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- = | a ae S = PRIMEIRO POEMA DE MADRID (ie por todos se faga a poesia jue quebre a solidao nitido nulo ) solidao das armas aves quarteirdes \ solid’&o do quarto a solidao de kafka (ue a todos se destine a poesia {jue nao mais em duino encerre 0 grito | cleita palavra reformada Ouc a voz do homem da serra do mésio ‘hegue a miranda calcanhar do mundo jlo va a esquerda ser dos carros de corrida iio mais cresga a crianga fique fixa imovel mais real que nas fotografias l'stava a sonhar de velhos mais estipidos clo que os teus 6 diogo coelhinhos Ia tantas estrelinhas parecem dangar ia rasa noite ralos de castela cl mourir 4 madrid le coeur bri: salamanca unamuno bagio o alentejo Cada dia se torna mais dificil ser deus © cu sozinho aqui a noite suicido-me de sono vindo do vento vasto do inverno | 0 suicidio sim o tnico problema para o homem que s6 por ter nascido herdou a maldigao que nao queria Bailemos nds malditos marginais \ de todas as cidades sociedades | ue n&o temos doutrina que nos salve_| Saiba sempre o cinatti timorense 0 nomada do dito por nao dito que se tanto mais proximos quanto mais distantes sempre sou seu leitor atento e dedicado Além de que nao ha nem tu nem eu falso problema ha os sem pao e os sem sobremessa 45 € até sem portugal questao antiga Assim se nos venderam os paises peregrinos ¢ héspedes em outras terras nelas langamos nossas viscerais raizes Mas 0 pais esta dentro de nés © pais somos nos pois passa por aqui passa por nos os de auscultar palavras essa guerra civil inevitavel (Nao ougais o que digo neste cédigo mas sim 0 que 0 rubro coragao de cor contente contém pois 0 outro da alma o trasladei) Quao facil era ao corpo a sepultura mas nds os que dos peixes somos 0s que com a tormenta afinal todos nos perdemos temos por simples patria a lingua portuguesa € por isso por arma temos estar de pé opor ao sol a face incorrigivel e darmos a palavra aos que niio tém voz pois ao siléncio os tém submetidos Poema de palavras nao de paz mas de pavor construgao linguistica dificil aparentemente eu que em troca da vida e do triunfo me tornei teu infimo cultor sob essa superficie de impassivel frialdade sei que se oculta a voz nao da humanidade palavra do mais dhibio dos significados mas dos homens que dostoievski viu ofendidos e humilhados Quente e humana embora na aparéncia fria que a todos se destine a poesia 46 ESTATUA DE RAPARIGA QUE SE PREPARA PARA DANGAR Ha uns vinte e trés séculos que esta rapariga concentra toda a vida que o marmore consente no acto de dangar e de vencer assim a condigao mortal que intimamente a atinge © peso que lhe pesa nesses pés com os quais pisa a terra positiva e ciumenta como mie inimiga do voo de quem no acto de voar pode encontrar maneira de evitar aquela gravidade que o sobrecarrega Prepara a danga rapariga grega tu nunca dangaras mas dangards melhor que se houvesses dangado alguma vez No gesto com que apertas 0 sapato nesse dobrar da perna até no risco do cabelo no proprio olhar que pdes em ver passar os dias tu dangas toda a danga que se tem dangado em teatros jardins boites em adros de aldeias ao longo destes séculos separando na aparéncia dois seres que na verdade aqui hoje convivem um breve instante neste corredor nesta passagem com uma intensidade inacessivel a contemporaneos Prepara-te mulher para dangar € por nunca dangar has-de dangar em toda a parte todas as dangas que se tém sucedido sobre esta terra grave ¢ oscilante entre o dia e a noite firme no solo inconstante no mar através deste tempo que separa e une € tanto mais nos une quanto mais separa Nao sei o que pensavas tu dangar mas eu vi-te dangar ballet e musica yé-yé vi-te dangar giselle e vi-te até dancar um Unico momento ao som de miisica moderna ha pouco tempo ainda na estalagem de saler I's (oda a gente que na danga afinal tem procurado ileier 0 tempo eternizar o instante liepara a danga € poe em prepara-la iodo 0 cuidado de que és capaz . So por ti nao passaram vinte e tantos séculos 4O tu n&o suportaste o dia-a-dia iio sofreste com guerras nao tiveste fome lcm morreste sequer como cada pessoa : (jue teve nesta terra a vida e que pagou por té-la Prepara-te mulher e permanece e petrifica assim seras feliz por nem teres comegado ; uma coisa que como uma das nossas muitas coisas j4 mesmo ao comegar havia terminado 59 DESPRETENCIOSO RIMANCE Por tras desta rapariga dle seios hirtos € cheios que ameagam romper a malha da camisola rapariga que das dunas (rouxe mais do que da escola tio bela que a volta dela até o estio estiola © © tempo a cada instante nas suas aras se imola © em quem talvez bernini visse a abertura da gola natural e descuidada © a convertesse em beleza de si mesma ameagada mas perene na certeza de ser em breve ceifada atras desta rapariga de cabeleira comprida onde é visivel 0 vento ec ha lengos de despedida detras das ancas redondas e da cintura cingida plo cés das calgas escuras rentes 4 perna comprida através do alheamento com que consente na vida atras da fragil figura pela luz bem definida além da tez delicada que em dias indecisos se perde na madrugada da relativa estatura 65 nos pés ageis assentada da gracil desenvoltura que desenvolve a passada e do recorte dos gestos tao gratuitos como o nada do rosto oval onde ha restos de alguma infancia adiada de firmeza inesperada detras do olhar velado de tristeza no passado dia a dia acumulada um olhar vivo e profundo mais que visto imaginado por tras desta rapariga que passa aqui pela estrada e se perde e talvez fosse a chave tao procurada capaz de abrir uma porta até agora fechada eu vejo outra rapariga que conheci e perdi que perdi mal conheci € 80 por isso resiste ao infalivel desgaste que sofre quanto possuo e uso no dia a dia que impassivel aceito na possivel harmonia E que sera feito dela? Onde estara? Vivera? ‘Tem filhos? Envelheceu? Esta em paz com a vida? Assenta os pés sobre a terra? Pensou por isso sofreu? Que luz os olhos Ihe cerra? Porventura se perdeu (jualquer coisa se amitide cm muitas mulheres que vejo ¢ cla que afinal vive nia medida em que morreu? 40 dela me sobra o nome jas no o diria eu jcsmo que rimasse e rima Io que tenho de meu © mais tudo se perdeu 67 ODEIO ESTE TEMPO DETERGENTE Odeio este tempo detergente um tempo portugués que até utilizou os primeiros acordes da quinta sinfonia de beethoven como indicativo da voz do ocidente chamada actualmente a emissao em linguas estrangeiras um tempo que parou ¢ s6 mudou o nome que puseram num mundo que muda a coisas que afinal permaneceram um tempo portugués que alguma vez até em camdes ve o antecessor ¢ criador de coisa como a nato com a profética visio de quem consegue conceber tal obra bem pouco literaria por sinal ¢ s6 possivel gragas a visio de quem com um s6 olho vé as coisas quatrocentos anos antes Odeio este meu tempo detergente de uma poesia que discreta até se erotica antigamente hoje se prostitui numa publicidade devida a algum poeta piiblico que a certo detergente deu de repente esse teu nome musical de musa a ti precisamente a ti nesse teu rosto sorridente onde o poeta publico publicitario porventura viu sobressair teu riso nesse territ6rio de alegria ¢ a brancura mais alva nesses dentes alvejar E eu que fago eu aqui em todo este tempo detergente quando sinto subitamente cem saudades tuas que posso que nao seja odiar mais um meio que jamais tentaria impedir evitaria um tempo que consente até contente que fagas dentro em pouco um ano mais um meio onde nem mesmo cu mulher afinal sei que terei de fazer para deter ao menos um momento essa tua idade 123 a tua juventude se possivel anos antes de haver-ite conhecidlo por acaso ¢ ja tarde na cidade onde nasceste cidade que unamuno diz viver morrer apenas por amor amor morto ou mortal mas amor imortal cidade soliddo as ruas muita gente os sons o sol difusos e confusos corredores de uma faculdade folhas que se renovam rostos que outros rostos tao firmes tao presentes permanentes um s6 ano antes friamente destroem sem deixar sequer ao menos uma marca nessa fria impassivel pedra © tempo 05 sdis dos séculos cingindo os cintos da cidade dessa cidade aonde 0 povo morre novo a volta do mesmo monumento destinado a exalta-lo cidade onde afinal a paisagem € pretexto para o homem cidade portuguesa 6 portugal 6 parte da hispania maior maneira triste de se ser ibéria onde da terra emerge 0 homem que depois 0 rosto nela imerge 6 portugal dos pescadores de espinho espinho do suicida laranjeira espinho praia antiga amiga e conhecida de unamuno a praia dos seus ultimos passeios portugueses angustia atlantica e odor 6 dor olor a campo praia que s6 existe quando alguém a veste coisa que foi somente quando tu mulher a viste Aqui em portugal aqui na vasta praia portuguesa aqui nasci e ao nascer morri como morri a morte que por sorte sempre tive pesadamente do mais alto do meu peso dos meus anos em cada um dos sitios onde um dia estive Aqui tive dezasseis anos aos dezasseis anos aqui s6 vejo pés ha muitos anos ja Aqui o meu chapéu-de-chuva mais ao sul aceita em chapa 0 sol chapéu que fecho quando fecha o sol definidor do dia Tive um passado agora inacessivel um passado 124 tao alto como a torre do relégio da aldeia que pontual pontua a passagem do tempo um tempo nao ainda detergente um tempo afinal so visivel no sensivel alastrar da sombra ao longo desse patio s6 possivel ao adolescente _ que mais tarde e mais s6 € de maneira mais sensive! mais s6 se sentira no meio da imensa gente que se sentia ali entre a andorinha e a nespereira Nao o sabia ent&o mas dominava um mundo an esse mundo que espero que me espere um dia ao teen 14 quando findo o dia sob 0 chao me afundo e ao fi em terra e em verdade é que me fundo 5 i. Mas eu aqui completamente envolto neste tempo leterg é da segunda-feira e da semana que preciso pols posso lutar melhor por uma luz melhor do que esta luz do mar a hora do entardecer FE da cidade é da publicidade é da perversidade que preciso e nao tenho aqui na praia Nao tenho nem o mar nem tao rudimentar a técnica de olhar alguém as minhas maos para me devassar a va vida privada ; : FE de inverno é domingo estou sozinho aquina praia regresso a casa a noite apanho eu proprio a roupa no quin' ¢ tenho a sensagao de quem alguma coisa faz pela vez primeira e sente bem ou mal que tarde toma agora 0 seu banho lustral 125

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