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28. ParticIPAGAo SOCIAL Sarah Escorel | | ‘Marcelo Rasga Moreira | O Sistema Unico de Satide (SUS) tem como um de seus pilares a participagao da populacao, legalmente garantida, nos conselhos e confe- réncias de Satide, interferindo diretamente nas politicas de satide de ambito federal, estadual ¢ municipal. Neste sentido, o estudo da partici- pacao social € imprescindivel para a compreensio das politicas e sistema de satide no Brasil. No presente capitulo, apresentamos o significado do termo partici- pacao; 0 processo de construcao da categoria participacao social; a relacdo da participagao social com as teorias sobre democracia; o desenvolvimento da participacdo social no Brasil e, mais especificamente, no setor Saude. PaRTICIPACAO SOCIAL: BUSCANDO UMA DEFINICAO Nos dicionarios da lingua portuguesa, ‘participagao’, ‘o ato ou efeito de participar’, tem seu sentido vinculado a ‘fazer saber’, ‘comunicar’, ‘associar-se pelo pensamento ou pelo sentimento’, ‘ter ponto em comum’, ‘ser parte’ e ‘ter ou tomar parte’, A amplitude de significados situa a participagao como intrinseca & vida em sociedade, nao deixando de indicar suas contradig6es, em espe- cial no que diz respeito As relagées individuo/coletividade e ao papel mais ou menos ativo/passivo de quem participa. Proporciona, também, uma compreensao, que nao exclui outras, na qual a participagao, embora ocorra em situacées dispares, caracteriza- 980__ Pouircas¢ Sisrenn 0€ SAUDE NO BRASIL termo ptiblico denota s fendmenos intima- ate correlatos, mas » perfeitamente idénti- Significa, em primei- ugar, que tudo o que 1a piiblico pode ser 0 € ouvido por todos ma maior divulgagio stvel. (...) Em segundo ar, 0 termo piiblico iifica o préprio mun- na medida em que é qum a todos nés € srente do lugar que cabe dentro dele.” endt, 1991: 59-62) se pela valorizacao de contatos, espacos e féruns menos fechados, melhor compartilhados e, portanto, mais ptiblicos. Por isso, as situagdes, os rumos, as formas, as possibilidades, as ade- Ses, os vetos, as exclusdes, os limites € as sanges & participacao dos indivi. duos sao estruturados pelo contexto histérico e social. Localizada hist6rica e socialmente, participagao constitui-se em uma relacdo que envolve uma to- mada de decisio, por ténue que seja, na qual o individuo propée-se a interagir com 9 outro, num convivio que democratiza os espacos comuns (ptiblicos) em qualquer ambito ~ familiar, afetivo, cultural, econémico ou politico. Revela-se, pois, na amplitude das lutas por (ré}conhecimento, con- gracamento, compartilhamento, associagio, incluso e, sobretudo, por um maior controle do individuo sobre as situacées que lhe afetam direta ¢ indiretamente e sobre a sociedade em que vive Os miiltiplos significados da palavra ‘participacéo’ fazem com que essa categoria analitica seja, necessariamente, ampla e geral. Isso significa que, ao menos no campo analitico, participacéo nao deve ser considera- da como uma categoria tinica ¢ monolitica, mas como uma categoria ‘guarda-chuva’ que abriga diferentes nuancas, desdobramentos e estra- tificagées, produzindo novas categorias que, articuladas, procuram abranger o maior numero de aspectos possiveis das realidades a serem compreendidas e explicadas. Metodologicamente, 0 estudo destas novas categorias articuladas assume importante papel, pois, por comparacao, ponderacio e/ou asso- ciagdo, permite a identificagio dg aspectos-chave que funcionam como norteadores tanto para a construcao de outras categorias que pretendem analisar a participagéo em situagdes ainda nao aventadas quanto para a avaliagdo das categorias que os originaram, Uma tipologia da participagdo considera os espacos em que ela ocorre: dos mais micro, como o cotidiano das relagées familiares, para, em movimento crescente, espraiar-se por outras instancias ¢ instituigoes até chegar a um patamar mais macro, no qual se pretende intervir nas leis e politicas que regulam a sociedade. Microparticipacao, a “associaco voluntéria de duas ou mais pes- soas numa atividade comum na qual elas nao pretendem unicamente ti- rar beneficios pessoais e imediatos” (Bordenave, 1983: 24), possui uma funcdo instrumental, mas também pedagogica, na medida em que tem grande importancia na formacao de habitos participativos que extrapo- lam a dimensdo familiar. Formados sob tais habitos, os sujeitos estariam mais habilitados a reproduzir em suas outras relagées sociais uma pratica de valorizacao do Patticipacto Social publico e do coletivo. Essa caracteristica ¢ multiplicada A medida que in- dividuos e grupos inserem-se em instAncias que também valorizam a cri- agao e o fomento de espacos piiblicos. Paulo Freire foi um ardoroso defensor da escola como uma dessas instancias, demonstrando que a relacdo participativa professor-aluno ins- pira novas praticas sociais marcadas pela construcao conjunta de uma explicacao critico-reflexiva de mundo, na qual preponderam o respeito a diversidade, a valorizagao do coletivo via a autonomia cidada do individuo ¢ & superacdo de relacées opressivas cristalizadas na sociedade capitalista. Instituigoes voltadas para a valorizagao do pitblico e que incentivam a par- ticipagao contribuiriam, assim, para a ampliagao do capital social e a disse- minacao de uma cultura participativa. Entretanto, a participagao nao pode ser naturalizada como algo Ppositivo em si mesmo nem desvinculada das relacées sociais, econdmicas e politicas. Varios autores, além dos j4 mencionados, trabalharam e pro- curaram construir categorias para analisar as relagées participativas, de acordo com suas diferentes praticas, campos do saber e abordagens teé- ricas: Valla (1998), Silva e Labra (2001), Reis (2002), Gerschman (2004), Nobre (2004) Patticipacio como ferramenta gerencial Donadone e Grun (2001: 123) mostram como a participagio foi transformada em “uma ferramenta gerencial para o aumento da produtividade (...) e dos lucros”. Nas décadas de 1970 € 1980, setores do movimento sindical brasileiro tentaram criar conselhos de fabrica que propiciassem a participacdo dos trabalhadores nas negociac6es voltadas para as relagdes trabalhistas, salarios inclusive. Tais propos- tas nao foram bem recebidas pelo empresariado, que transformou suas fabricas em instituigdes de desestimulo ao espaco ptiblico e a participacio. Na década seguinte, o empresariado mudou sua postura, passando a valorizar a participacdo. Segundo os autores, isso nao ocorreu devido a um arejamento na mentalidade dos industridrios, mas sim por causa de uma mudanga que eles impuseram 4s praticas participativas. Estas foram orientadas no sentido dos operarios desenvolverem rotinas de trabalho que tornassem a empresa mais competitiva, o que ficou conhecido como ‘vestir a camisa’, um conjunto amplo de atitudes que embutia até mesmo a idéia de que um operdrio deveria vigiar 0 trabalho do outro a fim de impedi-lo de fazer ‘corpo mole’, Apresentamos a seguir uma sistematizagao de alguns dos aspectos- chave que possibilitam 0 didlogo entre as distintas categorias que preten- dem analisar a participacao. Tal sistematizagdo no tem a pretensio de ser um esquema determinista, fechado e definitivo. Entretanto, faz uma op¢ao clara diante de uma questéo fundamental: qual é o ponto de partida? 981 Capital social E um conjunto de caracte- risticas pessoais e socizis de cooperagio e con- fianga que individuos ¢ grupos portam e lhes garante relacées, apoios e aliangas vitais para a consecucio de seus obje- tivos. Putnam (1996) considera o capital social como um elemento-chave para o desenvolvimento social ¢ econdmico, 982_|Pouiricas e Sisrema DE SAUDE NO BRASIL y Para nés, 0 ponto de partida o individuo buscando intervir na situagao concreta e histérica em que vive construindo-se como sujeito social. A partir deste ponto de partida, procederemos a uma construgao do tipo ‘pergunta-resposta’ na qual uma encadeia e articula a outra, sem- pre permitindo caminhos com diferentes maos. Essa abordagem metodolégica visa a identificar 0 sujeito — indivi- dual € coletivo ~ que participa, assim como analisar como ele participa e 0s condicionantes que influenciaram a deciso de participagao. Tal sujeito participa em um determinado espaco (instancia participativa) que se re- laciona com a instituigao na qual pretende interferir e influenciar, para modificé-la de forma a atender a seus interesses. Essa relacao desenvolve-se no interior de uma dada cultura (ambiente participativo) que caracteriza e € caracterizada por um momento histérico numa sociedade especifica. Quem e como participa? ‘Trata-se de identificar, em uma determinada situacao concreta e his- térica, quem s&o os sujeitos que dela participam; se o fazem isoladamente ou em grupo, como sujeitos coletivos; e se participam diretamente ou por meio de representantes, H4 que se compreender também em que medida esta participagao é voluntéria, condicionada, forcada e/ou compulséria. Ha diversos graus de intensidade de participago na esfera politi- ca ~ desde a simples adesio até a dedicacao completa do préprio tempo e * da propria atividade, como acontece no caso do profissionalismo politico. Distinguem-se trés formas ou nfveis de participacao (Bobbio, Matteuci & Pasquino, 1991): 1) a ‘presenga’, a forma menos intensa e mais marginal que engloba comportamentos essencialmente receptivos ou passivos, situagdes em que o individuo nao da qualquer contribuicao pessoal; 2) a ‘ativacao’, em que o sujeito desenvolve, dentro ou fora de uma organiza- sao politica, tuma série de atividades que Ihe foram confiadas por delega- c4o permanente (envolvimento em campanhas eleitorais, participacdo em manifestacdo de protesto); 3) a ‘participacao’, quando o individuo contri- bui direta ou indiretamente para uma decisio politica. E forcoso identificar aqueles que nao participam e compreender 0 motivo desta nao-participagao: pela participacéo dos primeiros, pela au- séncia de oportunidades, pelo desconhecimento das possibilidades de participacao ou por desinteresse. Ha também uma forma de n&o-partici- pacao oriunda de decisdes, passionais ou racionais, tomadas pelos sujei- tos, diferente das formas anteriormente referidas nas quais est presente a marginalizagao. No extremo, poder-se-ia dizer que a opgao por nao participar de uma situagao é, em si, uma maneira de participar. Fastcipagto Social] 983 _ Qual o objetivo da participacao? Os sujeitos participam com o intuito de atingir objetivos mais ou menos precisos, fundados em um mix de motivagées que transitam por propostas egofstas, individuais, solidarias e/ou coletivas. Tais objetivos vi- sam & manutengao, ao aprimoramento, A reforma ou A transformagio total da situagio na qual os sujeitos participam. Ao responder a esta pergunta pode ser analisado se a participacao assume um cardter instrumental, pragmatico, altruista ou organico, ca- racteristicas estas que em certos momentos podem coexistir, interagir, e, inclusive, fundir-se ou opor-se. Quais os condicionantes da participagao dos sujeitos? icionada por uma série de fa- A participacao dos sujeitos esta con tores culturais - como idade (gerag4o), sexo, camada social, grau e tipo de instrugao — ¢ psicossociais - como normas e valores. A socializagao politica, ou seja, a maneira pela qual os individuos desde a infancia até a adolescéncia aprendem direitos, deveres e orientacées politicas, assim como o carater mais ou menos “autoritdrio’ das relagdes entre os indivi- duos na sociedade civil também condiciona a participa¢ao social (Bobbio, Matteuci & Pasquino, 1991). Dentre esses fatores condicionantes, as possibilidades de atingirem seus objetivos sio preponderantes para que os sujeitos participem de uma determinada situagao. Isto sugere que a decisio de participar advém de ponderagies sobre os custos e beneficios desta participacao. A ponderacio ara determi- nao é, necessariamente, uma pratica calculista e utilitarist nados suijeitos, elementos simbélicos, como a esperanga (‘um futuro me- Ihor’), podem ter um peso maior em sua deciso de participar, mesmo com acerteza de que a participacao ser4 reprimida, inclusive com violéncia, As possibilidades dos sujeitos alcancarem seus objetivos por meio da participagao esto relacionadas a um conjunto de caracteristicas compor- tamentais, como persisténcia, dedicacéo, disciplina, resiliéncia, organizacéo, auto- compreensio, coeréncia dos objetivos, (auto)eritica, reflexao... Contudo, as possibilidades nao so dadas apenas pelos sujeitos, pois as instancias em que a participagio € exercida sto fundamentais para as possibilidades de consecugio de seus objetivos. Por sua vez, as instancias de participagio estao condicionadas pelo regime politico da sociedade em que se inserem. Qual o papel das instancias participativas? Instancias participativas séo os espagos cujo propésito € permitir que 0s sujeitos atuem em conjunto e, com isso, potencializem seus esforgos 984 _Pouiricas & Sistema D& SAUDE NO BRASIL participativos e a consecucao de seus objetivos. © papel das instancias par- ticipativas é reunir estes sujeitos; definir estratégias para que objetivos con- traditérios possam ser debatidos; submeté-los a um proceso de escolha; e, definido o rumo a seguir, direcionar sua atuacao para as instituigdes que regulam as relagées existentes nas situagdes em que pretendem participar. O papel dos espacos de participagao est4 configurado por duas dimensées interligadas: uma mais imediata e pragmatica, trata de con- gregar os esforgos dos sujeitos diretamente interessados na situagao; outra, mais ampla, multiplicadora e até mesmo conscientizadora, com- preende a construgio e a difusio de uma cultura participativa promo- tora da interagdo com sujeitos que, mesmo ndo envolvidos com uma determinada situagao, podem, de alguma maneira, contribuir para a realizacao dos objetivos. Aanflise da dimensao de reuniao dos sujeitos inclui aspectos liga- dos & organizacéo, 4 democratizagao, a autonomia e A gestao da instancia participativa — em especial os que se referem as regras de ingresso dos sujeitos interessados em participar -, 4s oportunidades que estes sujeitos tém de atuar e de deliberar — em particular 0 acesso a informacio -, aos recursos voltados para a qualificacdo e a capacitaco dos sujeitos, a sus- tentabilidade e a resolutividade. Seo funcionamento da instancia participativa nao se restringe aque- les que j4 participam, mas amplia-se e torna-se mais permedvel a inclusao We novos sujeitos ¢ ao intercAmbio com outras instancias participativas, a tendéncia € a formacao de uma rede para a troca de experiéncias, valores © conceitos. A construgio € o pleno funcionamento de uma rede participativa encontram um contraponto nas instituigées que sao os alvos das agées das instancias participativas. Na andlise dessa relagao, deve-se verificar em que medida hé reconhecimento e legitimidade das instancias partici- pativas pelas instituicgdes. Qual o grau de reconhecimento e legitimidade que as instituigées atribuem as instancias participativas? As instituigdes, com existéncia juridica ou factual, séo as respons4- veis pela regulagao das relacdes travadas nas situagdes para as quais se voltam os esforgos da participagao. As instituigdes mais permedveis participagao sao aquelas que va- lorizam 0 espaco piiblico e reconhecem a necessidade de que as relaces pessoais, sociais, econdmicas e politicas sejam, pelo menos, mais debati- das. Elas conferem maior grau de reconhecimento e legitimidade as instan- Participasdo Social, 985 cias participativas, em processos mtiltiplos ¢, por vezes, contradit6rios. E preciso, pois, analisar os elementos constituintes da relacdo entre instan- cia participativa e instituigao. Quando a propria instituigéo gera 0 espaco de participacao é mais provavel que este seja reconhecido e legitimado do que nos casos em que o forum é fruto do movimento de sujeitos que discordam frontalmente de como a instituicgdo regula determinadas situagées. Entretanto, mesmo quando a instituigéo nao criou e é até mesmo contréria & existéncia da instancia participativa, pode ocorrer que esta tenha tal capacidade de organizacao e funcionamento, que ainda assim consiga construir uma rede participativa; que a instituigao nao tenha outra alternativa a nao ser reconhecé-la. Por outro lado, se estas capacidades nao forem tao bem desenvolvidas, a reacao a participacao pode ser gran- de, gerando, inclusive, represilias e boicotes. Quanto maior o grau de reconhecimento, maior o nfvel de instituci- onalizagao, ou seja, a incorporacdo oficial do debate sobre a situagdo e da participacio que a ela se dirige. O reconhecimento e mesmo a instituciona- lizagéo podem ser meramente formais, uma estratégia de esvaziar as ins- tancias participativas, uma forma mais sutil de negar-lhes legitimidade. Na institucionalizacao, 0 pressuposto subjacente € 0 reconheci- mento reciproco por parte do Estado e da sociedade como interlocu- tores legitimos e com um minimo de eficdcia dialégica. No entanto, as formas institucionais de participagdo nao instauram magicamente a igualdade de oportunidades de acesso ao poder nem eliminam as de- sigualdades de poténcia reivindicatéria entre os segmentos sociais (Carvalho, 1995). As instancias participativas que contam com os instrumentos de pressao que melhor funcionam no contexto institucional tém maior pro- babilidade de serem contempladas pelas politicas ptiblicas do que aquelas que, por serem dependentes da prépria atuagao para conseguir o mini- mo indispensavel 4 sua sobrevivéncia, agregam pouco poder de barganha institucional. A oficializagao das instancias participativas, assim como seu reco- nhecimento juridico e sua institucionalizagao, tendem a produzir regras mais claras de acesso, funcionamento e atribuigao, Isso nao significa que instancias que n4o se oficializem nao tenham legitimidade social, mas que 08 sujeitos terao mais dificuldades para atingirem seus objetivos, uma vez que nao h4 uma obrigacdo legal de reconhecé-los. De qualquer modo, as instituigées tém sua atuacdo pautada pelo ambiente participativo que preside a sociedade. Qual a influéncia do ambiente participativo? O ambiente participative, ou melhor, a cultura participativa, pode ser sintetizada na disseminacao dos valores democraticos em uma determi- nada sociedade: quanto mais efetivos eles forem, maiores as possibilidades de 0s cidadaos pressionarem as instituigdes para serem mais permedveis & participacao e, por conseguinte, para legitimar as instancias participativas. Analisar a existéncia e a importancia da cultura participativa em uma dada sociedade ou em uma instituigao nao significa que chegamos ao final de um percurso, mas ao ponto mais social de um ciclo dialético que se amplia ou se restringe nos movimentos que faz em dire¢ao aos pontos mais individuais: 0 ambiente participativo é também construido por individuos que, em determinadas situacées, direcionam seus objetivos para delas par- ticipar, transformando-se em sujeitos e recomecando o ciclo. Definidos os aspectos, atributos e caracterfsticas que devem nortear a construcao de uma categoria analitica baseada na participacao, e apoia- dos pelas definig6es de Bordenave (1983) e Gohn (2003), compreendemos participagao social como um conjunto de relacées culturais, sociopoli- ticas e econémicas em que os sujeitos, individuais ou coletivos, direta- mente ou por meio de seus representantes, direcionam seus objetivos para o ciclo de politicas pitblicas, procurando participar ativamente da formulagao, implementagao, implantagao, execugao, avaliagao, fiscaliza- cA e discussdo orcamentaria das acdes, programas e estratégias que re- gulam a distribuigao dos bens puiblicos e, por isso, interferem diretamente nos direitos de cada cidadao. é Para refletir Elabore uma forma de interferir na politica da sua instituigao. Nao se esqueca de definir 0 ponto de partida e de seguir a dinamica participativa usando os atributos eas caracterfsticas expostas anteriormente. PARTICIPAGAO SOCIAL E DEMOCRACIA Para analisar a participagdo social, € preciso situd-la historicamente, buscando compreender as situagdes nas quais se pretende participar e contextualiz4-la nas instAncias participativas e instituigdes existentes em uma determinada sociedade. Neste topico, propomo-nos a fazer este exercicio analisando as rela- ¢6es entre democracia e participacdo social nas teorias liberais (classica € contemporanea) e marxista, assim como os impasses atuais da democra- cia representativa. A participacao social é base constitutiva da democracia e, por con- seguinte, o aperfeicoamento e a ampliacao de uma estao diretamente re- lacionados ao desenvolvimento e A universalizagao da outra. O que torna 2 compreensao dessas relagées uma tarefa complexa é que democracia, assim como participagdo, é uma categoria guar- da-chuva, que comporta miltiplas e variadas definiges. Deparamo- nos, desse modo, com a tarefa de construir conexées entre duas das idéias-forca mais importantes do processo civilizatério, cuja defesa ¢ implantagao foram, sao ¢ continuardo sendo capazes de gerar utopias e guerras. O campo de anilise é, portanto, uma forma de governo (a de- mocracia, ou 0 governo do povo e/ou de muitos) que ganha um adje- tivo que a qualifica como participativa. Para Rousseau, a democracia €4 liberdade entendida como participacdo direta na formacdo das leis através do corpo polftico cuja maxima expressao est4 na assem- bigia do povo. Mas 0 préprio Rousseau considerava que esse tipo de democracia, caracteristica da Antiguidade, s6 era possivel em nacées pequenas. Ao longo do século XIX, a hegemonia do pensamento liberal con- tribuiu para afirmar a idéia de que a democracia representativa ou par- lamentar seria a tinica forma de democracia compativel com o Estado liberal (que reconhece e garante alguns direitos civis e politicos). Nele, as leis sao elaboradas nao por todo 0 povo reunido em assembléia, mas por um corpo de representantes eleitos pelos cidadaos portadores de direitos politicos (Bobbio, Matteuci & Pasquino, 1991). Na concepgio liberal de democracia, a principal caracteristica é a participacao, por meio da representacao, no poder politico, o que exige o reconhecimento dos direitos fundamentais de liberdade. O desenvolvi- mento da democracia em regimes representativos ocorreu em duas dire- goes: no alargamento gradual do direito de voto até atingir 0 sufragio universal e na multiplicacao de 6rgaos representativos, isto 6, dos érgaos compostos de representantes eleitos. No entanto, € importante ressaltar que a democracia confere a li- berdade € o direito de participar, mas nao necessariamente estabelece os mecanismos e os processos para tal. Mesmo a multiplicacéo dos érgaos representativos decorre de presses e demandas da sociedade. Isso implica que uma democracia participativa exige uma cidadania ativa, pessoas € coletividades que participem. Atualmente, existem poucas formas de democracia com participa- sao direta dos cidadaos. O plebiscito e o referendo sao duas entre as pou- 988. Pouiricas€ Sistema De SAUDE NO BrAasit iedades polidrquicas as que foram subs- cialmente populariza- ¢ liberalizadas, temente inclusivas e rtas A contestacao ftica, mas que, em aescala evolutiva, da nao atingiram ao u maximo de demo- cia. vensamento politico eral que alicergou as meiras etapas do de- volvimento capitalis- fundamentando-se premissas, dentre ros, de John Locke e art Mill, considerava 2aliberdade eraa racidade de os indiv' 9s otimizarem suas atades, desde que nao erferissem na liberda- de outrem. Dessas ordades, a principal € inculada ao mereado competicao pelo lu- que necesita de um ado paradoxalmente co para nio intervir mercado, que é auto- suldvel e, 20 mesmo apo, forte para impe- que quem ameace a srdade do mercado asiga fazé-lo. cas formas adotadas em muitos paises. Afora estas duas, a mais comum sao os mecanismos € procedimentos representativos, ou seja, 0 poder do cidadao € delegado ao representante escolhido pelo voto. Porém, tanto a democra- cia direta quanto a indireta descendem do mesmo principio da soberania popular, apesar de se distinguirem pelas modalidades e pelas formas com que essa soberania € exercida (Bobbio, Matteuci & Pasquino, 1991). Robert Dahl associa diretamente participagao e democracia, ao definir que a principal caracterfstica das sociedades democraticas € a de que seus governos devem ser: Inteiramente ou quase inteiramente, responsivo[s].a todos os seus cidados [que] devem ter oportunidades plenas: (1) de formular suas preferéncias; (2) de expressar suas preferéncias a seus concidadaos ao governo através da aco individual ou coletiva; (8) de ter suas preferéncias igualmente conside- radas na conduta do governo, ou seja, consideradas sem discriminagao de- corrente do contetido ou da fonte da preferéncia. (Dahl, 1997: 26) Para Dahl, nao h4, nas sociedades contemporaneas, assim como nao houve nas passadas alguma que tenha concretizado plenamente essas oportunidades. Por isso, trabalha com a idéia de poliarquia, categoria que tem como objetivo construir parametros para que se possa medir e comparar, a partir de experiéncias sociais concrétas e existentes, as socie- dades que mais se aproximam ou se afastam da democracia. Esquematicamente, o ideal democratico de Dahl baseia-se em dois eixos: ‘liberalizagao’, a capacidade de uma sociedade de construir insti- tuigdes que'viabilizem a participagao, individual ou coletiva, dos cidadaos; € ‘incluso’, as possibilidades que‘s diferentes sujeitos, sobretudo aque- les que contestam 0 governo, tém de se utilizar dessas instituigées para manifestarem suas opinides. Na visdo liberal contemporanea, parlamen- tos fortes sdo essenciais para a democracia: é esta fortaleza que permite, inclusive, a participagéo dos setores mais radicais da sociedade. As aten- goes voltam-se, entdo, para a necessidade da expansio e do fortalecimen- to dos processos eleitorais, com liberdade para a criagao de partidos ea postulacgao de candidaturas (Dahl, 1997). No processo histérico, a representagéo nem sempre significou de- mocracia, sobretudo nas camaras de nobres constitufdas pelos reis euro- peus ou naquelas nomeadas por governantes. A representacdo passou por uma evolugao democratica que envolveu, além da ampliacao do direi- to de yoto para camadas sociais e para as mulheres, 0 estabelecimento da duracao limitada do mandato, uma das caracteristicas fundamentais dos parlamentos contempordneos (Bobbio, Matteuci & Pasquino, 1991). Na concepgo liberal de participacao, portanto, participagio social e democracia relacionam-se intrinsecamente com Estado e mercado. Contudo, a pressao dos trabalhadores configurou a ampliacao da demo- cracia para além das classes proprietarias e das liberdades econdmicas, instaurando direitos politicos e, posteriormente, sociais. Participacao social sob o prisma da concepgao liberal Para Robert Dahl (1997), os caminhos da democratizagao passam primeiro, pela consagragao oficial das instituigdes ¢, conseqiientemente, pela definicio clara das instancias participativas as quais as instituig6es atribuem reconhecimento e legiti- midade. Somente apés percorrer esta etapa hist6rica, que estabelece, também, um ambiente participativo, uma sociedade estaria preparada para lidar adequadamen- te coma variedade de objetivos dos sujeitos participantes, administrando, de ma- neira transparente, as diversidades. A premissa basica é a de que os conflitos gerados pela diversidade de objetivos precisam ser institucionalizados, pois se sua superacdo nao for decidida por insti- tuig&es plenamente aceitas pela sociedade como os foruns adequados para regular as relagoes conflituosas, tendem a se expandir tanto que colocariam em risco a organizagio democratica da sociedade. Aampliacdo dos sujeitos participantes sem a devida ampliacdo institucionaliza- dora teria como efeito negativo a ndo-aceitacao das instituigdes como forum adequado. Assim, dificilmente o conflito seria dirimido dentro das regras do jogo democratico, abrindo espaco para o uso da forca e o surgimento de dita- duras. Para refletir Considerando o grau de participacao da sociedade nas instancias que deliberam sobre as politicas piiblicas, como vocé definiria a democracia no pais? Remetendo-se A concepcio liberal contemporanea, vocé considera que o Brasil é uma sociedade poliarquica? Por qué? Outras escolas de pensamento, assim como as experiéncias politico- institucionais que de alguma forma nelas se inspiraram também conside- ram crucial a participacao social. No pensamento marxista, 2 Comuna de Paris, que durou apenas dois meses do ano de 1871, é considerada um exemplo de como a participagdo pode mudar os rumos de uma socieda- de: diante do vazio de poder deixado pela fuga dos governantes franceses quando de um levante militar, o Comité Central da Guarda Nacional de Paris, apoiado pelas classes trabalhadoras, realizou, em pouco mais de uma semana uma eleicio em que os eleitores parisienses escolheram seus representantes na Comuna, que acumulou as funcées de Executivo e Legislativo. Marx considerou a Comuna de Paris o embriéo do que poderia vir a ser a organizac4o politica socialista, por nao ser resultado de uma acao Partcagio Socil| 989 _ 990 Pouiticas¢ Sistema Dé SALDE NO BRAsit estatal planejada ou da lideranga de um individuo e também porque os stijeitos que normalmente nao tinham poder politico participaram nao s6 da eleigdo, mas puderam ser votados € eleitos. Os conselhos operdrios surgidos nas revolugées russas de 1905 e, sobretudo, de 1917, inspiraram-se na andlise de Marx sobre a Comuna de Paris. Como 6rgaos do poder revolucionario, os soviets (palavra russa que significa ‘conselho’) caracterizaram-se por: 1) referirem-se a coleti- vidades concretas — os operarios ocupados nas diversas fabricas - que Ihes determinam o corpo eleitoral e a composic4o; 2) sua formacao estar baseada no principio da delegacdo por parte de tais coletividades, em geral por meio de mandato imperative ¢ revogavel; 3) fundir as fungées, legislativa e executiva (Bobbio, Matteuci & Pasquino, 1991). “Os soviets eram uma democracia auténtica (...) no tinham uma camara alta € camara baixa como a maioria das democracias ocidentais; prescindiam da bur- guesia profissional e neles os eleitores tinham o direito de destituir seus re- presentantes a qualquer momento. Tinham suas bases na classe operdria das fabricas, e a extensao de seu poder era de ser simplesmente um governo dos trabalhadores em embriao”. Fonte: Trotski apud Bottomore, 198: A proposta revoluciondria, pelo menos em seus primeiros anos, consi- * derava, assim como Marx, o Estado como uma superestrutura capitalista cons- truida para manter a dominacao de classes ¢ visava a descentralizar o poder para os soviels, apostando numa radicalizacao da participagio social. Na elabo- ragio da Constituico soviética de 1917, 0 projeto original foi analisado em mais de 50.000 soviets, sendo que cerca de 322.000 deputados (representantes dos eleitores nos soviets) apresentaram algum tipo de proposta ou emenda. “Todo poder aos soviets”, 0 famoso mote usado por Lénin e Trotski, pode ser lido, & luz da categoria participacéo social, como uma forma de transformar as instancias participativas em instituiges, buscando elimi- nar ou, pelo menos, reduzir as mediagées entre os sujeitos, 0 ciclo de politicas e os bens sociais que estas produzem e distribuem. Para Gramsci, os conselhos participativos (que, no caso da Italia, eram os ‘conselhos de fabrica’) nao seriam somente uma organizagao para levar aciante a luta de classes, mas as bases de um novo tipo de Estado: a comunidade dos trabalhadores, na qual o sistema estatal seria uma fede- ragao de conselhos unificados. Em outras palavras: os conselhos radicalizariam 0 espaco publico, ampliariam a participagao direta (democracia ‘nfo delegada’) ¢ reduziriam (mas sem extinguir) a necessidade de representacdo, numa seqiiéncia em que 0 sujeito pode apresentar seus desejos ¢ interesses, e direcionar, cada vez mais diretamente, com menos intermediarios, seus objetivos aos res- ponsdveis pelas politicas ptiblicas. Na lugoslavia, apés a Segunda Guerra Mundial, foi desenvolvido 0 sistema denominado ‘auto-gestao’ no qual, por meio dos conselhos ope- rérios, os trabalhadores exerceram diretamente um papel de direcao tanto no sistema econémico como no politico, na fabrica (com objetivos geren- ciais) e no territério. A participagao social seria a esséncia da sociedade socialista. Po- rém, a proposta marxista de dissolugao do Estado como caminho para o comunismo nao foi experimentada pela revolugio soviética. De modo di- verso, a proposta implementada por Stalin no contexto da Guerra Fria, transformou o Estado soviético em uma instituicdo totalitdria, reduzindo consideravelmente as instdncias participativas (soviets) e as possibilidades dos sujeitos participarem diretamente do ciclo de politicas. Quando, no final do século XX, o sistema socialista desmoronou, a demoeracia ins- taurada nesses paises significou, principalmente, a instituicdo do livre mercado em detrimento da participacao social No inicio de século XXI, as democracias representativas defron- tam-se com o desprestigio de seus ideais democraticos, que supdem cida- daos atentos & evolugdo da coisa ptiblica, informados dos acontecimentos politicos, a par dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pelas forcas politicas e fortemente in- teressados em formas diretas ou indiretas de participagao. A forma mais comum e, para muitos a tinica, € a participacio eleitoral Estudos feitos pelo Eurobarémetro demonstram que até mesmo em sociedades européias, nas quais a hist6ria da valorizacio institucional foi mais forte, os processos eleitorais e parlamentares est&o cada vez mais desacreditados. Os EUA também passam por tal situagio, nitida nos mo- mentos de eleicéo presidencial, que apresentam altas e crescentes taxas de abstencionismo, em especial das camadas que mais necessitam das po- Iticas piiblicas. Em situagées como estas verifica-se também a “patologia da representagao” (Santos & Avritzer, 2002), em que os cidadaos sentem- se cada vez menos representados por aqueles que elegeram. Além disso, a militancia em partidos politicos atinge uma faixa bem limitada da populagéo € nem todos os inscritos participam ativamente. Tam- bém € baixa a inscricao em outras associagdes que exercem inflyéncia na vida politica, como sindicatos, associagées culturais, recreativas, religiosas etc. Neste contexto de baixa intensidade participativa, movimentos sociais surgidos apés 1968, em torno de caracteristicas de identidade, sobretudo de género e preferéncia sexual, ou de causas ambientalistas, sio Participagdo Social 991 Guerra Fria Nome recebido pelo contencioso entre os pafses capitalistas, lidera- dos pelos EUA, e os pai- ses socialistas, liderados pela URSS, que se se- guiul A Segunda Guerra Mundial, e em que os dois blocos perpetuaram a ‘guerra’ ideolégica sem disparar tiros, mas crian- do armas cada vez mais poderosas. Eurobarémetro E uma iniciativa da Unido Européia que monitora a opinido pui- blica dos paises-mem- bros sobre temas que Ihe so afeitos, dentre os quais se destaca a preo- ‘cupagio com os ideais democraticos. Consulte: . 992 _Poutricas € Sistema DE SAUDE NO BRAsiL os que tém conseguido aglutinar o interesse de determinados segmentos da sociedade, chegando a suplantar, em alguns momentos, as formas mais tradicionais de representagao. Outras formas novas e menos pacificas de participacao, como as mani- festacdes de protesto, marchas, ocupacao de edificios etc., sdo tao esporddicas que nao levam quase nunca A criagéo de instrumentos organizativos, isto é, & institucionalizacao da participagéo (Bobbio, Matteuci & Pasquino, 1991). O desencanto com a democracia seria decorrente da proposta de democracia que se tornou hegeménica ao final das duas guer- ras mundiais - a democracia de baixo impacto - que implicou em uma restric&o das formas de participagao ¢ soberania ampliadas em favor de um consenso em torno de um procedimento eleitoral para a formagao de go- vernos. (Santos & Avritzer, 2002: 39-40) Democracia de baixo impacto “modelo de democracia liberal foi se impondo como modelo tinico e universal, a sua consagracio foi consumada pelo Banco Mundial e o FMI ao transformé-lo em condigéo politica para a concessio de empréstimos e ajuda financeira. Com isso perdeu-se ‘demodiversidade’, entendida como a coexisténcia (pacifica ou con- flituosa) de diferentes modelos e prdticas democraticas”. Fonte: Santos & Avritzer, 2002: 72. : No Brasil, a lenta e gradual redemocratizagao ocorrida ao longo da década de 1980 ampliou os dirteitos do cidado, que passaram a ser constitucionalmente garantidos, inclusive como dever do Estado. No en- tanto, esses direitos, formalmente garantidos, nao foram concretizados. Esta dissonancia contribui sobremaneira para o desprestigio da demo- cracia como possibilidade de saldar a divida social acumulada durante séculos e ampliada durante a ditadura militar, mesmo em perfodos com altas taxas de crescimento econémico. O hiato entre a consolidag4o das instituigées e as necessidades vividas pelos sujeitos em seu dia-a-dia, entre as possibilidades de eles participarem e 0 resultado das politicas ptiblicas, entre o processo eleitoral e a garantia de direitos, demonstra a necessidade de introduzir novos eixos para a compre- ensio da democracia ¢ de suas relagées com a participagao social. Concepgées alternativas ou contra-hegeménicas da democracia ou ‘democracia de alto impacto’ sustentam-se na possibilidade de inovagio entendida como participacio ampliada de atores sociais de diversos tipos em proceso de tomada de decisdo. Em geral, estes processos implicam a incluso de temAticas até entdo ignoradas pelo siste- Pasti ma politico, a redefinigao de identidades e vinculos e o aumento da parti- cipagdo, especialmente em nivel local. (Santos & Avritzer, 2002: 51) Um novo eixo fundamentador da democracia seria, pois, a efetiva- ao dos direitos do cidaddo por meio da melhor organizacdo das politicas sociais visando a uma distribuigao eqilitativa dos bens publicos, a consoli- dac&o de instancias de participacao que promovam a reforma democratica do Estado, ou seja, a orientacao das politicas publicas para a promocao da justiga social, e & construgao de uma nova gramatica social mais inclusiva. Para refletir Oreconhecimento ¢ a ampliagio das instincias de democracia participativa podem resultar em conflitos com as instncias de democracia representativa. Prefeitos e camaras de vereadores eleitos por milhares ou mesmo milhdes de eleitores podem questionar a legitimidade de decisdes tomadas por representantes de segmentos so- ciais que nio se submeteram ao sufragio eleitoral. Reflita sobre as possibilidades de superacio destes conilitos, em um processo de aprimoramento democratico. PARTICIPACAO SOCIAL NO BRASIL A Constituiggo promulgada em 5 de outubro de 1988, a sétima do pais ¢ a sexta do perfodo republicano, foi fruto de um processo de articula- ao das forgas politicas e sociais que combateram, de diferentes maneiras, os grupos e classes que se beneficiaram do Estado autoritério instaurado pelo golpe militar de 1964, Denominada Constituicao Gidada, consagrou juridi- camente o principio de que os direitos dos cidadaos (satide, educacao, traba- tho, terra, habitagio, saldrio minimo digno...) sio deveres do Estado que deve cumpri-los mediante a implantagao de politicas ptiblicas. Garantiu também a participacao social por meio de algumas instAncias: + Exeigoes pinetas para presidente, governadores, prefeitos, deputa- dos federais ¢ estaduais e vereadores por meio de sufrdgio universal direto, secreto — 0 voto tem igual valor para todos, sendo obrigatério para aqueles entre 18 € 70 anos, e opcional para os que tém entre 16 € 18 anos incomple- tos e os maiores de 70 anos. Em 2006, elegemos o presidente da Reptblica pela quinta vez desde a promulgagéo da Constituigao. Isso aconteceu pela primeira vez na histéria brasileira, pois 0 ciclo democratico iniciado em 1946 ¢ interrompido em 1964 comportou apenas quatro eleigées presidenciais. * PuriscrTo ~ quando a populagéo € chamada a decidir sobre algo que ainda nao foi transformado em ato legal. Apesar de estar presente jé na Constituigao de 1946, s6 foram realizados dois plebiscitos no Brasil, am- bos envolvendo a forma de governo: parlamentarismo us presidencia- lismo. Q primeiro, em 1963, esteve diretamente ligado ao golpe de 1964. cipagto So 993 994_ | Pouincas SisTeMa DE SAUDE NO BRASIL Em 1961, a reniincia do presidente Janio Quadros abriu vaga para que Joao Goulart, o vice-presidente (na época eleito em separado), assumisse 0 cargo. Contudo, as forgas politicas ligadas ao empresariado e aos circulos militares, opositores das propostas trabalhistas e populistas defendidas por Jango, aceitaram sua posse desde que fosse implantado o parlamentarismo como forma de reduzir os poderes do presidente. No plebiscito de 1963, a populagao deliberou sobre a restauracao do presidencialismo, o que des- contentou esses segmentos que, pouco tempo depois, promoveriam o golpe militar, a derrubada de Goulart e a instauracao da ditadura. O segundo plebiscito foi realizado em 1993, num contexto politico de consolidacio do regime democratico muito diferente do anterior. Nesse caso, tratou-se efetivamente de um instrumento de consulta da populacao sobre o regime de governo (reptiblica ou monarquia) e sobre a forma de governo (presidencialista ou parlamentarista). Ao invés de ser uma mano- bra para reduzir poderes do Executivo, a populacéo foi chamada a decidir no s6 sobre assuntos em que os parlamentares constituintes nao chega- ram a um acordo, mas, principalmente, sobre assuntos de tamanha impor- tancia que no cabia serem definidos apenas por meio da representagao. A reptiblica presidencialista foi vitoriosa, por ampla margem de votos. + REFERENDO — nos casos em que a populacdo é chamada a decidir sobre a confirmagao ou desaprovacéo de um ato legislativo. Em 2005, pela primeira vez, foi realizado um referendo no pats, versando sobre um artigo do Estatuto do Desarmamento que legislava sobre a proibicao do comércio de armas. A populagiosmanifestou-se votando pela nao-proibi- cao da compra e venda de armas e municées. * IyiciaTiva PopuLAR — quando 1% dos eleitores do pafs, distribuidos em pelo menos cinco estados da federacio, encaminham projeto de lei ao Congresso Nacional, que tem de aprecié-lo, Este arranjo participativo foi estabelecido pelo artigo 14 da Constituigao de 1988. Como exemplo, tem-se o projeto de iniciativa popular apresentado ao Congresso Nacional em 10 de agosto de 1999 (e aprova- do em 21 ¢ 23 de setembro, respectivamente, pela Camara dos Deputados ¢ pelo Senado Federal) sobre a compra de votos de eleitores (corrupgao eleitoral). Cinco dias depois da aprovacéo, foi estabelecida a lei 9.840, que prevé punicao ao “candi- dato que doar, oferecer, prometer, ou entregar ao eleitor, com o fim de obter o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou fun- do publica, desde o registro da candidatura até o dia da eleigao”. A pena prevista é a cassago do mandato do eleito, além de multa. A expe- riéncia participativa, além de recente, € pouco desenvolvida no Brasil. Tal consta- taco, embora preocupante, € alvissareira no sentido de que temos muito para aprofundar, e que este é um caminho para 0 aperfeicoamento e fortalecimento de nossa democracia. Em termos participativos, podem-se destacar duas potenciali- dades de aprofundamento e inovagao no cenario politico nacional: o orgamento participativo, no qual os sujeitos se organizam para definir as prioridades de alocagao de recursos; e os conselhos gestores, que repre- sentam a participac&o dos sujeitos em instancias colegiadas com carater deliberativo sobre determinados setores das politicas sociais, como os de satide, crianga e adolescente, educacao. Orcamento participativo Griado em 1989, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu a administra- ao de Porto Alegre, o orcamento participativo € uma inovacao institucional que procura romper com a tradli¢do autoritéria e patrimonialista das politicas puibli- cas, recorrendo a participagao direta da populacdo em diferentes fases da prepara- gio ¢ da execugéo orgamentéria, com uma preocupacio especial pela definigéio de prioridades para a distribuicao dos recursos de investimento. O orgamento participativo € uma estrutura e um proceso de participagdo comu- nitéria-baseado em trés grandes principios ¢ em um conjunto de instituigdes que funcionam como mecanismos ou canais de participacao popular sustentada no processo de tomada das decisées do governo municipal. Os principios s4o: todos tém direito de participar; a participacio é dirigida por uma combinacio de regras da democracia direta e de democracia representativa, ¢ realiza-se através de instituigdes de funcionamento regular cujo regimento interno é determinado pelos participantes; e, os recursos de investimento sao distribuidos de acordo com um método objetivo que combina ‘critérios gerais' - critérios subs- tantivos, estabelecidos pelas instituigdes participativas com vista a definir priorida- des -— e ‘critérios técnicos’ ~ critérios de viabilidade técnica ou econémica, defini- dos pelo Executivo, e normas juridicas federais, estaduais ou da propria cidade. A estrututa institucional basica do orcamento participativo est4 constitufda por trés tipos de instituigées: as unidades administrativas do Executivo municipal en- carregado de gerir o debate orgamentério com os cidadaos; as organizacdes comu- nitérias, autonomas, geralmente de base regional, que fazem a mediacéo entre a participacao dos cidadaos e a escolha das prioridades para as diferentes regides da cidade; eas instituigdes de participagdo comunitaria com funcionamento regular que estabelecem uma mediacao e interag&o permanentes entre 0s dois primeiros tipos, a saber: Conselho do Plano do Governo e Orcamento ou Conselho do Orca- mento Participativo (COP), Assembléias Plendrias Regionais, Forum Regional do Orgamento, Assembléias Plendrias Tematicas e Forum Tematico do Orcamento. O orcamento participativo foi adotado por outras cidades e conta com o reconhe- cimento dos organismos internacionais, embora estes estejam mais interessados nas suas virtudes técnicas (eficincia e eficécia na distribuigéo e utilizagio dos recursos) do que nas democraticas (a sustentabilidade de um sistema complexo de participacdo e de justica distributiva). O orgamento participativo tem sido um meio notivel de promover a participagao dos cidaddos em decisdes que dizem respeito a justica distributiva, a eficicia decisoria ea responsabilidade do Executivo municipal e dos delegados eleitos pelas comunidades. Fonte: Santos, 2002. _Patipagio Seeal| 995 _ 996 | Pouicase Sistema O€ SAUDE NO BRASIL : Quando iniciativas desse tipo encontram respaldo na gest4o publi- ca, conseguem atingir niveis mais elevados. Isso ocorre porque a gestao participativa permeia a instituigdo que gerencia (um érg4o ptblico, uma secretaria, um ministério, ou mesmo o Poder Executivo como um todo), reconhecendo legitimidade as instAncias participativas (conselhos de Satide, comités de orcamento, conselhos tutelares, comiss6es...) ¢ garantindo o cumprimento de suas deliberagées. Com isso, 0s sujeitos que participam compreendem seu poder, 0 mesmo acontecendo com os que nao parti- ciparam. A participacdo social valoriza-se e cresce uma cultura participativa que se amplia para outros campos e setores em busca de uma rede participativa. O t6pico a seguir procura situar e analisar a participacdo social no setor satide. A democratizagao do setor satide preconizada pelo movi- mento da Reforma Sanitaria tornou-se uma experiéncia modelar para outros pafses e, internamente, para outros setores, consubstanciada em um “formidavel sistema nacional de érgdos colegiados” (Carvalho, 1997: 93) que institucionalizou a participagao da sociedade civil no processo de formacao das politicas de satide, numa co-gestao social que se processa no interior do aparelho do Estado. PARTICIPAGAO SOCIAL NO SETOR SAUDE NO BRASIL Uma breve perspectiva histérica A participacao da populacdosem programas e agoes de satide nao comecou com 0 SUS. Nas décadas de 1970 e 1980, outros tipos de conse- Ihos procuravam viabilizar a participacio da populacao: + Conselhos comunitarios, que tinham como objetivo “servir de es- paco de apresentacao das demandas da comunidade junto as elites politiéas locais, numa renovacio da tradicional relacao clientelista entre. Estado e sociedade”; * Conselhos populares, criados pelos préprios movimentos sociais, cujas caracteristicas eram “menor nivel de formalizacao, nao en- volvimento institucional e a defesa da autonomia em relagdo ao Estado e partidos politicos”; + Conselhos administrativos, “voltados para o gerenciamento dire- to e participativo das unidades prestadoras de servigos, mas sem poder para influir no desenho das politicas puiblicas da 4rea” (Tatagiba, 2002: 53-54). ___Patticipagae Social Ao longo das tltimas quatro décadas, houve uma mudanga quali- tativa na forma de participagao. Na década de 1970, despontou sob a denominagdo de ‘participagao comunitaria’ em programas de extensio de cobertura preconizados pelas agéncias internacionais de satide para a América Latina. Por um lado, tais programas incentivavam 0 aproveita~ mento do trabalho nao qualificado da populagao nas agées sanitérias; por outro, valorizavam a organizacao autonoma da comunidade como possi- bilidade de conseguir melhorias sociais (Carvalho, 1995), Em contextos ditatoriais, como era 0 caso de muitos paises da América Latina, inclusive 0 do Brasil, esses programas ou foram imple- mentados mutilando a dimensio participativa ou utilizados por agentes intencionalidades contestatérias do status guo politico-sanitario, em busca da construcao/divulgagao de um projeto sanitario contra-hegemonico. Num segundo momento, surgiu a proposta de ‘participacao popu- lar’, em que a categoria ‘comunidade’ foi substituida pela categoria ‘povo’, entendida como a parcela da populagio excluida ou subalternizada no seu acesso a bens e servicos. Essa proposta representa o aprofundamento stema da critica e a radicalizagao das prdticas politicas de oposigio ao s dominante. A participacao € preconizada no conjunto da din&mica social, € nao, como anteriormente, em agGes simplificadas no Ambito dos servi- gos. O lécus da participagio deixa de ser o servico de satide € passa a ser © conjunto da sociedade e do Estado, ganhando novo objetivo - a demo- cratizagao da satide, ou seja, o acesso universal e igualitério aos servicos e também acesso ao poder. As experiéncias baseadas nesse referencial s4o contemporaneas aos movimentos sociais urbanos e, assim como estes, marcadas pelo confronto com 0 Estado que era compreendido em senti- do restrito como ‘comité de negécios da burguesia’ (Carvalho, 1995). Na década de 1990, ganhou forca a categoria ‘participacio social’, que deixou de se referir apenas & participacao dos setores sociais exclui- dos e passou a reconhecer e a acolher a diversidade de interesses e proje- tos existentes. Por isso, a categoria central deixou de ser ‘comunidade’ ou ‘povo' € passou a ser a ‘sociedade’, Em tal concepsao, a participagao como demagogia ou como pedagogia da lugar & participagao como cida- dania, ou seja, na universalizagdo dos direitos sociais e na ampliag&o do proprio conceito de cidadania, num novo referencial do caréter e do pa- pel do Estado, analisado como “arena privilegiada de conflito politico onde interesses contraditérios lutam por prevalecer sobre questdes sociais im- portantes” (Oslak apud Carvalho, 1995: 26). A participaco social como elemento estruturante do sistema nacio- nal de satide esteve presente desde o inicio da proposta do movimento da Reforma Sanitaria, que, j4 nos anos 70, compreendia como indissoci4- 997 998_|Pouiricas eStsTeWa DE SAUDE NO BRAS _ 2é pode conhecer mais ire as politicas de saii- e iniciativas de parti ;do social em satide 3 anos 80 consultando apftulo 11 sobre a téria das politicas de de no periodo. veis as lutas contra a ditadura militar, pela democratizagao do poder pui- blico e pela garantia da saide como direito do cidadao e dever do Estado. A participagéo comunitaria foi adotada em varios programas de ex- tensdo de cobertura sob influéncia da Conferéncia de Atengao Primaria em Satide de Alma-Ata (1978) e estava prevista no natimorto Prev-Satide que, em 1980, pretendia articular, por meio dos servigos basicos de satide, o Ministério da Satide com o Ministério da Previdéncia e Assisténcia Social. Em 1983, as AgGes Integradas de Satide (AIS), implementadas por meio de convénios trilaterais entre Ministério da Satide, Instituto Nacional de Assisténcia Médica da Previdéncia Social (Inamps) e secre- tarias estaduais e municipais de Saide, continham a diretriz da partici- pacao da populacao organizada nos colegiados de gestao: Comissao In- terinstitucional de Satide (CIS), em nivel estadual, Comissao Interinsti- tucional Municipal de Satide (CIMS) e Comissao Interinstitucional Lo- cal de Satide (CLIS). Posteriormente, a politica de descentralizagao da previdéncia so- cial conhecida como Sistema Unificado e Descentralizado de Satide (Suds), desenvolvida pelo Inamps, em 1987, previa em suas diretrizes a partici- pacao de entidades comunitarias, sindicais e gremiais em instancias con- sultivas (e nao deliberativas) do seu processo de implementacao. Como esta participacdo nao foi regulamentada, gerou lacunas interpretativas sobre quem teria assento nesses colegiados como representantes da soci- edade organizada. Em 1986, no Relatério Final da 8* Conferéncia Nacional de Satide (CNS), ficou consubstanciada a proposta do movimento sanitério que propds uma completa reformulacio das politicas de satide entao vigentes no pafs com a criagao do Sistema Unico de Satide (SUS). Para garantir 0 controle do novo sistema pelos usuarios, a 8* Conferéncia preconizou a criacio, em nivel municipal, estadual e regional, de conselhos de Satide compostos por representantes eleitos pela comunidade (usudrios e pres- tadores de servicos) que permitissem a participagao plena da sociedade no planejamento, execucio e fiscalizacto dos programas de satide. Além disso, também propunha a reformulac’o da composigao e da funcao do Conselho Nacional de Satide. Conselho Nacional de Saiide Em 1937, no corpo da lei que instituiu uma nova organizacao do Minis- tério de Educagdo e Satide, foram criados 0 Conselho Nacional de Satide (CNS) e o Conselho Nacional de Educacao (CNE) com a fungao de assistir 0 Ministério. Durante trinta anos, o Gonselho Nacional de Sade teve um funcionamento irregular e inexpressivo até que, em 1974, decreto presidencial atribuiu ao Conse- tho objetivos, fungées e estrutura mais definidas, procurando compatibilizé-lo ao processo de modernizacio conservadora em andamento, “O CNS é um 6rgio de consulta que deve examinar o que lhe for submetido pelo Ministério da Satide bem como opinar sobre matéria que por forca de lei tenha que ser submetida A sua apreciacdo”. © perfil técnico € normativo do onselho foi mantido, Era compost pelo Ministro da Satide, presidente nato e quinze conselheiros, em um arranjo organizacional em que se verifica a auséncia de representantes da sociedade, a proeminéncia da elite médica, a sobre-representagio de instituicdes militares 0 exercicio do papel de legitimador da politica predominante. Em 1976, odecreto que regulamentou alli do Sistema Nacional de Satide (6.229/75) definiu o Conselho Nacional de Satide como uma espécie de coletivo de camaras técnicas a quem competia examinar, propor solucées para problemas ¢ elaborar normas encaminhadas para a apreciacéo do Ministro de Estado. Duas portarias ministeriais, de 1977 € 1978, estabeleceram a estrutura técnica e administrativa do Conselho para seu funcionamento como 6rgao consultivo com atribuigdes norma- tivas. Nessa ocasiao, a composi¢ao do Conselho foi alterada: continuou sendo pre- sidido pelo Ministro da Satide, mas passou a ser composto por 23 membros, dos quais seis representantes ministeriais, os seis presidentes de camaras técnicas, seis membros de instituigées relacionadas com a satide com a seguranga nacional e cinco técnicos de not6ria capacidade e comprovacia experiéncia em assuntos de interesse da satide. Entre 1970 e 1990, o Conselho teve pouca importancia na formulacio e acompanha- mento da politica de satide. Nesse period, outras instancias de articulagao ministe- rial foram criadas, como a Comissao Interministerial de Planejamento (Ciplan). Em 1990, jé sob a égide da nova Constituigao brasileira e da criagéo do SUS, 0 decreto 99.438/90 configurou um novo Conselho Nacional de Satide com ampla representacio social e as seguintes atribuigées e competéncias: + deliberar sobre: formulacio de estratégia e controle da execucio da politica nacional de satide em Ambito federal; critérios para a definigao de padrées e para- metros assistenciais; + manifestar-se sobre a Politica Nacional de Satide; + decidir sobre: planos estaduais de satide, quando solicitado pelos conselhos estaduais de Satide; divergéncias levantadas pelos conselhos estaduais e munici- pais de Satide, bem como por drgaos de representacio na Area da Satide; creden- ciamento de instituigées de satide que se candidatem a realizar pesquisas em seres humanos; + opinar sobre a criagao de novos cursos superiores na area de satide, em articu- lagéo com 0 Ministério da Educacao e do Desporto; * estabelecer diretrizes a serem observadas na elaboracio dos planos de satide em fungdo das caracterfsticas epidemiolégicas e da organizagiio dos servigos; * acompanhar a execugéo do cronograma de transferéncia de recursos financei- ros, consignados ao SUS, aos estados, munic{pios ¢ Distrito Federal; * aprovar os critérios e valores para a remuneragio dos servigos e os parametros de cobertura assistencial; * acompanhar e controlar as atividades das instituig6es privadas de satide, creden- ciadas mediante contrato, ajuste ou convénio; + acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporacao cienttfica e tecnol6- gica na area de satide, para a observancia de padrées éticos compattveis com o desenvolvimento sociocultural do pats; * propor a convocagio ¢ organizar a Conferéncia Nacional de Sade, ordinaria- mente a cada quatro anos e, extraordinariamente, quando o Conselho assim deli- berar, de acordo com a lei 8.149, de 98 de dezembro de 1990. Em 2002, o Conselho Nacional de Satide tinha 0 ministro da Satide como presi- dente nato ¢ era composto por 32 conselheiros titulares; seis representantes do governo federal, dois representantes dos gestores estaduais e municipais, a catego- ria médica e outros profissionais de satide; os prestadores de servicos de satide tinham trés vagas; enquanto 0s usuarios ocupavam a metade das vagas (16) O decreto 5.839, de 2006, promoveu nova reforma na composicao do Conselho, que passou a contar com 48 conselheiros titulares e, pela primeira vez, a eleger seu presidente, que representa o segmento dos trabalhadores da satide Os 48 conselheiros representam os seguintes segmentos: entidades e movimentos Sociais de usuarios do SUS (24); profissionais de satide, inclufda a comunidade cientifica (12); prestadores de servico (2); entidades empresariais da area de satide (2); € gestores federais (6), estaduais (1) municipais (1). Fonte: Brasil, 2007. No Relatério Final da 8? CNS, os conselhos municipais despontam como érgaos ou ‘instdncias participativas' externas ao poder piblico, de controle, pelos usuarios, do sistema de satide e de todas as etapas de seu ciclo de politicas. Também ficou explicito nessa conferéncia que a atua- ao dos conselhos de Satide deveria se voltar para o enfrentamento dos interesses ¢ das demandas do mertado, em especial as que, de maneira direta ou indireta, reduzissem e/ou interferissem no fluxo dos recursos ptiblicos passiveis de serem alocados nas politicas sociais. O Relatério Final da 8* CNS sistematizou as recomendacées que se constituiram no projeto da Reforma Sanitéria brasileira, levado A As- sembléia Nacional Constituinte para disputar com outras propostas 0 que seria inscrito na Constituigdo sobre a satide. Esses foram os referenciais sobre os quais os conselhos desenvolveram suas praticas iniciais e mode- laram sua identidade polftica (Carvalho, 1997). O movimento sanitario desenvolveu um processo de intensa arti- culagdo social, politica ¢ partidaria, conseguindo que a Constituicéo Fe- deral de 1988 estabelecesse a satide como direito do cidadao e dever do Estado e formalizasse legalmente a organizacio das acées e servicos de satide em um Sistema Unico de Satide, regido pelas diretrizes da descen- tralizagao, da integralidade e da participagao da comunidade A regulamentacao do SUS ficou a cargo de uma lei ordinaria, de ntimero 8.080, promulgada em setembro de 1990. Contudo, os artigos Purtlelpagto Soci que tratavam da participagao da comunidade e do financiamento foram vetados pelo presidente Collor, exigindo um novo processo de enfrenta- mento é articulacao, que redundou na lei 8.142, de dezembro de 1990. A lei 8.142, além de praticamente reeditar 0 artigo sobre a partici- pacao da comunidade vetado na lei 8.080, relativo a obrigatoriedade da existéncia de conselhos municipais, estaduais e federal, ampliou a auto- nomia desses conselhos ao definir que suas normas de organizacio e funcionamento deveriam ser oficializadas por meio de regimentos inter- nos especificos, cuja elaboragao € atribuicao dos préprios conselheiros (Carvalho, 1997). Esta lei regulamentou a participagao social no sistema de satide por meio de duas instancias colegiadas: as conferéncias e os conselhos, que ape- sar de nao serem as tinicas formas de participagao no SUS, sao as tinicas obrigatérias para todo o pais, instituindo um sistema de controle social. Reforcando este carater democratico e participativo, o setor satide conforma um campo de intensa mobilizacdo tanto do movimento social quanto do poder ptiblico. Além dos conselhos e conferéncias, a dinamica de participagao esta representada pela atuacao de diferentes entidades na politica de satide, entre os quais se destacam 0 Centro Brasileiro de Estudos de Satide (Cebes), a Associacéo Brasileira de Pés-Graduacdo em Satide Coletiva (Abrasco), os sindicatos e conselhos de profissionais de satide ¢ a Frente Parlamentar da Satide. ‘Trés instituig6es caracterizam a democracia sanitaria no Brasil: conferéncias, conselhos ¢ fundos de Satide. Sao também integrantes desta ‘democracia sanitaria’, as Comissdes Intergestores Bipartites (CIBs) e a Comissao Intergestores Tripartite (CIT), que sao mecanismos de gestao participativa e colegiada; os conselhos gestores nos servigos de satide; as consultas ptiblicas realizadas pela Agéncia Nacional de Satide (ANS), Agéncia Nacional de Vigilancia Sanitaria (Anvisa) e outras instancias do Ministério da Satide. Em 2005, todos os municfpios brasileiros tinham criado seus con- selhos municipais de Satide, gerando um contingente de aproximadamente 70.000 conselheiros, dos quais cerca de 35.000 participam como repre- sentantes dos usuarios do SUS, 0 que os torna a mais abrangente rede de instancias participativas do pais. Para refletir Identifique em seu cotidiano formas de participagao na politica de satide e reflita a respeito de suas potencialidades e de seus limites. 1001 Controle social Significa, na concepgio da sociologia clissica, os mecanismos caercitivos que a sociedade e 0 Esta- do exercem sobre os individuos. De modo diferente, no processo de formaliza- ‘sao da participagao sox no setoF satide no Brasil, ‘controle social” passou a expressar a possibilidade de a sociedade controlar © Estado por meio de instancias participativas. Em 1990, quando a or- ganizagAo jurfdica do pats incorpora os conse- Thos de Saiide na estru- tura decis6ria do SUS, controle social sofre uma nova inflexao, adquirin- do também 0 carater de fiscalizagao do manejo dos recursos piiblicos. O arcabougo institucio- nal e decisério do SUS com seus colegiados participativas é analisado no capitulo 12 com des- taque para a Comissio Intergestores Tripartite (CIT), em funcionamen- to desde 1991 no Ambito nacional. Confira!

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