partir do movimento de reforma curricular disparado pelo Ministério da Educacao. No interior de suas reflexdes, Moral, Economia e Religiéo emergem como campos em torno dos quais a Histéria e as selegdes em torno do passado se apresentam enquanto eixos privilegiados no debate piiblico e que nos auxiliam a compreender no s6 0 campo semantico, mas também a forga discursiva de teméticas evocadas pelo Movimento Escola sem Partido, por exemplo. Sobre a ampliacio do espectro de sujeitos que se agregam ao movimento de opinar a respeito do que a Histéria escolar deve ensinar, Laville convoca-nos a pensar que, em fungao dos processos de escolarizacdo, determinada bagagem em termos de uma meméria histérica nacional foi criada, com credibilidade associada a confiabilidade da instituigo escolar. Por outro lado, segundo o autor, a expansao da experiencia democritica fez com que se ampliasse a prerrogativa de que “todos tém um direito legal & opinido, em qualquer assunto. Ora, enquanto poucos ousariam se pronunciar sobre uma questo de ensino de matemética, em Histéria todos se acham competentes. Consequentemente, as guerras de histéria escolares implicam ntimeros crescentes de veteranos dos saberes escolares” (LAVILLE, 2011, p. 187). Sem divvida, tal cendrio em que muitos se julgam capazes de prescrever e defini é, hoje, amplificado pelas midias e redes sociais, e ter provocado paisagens e telas nebulosas envolvendo o que se ensinar em Historia, para quem e por qual razao. Para além desse grande debate que se coloca na esfera piblica acerca do que se ensinar em Historia a cada tempo, nao podemos secundarizar a configuracao dos campos de conhecimento e os embates que se dio no sentido de buscar mecanismos de legitimagao no interior de comunidades especificas, conforme aquilo que foi o cendrio que vimos se desenhar acerca da discussao académica em torno da BNCC. Em sua tese de Doutorado, Yara Cristina Alvim nos oferece uma contribui¢ao im- portante no sentido de indicar a possibilidade de enfrentamento tebrico dessa proble- miatica a partir de dois grandes canones: Pierre Bourdieu, através de sua Teoria dos Campos, e Ivor Goodson, por meio do conceito de comunidade disciplinar (ALVIM, 2017). Trata-se, segundo a autora, de referentes tedricos distintos - e em alguns contextos, complementares ~ acerca da possibilidade de compreendermos melhor a escritura da Histéria Escolar, tomando-se por referéncia os debates que mobilizam 08 sujeitos no interior de seus espacos de enunciagio e produgao de conhecimento. CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 1 A nocao de campo cientifico, conforme a formulagao de Bourdieu, apresen- ta-se como uma ferramenta de identificagdo daquilo que é possivel perceber quanto as unidades plausfveis que envolvem as Areas de conhecimento (BOUR- DIEU, 2003 e 2004). Se digitamos essa palavra em buscadores de bibliotecas universitarias, por exemplo, veremos que em boa parte das reas, cursos e facul- dades existe uma necessidade de identificacdo e qualificacdo de matrizes dos di- versos campos de pesquisa, de modo a compreender suas existéncias, disputas e construcées. Desse modo, tomaremos contato com a constru¢ao dos campos da Educacao, Medicina, Linguistica, Administra¢ao, Economia, Comunicacao, Nu- tricdo, entre outros, formadores de um vasto territério de areas de conhecimen- to que, ao se constituirem, também buscam organizar suas regras préprias de legitimagao. A esse respeito, Bourdieu nos apresenta um cenério interpretativo fecundo para dizer daquilo que comumente utilizamos no interior de uma co- munidade especifica como critério de designacio e associaco: 0 pertencimento a um campo especifico de estudos e investigaca Para esse autor (2003 e 2004), o Campo situa-se como © universo no qual esto inseridos os agentes e as instituigdes que produzem, reproduzem e difun- dem a arte, a literatura, a ciéncia. Trata-se de um espaco relativamente auténomo, de um microcosmo dotado de regras préprias e, consequentemente, de graus de autonomia. Mas acima de tudo, trata-se de um espaco de jogo, no qual se instaura uma uta concorrencial. Para ele, o campo cientifico € um mundo social e, como tal, faz imposig6es e solicitagdes que so, no entanto, relativamente independen- tes das pressdes do mundo social global que o envolvem. De fato, as pressdes externas, sejam de que natureza forem, s6 se exercem por intermédio do campo, so mediatizadas pela I6gica de cada campo. Sobre as conexGes entre o cendrio académico propriamente dito e o mundo social como um todo, Bourdieu associa a condigio de refragao de um campo & sua autonomia. Quanto mais auténomo um campo, maior o seu poder de refratar—e, consequentemente, de expelir ou re- cusar - aquilo que advém das imposig6es externas. Nesse caso, se considerarmos a natureza dos debates relativos & construcao da BNCC, assistimos a um campo miiltiplo que se apresentou com baixo potencial de refrago, razAo pela qual as decisdes finais acerca da natureza do documento foram feitas, em todas as etapas. a partir da versao preliminar, de modo exterior ao campo em disputa. Bourdieu destaca ainda que uma das maiores dificuldades encontradas pe- las ciéncias sociais para chegarem 4 autonomia é o fato de que pessoas pouco competentes, do ponto de vista de normas especificas, possam sempre intervir em nome de princfpios heterénomos, sem serem imediatamente desqualificadas. E 0 que assistimos, por exemplo, em relacao aos designios estabelecidos pelo Movimento Escola Sem Partido acerca daquilo que deve ou no ser estudado nas escolas, o que se dé sem que os sujeitos enunciadores daquilo que é considerado 92 SONIA REGINA MIRANDA como leg{timo no ambito do movimento sejam oriundos de cenérios académicos, ocorrendo, na maior parte dos casos, justamente inverso: uma construgio dis- cursiva ancorada em quesitos notadamente marcados por forte anti-intelectualis- mo e anticientificismo. Nesse sentido, advoga Bourdieu, todo campo cientifico € um “campo de forgas e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forcas” (2004, p. 22). Mais do que isso, um campo é objeto de luta tanto em sua representacao quanto em sua realidade e, no caso do que assistimos no campo do Ensino de Historia, vale dizer que, gragas & sua heteronomia, demarca- -se aquilo que Bourdieu chama de concorréncia imperfeita, na qual parece ser li- cito para os agentes fazerem intervir forgas nao cientificas nas lutas cientificas (p. 32). Desse modo, possivel perceber a presenca de vozes to dispares, as quais se julgam detentoras de poder enunciativo legitimo para estabelecer 0 que os jovens devem ou no estudar em matéria de Hist6ria nacional ou universal. ‘A questo das disputas discursivas e da legitimacao em torno dos campos de conhecimento pode ser vista, contudo, com base em referentes construidos especificamente em torno da problemética educativa. E 0 que nos conduz ao universo reflexivo da obra de Ivor Goodson e nos permite fortalecer um olhar para a questo dos contetidos escolarizados. © papel dos jogos de interesses e forcas em seu potencial modelador das disciplinas escolares é um tema que atinge de modo direto as formulacdes desse autor em seu classico A constru- $d social do curriculo, ¢ nos conduz a operar com uma categoria similar aque- la ja apresentada no ambito da sociologia, embora dotada de especificidade: a ideia de comunidade disciplinar (GOODSON, 1997). Enquanto Bourdieu busca construir uma matriz sociolégica capaz de explicar as relagdes de tensdes e con- flitos entre os campos na ciéncia, na literatura e nas artes, Goodson focaliza 0 fendmeno educativo e seus sujeitos em suas internalidades e externalidades, buscando compreender, acima de tudo, a cena escolar e 0 processo de disputas que vao desenhando, ao longo do tempo, a historia das disciplinas escolares. De acordo com Yara Alvim, ainda que a partir de lugares teéricos especificos, 0 conceito de “comuni- dade disciplinar” dialoga com aspectos sinalizados por Maurice Tardif em tomo da dimensio coletiva do trabalho docente. A nogao de “comunidade disciplinar” refere-se a uma organizaco elaborada do conhecimento, que possui uma historia, uma filosofia e um corpo de conhecimento respeita- do, com regras e um conjunto de autoridades que atribuem legitimacéo as atividades que sio aceitaveis para a comunidade. (ALVIM, 2017, p. 49) A perspectiva analitica de Goodson nos auxilia a pensar nas questdes que gravitam em torno da Cultura Escolar, na medida em que suas formulacdes CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 93 poem foco no papel dos grupos sociais que constroem o curriculo, que nunca € atemporal. O curriculo escrito é, segundo ele, o testemunho pubblico e visivel das racionalidades escolhidas e da retorica legitimadora das praticas escolares a cada tempo (GOODSON, 1997, p. 20). A esse respeito, de acordo com ele, ha jogos de interesse e disputas por legitimacao que dao forma as disciplinas escolares e que merecem ser vistos como aco de um conjunto alargado de gru- pos sociais. Apoiando-se nos estudos da sociologia dos curriculos ingleses nos anos 1960, Goodson passa a se deter sobre o tema das redes comunicativas que produzem escolhas envolvidas nos programas escolares, nas quais professores siio agentes e porta-vozes de comunidades disciplinares que vo modelando os curriculos. O autor destaca, assim, um papel especifico desempenhado por gru- pos e associagées profissionais na configuracao dos campos disciplinares. HA algum tempo, Bernard Charlot, ao abordar aquilo que ele denomina es- pecificidade do campo da pesquisa educacional, enfatizou o fato de tratarmos aqui de uma cortelacio, sob a forma de uma mesticagem ou hibridismo, de ages que se dispéem a compreender a conexdo entre saberes, politicas e préti- cas em algo que nfo é genérico, mas que afeta uma dimensao particular da so- ciedade: a esfera educativa e, especialmente, a esfera escolar (CHARLOT, 2006). ‘Trata-se, portanto, de um campo de pesquisa que toma para si, na configura¢io de seus objetos investigativos, tal correlacdo e o faz do interior de um espaco enunciativo distinto daquele situado no ambiente académico mais geral. Antes disso, a pesquisa que transforma o fendmeno educative em objeto se faz com a escola e/ou demais instituig&es educativas e raramente é exterior a elas. Ao desenvolver tal argumento, Charlot nos convida a pensar no fato de que em um departamento, em uma pés-graduagao, e, além disso, nas “ciéncias da educa- a0”, constrdi-se pouco a pouco uma cultura comum, fortemente inter ow transdisci- plinar. Essa cultura comum permite que as questées sejam colocadas de outro modo, produz uma especificidade das pesquisas desenvolvidas nas Faculdades de educagio. Isso me parece poder estabelecer o consenso entre aqueles que do importancia ao fato de trabalhar no mesmo campo, “a educagiio”. Quer continuemos a nos definir por uma disciplina de origem (sociologia, matematica etc.), quer sonhemos com a construgiio de uma disciplina especifica denominada educagdio, podemos concordar com essa ideia de cultura comum e com o fato de que ela introduz uma certa especificidade nas pesquisas {feitas na pés-graduagdo em educagdo. (CHARLOT, 2006, p. 9) Parte dessa especificidade situa-se no fato de que, a despeito de dedicar-se a uma finalidade e a um conjunto de objetos especificos ~a saber, aquilo que deriva das relagdes de sentido, praticas e discursos situados no Ambito das instituicoes educativas -, ao pesquisar a Educagdo nao é possivel prescindir dos campos de saber oriundos especificamente das areas que comparecem na instituicao escolar. 94 SONIA REGINA MIRANDA Desse modo, ao investigar o Ensino de Hist6ria, nao s6 é essencial evocar referen- tes compreensivos do universo de saberes, politicas e priticas que afetam a cultu- ra escolar, mas também chamar e dominar os elementos conceituais proprios da epistemologia da Historia. O mesmo vale para Matematica, Geografia ou demais campos que comparecem a escola enquanto saberes especificos. Em um artigo produzido no inicio dos anos 2000, Ernesta Zamboni j4 nos convocava a pensar no fato de que o tempo presente - que atravessa e modela as aces desenvolvidas no interior da escola e das suas praticas de ensino ~ conduz 08 profissionais que atuam no ensino de Hist6ria “a buscar o novo e o universal no cotidiano, recuperando a meméria do homem comum, e procurando novos caminhos de en- sino, o que faz as concepgdes de ensino se redimensionarem e ndo se restringirem ds ativida- des de sala de aula” (ZAMBONI, 2000, p. 109). Essa renovacdo, assim como tudo 0 que dela deriva em termos tematicos - 0 patriménio, as midias, a propaganda, as politicas piiblicas -, funciona como mola propulsora da pesquisa em ensino de Historia, entendida pela autora, j4 naquele contexto de quase vinte anos atrds, como uma pesquisa nova, singular, dotada de escopo e objeto especificos. Pensar essa convocagio de uma comunidade disciplinar e investigativa parti- cular funciona como uma espécie de documento de identidade e pertencimento, especialmente em um contexto politico e ideolégico no qual a ideia de “cidadéo participante”, canhada por Christian Laville h4 quase vinte anos, corre 0 risco de perder seu lugar para o retorno ao primado do “cidadao sidito”, modelado sob a égide dos Estados Nacionais. E de cidadaos stiditos que os planos curricula- res e as vozes piiblicas amplificadas pelas midias falam na contemporaneidade, enquanto em nossa comunidade seguimos apostando na forga da formacao dos cidadaos participantes. Sem duivida, nesse contexto em que o temor generaliza- do em face dos efeitos do exacerbado conservadorismo parece abalar certezas, reconhecer a forca do pertencimento a uma comunidade disciplinar constitui, sem dtivida, uma arma poderosa diante da batalha de ideias. Lastros e rastros num espago uno e multiplo: o Ensino de Histéria como comunidade de produgao Aescrita que tece este texto se fez no calor de um movimento de reflexdo, disparado no contexto para qual esta escrita foi convocada: uma encomenda, por ocasiao do XI Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de Historia (ENPEH), realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no ano de 2017. E precisamente no interior dessa comunidade investigativa particular em permanente construgdo - a comunidade dos pesquisadores do Ensino de Histéria - que eu e centenas de investigadores brasileiros e de outras partes CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 95 do mundo escolhemos para habitar o mundo com nossas profissionalidades. E nesse dominio — a pesquisa em ensino de Histéria — que se operam nossos encontros, nossos movimentos em busca de legitimacdo, nossos mecanismos de producdo de consensos e dissensos. Adotemos a acepc4o de comunidade disciplinar ou de campo ~ a se observar exclusivamente o fio da discussao so- ciolégica -, esse lugar particular que tem funcionado como espaco de alento, partilha, encontros, conforto, luta, disputa, produgdo de consonancias ou nao. Um esclarecimento preliminar se faz necessirio, relativo a inserc4o de as- pectos de minha prépria historia no interior da compreensdo desse campo de investigac4o no contexto do Encontro Nacional de 2017. Ha mais de dez anos, precisamente em 2006, por ocasiao do VII ENPEH, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a professora Lana Siman construfa o desenho de algo que foi ganhando corpo em nossos encontros anuais: a reflexdo sobre a organizacéo dos'grupos de pesquisa'em ensino de Histéria, de tal modo que os grupos de trabalho pudessem funcionar como oisis e espelhos da producao de diferentes ambitos de pesquisa. Naquela ocasiao, a professora Lana me enco- mendaria um estudo que compés o capitulo de abertura dos Anais do VII Enpeh (MIRANDA, 2006) e que se dedicou a um primeiro mapeamento do emergente Diretério de Grupos de Pesquisa em ensino de Histéria no Brasil. Naquele con- texto, o Diretério do CNPq era algo novo e que comeava a se delinear como uma acdo em torno da visibilidade dos grupos constituidos. Se a cultura que levou a expansio reguladora do Lattes pode ser lida como indicio de agdes de monumentalizacdo, que se dao em meio a sanha avaliado- ra de nossas instituicdes de controle da pés-graduacdo brasileira, o Diretério de grupos pode ser lido também como expressées de vontades de meméria e como acées discursivas ancoradas em modos de enderecamento e inscricao dos sujeitos em cenérios relacionais. Em ambos os casos, falamos de formas pelas quais nos apresentamos nos liames de uma imposigao: a das praticas de avaliacdo e medicdo da produgdo da pés-graduacdo brasileira. No caso parti- cular do Diretério de Grupos, a instancia de legitimagao central nao se vincula somente ao espaco da avaliacdo stricto sensu - ainda que também possua sen- tido nessa dire¢ao -, mas também a um processo de autonomeacdo e publici zacio dos grupos, visando 0 encontro com uma comunidade maior. O fato é que os dados produzidos pela observacio do Diretério de Grupos de Pesquisa do CNPq nos servem para dizer da historicidade e da natureza de articulacao nacional e local dos diferentes grupos dedicados a pesquisa em Ensino de His- téria no pais. S4o indicios que podem ser inquiridos em seus rastros e lastros que podem, pela cartografia que geram, nos revelar as pontas desse iceberg, em que militamos - por vezes difusamente, por vezes articuladamente - e os movimentos e investimentos do campo da pesquisa em ensino de Historia, de 96 SONIA REGINA MIRANDA modo direto ou apenas tangencial. Cabe destacar apenas que nao é possivel creditar um cendrio de preciso absoluta aos dados, tendo em vista que sua sistematizago depende de decisbes de seus lideres e das configuracées insti- tucionais, que so varidveis e, sobretudo, dinamicas. No ano de 2016, nos meses que antecederam a realizagéo do ENPEH na UFRJ, sua coordenadora, professora Ana Maria Monteiro, me propds um novo desafio: revisitar aqueles dados, apés uma década de sua produgfo original, de modo a produzir um novo balango que servisse como balizador das reflexes de nossa comunidade disciplinar a respeito de si mesma. Desse modo, eu assumiria um movimento de leitura de novos dados e de releitura dos dados antigos, situando um cenério que fosse capaz de permitir a uma comunidade particular pensar no- vamente sobre sua histéria e formacdo. Minha aposta se deu no sentido de buscar um mapa que fosse capaz de produzir fortalecimentos em um cendrio particular, eivado por desafios e ataques a um campo de conhecimento. Um cenério em que, como j4 mencionado, nos situamos na linha de frente das perseguigdes do Escola Sem Partido; em que assistimos a uma traumética e controversa construcéo da BNCC, na qual a Histéria foi alvo de intmeros debates piiblicos; ou, ainda, em que a caca as bruxas e aos livros didaticos do Programa Nacional do Livro Didé- tico (PNLD) tem se projetado como uma das mais contundentes dentre aquelas presentes nos debates ptiblicos acerca dessa politica publica. Como eu me desloquei pelos dados que nos séo acessiveis pelo direté- rio de grupos, especialmente considerando a comparacao entre os cendrios de 2005 e 2017? Partindo da plausibilidade interpretativa daquilo que nos é proposto por Ivor Goodson acerca do tema das comunidades disciplinares, compreendendo, com base nisso, que é possivel reconhecer, hé mais de uma década, a permanéncia de uma comunidade que, longevamente, vem traba- Ihando no sentido de garantir sua existéncia e fortalecimento. Que decisées centrais foram acionadas no processo de recolhimento dos dados quantitativos e qualitativos disponiveis na base do CNPq? Por um lado, optei pelo mapeamento da totalidade dos grupos que se autodesignam pes- quisadores do ENSINO DE HISTORIA e apresentam essa palavra exata em seus descritores. Por outro, busquei um olhar analitico em torno do lécus enunciativo de tais grupos, que, em geral, localizam-se em Departamentos de Historia ou Faculdades de Educacao. Uma primeira questo que se impée é: onde se situam os pesquisadores que se designam enquanto tal e afirmam investigar o Ensino de Historia? Se tomarmos por referéncia os dados comparativos entre os dois recortes tempo- rais assumidos para o estudo ~ 2005 e 2017 -, chegamos ao seguinte grafico inici CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 97 LOCUS ACADEMICO DOS GRUPOS DE PESQUISA- ENSINO DE HISTORIA COMO DESCRITOR EXATO stom twecache Fonte: Diretério do Grupo de Pesquisas do CNPq. Consulta em 2017 Em certa medida, esse crescimento exponencial evidenciado na 4rea de Histéria, ao longo de pouco mais de uma década, revela-se como um mo- vimento recente em que devem ser considerados os extratos temporais que podem ser verificados a partir das ferramentas analiticas disponiveis no Dire- t6rio de Grupos, conforme pode-se analisar no grifico abaixo: SOBRE A TEMPORALIDADE DOS GRUPOS DESIGNADOS COMO ENSINO DE HISTORIA 80 7% 60 112 | 39 20 10 D 10 ] 0 16 — wag 1 de uSDE 1S mend de Nos. M=IOANOS 5-Sanos I= 4anos ENE 8 wEducagdo 11 10 7 R 3 Historia 12 16 39 57 7 Fonte: Diretério do Grupo de Pesquisas do CNPq. Consulta em 2017 Se ao longo da ultima década verificou-se um crescimento do ntimero de grupos de pesquisa designados enquanto tal, essa expansdo matemitica deu- -se entre grupos que se identificam como pertencentes a area de Hist6ria, en- quanto que os grupos que se reconhecem e se autodenominam como grupos de Educacdo alcancaram relativa estabilidade. Cabe-nos pensar, a priori, se nao 98 SONIA REGINA MIRANDA 6 justamente nesse fator de estabilidade que reside a possibilidade real de in- vestimento investigativo em um campo especifico, no caso, aquele que toma 0 ensino de Histéria como objeto de pesquisa. Sobre esse aspecto, é essencial demarcar a relevancia dos efeitos provo- cadlos pela expansdo das universidades verificada ao longo da iiltima década. Areas que hé uma década nao possufam nenhum grupo de pesquisa voltado a investigacao do ensino de Historia, especialmente nas regides Norte, Nor- deste e Centro-Oeste, conhecem um crescimento quantitative exponencial. Grupos identificados pelo descritor Ensino de Historia - 2005 e 2017 SQSSSLLLLGRLSSSLELERSEQEL PePPSESPE2E2 5772821225202 eee eS eg 2g 258 E 4 SES “ "eg se23 2 9398 3 8 g "ane zB 3 Fonte: Diret6rio do Grupo de Pesquisas do CNPq. Consulta em 2017 Do mesmo modo, cabe evidenciar a forga das instituigGes universitarias pi- blicas no abrigo e desenvolvimento desses grupos e, consequentemente, o que “Tepresentaria a eventualidade de uma aco exitosa das politicas de desmantela- mento, em curso, do Ensino Superior piblico. O grafico abaixo evidencia tal cend- rio, que revela que 91% dos Grupos de Pesquisa em Ensino de Hist6ria se situam em Instituicdes de Ensino Superior Pablicas e, de um modo geral, articulam 0 movimento de formacao no ambito da Graduacao e Pés-graduacio stricto sensu. tipo de ies Universidade Piblieas 8% estaduars sm Universidades Federais Instnuicoes pelvadas Fonte: Diretério do Grupo de Pesquisas do CNPq. Consulta em 2017 CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 99 Acompanhando a descri¢io e o espectro de producao e pesquisa produzidos pelos diversos pesquisadores cadastrados nos distintos Grupos de Pesquisa, ve- mos que nfo s6 os Grupos expressam sua existéncia enquanto I6cus coletivo de producio de conhecimento e formacao de pesquisadores, como também revelam redes que associam pesquisadores de diversas instituicGes. Desse modo, os Gru- pos situam-se, em grande parte dos casos, como lugares de encontro e didlogo em relagées de horizontalidade, muitas vezes reveladas pela existéncia de estudan- tes de Graduacio, Pés-graduacdo e profissionais externos a instituigo em seus meios, 0 que os converte em coletivos de construgao. De modo geral, a maioria dos Grupos, com algumas excegées facilmente localiz4veis no mapa dos recursos humanos, apresenta poucos pesquisadores voltados para o trabalho com o Ensino de Histéria no interior da instituicdo que os abriga, o que aponta para o fato de que os Grupos sao, por vezes, os espacos de interlocugao possiveis para um ou dois pesquisadores que, sozinhos, vao formando novos pesquisadores, desde 0 segmento da Graduacio, a partir desse foco de problematizacao. valor bruto envolvido na informacao sobre a existéncia de 131 grupos lo- calizados em Departamentos de Histéria e 53 em Departamentos ou Faculda- des de Educacao nao significa, todavia, a express4o mais completa ¢ efetiva de uma comunidade disciplinar. A andlise pormenorizada das linhas de pesquisa, dos Curriculos Lattes e da producao dos diferentes pesquisadores, verificada por meio das produgées e orientacdes académicas, permite-nos aplicar filtros que ressignificam os nimeros globais apresentados inicialmente, saindo do espectro do que seria um vasto e inespecifico universo de producéo. Quando associados 8 verificagao das tematicas nas quais 0 ensino de Historia impée-se como objeto privilegiado de investigacdo, os néimeros iniciais nos re- tornam bem mais matizados e com maior precis4o, envolvendo aquilo que nos conduz ao encontro da provocacao inicial de Pierre Vilar: o entendimento do conhecimento de uma matéria, na qual se estabelecem relagdes com os saberes envolvendo sujeitos, politicas e préticas que precisam ser compreendidos em sua dimensio de especificidade e nao generalidade. Desse modo, a expresso EN- SINO DE HISTORIA como descritor do Grupo que tem Hist6ria em seu modo de designacao diz, na verdade, pouco acerca do esforco de investigacao no inte- rior de um campo especifico. Ao passarmos & verifica¢ao dos modos pelos quais determinados pesquisadores vém se dedicando, muitas vezes anos antes de seu doutoramento, ao Ensino de Histéria como foco central de suas investigagées, compreendemos que hé algo muito além de uma nomeacfo, ainda que admitindo a forca da dimensao simbélica inerente ao ato de nomear. Ao levantar os dados globais disponiveis na base do CNPg, observei a localiza¢ao dos grupos na area de Histéria ou de Educagio, sua historicidade a partir do marco fundacional, a produgo académica (exceto anais de eventos) dos pesquisadores doutores que 0 100 SONIA REGINA MIRANDA integram, as orientag6es e os projetos de pesquisa atuais, tentando, através desses dados, capturar um mapa geral do Ensino de Histéria por meio dos indicadores gerados. Busquei, ainda, identificar ano de doutoramento dos pesquisadores € © ano de inicio da produ¢ao no campo do Ensino de Histéria, o que nos faz perce- ber que a especificidade da pesquisa em Ensino de Histéria se d4, na maior parte dos casos, numa relacdo direta, através de uma conex3o longeva entre o campo € © pesquisador, muitas vezes anterior ao proprio processo de doutoramento. Ob- servei também os trabalhos publicados em revistas e capitulos de livros, com exce¢do, como acima mencionado, dos anais de eventos - 0 que ampliaria em muito 0 escopo da pesquisa diante da massa de dados -, ainda que estes se abram como uma trilha interessante de investigaco, uma vez que a participacao em eventos nos permite observar os auditérios aos quais o pesquisador se dirige e nos quais se insere e circula. Além disso, levantei o ntimero de orientagées globais é especificamente voltadas para temiticas referentes ao ensino de Histéria em nivel de Iniciagao Cientifica, Mestrado, Doutorado e Pés-doutorado, bem como orientagdes em cursos lato sensu, de modo a aferir seus efeitos sobre as redes de ensino. Uma observagio particular, nesse caso, cabe ser feita acerca dos trabalhos de Iniciagao Cientifica, pois, quando nos dedicamos a rastrear os grupos com mais de uma década de existéncia, é possivel verificar inimeros estudantes que se ini- ciaram no campo do Ensino de Histéria na Graduago e seguiram esse percurso no Mestrado e no Doutorado, o que faz com que, hoje, eles se posicionem, de modo sistémico e organico, na comunidade investigativa do Ensino de Historia, buscando seus eventos especificos e espacos de legitimacao. Por tiltimo, tentei visualizar as pesquisas, atualmente em desenvolvimento, cujo foco € o Ensino de Historia. Nesse caso, os dados obtidos nos permitem classificar, em diferentes naturezas, 0 que denominei de relagdo com o Ensino de Histéria. Para efeitos de demonstragao do que pretendo evidenciar, classifiquei essas formas de relacio como: direta, indireta, transversal ou descontinua. Por relacao direta, considerei o tipo de conexao em que se verifica a exis- téncia de uma relacao de continuidade profissional entre 0 Doutorado dos pesquisadores Ifderes ou associados e 0 campo temético em questo, o que faz com que o Ensino de Historia figure como objeto direto de investigacio ¢ orientacdo. Por relagdo indireta, nomeei os grupos nos quais, ainda que o tema Ensino de Histéria se apresente como descritor de atividades, a produ- Gao, os projetos de pesquisa e as orientacGes evidenciam que nao é o Ensino de Histéria em sua complexidade o objeto de investigacao privilegiado, mas temas de Histéria que, supostamente, qualificariam os profissionais como “especialistas” em “Ensino de”, por uma derivagao quase que espontanea. Nesses casos, voltando ao desafio da ambiguidade proposta por Pierre Vilar, credita-se a atribuicao da pesquisa especifica 4 matéria de um conhecimento, CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 101 no caso a Histéria, como dado que, por si s6, chancelaria essa designacao dos pesquisadores, o que constitui atitude por demais reducionista e simplificadora. HA ainda os cenarios em que a rela¢do pode ser denominada de transversal, ou seja, 0 pesquisador dedica-se a temas que predominantemente dialogam com © universo da cultura politica e/ou praticas sociais para as quais a questo do conhecimento escolar se imp6e como tema de andlise, no tocante aos impactos curriculares. E 0 exemplo dos estudos relativos 4 questo étnico-racial no Brasil contemporneo, que buscam, para efeito de demonstragao de aspectos interpre- taveis, os curriculos escolares. Ha, por tiltimo, a rela¢o que podemos qualificar de descontinua. Nesses casos, vemos pesquisadores que, sob o ponto de vis- ta da triade pesquisa tematica, producao académica e orientagdes, manifestam uma relacdo de sazonalidade envolvida em sua trajet6ria e que o coloca ora no interior direto de uma comunidade especifica, ora como um sujeito exterior a essa mesma comunidade. Desse modo, o Ensino de Histéria aparece em lapsos, o que ndo significa dizer que, em sua atuacio cotidiana, essa problematica desa- pareca do cendrio de investimento profissional desse/a pesquisador/a. Todavia, a expresso visivel de suas contribuicGes para esse campo nao é continua. quea sintese derivada da andlise de todos os curriculos dos pesquisadores descritos no conjunto dos grupos rastreados nos revela? Uma reduc signi- ficativa em torno dos nimeros globais apresentados, ao lado da expresséo de um resultado revelador de uma comunidade particular, cuja relagao com esse campo investigativo se d4 de modo direto. Vejamos a expressdo dessa relacdo nos dados globais: 58% dos grupos de pesquisa verificados estabelecem com o campo do Ensino de Histéria uma relacdo apenas indireta, ou seja, derivada de atos de nomeagao gerais, sem a necesséria vinculagio de uma producio e/ ou atuagfo académica cujo foco esteja nos atos educativos e/ou nos processos de ensino-aprendizagem da Historia em espacos escolares e nao escolares. Em 3% dos casos, verifica-se uma relacdo descontinua, isto é, a presenga de pes- quisadores e/ou grupos que evidenciam a existéncia de lapsos em sua pesquisa nesse campo tematico, o que nao reduz a importdncia de suas produgées, mas realca uma rela¢do que nfo se sustenta temporalmente. Em 12% dos casos ~ e esse segmento cresce ao longo dos tiltimos anos, especialmente em fung&o da forca de pesquisas voltadas sobretudo ao tratamento das questdes relativas as relagdes étnico-raciais brasileiras -, verificamos uma relagio transversal com ‘© campo. Isso significa dizer que os trabalhos ¢/ou orientagbes académicos em que o Ensino de Hist6ria se manifesta nao constituem um ponto de partida, tampouco foco privilegiado desses grupos e/ou pesquisadores, mas emergem como resultados pertinentes 4 orientaco na vida pratica, para assumirmos uma expresso analitica trazida por Jorn Rusen (2001). Em boa parte desses casos, © campo do Curriculo e suas implicagdes diretas ¢/ou indiretas no Ensino de 102 SONIA REGINA MIRANDA Historia emergem como um eixo voltado a publicacOes relativas 8 reverberaso de pesquisas em torno de questdes sociais. Somente em 27% dos casos ~ menos de 1/3 desse cenério global, portanto - verificamos grupos e pesquisadores nos quais se evidencia efetivamente uma relacdo direta com o Ensino de Historia. Isso significa dizer que, nesses casos, o tema, o problema e 0 encontro com 0 campo e a construcao de scripts tedricos se dio em correlagao direta com a com- preensdo dos processos educativos em Histéria. Quando conseguimos capturar essa complexidade e a trazemos para observar novamente os dados relativos ao Iécus académico dessas pesquisas, os ntimeros originais ganham nova conotacao, conforme verificamos no gréfico abaixo. Isso nos revela, ento, o primado dos espacos de Departamentos e Faculdades de Edu- cago nisso que localizamos como pesquisas diretas — 0 que ndo significa desvalo- rizar a importancia dos grupos existentes e s6lidos localizados em Departamentos de Hist6ria. Mais do que isso, fica claro 0 quanto a relacao indireta ~ muitas vezes restrita apenas aos atos de nomeacao — se expressa em rela¢do aos Departamentos de Histéria mais do que em relacio aos Departamentos de Educacfo. Nesse senti- do, portanto, é que se inicia, a meu ver, o esbogo em torno do que representa essa comunidade disciplinar. Além disso, a partir de um recorte inicial de 184 grupos genéricos, passei a me deter sobre a observago metédica de 40 grupos nos quais, efetivamente, o tema se revelou, a partir de sua produgao enquanto base de pes- quisas e ago de formaco voltadas ao Ensino de Histéria. SOBRE A NATURI DA RELAGKO COM O CAMPO DE ENSINO DE HISTORIA POR ARt uate 83 relagio relagdo—relagio—_relacao DIRETA —indiveta_ transversal. descontinua Fonte: Orie do Grupo de Pesquisas do CNPq. Consulta em 2017 Quando nos detemos no recorte especifico emanado desse cendrio de re- lagdo direta com o campo, passamos a observar a forca formativa dos Grupos de Pesquisa e os modos como opera, nesses espacos de formacao particulares, a geracio de novos pesquisadores preocupados em tomar 0 Ensino de Hist6- ria como objeto investigativo sistémico. Para maior visualidade desse aspecto, CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 103 busquei cartografar os resultados de formacao construidos em fungdo dos ras- tros produzidos por quatro pesquisadoras selecionadas desse campo, quatro caminhantes, auscultadas em fungao de suas caminhadas, a saber: as profes- soras Emesta Zamboni, Lana Mara Castro Siman, Ana Maria Monteiro e Selva Guimaraes. A decisao por seus nomes se deu, em primeiro lugar, em virtude de todas serem pesquisadoras de referéncia no campo do Ensino de Histéria, re- conhecidas enquanto tal nacional e internacionalmente. Ernesta Zamboni, por pertencer ao grupo de profissionais pioneiros no esforgo de definir 0 campo do Ensino de Histéria como objeto licito e necessario de pesquisa e perseguir esse movimento formando diversos pesquisadores que hoje dao sequéncia aos caminhos por ela trilhados, inclusive eu mesma. Ana Maria Monteiro, por ser uma pesquisadora de referencia no tempo atual e ter sua posi¢o em destaque no estado do Rio de Janeiro, local sede do XI Encontro Nacional de Pesquisa- dores do Ensino de Hist6ria. Lana Mara Castro Siman e Selva Guimaraes fo- ram escolhidas como pesquisadoras mineiras ~ estado no qual me situo como pesquisadora ~ e que, do interior de diferentes instituig6es de ensino superior, também ganharam notoriedade em suas pesquisas e trajetorias como pesquisa- doras. Para além do elo estabelecido a partir do Ensino de Hist6ria, essas quatro professoras destacam-se como pesquisadoras que vém formando pesquisadores no campo do Ensino de Histéria em nivel de Graduacdo, Mestrado, Doutorado ¢ Pés-doutorado. Nao & demais dizer que certamente eu poderia ter escolhido dezenas de outros pesquisadores e pesquisadoras que encarnam também esse lugar de referéncia para o campo,/e qualquer decisdo nesse sentido traria, como a minha trouxe, um componente de evidente arbitrariedade. Deixo aqui, por- tanto, 0 convite para a continuidade dessa cartografia. Por outro lado, a minha decisao de focar as suas trajetérias enquanto inves- tigadoras desse campo é também uma forma de tributo e reconhecimento, de minha parte, pelo que seus caminhos representaram e seguem representando em termos de inspiragdo para intimeros pesquisadores Brasil afora. Para tanto, acompanhei, por meio dos registros na Plataforma Lattes, 0 percurso pro- fissional de todos os pesquisadores formados por cada uma das quatro pro- fessoras, buscando identificar aqueles que tiveram seus focos voltados para esse campo e que, em suas inser¢6es profissionais, d4o sequéncia a essa trilha investigativa. O objetivo desse levantamento foi o de produzir um mapa dos percursos desses profissionais e, com base nessa cartografia, refletir acerca do que significa o crescimento potencial desse campo, considerando-se que lida- mos, neste mapeamento, com apenas quatro sujeitos emblemiticos. Emesta Zamboni é graduada em Histéria pela PUC de Campinas, mestre em Histéria pela USP e doutora em Educagao pela UNICAMP Sua tese doutoral re- 104 SONIA REGINA MIRANDA lativa aos livros paradidaticos de Historia foi orientada por Elza Nadai, uma das pesquisadoras precursoras desse campo investigativo no Brasil. Suas primeiras pro- dugGes publicadas no campo do Ensino de Hist6ria datam de 1986, considerando- -se 0 registro no Lattes, embora saibamos, nesse caso, que o Lattes nao contempla © conjunto de sua produco, por ser uma ferramenta de controle formada muito tempo depois da inser¢ao da professora nesse campo de atuagao. Desde 0 inicio de sua insergao como pesquisadora do campo e coordenadora do Grupo Meméria da UNICAMB Ernesta Zamboni atuou em 45 orientagdes em todos os niveis, sendo 25 delas voltadas para a formaco de mestres, doutores e pesquisadores em cursos de Pés-doutorado, que tiveram 0 Ensino de Histéria como objeto direto. O resulta- do de suas orientacées ja foi capaz de produzir uma segunda geracdo de pesquisa~ dores que também seguem, na condigao de orientadores, atuando na formacao de novos profissionais do Ensino de Historia. E o que se observa a partir dos mapas abaixo, que trazem, respectivamente, a primeira e a segunda geracao de pesquisa- dores formados por Emnesta. Cabe destacar que se encontram localizados no mapa apenas aqueles pesquisadores que deram sequéncia a busca sistémica desse campo, estando de fora os que se titularam e passaram a investir em outros eixos tematicos. Como se pode observar, 0 efeito de penetracéo dos pesquisadores formados pela professora Emesta é notavel em diferentes territérios e regides do pais, assim como em diferentes tipos de instituigdes de Ensino Superior. No momento, a professora Ernesta Zamboni est4 aposentada pela UNICAMP mas segue atuando e participan- do de eventos académicos na area do Ensino de Histéria. Ernesta Zamboni: Ernesta Zamboni: primeira geragao de pesquisadores primeira e segunda geracbes, Fonte: Diretério do Grupo de Pesquisas do CNPq ¢ Plataforma Lattes. Dados consultados em julho de 2017. CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 105 A professora Lana Mara de Castro Siman é graduada em Pedagogia, mestre em Educagio pela UFMG e doutora em Didética da Historia pela Université de Laval, em Quebec. A graduacao em Pedagogia jamais impediu 0 seu acesso a0 campo da Histéria em teoria e epistemologia, mas, por outro lado, lhe conferiu elementos que favoreceram a focalizacao substantiva na problematica em torno dos processos de aprendizagem e suas mediagdes. Sua tese doutoral, produzida no ambito de um programa em Didética da Histéria, foi orientada por um pes- quisador internacionalmente conhecido nesse campo, Christian Laville, e dedi- cou-se a discutir mudangas curriculares e processos de aprendizagem histérica. Suas primeiras produc6es publicadas no campo do Ensino de Histéria datam, segundo seu Lattes, do ano de 1997. Foi professora da Faculdade de Educagao ¢ do Programa de Pés-graduacao em Educagao da UFMG, estando aposentada desse cargo, apesar de seguir como docente permanente e atuante no Progra- ma de Pés-graduacao da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG. Sua énfase investigativa e de orientagio se da no campo das relages entre Meméria Social, Narrativa e Patriménio. Até hoje constam, em seus registros académicos, 75 orientagdes em todos os niveis, sendo 44 delas voltadas a formacao de mestres, doutores e pesquisadores em Pés-doutorado, que tiveram 0 ensino de Histéria como objeto central de investigacao. O resultado de suas orientacdes, consubs- tanciado no mapa abaixo, revela uma primeira gerago de pesquisadores, a qual ainda nao reverberou na constituigao de uma segunda gera¢o em torno do Ensi- no de Hist6ria, movimento que, no entanto, encontra-se em curso, em virtude do processo de localizacao académica dos profissionais por ela formados. Lana Siman: primeira geragao Fonte: Diretério do Grupo de Pesquisas do CNPq ¢ Plataforma Lattes. Dados consultados em julho de 2017. 106 SONIA REGINA MIRANDA ‘Ana Maria Costa Ferreira Monteiro é graduada em Historia pela UFRJ, mes- tre em Histéria pela UFF e doutora em Educacao pela PUC-Rio. Realizou esta- gio pés-doutoral na UFRN, sob a supervisao de Durval Muniz de Albuquerque Jr. Sua tese de doutoramento constitui um trabalho de referéncia para a com- preensio da problematica relativa 4 formacio de professores, saberes docentes e cultura escolar no Brasil, tendo como mote analitico as praticas educativas e narrativas de professores de Historia. Suas primeiras produg6es publicadas no campo do Ensino de Histéria datam de 1988, bem anteriores, portanto, ao seu processo de titulacdo no Doutorado, o que nos permite localizar a dimensao de uma relagdo longeva com esse campo. Atualmente, sua atuaco se divide entre a Faculdade de Educagio da UFRJ, onde atua também no ambito da Pés-gradu- ago, e o PROF-HISTORIA. Sua énfase investigativa e de orientagao se dé no campo do Curriculo e nas praticas em torno da Histéria Ensinada. Jé efetivou, até hoje, 66 orientagdes em todos os niveis, sendo 20 delas voltadas para mes- tres, doutores e pesquisadores em Pés-doutorado, que tiveram o Ensino de His- t6ria como objeto privilegiado de pesquisa. Cartografando suas orientacdes e refletindo acerca do proceso de formacao de pesquisadores, chegamos ao mapa abaixo que, assim como o anterior, revela o estagio de uma primeira geragéo que ainda se encontra em processo de inser¢4o académica. ‘Ana Maria Monteiro: primeira geragao Fonte: Diretério do Grupo de Pesquisas do CNPq e Plataforma Lattes. Dados consultados em julho de 2017. ‘A professora Selva Guimaraes possui Licenciatura em Estudos Sociais pela UFU, Graduacao em Histéria pela UFU, Mestrado e Doutorado em Historia pela USP, tendo sido orientada por um pesquisador igualmente reconhecido e CARTOGRAFIAS DA PESQUISA EM ENSINO DE HISTORIA 107

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