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ler Janer Moreira Lopes ania de Vasconcellos Procuando ulvapassar siuapBes de confnamenio a que i Infncia tradhonlrente fi votada polos estudos soils dos munios infas- 0 da cianga como destnatiio da acgdo eaucava elou protectora ds adutos, ou ada consideracgo da irlevancla ca azo das ciangas, toda Con reflex especuar das gues areas 0 como expresso de incompletude ou iratuidade bopscaligica ste ‘campo inierdscipinar de estudos visa resgatar a Infica na sue altidae face aos auto, tanto quanto dar conta das dfeengas que heterogeneizan as ciancas ese expimem em disintas opotundatos, tralects de vida e mados de expressdo simboica. Ouve a voz das ‘lang no se constiul como um sinpes desidrato metodolxico, mas como uma congo decisiva para oeslabelecmenio do dilogo intrgeracional que a cécia sci éconvidadaa rear O fvro inscreve-se nesia campo, através de una pora de «entadaque 6 amsimesma, singular, com agus rotavels as nm por isso mesmo menos raosinefocatores no plano inlernacional: 0 da Geograada nicl, ere Mave Jacinto Sermonto Institito de Estudos da Crianga da Universidade do Minho i Geografia da Infancia Reflexdes sobre uma area de pesquisa CGEOGRAFIADAINFANCIA REFLEXOES SOBRE Unk AREA DE PESQUISA Diet de a: FUME age ‘ee stn oF) nanan Ceres tr 1a Specs Goer cha ‘tbat aes ea aoa sorts reer CES er itn re ve te de psn / er rr Re ep Tse arc Fen TEE, Sumério Os Autores Preticio lnwroauco Geografia dl Infra: emergingoo tema ‘Geogratia da inncia:deserhando conceitos Geogratia da nfncia © CroqusTerritras: rnarrando experiéncias em pesquisa qualitatva Geogratia de nnd, terres nants contemporaneiace: cura flexes, or " 2 w a 35 Para Ana, Lorena e Lorenzo. Para Edmundo J Os Autores Jader Janer Moreira Lopes Graduado em Geogratia. Mestre em EducacSo. Doutor em Educacéo pela Universidade Federal Fluminense. Professor Adjunto do Departamento de Educacao, Sociedade e Conhecimento da Faculdade de Educacio da Universidade Federal Fluminense. ‘ermait: janer@uol.com.br Sjaner@vm-uff.br Tania de Vasconcellos GGraduada em Pedagogia. Mestre em Educagao. Doutora em Educacao pela Universidade Federal Fluminense. Professora do Departamento de Educagio Matematica da Universidade Federal Fluminense, e-mail: taniadevasconcellosaterra.com.br taniadevasconcellosavm.uff.br Apresentagio (0 tivra Geografia da Infancia Reflexdes Sobre uma Area de Pesquisa & 0 resultado de trabathos de fnvestigagbes qualitativas com criangas, onde a iaténcia Ibo aparece como simples segmento da vida e sim com expecificidade de sujeltos plenos de dirett. Numa Geografia desentada pelas méos de criancas, © trabalho busca compreender os lugares ocupados por elas em Interacio com seus outros socials, dando-Ihes vox € vendo-as como sujeltos pertencentes a lugares, nao sb na pesquisa como na vida. ‘Infancia apresentada nao é identificada por seus ‘marcos bioldgcos, mas é vista como construrio cultural ¢ Fistérica, po isso: artefato social. Com nitidos contornos ceestatutopréprio, as criancas das pesqusastratadas neste Livro apresentam modos distintos de perceber seus proprios deslocamentos e de entender como tals movimentos ‘Anterferem no curso de suas vidas e, consequientemente na construgdo de suas Infancias,j4 que os teritérios por elas apropriados e aqui nacradas marcam a dversidade e esigualdade resuitantes da posicio socal, género, etnia @ experincia escolar vvidas por seus personagens ‘Muito me orgulho de ter podido acompanhar, na condigéa de orientadora, as teses de dautorado dos autores Jader Janer Noreira Lopes, intitulada Entéo Somos "nudantes': Espaco, Lugar e Territérios de Identidades fem Criangas Migrantes, 2003 e Tania de Yasconcellos, com a tese Crianga do Lugar e Lugar de Crianga: ‘Territorialidades infantis no Noroeste Fluminense, 2005, ambos no Programa de Pér-Graduacaa em Educacio da Universidade Federal Fluminense. Tenho agora o privlegio de ser a primeira leitera deste livio, uma contrbuicso ‘inovadora, tanto no plano teérico quanto metodolégico, com 0 inegivel mérito de agucar a nossa sensibilidade para pensar em que lugar social estamos - enquanto mundo Adulto -designando lugares para nossascriangas eo quanto respeitamos as subjetividades infantis vividas © redesenhadas por elas nesses lugares ‘Trata-se, portanto, de um belo e raro trabalho a sewvigo da criancal Vora Maria Ramos de Vasconcellos Universidade do Estado do Rode ane Univestaade Federal Fluminense Prefacio 0 livro de Jader Janer e Tania de Yasconcellos, agora dado & estampa, flla-se decieidamente num campo de estudos que revela grande vitaldade na sua constitg80 recente desenvolvimento, no plano internacional: 0 dos cextudos da infancia Procurando ultrapassr situagdes de confinement _aque a infanciatradicionalmente foi vetada pelos estudos ‘socials dos mundes infantis - da crianga como destinatério da acco educativa e/ou protectora dos adultos, ou a da consideragao da irelevncia da acco das crianas, tomada como reflexo especular das figuras parentais ov como ‘expressao de incompletude ou imaturidade blopsicoligica este campo interdisciplinar de estudos visa resgatar a Infancia na sua alteridade face aos adult, tanto quanto ar conta das diferencas que heterogeneizam as crangas € se exprimem em distintas oportunidad, trajectos de ‘vida e modos de expressao simbdlica. Ouvir a voz das criangas nao se constitul coma um simples desiderato metodelégico, mas como una condicao decisiva para o estabelecimento do dilogo intergeracional que a céncla social 6 convidada a realizar. 0 tivo inscreve-se neste campo, através de uma porta de entrada que 6, em simesma, singular, com alguns notavels mas nem por isso mesmo menos raros ‘ntertocutores no plano internacional: 0 da Geografia da Infancia Ao prvilegiar 0 espaco fisco-soclal (no & mals possivel dicotomizar estes dois terme, sendo a hifensinal de uma imbricagto © nfo de uma dsjungéo) na abordagem da inféncia a partir de si mesma, e a0 adoptar como ‘constructos expressbes como territéio e terrtoralidade, tespaco e luger oF autores apresentam um signficativo Contributo para a inteligibilidade do modo como o habitus se funde com 0 habitat e vice-versa, e como tudo isto se configura em traiectos de vida e processos de Wdeatificacao ‘infantil, Pederla pensar-se que a0 focar o enraizamento territorial das praticas socials Infants 0 livra se coloca numa perspectiva fixista, Bem pelo contrério: é de fdentidades mutantes que o livro trata, na exacta medida ‘em quearrisca um olhar metodolgico que captaotransito, 2 errincia e a mutacio entre espacos e neles descobre processos de identificacao marcados pela transitoriedade, pela negociagao e pela capacidade de constituicéo de ‘munéos de vida para além de todo 0 enraizamente. ‘scrianga, cada cranga, acupa o lugar que os adultos prescrevem, que a sociedade thes reserva © que @ ‘administragio simbética thes indica, mas fé-lo sempre a partir desse lugar irradutivel e astinto que é o da sua cultura, conjugada e construida continuamente na ‘nteracco com of outros @ com os adultos. E esse lugar que se resgata neste livr. Por isso mesmo, a partir de uma abordagem dsciplinar da Geografia 6a Infancia & todo 0 expaco geedésico do lugar da infSncia {a um 36 tempo, miltiploe inico) que est livros ajuda {2 pensar, a melhor localizar e também, a melhor propor como um lugar habitavele justo. Manuel Jacinto Sarmento Instituto de Estudos da Crianca ‘da Universidade do Minho Introducao Na transcrigdo que abre esse texto, 0 menino Femando se diverte com as chuvas e tempestades que caiam na cidade © chegavam até 0 interior de sua casa através de possves fisuras ¢furos exstentes nas telhas. Tal situagho gerava um “corre-corre” entre 0s adultos na tentativa de evtar uma possivel inundacio no interior da residéncia, Todos os transtornos domiciiares trazidos peo ‘a tempo atmosferco sao subvertdes na ética domenino € se transformam num raro momento de diversio de sua vida cotidiana: 0 sons dos pingos, dos passos; o movimento das pessoas; uma nova goteira sio eventos percebides de Torma diterenciada pelo olhar dos adultos © daquela crianga ‘A poasia de Fernando Sabine descita no tveo merino no espetho" & rica de momentos como esse, no decorrer de suas palavras 0 pequeno garoto, que vem 2 ‘ser 0 proprio autor, vive diversas fantasias de sua infancia transforma a reaidade a todo momento: € assim que aprende a conversar com uma galinha para salvé-la do ‘almago de domingo, onde seria 0 prt principal; aprende a ficar Invisively @ Voar como os passaros; encontra Giferentes personagens da iteratura e visita diferentes lugares. Suas aventuras nos remetem as relagées estabelecidas entre as criancase seus diferentes ambienter fe encontra-se com temas de pesquisas com os quas vimos ros confrantando a longo da construgio de nossa trajetéria académica. Nossas pesquisas situam-se na interface das cliferentesinfncias, seus cotidlans e contextosespactas. ‘So exatamente as fronteiras dessas reas ~ clmensbes a {que temos chamado de forma geral de “Geografia da Infancia” - a tematica central desse tivo, Como todas as palavras presentes ern um texto tém uma histria. e uma geografia, Ja que foram produzidas rum entrelace de espacos, tempos © pessoas, existe num livro um contexto que este emerge que multas vezes tescapa a0 proprio tema que o tivo aborda, mas conhecé- lo ajuda ao leitor compreencer os caminhos trades por seus autores. A narrativa de tal trajetria dé uma certa autonomia a este escrito, configurande-the um caréter de "introducio", e @ isso que vamos contar um poco aqui 05 escritos que concederam este livro tém sua origem em nossas trajetérias de vida e de pesquisa. Resolvernos agregar, em um tnico espaco, reflexBes que vinhamos fazendo em diferentes lugares e que estavam espathadas em diferentes textos, por 180 0 leltor mals tento perceberd que, na verdade, compilamos aq lguns de nossos trabalhos ja publicados em anats de seminarios simpésios, revistas © outros meios, como também ‘encontrara passagens inéditas, conferindo ao texto final uma caracteristica singutar. Cabe ressaltar ainda que essas reflexes esto em Constante movimento, em constante configuragio e re: ‘configuracio ¢ ndo constituem constructos fechados & acabados. Nassointuito 6 trazer e compartilhar alguns “ “achados” que emergiam de nossostrabathos de campo, do contato com 0s diferentes espacos e ambientes por ‘onde transitams. ‘A diviso consiste em quatro capftulos: num primeira momento, estabelecemos um didlogo demonstrando a forigem do tema; a seguir fazemos algumas retlexdes teéricas buscando deserhar conceltos considerados por ns cessenciais; mats adlante, apresentamos algumas reflexées sobre o trabalho de investigacko qualitativa com criancas; © por ditimo, tevantamos algumas consideragoes sobre @ Infancia na contemporaneidade Escrever pesquisa e Inscrever-se como pesquisador € uma tarefa que envolve diferentes sentimentas e situagdes: a empolgacio das descobertas, a busca de respostas para as indagacdes, as dGvides, as angsties, 0 prazer... s40 sensacées comuns a quem se aventura a onhecer 0 desconhecido. Nesse caminho, contar com ‘outro & construir ports seguros nos momentos mais dficeis da travessia. Por isso gostariamos de agradecer a vérias pessoas que estiverem conosco nesse trabalho, além de evidenciara sua cumplicidade com as idéias aqui expostas Na impossibilidade de nomear todas, destacamos Vera Vasconcellos ¢ Manuel Sarmento. Temos clareza ¢ cortoza que, sem elas, ndo seriam possiveis todas essas consideragées Este lvroé, assim, um encontro de diversas fontes: € a comunnao dos dados coletados em diferentes campos de pesquisa, do didlogo com as criengas, das buscas bioliogrticas e do encontro com diversos autores e que agora apresentamos sob o titulo "Geografia da Infancia: Feflexdes sobre uma area de pesquisa” sso desejo ¢ contriburr com as discussées na érea da infancia e amplia-las, buscando compreender as situagbes vividas por nossas criangas em seus espacos ‘cupados, coma nos ensina o menino Fernando a0 reconfigurar toda a logica de seuv ambiente imediato, quando se transforma num agente secreto, em suas palavras: GU sik no fro ds mi casa" BNO, 18D. 72 Geografia da Infancia: Emergindo o tema Para Bosi (1996, p.11) "Comesar pelas palavras talvez nao seja coisa vi. As relagdes entre os fendmenos deixam marcas no corpo da linguager." Pr iso, iniciamos ‘esse capitulo transcrevendo um conto: posto de pape ce eke pra av Ouen» ena ras un de sac at, cae ” a werner ee een ena mee sae Se Sn t "hashes tude aa ‘irs ome wk plas Donna en easente ee teat en Seater Se LESS wo Asia acme deve tor furade etre o camponeses ances no mtg rege, sequdo OBTON {158 versa oil de um casio inant modem Shapes Vermet". "at tna os femetem a questi deri sociedad ociental, Como © prop conto original nos Thostra, quando comparado a sa versao moderna Scorreram mooie que 0 adaptaram para uma nova pace, tornando se pase e seem crtads os sales Sotowraocos em fie do sca XV stoi recat ar waco popu © alterads por alguns esciores sec tnen inet a faemiomaten esa att, 2 REEAe Ea res sek teraseepsmer metas Ses ‘A literatura académica considera essas adaptasbes ‘de Chartes Perrault 0 inicio dos modernos contos de fadas t@o estabelecimento de um paradigma que serviré de base pare a literatura infantil, mais tarde ampliada por 6 a ecm nest Lranscricdes organizadas na Alomanha pelos mos Grimm, pelo dinamarqués Christian Andersen e outros. ‘A organizacao dos contos Infants passa a ser uma das linhas que tecidas com outra, ajudam a sstematizar, 1 partir do século XVI, 0 sentido modeena de infancia. ‘obra clissica de Aries (1981) velo demonstrar que «sociedad européia ocidenta sri iniciar um processo de reconhecimento de suas criancas a partir dos séculos XVIIXVIL Na idade Média e no inicio dos Tempos Nodernos, ‘ndo podemos falar ainda de uma particularizagso da crianga, na sociedade, apenas de em um sentimento de "paparicacao", uma vez que, assim que paciam dispensar Ce cuidado da mie ou ama, ocoria 0 seu ingresso no muda aduto: sc yc a so ‘tS, nal as um amr ep ‘ssc Nao havia trajes especifices, nem diversoes diferenciadas; temas, hoje, considerados "prosbidos” para a5 criangas, como sexo, no encontravam objecio; no havia também preocupacdo com a marcacko da idade; ‘2 aprendizagem ccorria no. proprio. cotidlano. Na verdade, “(...) ninguém pensava nelas como criaturas Inocentes, nem na propria infancia como fase diferente ‘davida, claramenteeistinta da adolescSncia, da juventude fda fase adulta por estilos especiais de vestir e de 52 ‘comportar". (OARNTON, 1988. p. 47) ‘Asmudancas sociais, econémicas, religiosas, politicas ‘corridas ao final do século Xl comecam a criar 9 inicio ‘da particularizacko da infancia, que emerge junta com a ‘organizago da sociedade burguesa, pautada nos ideais do Uiberalismo e, com ela, a reestruturacao do espaco estindo para a8 crlangas “A comvénla scl que oct n esac pio cede latent ugar pata‘ privado e& acompantada dn reovgnizago da Lica expat, 2 qual passa ase tdenara part oe prestpostar ras pel nova ordem Sconomica € soci A necesidade de inimidade © Brivecldade encontra na rergenzacso da Tamla un Exminto para dstencamenta a cletindade A parte Gr constructo do mito do amor materno pater, a faa tomes ed tei eae pends oe hos , portato, oar prineiro pata nani, Bau segundo aries (1981, p12), redesenhou 8 fnpotinle dada a8 eins: Ato omen no a arpa em we cian eateries gener sea ate Stapnat,gusnor eponvepra eo bare ‘rs ome oreo cu pees et eae ‘A escola passa a dividir com a familia as responsabilidades sobre a infancia recéminventada. O ‘otidiana, local até entéo de aprendizagem das criangas, cede lugar & educacao escolar, onde as criangas, vistas nessa nova ética como seres "puros" e "fragels”, ser30 Dreparades paraa "vida", para aentrada no mundo adult: {elit ms mrs» ere rans ein ‘Selsurmms do cows crm ny nrg dco ce ers hrs eh Para Postman (1999, p.34), 0 reforco dessa separagao ecorre com o surgimento da imprensa com caracteres mévels, a qual 1rd estabelecer uma nova 20 concepeo de aduto, excuindo a criancase, dessa forma, tornourse necessério encontrar um outro mundo que elas ppudessem habitar Esse outro mundo velo a ser conhecido como Infancia.” Esse autor reforga que as mudancas tecnoldgicas ra drea de comunicacdo sempre apresentam efeitos estaca trés que ocortem invariavelmente: “alteram as estruturas dos interesses (as coisas que pensamos), 0 caréter dos simbolos (as coisas com que pensamos) € 2 ratureza da comunidade (a area em que o5 pensamentos se desenvolvem)" (POSTMAN, 1999, p34). Com efeito, € ‘que parece ter ocorido com a imprensa e como aumento a publicacto de tiveos: a teitura individual, Isolada e em slléncio, substiul o senso de oralidade presente até ent, ‘quando’os textos eram narrados em voz alta © ouvidos Coletivamente, Esse siléncio Individual contribut para 0 surgimento de um sentimento de privaciéade. 0 Individualismo comeca a se tornar, assim, "uma condigao ormat ¢ acetivel” (Idem, p.41), e o rundo aduito se confunde com 0 mundo da'tipogratia? ' rpida proiferacko dos livros constr um novo sentido para o ser adulto; em contrapartida, cria-se a Sseparacio da infincia, que estabelecia como timiar @ possibilidade de titra: phiereminaerssmacer Cee ese Sali Ws an Ape Samar inane ra ani con a tras taone,comeraaoeoarier ee a Surge 0 desenvolvimento de conhecimentos specifics para a infancia, como o livro de pediatia de ‘Thomas Raynald, que rendeu sete edigdes antes de 1600 e foi publicado até 1676. Escritos sobre “como se comportar”, como "a cranca aprende”, como “educar” € ‘outros organizam um aparato simbélico que constr6i uma forma de ver e perceber a crianca a partir da ética adult ‘Além disso, 0 aparecimento das roupas infantis, a nogdo de idade, 0 desenvoivimento de uma tnguagem tipica, 0s Jogos infantis (cantigas de rodas, jogos de rua), 0s brinquedos © @ iteratura espectalzada contribuem para a formagho € a manuten¢so dessa nosso. ‘ho final do século XIX, Um novo feixe passa a Snterage no ser Infancia: 0 da clentiticidade; os trabalhos de Sigmund Freud, de John Dewey, asociados a outros no ‘steulo ¥X, como de Jean Paget, a0 conslidarem as bases para & psicologia do desenvolvimento, transformam a Infancia num conceite cientifica @ universal, possvel de ser apreendido e pesquisado , a0 que parece, irefutavel 0 liberalismo nascente concretiza 2 nocio de Individuo e de Identidade, de pecularidade dos sujettos, de prvacidade, concicoes necessarias para sua organizacdo fe manutengdo.? ‘obra de Ares reuniu em tomo de si, pontos de Vista convergentes e divergentes. Autores como Pollack (1990) e Ekikind(1986) levantam suposigdes ern relacto 20 proprio modelo de ‘nfncia historcamente elaborado por ele, Trabathando com documentos de época, a primeira utora reconhece a diferenciaglo das criancas em relagdo fos adultos como algo presente antes mesmo do século XVII; a mesma nocao ¢ detendi¢a pelo segundo, que tencontrou em estudos da Biblia e em antiges textos gregos fe romanos primeiras referéncias especials para suas “cee en rt ets ae crangas. Sarmento & Pinto (1997, p. 35) chegam a afirmar {que mesmo a auséncia de um sentimenta de Infancia em séculos passados, nao corresponde a0 seu negligenciamento, pois “uma coisa é a existénca da ita de Infancia e outra € a afeicao pelas criancas” ‘ho analisarmos 0 proprio sentido de inféncia construide a partir do século XV, podemoe afirmar que festa é uma idéia apropriada por alguns como verdadeira, ‘mas ndo aplicivel a todos, ou seja, a mesma nacio de ‘nfanctaapresenta diferentes apropragées de acordo com 05 interesses de quem a uliliza, © a sua pretensa ‘niversalidade sé eviste quando necessiria. essa forma, 0s feixes que definem o sentido de infancla variam de acordo com os interesses destradas pela Sociedade As suas diferentes camadas sociais, estabelecendo diferentes ‘caminhos para a vida adulta. Na Inglaterra do sécuio XI, por exemplo, no foi uma condiclo estendida aos filhos © fithas dos operérias, os quaiseram utilizados nas fSbricas € indistrias como mio de obra." ‘As iferenciasdes socials no rato crianca so fats Dresentes na istria da sociedade ocidental. Na sociedade reco-romana, apés 0 nascimento, as criangas eram Confiadas a uma nutriz, ue ficava responsivel entre autras coisas pela amamentacho do filho, J que raremente at mies 0 faziam. A nutri dividia com um "pedagogo” ou “rnutridor" a edcagao das criancas, aos quals se atribula funcdo de uma "vice-familia". (VEYNE in ARIES et all, 1996. p. 28) ’ educagdo tinha o intulto de "adornar 0 espirto” AUbidem, p. 33), ensinava-se a retérica, que eva a matécia “fe ean st in cn ame Se ete Si ic mpi celia Ca ‘rouse mun com cee en ‘hres sma eva nto nc) mina a mals prestgaa, A dade dor doze anes representa 0 Ute estes pare ae rsheres que ener repeadss para 0 casamento. Somente ov meninos abastedos {Entra p exo, cu infra fiaizav em tno tee tos inno vestes infants eam cada elas de ummm sda e podem Teer © que dove pret "Fras conties destiavamse 9s fos da case atta, use, ns gus prs tera eee, condo base paasor chat esr soca scans es fe exraves © estravas era coniserados proptedage parca dose sob co ose eva a deco sobre {au corn, incu Go penmanecsrem ses. 0 no. i servo por nascent, © eclhmento de canis aandeonasesun consequent congo escave, ‘Soo vena de cans pele comades da popuarso pobre que, sega Yee (1998), enegsvam ses ior ates ine sanuntertor mal sis verre armte", eam as rincpts fortes de “produso” ce un fers ceva de cxcraos a realdede eeresvel {que manta vigente ordem etabeleia Rig ds canes camponess ma dod hédia Bo escapaa deli soa ue peat sabe a alee. O trabtve pesado de cto 68 tera estendase 00 Sranhecey 2 ates home era presente eee tras comida, gertmente rede aun papa de pao © Sua, ste evenuntnete com agi repeal Se blot dome, gordo ms cand de Subnars0 Srutantey bsg expetativa de via, asolda ue Sis tare de moraine tars month un too prio de popuacho sbi, Sequdo Dron (1988, p's pra a more os campneses, 2 vida ra lets Sraumalatapetarabresvenca,esabrenvencasiiava Imanterseacima deine que Spero ob pobres dos inigentes.” 's contas populares representavam o trikco u ura outra historia, conhecida por "Os desejos ridiculos", um lenhador deseja uma Salsicha como um dos tres desejos que recebera, A fome a busca pela comida, 9 abandono, 0 trabalho infant, a ‘venda de criancas e outros sao flos que tespassam 25 ‘versas narratives dessa época, Em condicdes tao. precérias, as crlancas transformavamse rapidamente em trabalhadores, como + ue 050 sce 9s rg) ma mt oe net on Ses een ca ak Sec aes mes ut en eat It spi ener tc gan ie er nrc {eure oe omens arog tens suo sera ee ‘Migs gs tay gehen Ss aman ral orogeny wu epme genet sapet Simausi ioe oun hea asa dna s ota pe Suibecvene oe tons late lente nee ean Sis ec wns hae, ce sa one Se go oan ce pe de pls anos ‘Sete a dotnet one Saracens aot ‘Smita ima pe at os forma de engrossar a forca produtiva, tentado romper, assim, os limites malthusianos. E outras situagbes, eram vendidas ou "sotas” pelo mundo para buscaremsua propria sobrevivencia, Uma leitua simpliricada da obra de dries pode nos levar&conelurdo de que fi na Europa que surgiu o primeira Sentimento de infancia, porém as pesquisas etnogréticas demonstram que diversas comunidades, fora desse continente, ja demarcavam um lugar diferenciado dos adultos para suas criancas. Nunes (2002, p. 65-6) 20 Abordaro tat assunto, declare: 3 pol.) dort om tec eae, (Grisageopes, ounce no, Se meso efor Inet, son 0 esr, pereunose ws © hegenaia om puro ere Ol © sect Nao podemos esquecer que osentimento de inféncia ‘omega aserconstruidona Europa, quando esse continente desvelava pelas grandes navezacdes, discernia a complexidade do mundo e ampliava 0 contato com outras cultura, Talveza propria construgao socal de Infancia na Europa tenha side ruta de uma relagao de alteridade com outros povos ‘Assim, podemos dizer que as condigdes materia © simbéticas de producio da existéncia das crlancas so bastante dlferencladas. Néo pademes felar da existéncia de uma nica cultura prépria das criancas, mas sim de culturas infants, caracterizando desse modo a plualidade que hes ¢inerente. Apretensa universalidade,pressuposta no pensamento de Aries para o ser crlanca no mundo ocidental, na verdade, esconde uma variedade de ‘imensées de infancia que variam de localidade para (ocalidade econstituem uma diversidade de marcas socal, (O tomar-secrianca em um determinade grupo socal faz parte do processo de endoculturacao* e, murtas vere, precede © proprio momento do mascimento, Ja que & Fecundacio, a gestacao @ 0 parto sto recobertos de simbolismo e variam de grupo para grupo, como pode ser percebido nas colocacdes de Del Priori (1999, p.85-6) Felativas @ preparacao para 0 parto de bebés, no Brasil Coldnia e Imperio: {varaao. Ho jon exo apart efa amare ena feo rin ie Sir so hance Estendende as palavras da autora (idem), podemos perceber que as varlecdes culturais no tratamento dado 20 ser crianga se singularizam também tao logo essas delxam 0 ttero protegido da mée para se colocar em Contato com um ambiente nove & prc cud co cack eam acres. Spun menega er aba oes Seana one ovacet rosea ma Cau stars ‘Sapo paneer. herbert trope reba sow strani cs fi [tattaro, Coens pinror co nae site pecs cra cows ahr etc nde pen 10 vcs tu As criancas, 20 compartitharem a realidade com a demais, estabelecerao uma relacio horizontal de Identidade entre elas ¢ criardo uma relaio vertical de dentificagao com os adultos, canstituinde concepeses reais ‘que possibilitama vivencia da sua infancia dentro da légica de organizagio social do grupo. 0 sentido de infancia atravessad, desea forma, elas dimensées do espago e do tempo que, a0 s¢ ‘agregarem com o grupo social, produzem diferentes arranjoscuturalse diferentes formas de ser cranca, tragos simbsticos carregados por toda Vida. Cada sujeito atravessado por essas dimensdes, que thes definem um lugar e uma condicso social no espaco e ne tempa. Cada ‘supa socal no sé elabora dimensoes culturals que ternam Dossivel a emergéncia de una subjetvidade infantil relativa ‘esse local, mas também designa exstencia de espagas fisios que materalizam essa conic. smo nas condigdes ( contradicdes)expressas por Aries, a reorganizacao social que promoveu 0 reconhecimento da inféncia, promoveu também um Feordenar das espacalidades tradicionals eorignou areas tipicas para a infancia nascente, 2” Radin (2000, p.15)explicita que existiv uma intina associacao entre a reestruturacao de novos grupos Soclaimente estabelecidos - coma 0 modelo de familia Dburgués - e a constituigao de novos espacos. Segunda 0 ‘autor, pode-se afirmar que "a familia atual comeccu a se formar quando a sociedade perdeu a rua.” Das fariias anteriores, que eram verdadeitos espacos abertos de Clrculagdo entre diversas pessoas, chega'se a um modelo Techado, onde o privada eo intimo substituem o tacos do comunitério. Para ele, 0 "sentimento de familia nlo se ‘desenvolve quando acasa esta muito aberta para exterior {¢u.)A sociabiliade da rua, da praga, e dos outros lugares de encontro e convivéncia de pessoas era incompatival ‘com o tipo de familia monolitca dos tempos madernas”. As csiangas sio, portanto, retiradas das ras. Estas se tomam lugar privileiado de ciculacao e perdem seu papel de sociaizacio para as familias e para as novas Instituices, as quais ocuparso seu lugar, como a escola Casa e escola si0 05 novos espacos que se erguem em ‘oposigdo ao espayo externo, e as ciancas sdo encerradas esses novos locais onde acorrera sua preparacao para ‘entrada no mundo adutto, 0 estabelecimento de espacialidades privadas & piiblicase a organizacao de institulcdes que passam a atuar Sobre ainfanciatém, segundo alguns autores (REDIN, 2000; POLLOCK, 1990 e outros), duplo sentido, pois nessa nova ‘ordem “los nifos perdieron tanto como ganaron” (POLLOCK, 2000, p. 32). Com a abertura “do espaco para crianca no século XVI, aconteceu também sua limitagso: Seu confinamento em escolas e coléies, expusando-a da vida social adult.” (REDIN, 2000, pg. 20). Nesse sentido, Protecio muitas vezes se confunde com controle na UUberdade de movimentos em espacos abertos, permitindo ‘essa liberdade somente com a presenca de um adult. Existe, portanto, uma estreita ligagao entre a vvivéncia da infncia e 0 local onde ela sera vivida, As criancas, 20 apropriarem-se dessas dimensdes, reconfiguram-na, a5 reconstroemnas e, 20 se crarem, riam suas diferentes historias em suas diferentes geografias. E nessa perspectiva que podemos falar em {ima Geografia da Infancia, come abordaremos a seguir Geografia da Infancia: Desenhando conceitos Sentada em uma cadeira, a senhora magra, de cabelos brancos coleca, um bebé no col, estica as cuts ernas da crianca © mostra para mae as pernas esencontradas, cruza 9 braca direito sabre o proprio ‘corpo, dizendo baixe: "Em nome do Pai, do Fitho © do Espirito Santo, amém”, essas s80 as ultimas palavras possivels de serem ouvidas, a8 segulntess8o pronunciadas fem vor muito baixa. Depols de um tempo, as pernas da Crianca sio, novamente, esticadas e esto do mesmo ‘amanho, encontrando uma com as outras, est terminada 1 benzecio. A crianca é devalvida & mie que me diz "crianga tem muito vento virado, por isso trago para benzer, é bom toda semana”. Perguntel @ que era "vento virado" e ela me respondeu: "E coisa de crianga” Essa descrigao fol coletada em um trabalho de ‘campo ocorrido em uma comunidade da Zona da Mata de Minas Gerais, no ano de 1997. E 0 destino dessa menina que estava Sendo benzida, deve ser, provavelmente, ‘mesmo des cutras crancas nessa localidade: o de viver a Inna, até sua entrada no mundo adulto, partir dat “coisas de crlancas” ‘A descricko & um fragmento de como essa localidade labora sua idéia de infancia 20 defini as “coisas de

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