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A Invencao de Hugo Cabret e A Contribui
A Invencao de Hugo Cabret e A Contribui
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All content following this page was uploaded by Thais Saraiva Ramos on 10 September 2016.
apresentação: a exibição de imagens reais em (Figura 02), gerando uma outra atmosfera para a mise-
movimento. Aos 34 anos de idade adquiriu uma en-scène.
câmera de cinema e começou, como muitos outros na
mesma época, a registrar em película o que via.
Devido a um problema de funcionamento da câmera
em uma de suas produções, Méliès notou um "pulo"
em uma das imagens que havia captado e, por conta
desse erro, percebeu a vocação desse novo aparato
tecnológico para a criação de ilusão e da fantasia.
Durante 17 anos, chegou a produzir cerca de 500
filmes explorando e criando efeitos especiais à partir
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das trucagens que fazia com a câmera, esses efeitos
equivalentes aos truques de magia que desenvolvera
anteriormente nos palcos do teatro o levaram a ser Figura 02 - Cenário do filme Viagem à Lua, em que os astrônomos
observam a cidade e suas fábricas a pleno vapor. Tanto a fumaça
conhecido como um dos maiores cineastas do mundo quanto as casas foram produzidas com cenários de madeira e
pinturas em perspectiva para criar a ilusão de profundidade.
e o pai dos efeitos especiais modernos. O filme mais
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conhecido de sua carreira é "Viagem à Lua" , de 1902
(Figura 01). Para o teórico David Bordwell, a construção
estilística de filmagem é considerada como um dos
pontos base da mise-en-scène:
Alguns anos mais tarde, com a evolução das contadas e mudanças dos sistemas de produção,
tecnologias de efeitos especiais foi possível retomar os pouco antes do "boom" da ascensão dos blockbusters.
efeitos mecânicos que Méliès havia iniciado, um dos Mas em termos de transformação de linguagem
diretores que vai aproveitar a tecnologia 3D, aliada à referente à evolução tecnológica em sua carreira, um
estereoscopia, para emular as camadas que Méliès aspecto relevante seria a transição do sistema
produziu em alguns de seus curtas é o diretor analógico para o digital, em que destaca uma evolução
americano Martin Scorsese. no efeitos especiais (permitindo um mundo mais
onírico e fantasioso em detrimento do realismo), o que
possibilita uma melhora técnica e a popularização da
Martin Scorsese estereoscopia. Segundo uma entrevista do cineasta
para o pesquisador Tirard, "os cineastas sentem que é
preciso renovar e fazer o que podem para descobrir
O diretor Martin Scorsese nasceu em Nova York uma nova linguagem a partir desta gramática (o
(1948), descendente de italianos, pensava em ser cinema)” (TIRARD, 2006, 22).
padre mas escolheu estudar cinema na New York
O filme "A invenção de Hugo Cabret" é a sua
University Film School. Traços que definem o seu
primeira experiência com a técnica da estereoscopia,
estilo: uma perspectiva católica em sua obra e um
ou mercadologicamente classificado como "filme 3D",
conhecimento enciclopédico sobre o cinema. Na
em entrevista ao jornalista Pedro Caiado o diretor
universidade estudou a estética, a história e os
afirma gostar muito da técnica e sua vontade de
processos de produção cinematográficos e antes de
experimentar as possibilidades formais desta
se estabelecer como um diretor dos mais importantes
ferramenta:
de sua geração, trilhou uma carreira de formação em
diversos funções da confecção de um filme. Possui Eu adoro o 3D. Fiquei muito animado, porque
gosto de trabalhar com profundidade. A minha
uma filmografia consistente que transitou por diversos maior preocupação neste caso foi como usar o
gêneros: documentário, musical, comédia e filmes 3D na narrativa do filme. Como você utiliza a
profundidade? Conheço pessoas que não
sobre a máfia. Começa sua carreira nos anos de 1960, conseguem ver profundidade, mas eu consigo, e
sempre gostei. Enquanto converso com você
participando do considerado American Art Film, agora, vejo outro prédio, algumas árvores e
momento em que os cineastas se distanciavam do consigo perceber tudo isso em profundidade.
Também gosto de movimento em profundidade.
classicismo/mainstream para dialogar com o É a minha energia- e o que eu sinto. (CAIADO,
2012)
modernismo europeu. “Do mesmo modo que os
cineastas da Nouvelle Vague, esses diretores cinéfilos
Embora a técnica estereoscópica seja
produzem filmes pessoais e altamente
bastante antiga, somente a partir da tecnologia digital
autoconscientes” (BORDWELL, THOMPSON, 2013,
é que ela se estabelece na produção cinematográfica.
723).
Scorsese tem um novo momento em sua carreira que
Scorsese surge como realizador em um o aproxima de Méliès, no desafio de criar uma nova
momento único de transição do cinema americano em possibilidade formal, fugindo da espetacularização do
seu modo de concepção nas histórias a serem
A estereoscopia e o Cinema
Apenas em 1981 a estereoscopia entra em lentes tilt-shift, que fazem imagens e objetos reais se
pauta nos cinemas, novamente. Dessa vez com o parecerem com brinquedos (Figuras 07 e 08).
filme “Comin’at Ya!”, de Ferdinando Baldi, seguido de
“Sexta-Feira 13 – Parte III” (1982) e “Tubarão 3D”
(1983). Com a consolidação do IMAX, após os anos
de1970, surge a junção da estereoscopia e do cinema
imersivo, com uma tela mais ampla, permitindo novos
efeitos de profundidade.
Figura 10: casa do professor René Tabard, em “A Invenção de Hugo que se aproxima a construção cenográfica de Méliès
Cabret”. Este quadro mostra como o diretor trabalha o conceito de
múltiplas camadas, preparadas para o universo tridimensional.
em seus filmes, mas sem deixar de causar certa
sensação de imersão ao espectador. Méliès, em suas
produções, construía o cenário em camadas pensando
Podemos também fazer uma referência à em uma forma melhor de movimentação dos atores
construção do espaço tridimensional no filme “Cidadão em cena, remetendo aos palcos do teatro e à quarta
Kane”, de Orson Welles, em 1940. Na época o Diretor parede, na qual o público fechava essa "caixa de
de Fotografia, Gregg Toland, experimentou o uso das exibição". No filme "Hugo Cabret", o diretor escolhe
lentes pancromáticas, com o intuito de aproveitar o quando resgata filmes para citar internamente na
máximo de foco possível na profundidade de campo narrativa não aplicar a estereoscopia, uma opção que
(Figura 11). Esse uso foi considerado inovador e o talvez busque conservar e manter uma reverência ao
filme é reconhecido até hoje por essa inovação no uso sagrado da obra original, apenas em trechos de filmes
de imagens em perspectiva. Do mesmo modo, cerca Méliès . Scorsese, em suas referências e
de sessenta anos depois, Scorsese recupera esse reapropriações que fazem homenagem ao autor,
trabalho experimental com a profundidade de campo, utiliza o efeito, talvez por se colocar como ele na
só que no ambiente estereoscópico. Ele arrisca abrir posição de ilusionista com as possibilidades de
atualizar a obra de um autor que tem como marca Scorsese também utiliza a estereoscopia como
autoral os efeitos de ilusão. Podemos perceber essa efeito tridimensional de volume, prática comum
reapropriação no momento em que Scorsese usa do utilizada pelos filmes atuais com o recurso "3D", mas
flashback para ilustrar a forma como Méliès produzia com uma apropriação mais estética e poética como
seus filmes, como é o caso da cena do filme de 1903, nos papeis que voam da caixa com desenhos e
"O Reino das Fadas" (Figura 12). croquis de Méliès. Desenhos bidimensionais flanam na
tela alguns com o efeito de movimento de um
taumatrópio. Na busca da aplicação de uma nova
forma de estereoscopia em sua obra que resgata e
apresenta uma história que tem como um dos
personagens o próprio cinema. O diretor em suas
cenas retoma técnicas do pré-cinema: flip-book, os
pequenos livros animados; um taumatrópio, o pequeno
disco de papelão preso a um filme, a lanterna mágica
e o stop-motion.
Figura 12 - Momento da gravação do filme "O Reino das Fadas"
segundo o filme "A Invenção de Hugo Cabret".
Conclusão
artesanal e agora são recriadas por meio das CARRINGER, Robert L. 1997. Cidadão Kane. Rio de
Janeiro: Editora Civilização Brasileira.
máquinas.
COSTA, Antônio. 2003. Compreender o cinema. São Paulo:
O ponto de vista de Hugo estende-se à própria Editora Globo.
linguagem do filme: uma criança que mora em uma MASCARELLO, Fernando, org. 2006. História do cinema
mundial 2006. Campinas: Editora Papirus.
estação de trem e tem como companhia as memórias
SELZNICK, Brian. 2007. A invenção de Hugo Cabret. São
com o pai, as engrenagens, relógios e seu autômato Paulo: Edições SM.
de estimação. Nesse sentido, a cidade toda é uma TIRARD, Laurent. 2006. Grandes diretores de cinema. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira.
grande máquina em perfeito movimento. A produção
da obra cinematográfica faz parte desse trabalho
maquinal, mas ao mesmo tempo não perde a sua Artigos em Revista
essência artesanal. O filme retrata a transição de um ADAMS, Gavin. 2003. “Um balanço bibliográfico e de fontes
da estereoscopia”. In: Anais do Museu Paulista. V. 6/7: 207-
cinema realizado pelos primeiros autores até o sistema 225
produtivo e industrial cinematográfico após o final da EDGERTON, Samuel. 2006. “O espelho de Brunelleschi, a
janela de Alberti e o ‘tubo’ de Galileu”. In: História, Ciências,
era de Méliès. Scorsese busca de forma nostálgica Saúde – Manguinhos, v. 13: 151-79.
criar uma narrativa metalinguística com um final feliz
em que o pai dos efeitos especiais, redescoberto,
Texto em Linha
recebe aplausos em seu antigo teatro.
BENJAMIN, Walter. 1955. A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica. Coleção de textos:
Scorsese arrisca-se e vai na contramão daquilo http://www.mariosantiago.net/Textos%20em%20PDF/A%20o
que era consagrado até então nos filmes bra%20de%20arte%20na%20era%20da%20sua%20reprodu
tibilidade%20t%C3%A9cnica.pdf. Acedido em 11 de abril de
estereoscópicos mainstream. Ao investir na 2015.
profundidade, aproxima-se da pintura renascentista, CAIADO, Pedro. 2012. Martin Scorsese fala de seu filme 'A
invenção de Hugo Cabret'. Jornal Estado de São Paulo:
referenciando Orson Welles e Gregg Toland. Seu http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,martin-
Hugo Cabret emaranha-se em camadas vívidas de scorsese-fala-de-seu-filme-a-invencao-de-hugo-
cabret,835422. Acedido em 11 de abril de 2015.
cores quentes e frias, traços bem marcados de
FREUD, Sigmund. 1900. A interpretação dos sonhos.
edifícios e uma cidade que se estende para além dos Universia Literatura:
http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/A_interpreta
planos convencionais do cinema. A Invenção de Hugo cao_dos_sonhos_de_sigmund_freud.pdf. Acedido em 11 de
Cabret é a caixa de surpresas tridimensional de abril de 2015.
Filmografia
A invenção de Hugo Cabret. 2011. De Martin Scorsese.
Estados Unidos. Paramount Pictures. DVD.
Cidadão Kane. 1941. De Orson Welles. Estados Unidos.
Warner Home Vídeo. DVD.
Sessão Méliès – Quinze filmes de Georges Mèliès. 1997. De
Georges Mèliès. França. Cult Classic. DVD.
1
Antônio Costa define os últimos anos do século XIX e os
primeiros do século XX como Belle Époque (a Bela Época
em francês), que segundo ele "foram igualmente anos de
grande progresso científico, tecnológico e social, envolvendo
inúmeras contradições que não tardaram a explodir"
(COSTA, 2003, 46).
2
Segundo o autor Antônio Costa, esse primeiro cinema pode
ser abordado do ponto de vista técnico-científico pois nos
ajuda a compreender como essas projeções foram tomando
forma e, além de mostrar a realidade da época também
passaram a fazer parte dessa realidade ao se tornarem uma
convenção social. Essas primeiras produções ainda tinham
uma linguagem muito próxima da apresentada nos teatros,
apenas com a evolução do meio uma linguagem foi
propriamente construída.
3
As trucagens foram os efeitos especiais desenvolvidos por
Georges Méliès e produzidos à partir da edição das cenas
feitas na própria câmera.
4
O filme Viagem à Lua conta a história do presidente do
Instituto de Astronomia que constrói um foguete e, junto com
alguns companheiros, viaja para a lua. Durante sua viagem
eles se deparam com os selenitas e na volta para a Terra
traz um desses seres para a Terra.
5
O Princípio Renascentista se baseia na forma de
representação da imagem através do domínio da perspectiva
no ponto central, onde cria-se a ilusão do espaço
tridimensional em uma superfície plana.
6
Durante a projeção do filme Hugo Cabret, são
apresentadas cenas de filmes clássicos hollywoodianos,
como Harold Lloyd, Chaplin, Griffith entre outros.