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CHARLES DARWIN E ALFRED R. WALLACE SOBRE A TENDENCIA DAS ESPECIES EM FORMAR VARIEDADES E SOBRE A PERPETUACAO DAS VARIEDADES E DAS ESPECIES POR MEIO DA SELECAO NATURAL Comunicagao lida em 1° de Julho de 1858 na Sociedade Linneana Carta de Charles Lyell e Joseph D. Hooker aJ.J. Bennett, Secretério da Sociedade Linneana Londres, 30 de Junho de 1858 Prezado Senhor, Os escritos alegados, que temos a honra de transmitir A Soci- edade Linneana e que se referem todos ao mesmo argumen- to, isto é, as leis que regulamentam a produgao de variedades, ragas e espécies, contém os resultados dos estudos de dois in- cansdveis naturalistas, o Sr. Charles Darwin e o Sr. Alfred Wallace. Uma vez que estes senhores conceberam, independente- mente e sem mituo conhecimento, a mesma engenhosissima teoria para explicar 0 aparecimento e a perpetuagao de varie- dades e de formas especificas no nosso planeta, podem ambos com todo o direito, reivindicar 0 mérito de serem teéricos ori- ginais nesta importante linha de pesquisa; mas nenhum dos dois havia antes publicado as suas teoria, ainda que no passa- do, por muitos anos, tenhamos repetidamente pedido ao Sr. Charles Darwim para fazé-lo, e uma vez que ambos os autores neste momento colocaram em nossas mAos os seus escritos, sem nenhuma reserva, acreditamos salvaguardar da melhor maneira © interesse da ciéncia, submetendo alguns de seus trabalhos 4 Sociedade Linneana. Em ordem cronolégica, os documentos consistem em: 1. Trechos de um manuscrito sobre as espécies do Sr. Da- rwin, esbogado em 1839 e copiado em 1844, quando justa- mente a copia foi lida pelo Dr. Hooker e 0 seu contetdo foi em seguida comunicado a Sir Charles Lyell. A primeira parte € dedicada a «Variagao dos seres organicos no estado domés- tico e no estado natural», e o segundo capitulo da parte cujos 74 A ORIGEM DAS ESPECIES. trechos tencionamos ler para a Sociedade, é intitulado «Sobre a variagéo dos seres organicos no estado natural; sobre os meios naturais de selecéo; sobre a comparagao entre racas domésticas e verdadeiras espécies». 2. Trecho de uma carta particular enderecada ao Professor Asa Gray de Boston, em Outubro de 1857, pelo Sr. Darwin, na qual cle repete as suas teorias e que demonstra como estas permaneceram inalteradas de 1838 a 1857. 3. Um ensaio do Sr. Wallace, intitulado «Sobre a tendéncia das variedades a se afastarem indefinidamente do tipo origi- nal». Este ensaio foi escrito em Fevereiro de 1858 para que o seu amigo e correspondente Sr. Darwin 0 lesse atentamente & a ele enviado com o desejo expresso de que fosse submetido a Sir Charles Lyell, se o Sr. Darwin o achasse suficientemente novo e interessante. O Sr. Darwin apreciou a tal ponto o valor das teorias expostas que prop6és, numa carta a Sir Charles Lyell, obter do Sr. Wallace 0 consentimento para poder publi- car 0 Ensaio 0 mais rapido possivel. Nos aprovamos sentida- mente esta atitude, desde que o Sr. Darwin nao negasse ao ptiblico, como estava fortemente tentado a fazer (em favor do Sr. Wallace), as observag6es que ele mesmo havia escrito so bre o assunto e que, como ja foi afirmado, um de nos havi, lido em 1844 e das quais conheciamos o contetdo havia mui- tos anos. Quando deixamos clara esta condigao ao Sr. Da- rwin, ele nos deu a permissio de fazer 0 que nos parecesse mais oportuno com seus apontamentos; ao adotar a nossa li- nha atual de conduta, ou seja, ao apresenta-los a Sociedade Linneana, explicamo-lhe que era nossa intencao reservar-lhe do somente os relativos direitos de prioridade em relagao ao seu amigo, mas também o interesse da ciéncia em geral; con- sideramos auspicioso, de fato, que as teorias baseadas sobre uma ampla dedugio dos fatos € amadurecidas em anos de re- flexao, representem um patamar do qual outros poderao par- tir e que, enquanto o mundo cientifico espera pela publicagao da obra completa do Sr. Darwin, alguns dos principais resul- tados dos seus trabalhos, assim como daqueles de seu brilhan-“ te correspondente, possam ser submetidos, juntos, ao publi- co. Temos a honra de sermos muitissimo agradecidos. CHARLES LYELL Jos. D. HOOKER 1. Sobre a variacdéo dos seres orgdnicos no estado natural. Sobre os meios naturais de selegao; sobre a comparacao entre racas domésticas e das verdadeiras espécies de Charles Darwin De Candolle, numa passagem elogiiente, declarou que toda a natureza est4 em guerra, um organismo contra outro ou contra a natureza externa. A primeira vista, observando 0 as- pecto sereno da natureza, é possivel duvidar disso, mas a re- flexdo nos mostrar inevitavelmente que é verdade. Tal guer- ranao é constante e se repete com leve intensidade em breves intervalos de tempo e, de forma mais grave, em periodos mais distantes e casuais; é, portanto, mais facil nao ver os efeitos. Na maioria dos casos a doutrina de Malthus se aplica com for- ca decuplicada. Uma vez que em cada regido existem estagoes que, para cada um dos organismos que ali habitam, sao de maior ou menor abundancia, todos se reproduzem anualmen- te, desprovidos de qualquer freio moral que, mesmo em pe- queno grau, cria um certo impedimento ao aumento da espé- cie humana. Até a humanidade que se reproduz lentamente duplicou em 25 anos e se pudesse ter aumentado mais facil- mente os seus recursos alimentares, ter-se-ia duplicado num tempo ainda menor. Mas para os animais, que nao possuem meios (de sustento) artificiais, a quantidade de alimento, para cada espécie é, em média, constante, enquanto 0 aumento de todos organismos tende a seguir uma progressao geométrica e, na grande maioria dos casos, com uma velocidade enorme. Supondo que num certo arbusto haja otto casais de passaros e que somente quatro destes procriem a cada ano (inclusive as duplas ninhadas) somente quatro filhos e estes por sua vez se reproduzam com a mesma proporgao, depois de sete anos 6 A ORIGEM DAS ESPECIES (uma vida breve, se nao contarmos as mortes violentas, para um passaro) havera 2048 passaros, ao invés dos dezesseis ini- ciais. Uma vez que este aumento é totalmente impossivel, de- vemos concluir que os passaros nao criam a metade da sua prole ou que a vida média de um passaro, devido a acidentes, nao chega a sete anos. E provavel que se verifiquem ambas as coisas. Aplicando 0 mesmo tipo de calculo a todas as plantas e a todos os animais, obtém-se resultados mais ou menos sur- preendentes; mas em pouquissimos casos mais impressionan- tes que no homem. Conhecemos muitos exemplos praticos desta tendéncia a um rapido aumento, entre os quais o numero extraordinadrio de alguns animais em épocas particulares; por exemplo entre os anos 1826 e 1828, no Prata, quando devido 4 seca morre- ram alguns milhGes de bovinos, a regiao inteira fervilhava de ratos. Agora, penso que nao haja duvida de que durante a es- tagao reprodutiva todos os ratos (exceto os poucos machos ou as poucas fémeas em excesso) em geral se acasalam e portan- to que tal surpreendente aumento naqueles trés anos se deva atribuir ao fato que no primeiro ano sobrevivesse um niimero de ratos maior do que 0 normal, que por sua vez se reproduzi- ram e assim por diante até o terceiro ano, quando a popula- cao foi levada aos limites habituais pela volta do clima tmido. Quando o homem introduziu plantas e animais num local novo e favoravel, verificaram-se muitos casos nos quais, em um tempo extraordinariamente breve, estes organismos pre- encheram todas as zonas. Este aumento se detém necessaria- mente quando o lugar fica completamente saturado, e toda- via, pelo que sabemos, temos todas as razGes para acreditar que todos copulam na primavera. Na maioria dos casos a coisa mais dificil €é imaginar em que altura intervém o obstaculo — ainda que nao haja duvida quanto ao fato de ele atuar sobre as sementes, Os Ovos, Os jovens; mas se pensarmos na quase im- possibilidade, até no que se refere ao homem (que é tao mais conhecido que qualquer outro animal) de deduzir por repeti- das observag6es casuais a duracéo média da existéncia ou des- « cobrir os diversos percentuais de mortos em relagao aos nas- cidos em diversas regi6es, nao devemos nos espantar se nao formos capazes de descobrir em qual momento seja impedido o desenvolvimento nos animais ou nas plantas. Nao podemos esquecer que na maior parte dos casos as limitagGes se rea- presentam regularmente, em pequenos graus, todos os anos,

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