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ESL Coa TEs) José Luiz Fiorin Doutor em Leas € Professor Livre-Docente do Depto. de Lingistica da USP Francisco Platao Savioli Professor-Assistente Doutor do Depto. de Comunicario € ‘Artes da ECA — USP Professor e Coordenador do Curso de Gramitica€ Interpretagdo de Texto lo Angle Vestibulares ~ S30 Paulo 22 edicao Yorn do Don fosser 0 Terude Pretbida | eT Leia o texto abaixo, uma tira de As cobras, de Luis Fernando Verissimo: 4 QUE COTO WOE TARA Y 10 GOIGAD EFE Nk COS TE OM HES? leitura do primeiro quadrinho, isolado do segundo, deixaria o pre- sidente Fernando Henrique ¢ sua equipe muito gratificados, ja {que sua administragdo recebe nota maxima (de2) na avaliagéo de um dos interiocutores do didlogo ai transcrito, Confrontado com o segundo, no entanto, o significado do quadrinho um se altera consideravelmente e provoca decepeSo. Dez passa a ser lido como um indicador de velocidade e nao como ‘a nota maxima de uma escala convencional Com a quebra de ex- pectativa criada pelo quadrinho um, produz-se um efeito de hu- ‘mor, 0 texto, no seu todo, passa a ser uma sétira& lentidao com que se tomam as decisées do governo, 13 , Essa tinha & exemplar para demonstrardols dados importants, leitura de um texto: - 2) pum texto, 0 significado de uma parte no € aUtGnomo, mas dese das outras com que se relacona, Tanto & verdade que, no caso datrnha agp foros obrigados a reinterpretar o sentido do quadtinho um, quando o confy’ tamos com 0 dois. % | \ b) 0 significado global de um texto ndo é o resultado de mera soma ie suas partes, mas de uma certa combinacao geradora de sentidos. Nao fosse ee dado, o pequeno texto humoristico admitiria a seguinte leitura: que 0 govero ie FHC merece nota dez e que anda a dez quilémetros por hora. Qualquerlitor me. dio de texto diria que interpreta-lo dessa forma sicnifica no t8-lo ented, — Em sintese, num texto o sentido de cada parte € definido pela relacio que mantém com as demais consttuintes do todo; 0 sentido do todo no & mera sora das partes, mas é dado pelas miltiplas relacdes que se estabelecem entre els ‘Ao explicar o sentido da tira aqui reproduzida, usamos diversas vezesapa- lara texto, Mas o que € um texto? Essa palavra é bastante usada na escola e ‘mesmo fora dela. E muito freqliente ouvirmos frases como seu texto ficou muta ‘bom; 0 texto sobre o qual versaram as questdes da prova de Portugués era mit ‘oango e compexo; 0s atores de novela devem decorar textos enormes todos os dis ® texto constitucional desceu a detolhes que deveriam estar em les ordindias ‘Apesar do uso corrente da palavra, o conceito de texto nao é tdo simples: mesmo ‘ara aquelas pessoas habituadas a empregar ezse termo com freqiiénca. Comecemos por definir quais sBo as propriedades de um texto: em coeréncia de sentido, Isso quer dizer que ¢ eae St nele, as frases nao esto pura ¢s"- pls as Outras, mas esti relacionadas entre si. PO A primeira é que ele te do € um amontoado de fra plesmente dispostas umas a isso que, nele, que compéem o te ‘quele que ela efet Uma mesma dentro do qual esta >to, cores ivaments ee 0 de atrbur a ela um sentido 098° mai MOS UM Pouca melhor o conceito dé ma unidade menor est inseriga, SS? 14 | texto, € 9 unidade or em que u frase (unidade maior) serve de contexto para a palavr; o texto, para a frase et. Pontexto pode ser explicito, quando € © presso com palavras, ou impliito, quando eta embutido na sitvagao em que o texto & produzido. Quando Lula disse @ Collor ro primeiro debate do segundo turno das ele~ : pi ", fs ow © principio da coerencia de sentido pode se thtevado. mesmo em quaros consiuldos 3 partir de fragmentos aparentemente descone= os, Nesta colagem do inilo do sécuo, a pro- fusto de elementos taduz 0 atordoamento do hnomem da épocadiante do massacre, por indsciminade de Informagdes. noe 8es presidenciais de 1989 Eu sabia que vocé era colloriso por fora, mas ej por dentro, todos os brasileiros entenderam que essa frase no queria i cé tem cores por fora, mas € revestido de cal por dentro, mas Vocé apres, discurso moderna, de centro-esquerdo, mas reaciondro, Como fi posi” tender a frase dessa mancira? Porque ela foi colocada dentro do contexts Giscursos da campanha presidencal, Nee, oadetivo colloridosignticara yy” tivo a Collr’, “adepto de Collo’; Collor apresentava-se como um renova, como alguém que pretendia modemizaro pais, melhorar ¢distrbuigao de rng, combater 05 pivlégios dos mais favorecidos; Ronaldo Caiado era o candida, ‘mais & direta, defendia a manutengdo do statu quo, etc. S frases ganham seq, tido, porque estio correlacionadas umas as outras. oa a Um texto é, pois, um todo organizado de sentido. Dizer que ele é im tg. o organizado de sentido implica afirmar que o texto & um conjunto formady de partes solidérias, ou seja, que o sentido de uma depende das outa, ‘Que é que faz que um conjunto de frases forme um texto € no um amon. toado desorganizado? Séo varios 0s fatores. Citemos por enquanto dois. 0 pr meiro € a coeréncia, isto é, a harmonia de sentido de modo que no haja nada ildgico, nada contraditério, nada desconexo, que nenhuma parte ndo se solidarie ‘com as demais. A base da coeréncia é a continuidade de sentido, ou seja, @ai- séncia de diserepancias. Em principio, seria incoerente um texto que dissese Pedro estd muito doente. 0 quadrado da hipotenusa é igual é soma do quadrado dos catetos, Essa incoeréncia seria dada pelo fato de que nio se percebe a reacio de sentido entre as duas frases que compdem 0 texto. Um outro fator€ alga das frases por cerlus elementos que recuperam passagéns jéditas ou garanten a concatenagéo entre as partes. Assim, em Néo chave ha vrios meses. Os postos ‘do poderiam, portanto,estor verdes, 0 terma portanto estabelece uma relaclo de decorréncia légica entre uma e outra frase. Esse sequrdo fator & menos in- Portante que 0 primeiro, pois, mesmo sem esses elementos de conexdo, um cot junto de frases pode ser coerente e, por conseguinte, um todo organizado de se tido. Observe o texto abaixo, de Carios Drummond de Andrade: er Vq, ent un © our se pz Que frio! Que vento! Que calor! Que caro! Que absurdo! Que bacana! Que tristeza! Que tarde! Que amor! Que besteirat Que e5° Perangal Que modos! Que noite! Que graga! Que horror! Que do Fealtam elementos de ligagdo entre as partes no primeiro pardgrafo, mas a ultima frase, Assim, em plena floresta de exclamagées, vase tocando pro frente, produz a unidade de sentido. 0 texto deixa de ser um amontoado alea- {orio de exclamagtes, adquirindo coeréncia e, dessa forma, mostrando 0 caréter estereotipado de nossa linquager cotidiana ip € um meotute” Comm ON potie ‘A segunda caracteristica de um texto € que ele & delmitado por dois brancos. Seo texto € um todo organi- ado de sentido, ele pode ser verbal (um conto, por exempla), visual (um quatro), verbal e visual (um filme) ete. Mas, em todos esses casos, serd delimitado por dois espagos de ndo-sentido, dois bran- cos, um antes de comegaro texto € outro depois. E 0 espago em branco no gapel SE antes do inicio e depois do fim do texto; pyrant salsa moldura dos quores 0 tempo de espera ara que 0 fie comp 3 fungo de sls to comece € 0 que esté depois da palavra {22 te tan Fim; &0 momento antes que 0 maeso. pao esi, deve fe levante a batuta eo momento depois ave Sa eta clea abaira, etc texto ¢produrido por um sujeito num dado tempo e num determinado snag, Ese ue, por erence oun go soca um tempo e num espco, ca cm seus texts a is, 05 ansis, 0s temores, as expectatvas de seu tepo ede seu grup social Tod texto em um carter histo, no na set Go de que nat fats histios, mas node que revela os dais eas concepges de um grpo socal numa detrminada pce. Cada period histrcocoloca para Se homens certes problemas eos txts pronunciam-se sobre eles Por exemplo, einnosa epoca, em que 0 Fcuso5 natura do planeta core oviscodeesgo, farse aparece 0 discurso ecologists que mostra a necessidate de presenar@ ratureza com vistas & manutenao da espécie humana 17 do ha texto Que N80 mostre ose, abe lembrar, no entanto, que ung oduz uma tnica forma ye soeealidade, Um anico modO de ang. wero problemas c0!0¢4005 NUM dato ma sitnto Como ela &dividida €m grupos, a que tem interesses MUILaSVezes an. teyonicos,produzidas vergentes ene sj A mesma sociedade QUE gera a ida de que & preciso pér abaixo @ Floresta ans. zénica para explorar Suas riquezas, produ, a idéia de que preservar a floesta é mas rentavel.Cabe lemibrar, no entanto, que a gumas idias, em certas époces,exercen dominio sobre outras, ganhando o estat tode concepgio quase geral na sociedade E necessirio entender as concepdes caistentes na época e na sociedade em que o texto foi produzido para nao corre ois cade compreendé-lo de maneira dstrcida ‘Como as idias s6 podem ser expres 525 por meio de textos, analisar a rlagéo terto.com sua época € estudarasrelages de um texto com outros Poderiamos dizer que um texto & pais, um todo organizado de sentido, de- mitado por dois brancos e produzido por tum sujeito num dado espago num dado tempo. Cabe sociedade nao pF See ra ee BS (0 proprio fato de esclher um pro- to de consumo dito ~ no caso, luma tata de sopa ~ para com ele €MPo. ‘construruma pintura€ uma forma Duas conclusées podemos tirar des Ge representar certo estigio de de- Senvolviment stingdo or uma so- edad. sa nocdo: @) uma leitura nao pode basears em fragmentos isolados do texto, jé que? significado das partes determinado Pe? todo em que estdo encaixadas: b) uma leitura, de u de um fr totes cece see ea em cons oquenn esi TEXTO spat COMENTADO sa oi Eran Orreten tu Pi Nee etre 0 texto que segue é um aniincio publcitario publicado pela revista 0 produto anunciado sao os carros russos Lada, que acabavam de en trar no mercado brasileiro APROVEITE QUE 0S RUSSOS NAO ENTENDEM NADA SOBRE LUCRO. ELES AINDA FAZEM CARROS QUE DURAM PELO MENOS 20 ANOS. Se existe alguma coisa que os russos ni sabem fazer direto € ganha dinheiro. Eles ainda pensam que flerno, confortave, resistente, com chapa de ago belg fem que qualquer mecinico mexe € que ainda por cima nao da Feque os russos que fabricam os Lada estio acostumados a consumidores| 15 anos com o mesmo carr, que vendem para outros | que ficam de 10 ‘vfitamente por tantos anos em um pais onde so 154 das estradas $10 eam russo. Entao, voc’ deve estar pensando em trocar de carro daqui a pouco, Espere so até novembro € compre os primeitos Lada que vao che ver ao Brasil Porque, do jeto que 0s TUssos aprendem rapido, logo, logo les podem aprender a ganhar dinheito, f 19 Para demonstrar que, num texto, 0 significado de uma parte depend g ae outras, vamos interpretar, soladamente, 0 sigrticagg ¢* Eanes ‘nada sobre lucro", a frase remete a ° ee - Que a Rissiag o pais lider do bloco socialista € de que 1a, portanto, aa MeCESSidade ge spear olucr, como nos palses capitalists. Como esse texto €de 1990, quay do eram notoras as dficuldades econdmicas por que passava @ entéo Upa, Sovitica, pode-se pensar que a concep¢&o sobre a qual o texto vai trabalharg 4 da superoridade da economia capitalista sobre a socialista, ou sea, podep imaginar que o texto considerard negativo 0 fato de os russ0s no entender, nada sobre luc. ‘As duas linhas seguintes comegam a mostrar que essa hipétese interpre. tativa no é verdadeira. Seus carros nao esto submetidos 4 obsolescéncis crescente planejada pela industria capitalista para que o consumo seja sempre maior: eles duram pelo menos vinte anos. (0 texto em letras menores confirma essa ultima hipotese de leitua: os russos ndo sabem ganhar dinheiro, porque pensam que bom negocio € fabric ‘um carro moderno, confortavel, resistente (com chapa de ago belga, que dure muito tempo e passa de um dono a outro, que suporta estradas néo pavimenta- das), com motor simples (em que qualquer mecanico mexe), que no dé manu- tengo. Agora o sentido se apresenta em toda a plenitude e € contrario ao que as duas primeias linhas,isoladas do contexto, davam a entender. Bom negé- clo, para o industrial capitalista € fabricar um carro que nao dure muito tempe «por conseguinte, precise ser trocado. Dai decorre que o lucro, segundo 0 tex- to, € algo que se obtém & custa do consumidor, & fruto da gandncia, 0 luce 4 mola do capitalism. Ja os russos, por néo serem capitalistas, nao visam 2 |ucro e fabricam, por isso, produtos de grande durabilidade. O lucro e, por tensio, o sistema que o produz so negativos para 0 consumidor, enquanto 40 ‘render de luero € positiv para ee, pois noo submete & obsoescénia A nejada, O texto é uma publicidad dos carros russos Lada, veiculada na época e {ue comegaram a ser vendi i , é tensors * vendidos no Brasil. A estratégia de persuasio do te ate 2 SEMO se considerou um pono negatvo da econori8 Dar pote Pest¥® ae o consumidoA ima frase conlama ot ‘arsomagoes por gue 26 rapidamente,acenando com oper * Ue passa a Rise tida&s chamadgs ae Russia, Transformando-se em economia i © Por conseguinte, 10 mercado, os russos aj i cinhei unt, © consonn prenderdo a ganhar di tendo mais bens basta ‘ staré submeti 3 bastante acre Submetido & obsolescéncia planei®™™ moO

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