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mdmagno AMEFRICA LADINA Peli tect rnc Comet eeea te (oT TC) Freudiano do Rio de BGT Digitalizada com CamScanner LUGVRejus 7 mdmagno AMEFRICA LADIN introdueGo ao uma abertura — seminério de 1980 — Transcricgao: Annita Iedda Cardoso Dias Evany Cardoso Miranda Ahan aos Gre yp co ite @ Colégio Freudiano do Rio de Janeiro Digitalizada com CamScanner LUGVRejus 7 — julho de 1980 Fublicagdéo periddica do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro { Av. Ataulfo de Paiva, 1079 — ss. 116 — Lebion | 22440 Rio de Janeiro — RJ i Editor: Potiguara Mendes da Silveira Jr. | Capa: Luiz Carlos Galvao Miranda | Composicao/acabamento: Folha Carioca Editora Ltda. Publicamos neste n.° 7 de LUGWRejus a aula de mdmagno em que sao lancados os primeiros elementos de um novo caminho no que tem sido uma das preocupacées em seu trabalho: “distinguir, em tudo o.que se puder, os significantes que constituem a sintomatica nacio- nal”. Trata-se aqui de abrir uma via de introducéo — importante neste momento — ao que nos “embates das culturas pelo privilégio de certos significantes (...) monta esse barato estranho chamado Brasil”. i Dando-se conta de que o Brasil ndo é América Latina, e Betty Milan, numa invencéo de momento, dizendo que o Brasil é América- Africana, uma questao se resolve ao mesmo tempo que se abre uma nova, para a frente. As abordagens sociologicas, e de outras “zoologias”, nao estariam “Jutando contra a corrente, na aparéncia de estarem a favor”? Nao teriam elas “ideologias de base que nao as permitem pegar o sintoma tal como é” e dizé-lo bem? E, mesmo, a “arte brasileira” nao esta “escondendo esse sintoma atrés de aparéncias européias, americanas, sulamericanas, latinas e coisas dessa ordem”? Sao questoes, entre inumeras outras, abertas no que se poe aten- gao nessa letra ladinamefricana, O editor Digitalizada com CamScanner mdmagno AMEFRICA LADINA introdugGo a uma abertura 26 de julho de 1980 * “Que viva o Rei D. Henrique Nos .infernos muitos anos, Pois'deixou em testamento Portugal aos castelhanos.” (ausdra popular de 1580) “Aonde é que as mulheres tém o cabelo mais enroladinho?” (plada popular) “e também pra me nernetuar em tus escrava que vocé pega, esfrega, nega mas nao lava”. Chico BUARQUE. “N&o vem que tem!" Betty MILAN Nunca hé gol na entrada. E na saida? Digitalizada com CamScanner Depols do “affaire” dito Congresso Brasileiro, em julho préximo vai haver © tal Congresso Latino-Americano. Nao sei se alguém de vocés vai participar do chamado Congresso de Caracas, aonde se promete a presenca de Lacan. De comego, fomos convidados a par- ticipar, até mesmo com certa deferéneia, pode-se dizer. E convidados a apresen- ar trabalhos, e até pensamos em fazer isso; suptinhamos que iamos ter a res- Ponsabilidade, de certo modo, de aglu- tinar os interesses ditos brasileiros em torno desse Congreso, 0 que seria ex- tremamente trabalhoso. Entretanto, na Pauta do Congresso, que deve ser al- guma colsa realmente importante, havia @ Indicacdo de ele ser Latino-America- no, sendo que essa estrutura e esse mo- vimento foram negoclados com um gru- Po de Caracas que apareceu j4 pronto Como sede, digamos assim, da América & exigéncia do le duas linguas: fran- Latina, inclusive com comparecimento di eés € espanhol, nhola e a Psicandlise, fica entao para vocés substituido por A Lingua Brasi- leirae a Psicandlise.” Quando se trata de-Linguay-a»coisa fica muito séria, porque, afinal’decon- tas, é sintoma fundamental, ou'pelo me- nos é sintoma de base nas relagdes de fala entre os sujeitos. Entéo pondera- mos que talvez essa América chamada ai de Latina nao falasse sé espanhol. Inclusive, talvez, se o fizéssemos nume- ricamente, a quantidade de sujeitos que falam a Lingua... Achavamos que qual- quer trabalho que apresentassemos de- veria ser em Portugués, ou em Brasileiro, Se quisessem; € a resposta foi muito simpatica: Tudo bem, mas desde que vocés se encarreguem da traducao si- multénea para o francés e o espanhol. A essa altura, para mim isso fun- ¢lonou como interpretagao, ou seja, v8- leu a questo, valeu o levantamento da Questio na medida em que a gente co- mecou a se dar conta: nao somos Amé- rica Latina. De repente, em fungio desse fato, & em funcdo dessa interpretagao, inter Pretac&o digamos acidental, a gente 00” Mmegou a se dar conta de que o Brasil nao € América Latina, sobretudo do Pon to.de vista do percurso do significante’ € no que eu, junto a Betty, ponderel Ue | © Brasil certamente nao era Américé Latina, ela me salu como uma inventé? pa Digitalizada com CamScanner Améfrica Ladina de momento e que resolve nossa questao, ao mesmo tempo que abre uma nova, para a frente. Disse Betty: “& claro, Brasil é América-Africana”. Entao, nos, nés ja estamos situados. Hoje temos uma resposta. Nao va- mos 20 Congresso de Caracas, porque nao temos nada a ver com nenhum Congresso Latino-Americano, temos que fazer um Congresso Américo-Africano. £ coisa de crioulo, nio reparem, Nao é & toa que, para nés, a subs- tituicdo do mito de Aristéfanes, em ter- mos de geografia, ja se deu hé muito tempo, talvez até em termos de geologia. Consta, parece, entre os gedlogos, que ha uma fissura sub-aquatica no Oceano Atlantico, Eu tenho até uma mapa de gedgrafos e gedlogos americanos, que re- constituiram essa fissura do fundo do mar. A terra teria fissurado, quer dizer, © sujeito habita 14 pelo melo do Oceano Atlantico e, prova disto, é o rebolado da/ ~ costa; a gente consegue encaixar a costa brasileira na costa africana, em termos de forma, de contorno, de perfil. J& ou- viram falar nisso, ndo? Quer dizer, na base do “chega mais”, se se encostar, faz-se a reproducdo do mito de Aristé- fanes, mas a cisao esta la, e nao da p'ra chegar mais, Mas talvez seja até um encaminhamento de estudo. Pois, como no outro mito, 0 que se quer é, mesmo, chegar mais: ao encaixe plau- sivel das duas costas, como se dese- nham no mapa, separadas, no fundo do oceano, por aquela greta, por onde a Terra tera parido a a-bjeta Lua, hiancia da qual essas margens, de Brasil e Africa, sio talvez dois grandes labios — de cuja simbélica ocluséo alguma fala quica se articulasse. Betty colocou a questdéo de que ela acha que o pessoal de lingua espanhola, da chamada América Latina, fala me- Ihor francés, ou seja, percorre mals a cultura francesa, com significantes mais precipitados, digamos assim, por esses paises do que pelo Brasil. # bem poss{- 5 vel. Acho até encantadora essa questio de n6s outros habitarmos a América- Africana, j4 que uma das preocupacées tem sido, em nosso trabalho, distingutr, em tudo 0 que se puder, os significantes que constituem a sintomatica nacional, € parece uma boa via a gente tentar comecar a promover, como trabalho ¢ como estudo, a América-Africana. Pelo menos, temos uma indicagao no nosso amigo Mario de Andrade, — uma coisa a que a gente talvez nao dé muita importancia no texto, mas 0 Macunai- ma, que para muitos seria uma tenta- tiva de levantamento desse sintoma, comeca da seguinte maneira: “No fundo do- mato-virgem, nasceu Macunaima, heréi de nossa gente”. & melhor ressal- tar essa palavra herdi, para depois. E ai se diz: “No momento do seu nasci- mento era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que 0 siléncio foi téo grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a india Tapanhumas pariu uma crianca feia. Essa crianca é que chamaram de Ma- cunaima.” Quer. dizer,. sea. mie era ‘india, Macunaima era preto. # claro que ele vai mudando de cor, pode ficar até louro de olhos azuis, como todo crioulo na- cional aspira, quer dizer, sio nesses em- bates das culturas pelo privilégio de ‘eertos significantes que se monta esse barato estranho chamado Brasil. Por que sera que Mario de Andrade fez esse nascimento como preto? Nao sera talvez algum indiclo de que se trata de América-Ajricana? Nao sera talvez alguma sacacéo de que o significante Preto, enquanto situado ‘no regime das chamadas racas — estou falando de raga nao no sentido fisico-antropolégico ou blolégico do termo, mas, no sentido de coalescéncia discursiva, (alas, é como Lacan define, raga como repeticio discursiva), desse que no texto é cha- mado 0 herdt da nossa gente — ou se}: aquele que poderia arcar com a posicio Digitalizada com CamScanner 7 tivesse ganho, erna — certamente, haces! a batalha discursiva? £ muito interessante notar =" ainda o momento, mas eu aa le fazer, futuramente, um Seminario in- telro sé da leitura de Macunaima) que, como todo mundo conhece a historia, Macunaima, depois de todas as peripé- clas, e depois de atravessar o feminino, — vocés se lembram da Ulara? A Uiara ¢ aquela que tinha um buraco na nuca, quer dizer, o que caracteriza a Ulara é © buraco na nuca, W Ss © do emasculacao), de atravessamento Para 0 outro lado, cons- Utuindo-se em Teferéncia constelar. O ue néo € outra coisa, Sendo, talvez, a mdmagno fungdo paterna, marcagao de Nome do Pai. Mas, interessante, marcagio essa que vem travestida de feminino (j4 que nés estavamos falando da sexualidade feminina...) A Ursa Malor, diz Mario de Andrade, ¢ Macunaima, “4 mesmo ¢ herot capenga que de tanto penar na terra, sem satide e com muita. sativa, se aborreceu de tudo, fot-se embora ¢ danza solitdrio no campo vasto do céu”. Campo vasto do céu, certamente, & ¢ campo de todas as inscrigses, onde o Real comparece, mas que é ldo como campo de inserigio — o chamado cam. po do Outro. E ai estamos de volta a algumas questées que vao ficar suspen. Sas, jd que 0 Seminério sobre esse fe. minino, deste semestre, se encerra hoje. Eo que tera a ver. essa. construcao do Nome do Pai, com essa postura do feminino? Como a gente se Jembra, nas formulas quénticas, como podemos acoplar isto com essa Possibilidade de que disse Betty, de América-Africana, © colocar esse ele- mento negro como um significante, di. Bamos, de certo modo, vencedor nesse embate? Em primeiro lugar, a gente precisa repensar talvez, repensar mals uma vez, essa questéo do Falo. O que é 0 Falo, além de tudo que ja se falou? H& um Seminario mais recente de Lacan (que nao dé para desenvolver longamente hoje), em que ele torna a abordar aquele velho Semindrio que abriu os textos dos ferits (embora no fosse cronologicamente o primeiro), 0 Seminério sobre a Carta Roubada. E Lacan, no Semindrlo mais recente, re- toma a Carta Roubada para mostrar que essa lettre (que em portugués néo funciona bem chamar de carta), essa letra, cujo conteido nunca aparece n0 conta de Poe, e que nao interessa, 0 que Digitalizada com CamScanner Améfrica Ladina dela interessa é 0 percurso, percurso desse significante que nao é outra colsa, em tltima instancla, senao o Falo. E ele vai chamar a atencao para o fato de que o aprisionamento dessa letra em va- tlos momentos do percurso, entre o Mi- nistro, a Rainha, a Policia e o Detetive, que o aprisionamento desse Falo resulta num efeito feminizante; quer dizer, de cada vez que esse Falo, esse significante, é apropriado, resulta disso um efeito fe- minizante para aquele que dele se apro- pria. Por isso é que a funcdo é de fazer © significante (e € 0 que sempre acon- tece) retornar ao seu destino, ou seja, todo percurso é para que o significante retorne & mao da rainha. Entao, o que € esse Falo? Num outro momento, Lacan nos apresenta, de uma nova maneira, esse Falo, com uma metafora bastante in- teressante, 0 que na verdade nao é me- taforico, nao é uma fungdo metaforica, € concreto. Podemos dizer, como ja dis- semos aqui varias vezes, que 0 Falo é 0 significante do desejo. O que vem a ser isto? Ja noutro momento, Lacan deixou escapar, talvez sem querer precisamente situar isto assim, que o Falo é a mesma coisa que o Nome do Pai, embora isto talvez n&o seja de muita precisio. Ora, um escritor brasileiro chamado Fernan- do Sabino, hé muito tempo atras, es- creveu um romance intitulado Encontro Marcado (nio me lembro bem de como era), que nao é dos mais motivadores, me parece, mas hé uma frase interes- santissima nesse romance. No momento em que o garotinho vai ser banhado, pela mie talvez, ele se espanta com al guma coisa e grita: “Mie, tem um osso no meu piu-piu”, estranhando um acontecimento no seu corpo. Tem um o3so no meu piu-piu — isto é de uma preciso incrivel. Tanto é que Lacan, também, no tal Seminério, retoma essa questio do Falo, e nos dé exatamente esta metdfora que talvez seja algo de concreto. O Falo é.um érgéo do simbé- 7 lico, é um significante, é portanto do campo do Simbélico, mas, comparece como um 6rgéo.do simbélico no préprio corpo, e Lacan diz de algum modo que 0 Falo nao.é.0.pénis, que o Falo é 0 csso do pénis. Vejam bem, pénis nfo tem osso, pénis nao tem osso sempre... & inte- ressante que a gente o chama de mem- bro, membro é uma coisa que tem que ser articulada, portanto tem que ter os- satura, quer dizer, 0 pénis sé é mesmo um membro quando é falico, ele s6 pode se articular se tiver estrutura dssea. E que estrutura dssea é essa? Qual é 0 osso do pénis, que Lacan chama de Falo? £ exatamente o significante que vem dar esqueleto, ou seja, vem dar pos- tura, em fung&o do desejo, e sobre mar- cas significantes, ao funcionamento de um érgao de que ele é parasita, em al- tima instanela, ou que o parasita. En- quanto érgdo simbélico, o Falo é esse esqueleto que comparece no pénis. Alias, é uma colsa que esté bem dita no mito biblico, Todo mundo sabe que Eva foi produzida a partir da retirada de um osso de Adao. La, dizem que é costela. Nao tinham inventado, talvez, © Falo, no mundo judaico, na tradicio judaica; quer dizer, Eva foi feita a partir de um osso de Addo, ou seja, a costela de Ado é certamente esse Falo. Se fosse costela, esses chamados homens, de- viam ter uma costela a menos que as mulheres. Ora, a costela de Adio, quan- do se retira, propée Eva como objeto a certamente, quer dizer, ¢ objeto a tudo aquilo que faz comparecer a costela de Ado, ou seja, 0 osso do pénis, E o que é que tem a ver tudo isso com o Nome do Pai? Tem a ver na medida em que @ fungio paterna € posturacio de de- sejo enquanto lel, e de le enquanto de- sejo.\& a afirmacdo da castracéo do modo masculino que situa todo com- portamento desejante enquanto — todo homem é fungdo fdlica, como temos visto. Digitalizada com CamScanner mdmagno fig. 2 © que é essa funcio da castraeao nessa formulacio? & a possibilidade-de. existir pelo menos um que néo seja fun= do falica. Se comparece a suposicio da existéncia de pelo menos um que diga néo 4 funcdo jdlica, pode-se dizer que todo Jalante € funcdo-falica: Eo que é esse pelo menos um que ndo é fungéo félica? — esse pelo menos um que é negado do lado dito feminino. Pelo lado feminino o-que comparece:juss! tamente é que ndo-existe nenhum=quié ndo seja. Nao existindo nenhum que-diga nao & tuncdo falica, néo-se pode” eons? truir um universal Outro. Se nao:se-pode construir um universal Outro; ¢ a:mesma’ colsa que dizer que 0 Outro ndo existe; nio existe o Outro, por isso mesmo é que Lacan escreve o Outro barrado (iO Outro 6 uma suposigao do que-néosseja: estritamente do regime da. castragao;-0 que escapa do regime.da: castragao, ¢ sempre Outro, Portanto, ‘o"8lgnificante Falo-é: também“significante de que o Outro: néo~existe, N3o é porque nao existe, que ele nao funciona. Isto esté diretamente ligado, portanto, & fungao- Paterna, e por essa fun¢do sé existir no nivel do Simbélico, quer dizer, s6 sim- bolicamente ela poder se articular, é que a paternidade vive em suspensio e er- rancia, digamos assim, diferentemente da fungao chamada maternidade. Até segunda ordem, digamos que tecnolégica, até & produgdo de sujeitos, ou de individuos que se possam trans- formar em sujeitos por vias tecnoldgi- cas, por exemplo, as mies sio reconhe- civels, sio certificadas, ou seja, posso fazer uma sucesso de mies, (e mae so h& uma, gracas a Deus, como a gente costuma dizer). Posso fazer uma série (como as famosas bonecas russas), ¢ sel que tig. 3 —— Digitalizada com CamScanner aco AO a Améfrica Ladina a mie, saiu da mée,, salu da mie, saiu da mae... e da mie, para tras pode sair uma série infinita, como também da me, para a frente. Uma sai de den- tro da outra, de dentro da outra, de dentro da outra, e ninguém pode, por exemplo, ter por mae sua avé ou sua bisavo. Mae, s6 se tem uma, Ninguém pode dizer: “eu sou filho da minha bi- savé”, porque tem a série: mie, avo, sbisavé, Para se ser filho da avé, pulou- se uma da série, e esta série é contada de uma a uma, infinitamente, para os dois lados. & ————_o NN © fig. 4 ‘Vamos supor que se tenha um EGO qualquer (@ ); a mie (Q,) deste su- Jelto (ou deste EGO como diz a Antro- pologia), 86 pode ser uma, nao se pode posturar mais de ums. Mae no é fun- ao estritamente simbélica. Ainda quan- do ela entra como substitutivo, ai nfo a mie. Mas, no caso do pal, (A,) 1ss0 € possivel, inclusive do ponto de vista biol6gico. Posso fazer uma série de mies, digamos de mulheres. Entéo, se (Oy) & mae de (Q ), a avd é (Q,), a bisavé (Qs); nfo posso substituir esses ter- mos um pelo outro, néo ha como subs- 9 tituir. Posso pegar de empréstimo, subs- titulr nao posso, ndo posso construir verdadeira metafora nem num sentido nem no outro. Mas, do lado do pai, eu osso. £ como aponta Lacan — a Biblia fala de pessoas que viveram até 900 anos. Se vocés acompanharem aquelas Arvores genealégicas, fica um bocado estranho aquilo. Por exemplo, este cara (A,) supos- tamente pal deste sujelto (@) com esta mulher (Q,), nada impede que ele fosse este outro (A,). Poderia haver ai um atravessamento qualquer, nos re- gistros ediplanos, mas, Lacan chama atengio, nao é tao pouco raro quanto se pensa (se se der uma panoramica do mundo, nao é to raro assim), quer di- zer, nada impede — esta aqui o pai (A,), esta aquio avé (A), 0 bisavd (Ag) — que 0 sujelto seja filho do seu bisavé, se eu substituir este cara aqui (A,). Nada impede. Entéo, toda ques- tao é saber: o que é o pal? O que é uma mAe todo mundo esta sabendo, mas, 0 que é o pai? # alguma coisa sé articulavel no nivel do Simbélico, mes- mo porque, vamos supor que “realmen- te” esse cara (A,) fosse pai € avo deste (@). mas, nem disto se pode ter prova. ‘A anica prova, é simbélica; é assumir ou nao assumir a paternidade, nio ha nada que dé garantia dessa prova, ainda que © sujeito fosse, digamos, filho car- mal do avd, ou do pai, ou do bisavé, mesmo porque, di pé. Uma série de pessoas pode ter filhos ainda muito jo- vem, e um sujeito de cingiienta e poucos anos pode ser pai do seu neto, pelo me- nos, ele pode ter a chance de pular um; ele pode no cometer o incesto com a filha, por exemplo, mas cometé-lo com a neta, um incesto assim meio longe, (e nfo é tao raro quanto se pensa). A fungdo fica, entéo, designada pelo sim- bélleo. X: — Se Jocasta tivesse tido uma filha com Edipo, ela ndo teria Sido av e mae? Digitalizada com CamScanner _ i# - 10 por via simbélica, voce esté entran- do na via do pal. Jocasta tinha uma fina com Bdlpo. Voce $6 pode chamé-la te neta pela via paterna. Antigon® nao @ neta da mie, de modo alum ela é fitha-da-mde como todo mundo. Vocé eta pegando o registro simbélico, do parentesco, mas eu estou falando da ‘tungdo realizada, parturicao. ger, se voce pegar essa sua Vid, soce pega a via paterna. Isto é: como Zaipo entrou aqui no meio da historia Ftalo é que era na verdade 0 avo, voce pegou a fungho avd por via de Lalo. Yoos pode ter garantias de que Anti- gona é filha de Jocasta, mas a pater- hidade de Antigona a gente no pode saber mesmo se é de £dipo. Ficou sendo. Podia ser de Creonte, ja que ele man- dava tanto depois, pode até ser ele, quem sabe, fol quem ficou mandando tudo... Quer di ‘A amica questo a ressaltar dai é essa impossibilidade de estabelecer, @ nao ser por via simbélica, toda pater- nidade. Estabelecida do jeito que for, 0 pai do sujeito, o pai dito concreto 14 do sujeito, funciona freqientemente no campo do materno; esse pal imaginario que 0 sujeito pinta, esta tagocitado pelo discurso materno. Qual é¢ a referéncia do pal, qual é a referéncia do paterno nisso tudo? £ interessante notar que a sérle das mies (figura 3) ndo tem so- zinha um basta possivel. Se vocés se- guirem a série das parturigdes, a série dos partos, posso encaminhé-la infini- tamente e sem saltos, para um lado e para o outro, Mas, 0 que ¢ que poderla dar um basta a essa série? Se pensar do ponto de vista do engavetamento materno, fico numa infinitude para os dois lados, exatamente alguma coisa da ordem da infinitude que comparece quando é negada a fungao paterna de algum modo no campo do feminino. Isto ndo quer dizer que feminino seja & mesma colsa que materno, isto quer er que o que ha de feminino, nessa mdmagno jogada das séries maternas, dey desejo de alguém que inataurou we elemento como desejado para o tujeto que vem depois dai, quer dizer, o de. Sejo do pat é esse elemento como objeto a, assim como o desejo da mae é 0 Falo, supostamente paterno como Possibilida- de de estabelecer uma escancio, um basta, Lacan, nesse momento ai, cha- ma atenco para as dinastias, © que é uma dinastia? Vocé fica perdido no melo desses rels, Lutz ndo sei © qué, Luiz nao sel quanto, confunde-se todo. A nao ser que se tenha algum ponto de referéneia, os Luizes sio um Luiz atras do outro: 1, 2, 3, 4... € por ai vai; de repente se estanca a pro- dugdo de Luizes e se passa & producio de Jorges e por ai vai, quer dizer, a fungio niimero é que esté em jogo. . © que é um nimero? E ai a gente pode retornar a uns trabalhos bem mals antigos no proprio Campo Freudiano. A revista Cahiers pour Analyse publicou Gols artigos — um de Duroux e outro 42 Miller sobre a questéo do zero em Frege (houve uma época em que estudamos Isto aqul), e eu recomendaria que voor Tetmonsnem, exact dois artigos one Sie estdo traduzidos e publicados no Reviste Lugar ne 4 e se chamam: A § (Elementos da Légica do Signifieant®) © artigo de Jacques-Alain Mille ° ode ‘Yves Duroux, Psicologia ¢ Légica. 9 Nome do Ps? ar vem Em que lug! Nom er tat 1, 2, 3, 4... No vou aquela logica aqui (pordy Feats Be dix 0 soaia 0 OO mas ee has relembrar como Frege ¥ trar que para se cons! uma axiomética tabelecer o concelto que faz aparecer © unicidade, unicidade. mas @ érsuficiente, € lecer 0 conceito cetto: contraditorio, Digitalizada com CamScanner Améfrica Ladina Na logica de Frege o que val apa- recer é 0 zero como nimero atribuido ao conceito de ndo idéntico a si mesmo, quer dizer, a # a, um objeto diferente de si mesmo é um objeto que ndo ha. ‘A esse objeto que nao hé, falta, dife- rente de si mesmo, se atribul o conceito zero. Nao adianta pensar em numeros negativos porque a lgebra ai utiliza o zero como ponto de referéncia do rela- tivo e ndo como nimero na série dos nimeros inteiros possiveis. Ora, por que scustou tanto o surgimento do zero como letra na histéria da matematica, assim come essa ldgica que pudesse nos dar centa do zero como fundador da série dos nuimeros? Em iltima instancia (e isso talvez val nos interessar demais), Frege vai nos mostrar, quando falo do numero um, j4 estou falando do par, porque o conceito de zero e 0 conceito de vm numero, e zero é o primeiro-ni- -mero, e dai por diante, quando digo 0 wimero trés, por exemplo estou na verdade na quarta posicdo. Isto tem a ver com o que alguém outro dia me perguntava no Seminario sobre Clinica, sobre o surgimento do quarto, quando 0 terceiro-soberano intervém, quer dizer, 0 comparecimento do trés, exige a colo- cago do quarto. Maria Amélia Sant’Anna: — Isso tem a ver com a légica dos cartéis? Sim, tem. Vamos por ai. Vocés véem, entéo que, na verdade, no é possivel (embora eu tenha posto esses niimeros aqui por uma arbitrarie- dade), institulr a série dos nimeros In- telros, dos numeros reais, como estava dizendo, através dessa fung&o infinit!- zante (1, 2, 3, 4...), Porque eu nfo po- deria de modo algum construir uma axiomatica, a partir de um ponto inau- gural, ponto esse que é em ultima ins- tancla 0 concelto de coisa alguma, quer dizer, a fundagdo da auséncla numa no- meagao dela sobre um objeto que nao ha, porque é contraditorlo, objeto faltoso, objeto a. Mas se esse objeto a, nfo ha, 1 qual seré o nome que se dé ao lugar onde ele falta? Qual 6 0 nome que posso dar ao lugar onde falta o objeto a? Sé pode ser o Nome do Pai, quer dizer, isso que chamamos o Nome do Pal. E néo ¢ outra coisa sen&o 0 zero. Havendo zero ha rea- lidade da série dos mimeros, e as mu- Iheres podem ser contadas, uma a uma, as mulheres do pai, naturalmente. E isso me da a possibilidade axiomaticamente garantida de dizer: todo homem... al- guma coisa, é falante, por exemplo, por- que posso assegurar 0 conceito de todo homem, todo x, porque todo x é funcéo falica. Uma vez que o n passa a ser Nome do Pai, como zero, em toda a série, todo nimero é um mimero. Quer dizer que fungdo paterna, em empréstimo & fungéo masculina, é alguma colsa que se passa em nivel estritamente signifi- cante, e isto é estritamente logico. Con- ceber o nimero zero é exatamente igual a produzir o assassinio do pal, ¢ isto que esta em Totem e Tabu, quer dizer, a ausentificagio desse lugar permite a construgao de cada nimero como uni- cidade particular. E isto é a mesma coisa que dizer castracdo, ou seja, ha fungao falica para que todo numero seja um nimero, ha fungao fallca para que todo falante seja um, ha funcdo f4- lica para que todo homem seja dese- jante. Mas ha possibilidade de negar essa fungéo falica. Uma vez que 0 pai é morto, é zero, ele simplesmente pode permitir 0 fechamento do circulo (de Euler), o fechamento do conjunto. Freud vem inventar um mito complicado para dizer essa l6gica, quer dizer, uma vez abolido esse lugar, posso desidentificar © objeto, no que o identifico, o que é ‘um pensamento aparentemente absurdo, quer dizer, 0 objeto que ndo é Idéntico a si mesmo, o lugar de um sujeito que nio é idéntico a si mesmo. © que seria o lugar de um sujeito nao idéntico a si mesmo? Seria dizer: todo falante é funcio falica, mas ha um falante que néo 0 é, ele é nao idén- Digitalizada com CamScanner ~ conta, e pensa que con 12 tico a si mesmo, Se todo falante é fun- sao félica, como pode haver um que néo o é? Existe pelo menos um que no é, para que todos sejam, e néo ha nada de paradoxal nisto, o que val fechar © cfrculo dos falantes como todo, como um universal, para todo falante ha qualquer coisa, exatamente o lugar va- zlo desse objeto no idéntico a si mes- mo, ou desse falante nao idéntico a st mesmo. Entéo a fungéo paterna nao é outra coisa senéo a fungao de ausenti- ficagdo que promove a castragao, quer dizer, promove a série dos numeros es- tarem sempre na dependéncia desse lu gar faltoso. Gilson Barros Jr.: — Quando digo: todo falante é, fecho o circulo? Nao. Porque nao se trata de uma cépula, ndo é uma copula légica, é uma fungdo de igualdade esse é (=¢z). GBJ.: — E 0 que nio fecha, pelo menos, 0 que nfo é seria o nome da borda do circulo? Seria a indicagéo de um lugar vazio, mas que € condi¢o logica para que os numeros tenham jugar. Porque o pro- blema sério da matematica (naquele ™omento pelo menos) era o seguinte: © que € um namero em si, isolado do Testo, 0 que pode ser um nimero? Nao adianta nada fazer uma referéncia em- Pitiea, Porque quando vocé conta obje- tos, vocé nao esta necessariamente con- fando a série com que vocé conta, in- clusive val aparecer como sutura a fun- sao sujelto — 1, 2, 3 garrafas — e quem contou? Com que aparelho? Por que & ‘aque posso fazer a conta? Porque existe ma fungo sujelto garantida pelo Nome do Pal. E ele conta: zero é o Primeiro namero, 1 j4 é par, do Ponto Ge vista da série dos nimeros; mas o aue acontece, € que a gente sutura o lugar do zero, ausentifica nao aquele lugar, mas ausentifica 0 sujelto dessa ta objetivamente Mas aquele é um. lugar vazio, -colsas, #) aquilo que na teoria dos con. mdmagno juntos chamamos de Q conjunto vazio. Isto ndo 6 sem ter relacio com aquele Osso que ndo ha, mas que comparece assim mesmo, e que € 0 osso que conta no momento do desejo, da instauragio do desejo. Marco Antonio Coutinho: — £ iss9 @ metdjora? Passar do zero ao um é uma metdfora, porque do um em diante é metor:imia? ‘A metéfora esta na’ propria instau-* sagio do zero, substituir coisa-alguma For-alguma-coisa; Da-se um nome, quer dizer,-arma-se“um conceito de objeto ito idéntico a st mesmo, portanto, ele se-ausentifica, e tasca-se"um nome — zero — isto-é a metéfora-paterna, A metafora simplesmente é substituicéo de um significante por outro, mas o que xcontece no momento da metéfora-pa- tena é a substituigéo de coisa alguma* Por um significante. & como diz Lacan: “do nada s6 se faz o significante”. A re- lacio € metonimica, cada um é parti- cular e é unitario, e é unidade, cada um é uma unidade numérica. MAC.: — O zero é um numero. #. E aqui vem a série metonimiea dos (n + 1), com a qual posso contar as mulheres, isto é que é 0 importante, Porque com isto elas podem ser contadas. E cantadas. Lacan pergunta num Se- minarlo por que a gente encontra numa Jaula um ledo e trés leoas, tudo em paz, € elas nao brigam umas com as outras? Forque elas nao sabem contar. Isto é Tuuito sérlo, porque se elas soubessem contar, comecavam a brigar. Mas, néo é um construto necessario sem o qual @ Série dos ntimeros fica sem apolo, sem farantia axiomatica? Murillo Mendes Guimaraes: — Esta- ria relacionado platonicamente com 0 mundo das idéias? Nao, de modo algum. Niéo é uma imagem de nimero, nem imagem de pal. Ai vocé esta falando dos avatares ima- ginarios daquela posigdo. Digitalizada com CamScanner Améfrica Ladina MMG.: — Eu falo da imperfeicéo ai, tentando resolver-se na questdo da repeticdo pelo menos. Imperfeigdo, vocé esta querendo di- zer que porque o zero nfo se basta a si mesmo, ent&o aparece a série dos ni- meros? Se vocé quiser chamar essa im- perfeigio de castracéo, esta bem. Por- que o pai é castrado, a série dos ni- meros existe. Ai tudo bem. Mas acon- tece que o pai é um castrado incastra- vel. & também porque ele vira pelo Avesso, e é ai que Lacan fala da fungao feminizante do significante Falo, Aquele que aparentemente se apodera dessa letra, se feminiza. Nada mais fémeo do que um machdo, porque em vez de dar isso para o Outro, fica com isso, guarda isso para si mesmo, h4 que botar isso na mio de Outrem, porque senio... Sénia Carneiro Leio: — O Nome do Pai é um conjunto vazio, é um lugar onde falta 0 objeto faltoso. Se falta o objeto faltoso hd o objeto entéo? © objeto a. & 0 objeto que nao hé. A unica coisa que pode situar 0 objeto a é essa falta, é isso que Murillo chamou de imperfeigao, é isso que a gente cha- ma de castragZo, porque se 0 pai nfo fosse castrado ele seria A mulher, ab- soluta, seria A Mulher, que nao ha, por- que nao Ihe faltaria nada. Agora, por que é que ele fica acumulando tantas mulheres? Porque Ihe falta algo, e nesse momento em que lhe falta radicalmente esse objeto inabordavel, inapreensivel, ele entra no movimento de constituir a lei e 0 desejo, quer dizer, de botar qual- quer ordem na bagunga. Metonimias do objeto a sho figuracées, quer dizer, 0 sujeito, porque Ihe falta radicalmente este objeto, porque ele esté no regime do desejo, porque esté no regime da castragéo, val instituir objetos para bo- tar no lugar dessa falta, mas nenhum € 0 objeto a, o que esta por tras de todo objeto dito objeto a é 0 a atribuido a esse objeto, quer dizer, néo se quer 13 aquele objeto, se quer o a que se supte estar por tras dele. MAC.: — Assim como na série dos niimeros inteiros, o zero é um presente ausente? Sim. £ a eserita de uma auséncia. £ 0 nome de uma auséncia. O nome dessa ausénela, digamos, é 0 nome que se atribui a castracio. E o que é que falta para essa ausénela nao ser ausen- te, para locupletar essa série? Um objeto que nao hé, que é perdido de saida. 86 que os mitos e as construgées culturais, etc, vao erigir alguma coisa, alguma fic- c4o para colocar nesse lugar, ou seja, qual é 0 Nome do Pai? E qual é o nome do lugar-tenente do Nome do Pal? Por um motivo importante, porque se eu souber qual é 0 nome do lugar-tenente do Nome do Pai, achei esse um (S,) que talvez nao seja outra coisa senéo o nome do Nome do Pal, Jorge Gabriel Noujaim faz uma per- gunta com referéncia ao S,. Apenas marcas de identificacio, por- que a referéncia mesmo é 0 Falo, néo se tem outra. JON.: — Mas se 0 caminho de S, € @ referéncia ao Falo, como é que a referéncia pode ser 0 Falo se o Falo néo € coisa alguma? Nao ¢ coisa alguma? #. O Falo é um significante, A referéncia do falante € 0 nome de colsa-alguma s6 que, para Isso é preciso que a castragdo compa- reca na fala do sujelto, e que a posi¢ao Sujelto seja assumida, porque sendo 0 nome articulado sem se saber que ele é apelido de alguma-colsa val ser um S, que fala sem se saber nome. Potiguara Mendes da Silveira Jr.: — Quer dizer, a nomeacdo é saber-se nome. isso, # 0 que chamel de faz de conta; o faz de conta, no é mero faz de conta, tem que se fazer mesmo as contas, 1, 2, 3,4... tem que se contar tudo, tem que se contar tudinho, se nig Digitalizada com CamScanner 14 ‘se contar tudo, nao se chega aonde nao se tem mais conta. Ai é que eu pergunto: Qual é¢ o nome do Nome do Pal em brasileiro? Sera Macunaima? Pelo menos parece que € 0 que Mario de Andrade fabrica no mito. A constelagao, como todo 8, 0 é, s¢ instala no Campo do Outro, como Te- feréncia, a partir de um Processo que la € apresentado como mutilacao, mas € um processo de castragao, de ausen- Ufleagéo, de lancamento fora, fieando o Tome, € um real, no céu, O que tera ele sacado para isso? O pdra-i Pergunta é: Macunaima é 0 8, do bra- + — Preto € auséncia de cor? Depende, nao. sel. Comeca que Macunaima é 0 heréi da nossa gente. E nao Para ser o pai, o su do Pal, do que o tem nada melhor ibstituto do Nome chamado herdi. Eu até Erdi—e a mdmagno Ou € @ muther, numerada? Numerada Pela Morte. MAS.: — Essa mulher numeradg ai, vocé pensou a partir do Conceito de sy_ cessor, das identidades? Essa seqiiéncia intinit, tem comego nem fi ete. tem comero, @ (1g. 3) nao m. Isso aqui, 0, 1,2, 3, MAS: — £ 0 néo idéntico as mesmo. Certo. £ um Bolpe de recorte, eg Partir desse recorte, dé-se um basta, © Se pode numerar as coisas. Isto é que 5 {unsdo paterna, s6 isso, € i550 € tude, Vamos fazer as contas, ou vamos tare; de contas. E é preciso que esse elemens to seja retirado da fungio falica e, no entanto, seja fundador da fala, seja’ ga. rantidor de fala. Bum lugar Paradoxal, aparentemente, porque é lugar vazio, Por que, Pergunto de NOVO, se é que minha seqiiéneia vale, por que Mario de Andrade colocou Macunaima como Pai da nossa Bente (se é que colocou), © que nasceu preto? Ele pode mudar de Cor, mas nasceu preto. Supomos, o tempo todo, que somos: filhos de europeus. Chegaram os Balegos, Comegou com Co- lombo, que meteu a mao na -chamada América (alias, brasileiro parece que nio Se conforma muito com esse nome de América, nao € muito nosso). Recortou- se ai-numa certa regido tomada pelos Portugueses-etc., houve muita conflu- éncia de outros paises europeus, mas eu Pergunto: quem ¢ que ganhou a pater- nidade nessa briga? Seré que, percor- endo os elementos da_nossa culture, Podemos escutar esse §,? Ou, sela, ¢ ‘ je aplique Possivel que a psieandlise se apllaue ® scutar a culture para descobrir 9 #0 sintoma, ou seja, 0 nome do eae que Pal? Estou lancando a hipétese de © Pal é Negro (é um Came mundo val flear com eomplexo de lo), a mae pode ser a —o ° Péla talvez 6 seja a outra. BO Try Peu? Ele talvez seja 0 tlo, se corno, Digitalizada com CamScanner ae Améfrica Ladina Estou dizendo que, talvez, a sinto- matica cultural brasileira se decante em hamus africano. Por mais que encontre mil ingredientes, estou perguntando se é valido dizer que o Brasil néo é Amé- rica Latina, que é América-Africana, a cultura amefricana. Em suma, quero saber se na dialética senhor-escravo, porque é a dialética da nossa fundacio, se nessa dialética, aonde sempre o se- nhor se apropria do saber do escravo, a inseminagao, por vias desse saber apro- priado, como marea que vai dar em re- lagéo com S,, n&o fol produzida pelo escravo que, na dialética, retoma o lugar do senhor, subrepticiamente, como todo escravo. Quer dizer: “Voce faz isso tudo conosco, mas é a gente que te gozal A gente é que trabalha, a gente é que pro- duz, mas no fundo a gente € que goza.” Quer dizer, o lugar de senhor era de outrem, mas a produgéo e apropriacao do lugar-tenente do Pai, velo marcada afinal por esse elemento africano. Al- guma coisa por ai... Estou fazendo uma questao do que certamente, diferen- temente dos paises da América Latina — so os outros — teria acontecido no Brasil... MMG.: — Vocé pode comparar « Hegel. Senhor ou Mestre é aquele que ndo participa do trabalho, enquanto o escravo trabalha. Ao trabalhar o escravo modifica e 0 senhor ndo percebe. ‘A dialética do senhor e do escravo é cxatamente esse troca-troca de posigdes. Ha todos esses mitozinhos que cor- rem na cabeca do brasileiro, Por exem- plo, 0 de ndo querer assumir precon- ceito de cor, de modo algum. Sera que é vergonha? E se o pai é crioulo? Ora, ao mesmo tempo que se tem vergonha de dizer isto, nao se pode assumir o pre- conceito porque seria destronar o pal? Em todos os nossos recantos culturais — vamos por uma palavra que é dificil de definir, mas por enquanto fica esta, © gosto — os gostos ndo sio fundamen- talmente de crioulo? Os requebros, az 15 Poupancas, os t:mperos, os tamanhos, 08 sovacos, as mandingas, as virilhas, ete, etc, que percorrem esse molejo nosso? © pessoal que no momento esta fa- zendo a pesquisa do carnaval (essa fa- migerada “carnavalizacdo” dos zodlogos Soclais, que a Betty quer construir de outro modo), essa pesquisa que Betty esta levando com vocés, nao sera algo como a representag&o desse gozo do Sr. Escravo na sua heranga, quer dizer, no devido lugar de sua heranca? Ninguém duvida que carnaval é coisa de crioulo. Ou duvida? E existe também a compro- va da chamada mulata, que é um sim- bolo nacional. E qual é 0 objeto par- clal do brasileiro? Qual é 0 objeto par- clal da nossa cultura, se é que ela existe? PMSJ: — £ a bunda. & bunda... Isso da pano pr'a man- ga... Bunda ¢ uma lingua, Bunda, alias 0 nome de uma lingua africana. E en- tao? Ha uma série de questées que eu gostaria de abrir para o prdximo se- mestre, Ninguém tem nenhuma suges- tao a me fazer para continuar Isto? E tem uma outra coisa que a gente diz e que eu gostaria de poder situar, e com muita clareza, se possivel. Vocés sabem © que é que a gente diz: “Nego quando ndo caga na entrada, caga na saida”, A gente nao deve pegar um dito desses e 86 fazer de contas que ele é precon- celtuoso. Nao, ele deve ter um sentido muito preciso, Precisamos fazer as con- tas. O que querer dizer: “nego quando n&o caga na entrada, caga na saida”? % importante o que isto quelra dizer. Sera também que posso substituir nego por brasileiro? Ha os exemplos de Zum- bi, de Ganga-Zumba... PMSJ. i que se pode dizer que © brasileiro tem sempre uma sacanagem. Qualquer. coisa, pinta uma sacanagem. Pols é, HA uma espécle, assim, de subverséo das Instituigdes do Senhor. Quer dizer, tudo vai dar direitinho, aj Digitalizada com CamScanner 16 faz-se uma cagada, € pronto; eae se, no da mais; agora é Outra colsa. ‘Nao adianta a gente nadar contra a corrente sintomatica, é melhor fazer 0 sintoma falar, e dizer muito bem. Quer me parecer que as abordagens sociolé- gicas, e outras zoologias, ficam lutando contra a corrente, na aparéncia de es = tarem a favor da corrente, mas elas tem umas ideologias de base que ndo as per- mitem pegar o sintoma tal como é, e 0 dizerem bem. Tai o campo da Arte que nao me delxa mentir. Por exemplo: existe uma Arte Brasileira, no estrito sentido de que se falou e se disse, um negécio, assim, sintomaticamente situa- vel, que tenha explicitado um sintoma de diferenca? Aonde esta? Ou esta-se © tempo todo escondendo esse sintoma atrés de aparénclas européias, america- nas, sulamericanas, latinas, e coisas desta ordem? SCL.: — E 0 feminino, onde entra nessa América-Africana? Sim. Nés estavamos afinal no cam- Po da sexualidade Feminina. Chico Buarque gozou com a nossa pretensa malandragem na sua Opera do Malan- dro. Talvez que a cultura amefricana nao seja a do malandro — mas a da mulher de malandro... & a cultura da ladina amefricana — mesmo apanhando todo dia. . E a iniclagao sexual do brasileiro? Acho que s6 muito recentemente, ela delxou de ser feita por erioulos, A mae- de-leite era erioula, nossas primeiras Bane ram com crioulas e com °S, quer dizer, toda a iniciacdo era aim mals recentemente é que a tec- a (com nome de “educagdo se- ) inventou separac: xX: de some ‘do. — O Brasil ndo seria em vez nte africano, ibero-ajricano? © Bras? Pode ser até mdmagno tomatiea. Vela bem: vou abusat um Pouco da escrita, mas € alguma coins como Isto: est aqul, oS, eg. 6 questéo de saber se nessa transsess toda, onde entra de tudo, a mareargs da situagdo ndo é por elementos de iden Uifleagdo, provenientes dessa dlaléticg de senhor e escravo, quando teria ganho como produtor, o préprio escravo. Come pprodutor-das-mareas. Isto talver nay queira dizer rigorosamente coisa algy ma, mas como metafora serve. Isto no Prova nada? As criancas etam muito entregues aos crioulos. Nada impede que, na luta entre senhor e escravo, se vel. culasse necessariamente o significante valorado do lado do escravo, o que seria babaquice do escravo se nao acontecesse. Isto é uma questo, nada mais que um2 questao. também notério, por exempio, quando se fala do portugués dentro da cultura brasileira, o que se diz? Que ele Instituu a raga negra como objeto a, foo inventor da chamada mulata. Por que? Como é que é esse desejo? Ha também, por exemplo, verdadeiras 1do- latrias assaz repetentes, como a adors- 0 do crioulo de Pau-Grande. Estou falando da “Alegria do Povo”, um cha- mado Garrincha, E ha Pelé, embora este seja quase tao branco quanto o Sidney Poitier, que Deus os tenha... mesmo que ainda nao estejam mortos. X.: — Cabral saiu para as Indias, € veio cair nos bragos de outras indias- pm ais todo ° #. E nao esqueceu jamais te0 bodum que carregou pr'a casa a passou pela Africa, néo ¢? X.: — Existe entdo o br Nao sel, Quero supor qUes Ml ag for, talvez esteja instalada fai disse certa sintomatica, que ainda re tend © seu nome, talvez porque SeMPT a ¢ se apres que pedir licenga para se OPT, como uma certa roupa IMPOO oy na wer algum lugar. Todo mundo ai quer ma -qsileiro? seja come r clonalista, quer ser Brasile®, raayeis cobrir o que seja & cultul a sel sinl Digitalizada com CamScanner > \ 4 Améfrica Ladina tudo o que esse neurético nfo quer, mesmo quando se propde a uma anilise, como acontece alias em toda analise. X.: — Mas também existe a lingua, ndo é? A lingua brasileira? Vocé falou de uma arte brasileira, ndo existe nada que identifique isto. Ou entéo é a gente que nio sabe escutar. Esta é a minha questdo. A in- terpretagao é um ato politico. Aqui e ali, em outros lugares, reconhecemos certas interpretacées. Talvez nao se pos-\ Sa negar que a Pop-Art, na América do Norte, seja uma interpretacao valida, | destacamento de um sintoma. O Brasil, / por exemplo, tenta se identificar com! 0 samba. Sera que é isso? O samba, todo mundo sabe de quem vem, de que antro, 17 de que histéria, (Nao se trata ai de uma etimologia claasica, trata-se de uma etl- mologia pratica, e do que funciona.) : X.: — Onde estaria o significante aii Onde estaria o selo? Que signitican- tes, no meio de uma pletora de signifi- cantes, so sé-lo? x. série? © sé-lo, sim, o S,, o Significante- Mestre, ainda que escravo. Porque é um sintoma. Cultura é sintoma. E talvez possamos agarrar a sua letra. Para o — Com qual vocé iniciaria essa \qué eu sugiro pér atengao, nessa letra, \tudinamejricana. Que se a gente nunca agarrou na entrada, ha dica: agarrar na saida. Transcrigéo de: Annita Iedda Cardoso Dias Evany Cardoso Miranda Digitalizada com CamScanner

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