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Objetivos
Exercício 1
Peça aos alunos que leiam o texto Teoria do conhecimento - conhece-te a ti mesmo.
Depois, peça que discutam em duplas e anotem os resultados da discussão sobre as
seguintes questões:
c) Como você interpreta a frase: "deixar de cuidar das coisas e passar a cuidar de si
mesmos"?
d) Você acha que a ciência deveria se preocupar com algo além da simples produção e
acumulação de conhecimentos?
Exercício 2
Peça aos alunos que leiam o seguinte texto de Michel Foucault e, a seguir, discutam as
questões colocadas abaixo:
Para aprofundar:
d) Você acha que o acesso à verdade deveria ser algo capaz de modificar as pessoas?
TEXTO SOCRATES
Conhece-te a ti mesmo
A figura de Sócrates é como um divisor de águas na Filosofia Antiga, tanto que os filósofos
anteriores a ele são tradicionalmente chamados de pré-socráticos.
De fato, com Sócrates há uma mudança significativa no rumo das discussões filosóficas sobre a
verdade e o conhecimento. Os primeiros filósofos estavam preocupados em encontrar o
fundamento (arké) de todas as coisas. Sócrates, por sua vez, está mais interessado em nossa
relação com os outros e com o mundo.
Curiosamente, Sócrates nada escreveu - e tudo o que sabemos dele é graças a seus discípulos,
particularmente Platão. Sócrates teria tomado a inscrição da entrada do templo de Delfos
como inspiração para construir sua filosofia: Conhece-te a ti mesmo.
Para compreendermos o sentido dessa frase, segundo o filósofo francês Michel Foucault (1926
- 1984), devemos inscrevê-la em uma estratégia mais geral do cuidado de si.
Ou seja, o que Sócrates pregava era que nós devemos nos ocupar menos com as coisas
(riqueza, fama, poder) e passarmos a nos ocupar com nós mesmos. Poderia objetar-se: com
que propósito deveria ocupar-me comigo mesmo? Porque é o caminho que me permite ter
acesso à verdade. Mas que tipo de verdade? Obviamente não é uma verdade qualquer, tal
como a fórmula química da água, mas a verdade que é capaz de transformá-lo no seu próprio
ser de sujeito.
Sócrates dizia ter recebido de Deus a missão de exortar os atenienses, fossem eles velhos ou
jovens, a deixarem de cuidar das coisas, passando a cuidar de si mesmos. Tal atitude o fez
dedicar-se inteiramente à filosofia e à prática dialógica (uma forma especial de diálogo,
denominada maiêutica) por meio da qual ele fazia com que seu interlocutor percebesse as
inconsistências de seu discurso e se autocorrigisse.
A atitude de Sócrates questionava os valores da sociedade ateniense, razão pela qual seus
inimigos o levaram ao tribunal, onde foi julgado e condenado à morte. Sua morte, porém, não
impediu que a questão do cuidado de si se tornasse um tema central na filosofia durante mais
de mil anos - e chegasse a influenciar alguns filósofos modernos e contemporâneos.
A questão central do cuidado de si é que jamais se tem acesso à verdade sem uma experiência
de purificação, de meditação, de exame de consciência - enfim, através de determinados
exercícios espirituais capazes de transfigurar nosso próprio ser.
Claro que a tecnologia traz inegáveis benefícios, mas não parece que as pessoas, atualmente,
estejam mais felizes. Pode-se alegar, no entanto, que não é papel do conhecimento e da
ciência promover a felicidade humana - e que, talvez, conhecimento e ciência tenham a única
função de contribuir para a concentração de poder e dinheiro nas mãos de alguns uns poucos.
Sócrates, porém, via a busca da verdade como um caminho de ascese, pois, quando cuidamos
de nós mesmos, modificamos nossa relação com os outros e com o mundo.
DEUS (TEXTO 2)
Deus
A reflexão sobre Deus é quase inerente à filosofia. Ao contrário da ciência, que, voltada para
objetos específicos, pode dispensar interrogações sobre Deus e concentrar-se no seu alvo, a
filosofia é mais ambiciosa e procura respostas para questões que, num certo sentido, as
ciências nem precisam se colocar, para verificar leis ou dimensões dos fenômenos naturais
(não custa relembrar que o radical de fenômeno, em grego antigo, significa "aparência").
O primeiro motor
Examinando a primeira relação, nota-se que ela foi entendida de três modos diferentes. O
mais antigo deles, encontrado em Anaxágoras (c. 500-428 a.C.), foi também desenvolvido por
Platão (428-347 a.C.) e Aristóteles. Platão concebe Deus como "artífice do mundo", porém
com um poder limitado pelo modelo que ele imita: o mundo das ideias ou das realidades
eternas.
No entanto, para Aristóteles, além de causa primeira, Deus é também a causa final que cria a
ordem do universo. O filósofo compara o universo a um exército "que consiste de sua ordem e
de seu comandante, mas especialmente deste último, pois ele não é o resultado da ordem,
mas a ordem depende dele". (Note a sutileza do raciocínio.)
Panteísmo
O segundo modo da primeira relação não exclui o anterior, mas parte da proposição de que a
natureza do mundo é um prolongamento da vida de Deus. Platão, por exemplo, chamava o
mundo de "Deus gerado [por ele mesmo]". Essa concepção se concretiza no panteísmo (o
prefixo grego pan significa "cada um, todos, totalidade") que cria um laço entre Deus e o
universo: ambos se identificam, são concebidos como uma única realidade integrada.
O panteísmo adquiriu forma com os estóicos, mas amadureceu entre os neoplatônicos, com
destaque para Plotino (205-270). Este filósofo considera o mundo como uma emanação de
Deus, assim como ocorre com uma luz em relação a sua fonte. Para Plotino, Deus não só é
superior ao mundo, mas também inexprimível em termos do mundo.
Ele só é apreensível ao êxtase místico. Por isso, ele não pode ser objeto de uma ciência
positiva que determine sua natureza. Muito pelo contrário, só uma teologia negativa ajuda a
compreendê-lo - a partir do que ele não é.
Cristianismo
Finalmente, há filósofos que consideram Deus como o "criador" do mundo, o Ser do qual
provêm os outros seres. Esta visão advém do cristianismo e coloca a fé como coadjuvante da
razão. Com Cristo, Deus se revelou ao homem e é a partir dessa crença (não racional) que a
razão entra em cena para solucionar os problemas postos pela realidade.
"Deus é um postulado da razão prática [aquela que orienta a ação], pois torna possível a união
da virtude e da felicidade, em que consiste o sumo bem que é o objeto da lei moral". Em
termos mais simples: só de uma vontade perfeita, a divina, se pode esperar o bem supremo
que a lei moral nos obriga a ter como objetivo de nossos esforços.
2) Muito antes de Kant, porém, os estóicos já identificavam Deus com a própria ordem moral,
considerando Deus como Providência e Destino, uma entidade de ordem racional que
compreende em si mesma, os eventos do mundo e as ações do homem. Essa visão também
pode ser encontrada em Hegel que considera a história do mundo o plano da Providência.
3) O último ponto de vista, essencialmente cristão, coloca Deus como criador da ordem moral
e, nesse sentido, atribui ao homem o livre arbítrio de segui-la ou não. Nesses termos, filosofia
e teologia se confundem, mas as duas conseguem uma expressão perfeita, em termos éticos,
nas palavras de São Paulo: "tudo é permitido, mas nem tudo me convém".
Politeísmo e monoteísmo
A terceira linha de raciocínio examina a relação de Deus consigo mesmo ou a de Deus com a
Divindade. Dela decorrem as concepções politeístas e monoteístas. O politeísmo concebe Deus
como diferente da divindade, assim como um homem é diferente da humanidade. Portanto,
podem existir muitos deuses.
As doutrinas que admitem qualquer distinção entre Deus e a divindade têm em mente que
esta pode ser compartilhada por muitos entes. O próprio Aristóteles, o da "causa primeira",
acreditava que a demonstração da existência de um primeiro motor servia também para a
existência de tantos motores quanto são os movimentos das esferas celestes, que eram 47 ou
55, respectivamente ao ponto de vista de dois astrônomos em quem o filósofo acreditava.
Além disso, é interessante notar que Plotino - aquele que falava acerca de um Deus que se
emana no mundo - não identificava unidade com unicidade. A unidade também contém a
multiplicidade para o sábio neoplatônico. Premissa maior: Deus é uno. Premissa menor: Todas
as coisas dele emanam. Conclusão: Deus não é único. Um silogismo perfeito.
Também não se pode deixar de destacar o fato de o politeísmo não se restringir ao paganismo
da Antiguidade. O panteísmo de filósofos modernos ou contemporâneos não deixa de ser um
politeísmo. O empírico escocês David Hume (1711-1776) atribuiu valor positivo ao politeísmo,
que é um verdadeiro obstáculo à intolerância religiosa. Se há muitos deuses na minha religião,
seria uma contradição eu me opor aos deuses de outras crenças religiosas (repare na
atualidade dessa ideia, num mundo como o nosso em que o fanatismo se transforma em
terríveis espetáculos terroristas).
Mais ainda, aquilo que torna Sócrates homem não se confunde com aquilo que torna Sócrates
somente o homem que ele, e mais ninguém, é. Do contrário, não poderia haver mais de um
Sócrates ou mais de um homem. Ora, esse é precisamente o caso de Deus. Além disso, como a
divindade é incomunicável, ela não pode ser compartilhada por mais de um Deus. Conclusão:
há um só Deus (Sua trindade é um mistério impenetrável).
O acesso a Deus
Finalmente, na quarta relação - do acesso do homem a Deus - também se distinguem três
pontos de vista: a) o conhecimento de Deus é alcançado pela iniciativa do homem, através da
filosofia, da especulação racional sobre Deus; b) o conhecimento só se dá através da revelação
divina; c) a revelação é a conclusão do esforço do homem para chegar a Deus.
Sem dúvida, o primeiro ponto de vista é o mais filosófico, enquanto os outros são mais
religiosos. Mesmo assim, o princípio de que a revelação não anula nem inutiliza a razão está na
base de toda a filosofia escolástica da Idade Média. No Renascimento, a revelação inspira e
sustenta a racionalidade. Fé e razão colaboram entre si, não são uma antítese.
No séculos 16, 17 e 18, foi feita progressivamente uma distinção entre a ideia de revelação
histórica e revelação natural, que ocorre através da razão. No Romantismo, a revelação é uma
manifestação de Deus na realidade natural e histórica, como pensaram Hegel e Schelling
(1775-1854). O filósofo e político italiano Vincenzo Gioberti (1801-1852) considera como base
do conhecimento a intuição, que, segundo ele, é a revelação imediata de Deus ao homem.
A cifra da transcendência
Contemporaneamente, o ateísmo ganhou força, mais no âmbito científico do que filosófico.
Grande parte das reflexões filosóficas atuais, quando não cristãs, têm caráter panteísta. Apesar
de se tratar de um conceito datado do século 18, há quem fale mais recentemente num
panenteísmo, uma conciliação entre o monoteísmo e o panteísmo, que admite que tudo o que
existe, existe em Deus, consistindo em revelação e realização de Deus.
Para terminar, é bom lembrar de linhas de pensamento que põem ênfase na transcendência
de deus. Para Karl Jaspers (1883-1969) a inatingibilidade de Deus, o fracasso inevitável do
homem em sua tentativa de alcançar a transcendência é a única revelação possível. Esta é o
que ele chama de a "cifra" da transcendência, o símbolo sob o qual o transcendente pode
estar presente na existência humana, sem adquirir caracteres objetivos, e, simultaneamente,
sem fazer parte da nossa vida subjetiva.
PRECONCEITO (TEXTO 3)
Preconceito
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Ética é a área da filosofia que estuda o comportamento humano. Portanto, um problema ético
de grande relevância e interesse é o preconceito, uma vez que se trata de um comportamento
que cria vários problemas práticos para o ser humano. Para o filósofo, ou melhor, no âmbito
filosófico, para se tratar do tema, a primeira questão a ser levantada é: o que é ou em que
consiste o preconceito?
A resposta que se dará a essa questão aqui tem como base as ideias do filósofo e jurista
italiano Norberto Bobbio, cujas posições éticas e políticas costumam ser acolhidas pelos mais
diferentes grupos, sejam de direita ou esquerda, por exemplo. Ao analisar o preconceito,
Bobbio deixa claro que ele se constitui de uma opinião errônea (ou um conjunto de opiniões)
que é aceita passivamente, sem passar pelo crivo do raciocínio, da razão.
O estereótipo
Entretanto, trata-se de um erro que faz parte do domínio da crença, não do conhecimento, ou
seja ele tem uma base irracional e por isso escapa a qualquer questionamento fundamentado
num argumento ou raciocínio. Daí a dificuldade de combatê-lo. Ou, nas palavras do filósofo
italiano, "precisamente por não ser corrigível pelo raciocínio ou por ser menos facilmente
corrigível, o preconceito é um erro mais tenaz e socialmente perigoso".
Preconceitos coletivos
Racismo no Brasil
O tipo de preconceito mais frequente em nosso país é o racial. O racismo no Brasil fica mais
evidente quando o brasileiro identifica o negro com seu papel social. A constatação, obtida por
meio de pesquisa, é da psicóloga e professora da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas, Ângela Fátima Soligo.
Em sua pesquisa, a professora pediu aos entrevistados que atribuíssem dez adjetivos aos
homens e mulheres negros. Nessa primeira fase, houve equilíbrio. Os pesquisados utilizaram
adjetivos positivos para definir os negros, como competentes, alegres, fortes. Em seguida, eles
foram estimulados a qualificar esses adjetivos, atribuindo-lhes características.
O resultado final revelou que a maioria dos entrevistados, aí incluídos também os negros,
limita-se a reproduzir os chavões sociais. O negro é alegre porque gosta de samba e Carnaval,
forte porque se dá bem nos esportes e competente para trabalhos braçais. "O adjetivo é
positivo, mas o papel social ligado ao negro mostra um preconceito arraigado na nossa
cultura", concluiu a estudiosa.
Mesmo nas exceções, a regra se confirmou. "Houve um entrevistado que disse que o negro
pode ser um advogado competente, mas apenas para livrar outros negros da cadeia, isolando-
os à condição de bandidos e marginais". A pesquisa reforçou a tese de que o brasileiro pratica
um "racismo camuflado": em tese, diz que não tem preconceito, mas prefere limitar as
possibilidades e potencialidades da raça negra. Por exemplo, na pesquisa, não houve
identificação do negro com o intelectual ou o político.
O problema do racismo brasileiro é antigo. Tem início por volta do final do primeiro século de
colonização, quando os portugueses constataram a impossibilidade de escravizar os índios. O
negro, então, foi trazido à força para o país, para servir de escravo nas plantações de cana de
açúcar. Independentemente da miscigenação, o negro e os mestiços sempre foram
discriminados socialmente no Brasil.
Considerados como uma raça inferior, além de inimigos do regime, os judeus foram
inicialmente discriminados e, depois, violentamente perseguidos. Não só na Alemanha mas em
todos os países que foram dominados pelo nazismo, a partir de 1939, os judeus tinham seus
bens confiscados pelo Estado e eram confinados em guetos. Com o início da guerra, passaram
a ser utilizados como escravos. O ápice do projeto nazista para os judeus, entretanto, era a
chamada "solução final", ou seja, o extermínio de todos os judeus europeus. Estima-se que
seis milhões de judeus tenham sido massacrados pelo nazismo.
Vale, porém, lembrar que o furor do preconceito nazista não se restringiu aos judeus. Outros
povos também foram perseguidos, como os ciganos, ou considerados inferiores, como os
eslavos. O nazismo também perseguiu e confinou os homossexuais e chegou a instituir um
programa de eliminação dos deficientes mentais da Alemanha.
Atualmente, é cada vez mais reconhecido, inclusive no aspecto legal, o direito de o indivíduo
se relacionar sexual e afetivamente com outro(s) indivíduo(s) do mesmo sexo. A escolha sexual
não interfere no caráter e não é obstáculo ao desenvolvimento de qualquer atividade. A
homossexualidade (homo = igual), porém, ainda é muito discriminada no Brasil, o que é um
resquício da sociedade patriarcal e machista que o país foi até cerca de 40 anos atrás.
Há uma grande diferença entre deficiência e incapacidade. No entanto, não é incomum que os
deficientes sejam discriminados, particularmente em termos profissionais. Recentemente, o
governo brasileiro tem desenvolvido políticas que visam a integrar o deficiente à sociedade e
coibir a discriminação.
Finalmente, você pode estar se perguntando: tudo bem, já está muito claro o que é
preconceito, como ele se origina e quais são seus tipos mais frequentes, mas a questão
principal é como acabar com ele? Pois bem, veja a resposta dada pelo próprio Norberto
Bobbio:
“Quem quer que conheça um pouco de história, sabe que sempre existiram preconceitos
nefastos e que mesmo quando alguns deles chegam a ser superados, outros tantos surgem
quase que imediatamente.
Apenas posso dizer que os preconceitos nascem na cabeça dos homens. Por isso, é preciso
combatê-los na cabeça dos homens, isto é, com o desenvolvimento das consciências e,
portanto, com a educação, mediante a luta incessante contra toda forma de sectarismo.
Existem homens que se matam por uma partida de futebol. Onde nasce esta paixão senão na
cabeça deles? Não é uma panacéia, mas creio que a democracia pode servir também para isto:
a democracia, vale dizer, uma sociedade em que as opiniões são livres e portanto são forçadas
a se chocar e, ao se chocarem, acabam por se depurar. Para se libertarem dos preconceitos, os
homens precisam antes de tudo viver numa sociedade livre.”
Dialética
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Todos os dias acontecem milhares de coisas sem nenhuma ordem ou conexão aparente. Tudo
o que podemos dizer é que o mundo parece uma grande bagunça. Mas será que mesmo essa
bagunça não teria uma ordem, como o secreto ordenamento na desarrumação de nosso
quarto?
Para Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.), existe uma ordem no universo que nos cerca, mas tal
ordem não é algo misterioso ou oculto e sim algo que pode ser percebido em nosso cotidiano.
Como dizia Heráclito, "não se pode banhar-se duas vezes no mesmo rio porque nem as águas,
nem você permanecem o mesmo". Tudo flui. Algumas coisas mudam mais depressa, outras
mais devagar como o movimento dos continentes ou o discreto afastar-se da Lua, mas tudo
está em constante mudança.
A mudança não é uma mera aparência, mas o modo de ser das coisas, o seu constante devir.
Ou seja, ao invés de dizer que "isso é tal coisa" seria mais correto dizer que "isso está tal
coisa", pois nada garante que no futuro permanecerá assim, o mesmo que foi assim no
passado. Por isso, Heráclito não falou que tudo é água, terra ou ar, mas fogo: "Por fogo se
trocam todas as coisas e fogo por todas, tal como por ouro mercadorias e por mercadorias
ouro". O fogo é processo, através do fogo as coisas se transformam: água torna-se vapor, areia
torna-se vidro. O fogo é o elemento dinâmico, a melhor representação da constante mudança
da realidade.
Saber que a realidade está em constante mudança, entretanto, ainda não nos explica nem
porque as coisas mudam, nem como elas mudam, ou seja, se existe algum princípio que regule
a forma como as coisas mudam, do contrário, teríamos uma desordem crescente que nos
deixaria cada vez mais perplexos e impediria qualquer ação no mundo.
Heráclito responde a ambas questões através da dialética. Para o filósofo de Éfeso, "o combate
é de todas as coisas pai, de todas rei". As coisas mudam porque existe uma tensão de forças
contrárias dentro delas, como o mel que é, a um só tempo, doce e amargo. É a tensão dos
contrários no interior de cada coisa que põe tudo em movimento. Como o andar que nos
desequilibra e recompõe o equilíbrio a cada passo.
Admirável é que a tensão entre os contrários não produz destruição das forças em conflito
(como em uma guerra), mas harmonia: "o contrário é convergente e dos divergentes nasce a
mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia". Mas como isso é possível? É possível se os
contrários encontrarem um equilíbrio, como o arco e a lira: tensão demais e a corda se rompe,
demasiado frouxo e não produz música. A música secreta da natureza está na harmonia dos
contrários que emerge sob a forma de regularidade, como se houvesse uma lógica
disciplinando o caos.
É difícil saber até que ponto as reflexões de Heráclito se aproximam dessa idéia, afinal, não
sobraram muitos fragmentos que dão testemunho de sua filosofia. Mas não deixa de ser
surpreendente sua idéia de que o conflito pode produzir transformação e dessa transformação
emergir uma nova tensão em um devir permanente. E tudo isso produzindo novas formas de
organização da natureza, das idéias e da sociedade. Tamanha a força de seu pensamento, que
Heráclito chegou a influenciar filósofos que vieram mais de dois mil anos depois, como Hegel e
Marx. "Não existe frase de Heráclito - confessa Hegel - que eu não tenha integrado em minha
Lógica".
Ceticismo
Reprodução
Para Kant, o cético nos lembra de que pensar não é um fim, mas uma atividade
Se alguém lhe perguntasse "O que você conhece?", você poderia pensar em uma porção de
coisas, a maioria delas adquiridas em sua experiência cotidiana. Mas se a pessoa insistisse e
perguntasse "Algo do que você sabe é realmente verdade? Apostaria sua vida nisso?", essas
questões complicariam um bocado as coisas.
Eu, por exemplo, poderia dizer que tenho certeza que sou filho dos meus pais, mas talvez eu
tivesse sido adotado ou trocado na maternidade e estar enganado a esse respeito. Poderia
ainda estar enganado sobre uma série de outras coisas que até então julgava certas. E se
reparar direito, tudo o que eu tenho são crenças, algumas até muito razoáveis, mas nada de
que eu possa dizer que é uma verdade irrefutável. Percebo, então, que me falta um parâmetro
para examinar as minhas crenças e verificar quais são realmente certas e quais são falsas.
Durante a história da filosofia, vários foram os filósofos que tentaram estabelecer as condições
para que algo fosse tomado como absolutamente verdadeiro, isto é, uma verdade que
independesse de fatores circunstanciais e que fosse algo que não fosse verdadeiro para mim
ou para um grupo de pessoas, mas para todos os seres racionais.
Você deve estar cansado de ver por aí grupos de pessoas com crenças estranhas, que dizem
que eles estão certos e todos os outros enganados. Nesse caso, como decidir quem está certo?
Votando? Mas se a maioria estiver errada e o pequeno grupo estiver certo, nunca
conheceremos a verdade porque eles sempre perderão nas votações. É preciso que se trate de
uma verdade universal, isto é, válida para todos, tanto para a maioria quanto para as minorias.
Portanto, o que os filósofos investigam são as condições universais de validade, aquelas
condições que independem das opiniões particulares que eu ou você possamos ter.
Ceticismo
Pirro de Elis (360-275 a.C.) é considerado o fundador do ceticismo. Segundo ele, não podemos
ter posições definitivas sobre determinado assunto, pois mesmo pessoas muito sábias podem
ter posições absolutamente opostas sobre um mesmo tema e ótimos argumentos para
fundamentar suas posições. Nesse caso, Pirro nos aconselha a suspensão do juízo e a
mantermos nossa mente tranqüila (ataraxia). Ao invés de enfrentarmos o desgaste de
acalorados debates que não produzirão certeza alguma, devemos manter silêncio (apraxia) e
preservar uma atitude de suspeita diante de qualquer tipo de dogmatismo.
Depois de Pirro, muitos outros filósofos tornaram o ceticismo uma das mais importantes
correntes filosóficas até os dias de hoje. Atualmente, alguns céticos defendem o probabilismo
ou falibilismo, ou seja, na impossibilidade de encontrarmos verdades absolutas, seja pelas
limitações de nossos sentidos e intelecto, seja pela complexidade da realidade, devemos tratar
nossas crenças sempre como provisórias, como quem anda em gelo fino.
Desse modo, um cético nunca seria pego de surpresa se algo que todos acreditavam ser
verdade se revelasse falso no futuro. Por outro lado, reconhecer que as verdades são
provisórias não significa uma completa inação. Sabemos que os remédios são falhos, mas são a
única coisa que temos para combater as doenças.
Isso também vale para o campo da ética. O filósofo Montaigne propunha que vivêssemos em
harmonia com os costumes de nosso povo ou cultura, pois embora eles sejam falhos, são tão
falhos quanto os de qualquer outro povo, não havendo razão para preferir este a aquele.
Conta a lenda que Pirro morreu enquanto dava aula de olhos vendados. Um aluno o teria
alertado quanto ao precipício à sua frente. Cético, Pirro desconfiou do aluno e caiu. Essa lenda,
obviamente, pretende mostrar os perigos de se duvidar de tudo. Mas será que um cético
autêntico não duvidaria também de suas próprias dúvidas?
Odiado por alguns, o cético é como a abelha que aferroa o boi do conhecimento, retirando-o
da mesmice das ideias prontas e acabadas, nos provocando, por meio da dúvida, a investigar a
fundo os pressupostos de nossas crenças; ou, como diria Kant, o cético é aquele que nos
desperta do nosso sono dogmático para lembrar-nos que pensar não é um fim, mas uma
atividade.