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Organizacao AMIR LABAKI AMIR LABAKI (org.) FOLHA CONTA 100 ANOS DE CINEMA Ensaios, resenhas e entrevistas Imago IRMAOS LUMIERE Amir Labaki yoo registram oficialmente a patente da invencio do cinematdgra , fevereiro de 1895: os irmaos Louis ¢ Auguste Lumiére fo. Lyon, fevereiro de 1995: 0 velho castelo da familia, transfor- mado no Instituto Lumitre — Museu Vivo do Cinema, dedica uma grande exposicdo a seus mais célebres donos. “No Pais dos Lumiére”, em cartaz até janeiro de 1996, transcende a celebracdo do nascimento do cinema. E sobretudo uma viagem a hist6ria de uma dinastia de industriais obcecados pela ciéncia. Antoine Lumitre, 0 pai de todos, jf era em 1894 Cavaleiro da Legido de Honra, 4 frente dos negécios com fotografia que ocupaya o cli, Em plena febre internacional de pesquisa da foto em movimento, os Lumitre concentravam suas energias no desenvolvimento da fotografia colorida. Conhecendo 0s trabalhos de Muybridge, Edison ¢ Marey, Louis € Auguste decidem pesquisar a chamada cronofotografia. Alcancaram excelentes resultados: aparecia 0 cinematgrafo. Muito longe do mito dos cientistas romanticos, o perfil dos Lumitre que surge da exposi¢io € 0 de industriais de inequivoco talento cientifico e um nada menor tino comercial. “Edison cometeu um s6 erro, o de nao confiar na rentabilidade das projecdes piblicas”, editorializa o texto da pequena, mas riquissima sala que a mostra dedica ao pré-cinema. La est o pioneiro cinetosc6épio de Thomas Edison, que apresentava imagens em movimento numa caixa com abertura de alguns centimetros; diversao solitaria, para uma pessoa por vez. O grande achado dos Lumiére foi o de aperfeicoar o registro da imagem em movimento (cinematégrafo) ¢ imediatamente inserir seu invento na ascendente indiistria do espetaéculo (cinema). Mais que a maquina, foi a situacao-cinema, com a projecdo de imagens em movi- 220 TRIMOS LUMIERE mento para espectadores pagantes confortavelmente sentados numa sala cura, que 0s imortalizou. A estratégia inicial foi precisa: marco a novembro de 1895, sessées cientificas pela Franca; dezembro de 1895, inicio das projecées comer- ciais em Paris, numa sala especifica; 1896. envio de operadores para projecées ¢ filmagens mundo afor O cinematégrafo Lumiére fo ssim o estopim da explosao planetiria do cinema, mas aquela mediana empresa familiar do interior da Franca nao soube responder com igual eficiéncia ao desafio deste megamerca- do. J em 1905, os Lumiere paravam a producao de filmes ¢, trés anos depois, fechavam a tiltima sala. Causas? Entre vitrias, a dedicacao exclusiva dos Lumitre a um tinico tipo de producto, a de documentérios, deixando livre a avenida da ficcio para Mélids, Pathé e Gaumont; e a perda do mercado american, devido 20 protecionismo tornado lei a partir de 1896 pelo presidente MacKinley. Ha outra, mais sutil, mais pessoal, talvez a mais decisiva: o incontrolével desejo de pesquisa dos irmaos. ‘Alguns meses apés a sesso mitica de dezembro de 1895, Auguste ja fav: des das atencdes para os estudos médicos, tornando-se, mesmo sem diploma, um renomado especialista, diretor de hospitais ¢ inventor. Louis tampouco parou. Vai dedicar o resto de sua vida a pesquisas fotograficas, com um ou outro desvio para 0 cinema. Desenvolveu 0 autocromo ¢ a foto em 360 graus, prenunciou o holograma com seus impres cou em 1935 0 protétipo do cinema em relevo, tudo fartamente exem- pl onantes retratos tridimensionais em “fotoestereossintese” e lan- ado na exposicio Numa tardia homenagem na Sorbonne, 0 préprio Louis sintetizou o ema de sua vida: “Como ficar inerte na presenca da floresta de pontos de interrogacéio que nos rodeia?” Explicava assim o fato de o cinema representar apenas um dos momentos de sua proficua trajetéria. Nao surpreende que o mesmo valha para a histéria, No século XIX, a cronofotografia se fez cinematografia que resultou cinema. Neste século, a evolucdo prossegue com a TV, 0 video ¢ agora as imagens de sintese. Nada como uma efeméride para reconhecer o fim de um ciclo. Hl “[istéria dos Lumiére E Tema de Exposicio”, 6/2/95. oe ’ MELIES Inacio Aratijo VISAO em conjuntos dos filmes de Méliés mostra muito mais do que um artista inventivo lidando com meios primitivos. Com o primeiro cineasta de fiegéo inaugurase, na verdade, a linhagem de autores que mais tarde daria em Orson Welles: os que veem no cinema uma maneira de questionar as imagens e sua verdade, Em seus filmes, sempre somos confrontados com essa espécie de dilaceramento em que a mentira magicamente se converte em verdade, © que é passa a nao ser no instante seguinte, a fantasia se converte em realidade e, finalmente, o real em delirio. Esta é, em toda a extensio, a arte da trucagem inventada por Méliés © que faz de seu cinema eterno ¢ moderno. Longe de um estdgio Primitivo, a ver com certa complacéncia, teremos pela frente uma arte de rara modernidade e perfeicio. Embora realizado em 1899, 0 Auto-Retrato, em que Mélits aparece simultaneamente se pintando e aparecendo numa tela, é talvez a primei- ra manifestacéo de metalinguagem cinematogrdfica: 0 cinema, ainda nascente, jd se questionando. E um procedimento que lembra Um © corpo que Cai, de Hitchcock, 59 anos depois. Da mesma forma a Viagem @ Lua, de 1902, nao é apenas a premoni- cao de, digamos, 2001, Uma Odisséia no Espago, de Kubrick. A Lua com cara de queijo, que avanca na direcao dos espectadores, sorriso aberto iS uni piscar de olhos, éum momento de imaginacdo fantastica e auténoma, onde se introduzia no cinema, se nao o espaco, ao menos a relacdo entre espaco € tempo. Os filmes de Méliés nos reservam outras belezas. O papel de diabo, que ele préprio gostava de representar, fala ndo sé do pensamento andrquico de seu filmes, como significa, de certa mancira, que o cinema 222. MELES — arte das imagens em movimento — ja nascia do lado do diabo: desconcertante, desorganizador de toda a ordem artistica vigente, € abrindo caminho para uma nova forma de conhecimento: a que se define pela captagio e projecdo de imagens vivas. Verdade (ou mentira) a 24 movimentos por segundo. Méligs traz em seu filmes a esséncia do cinema. “Um Cinema Moderno, entre 0 Real ¢ 0 Delirio”, 10/6/85. ode

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