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Capitulo7 A teoria da mediacio de Vygotsky! Objetivo Este capitulo tem a finalidade de resumir a teoria de desenvol- vvimento cognitivo de L.S. Vygotsky, destacando aqueles aspectos que ém implicagdes mais claras para a aprendizagem ¢ o ensino. Trata-se, sem divida, de uma abordagem superficial 3 obra de Vygotsky. Para aprofundamento, recomendam-se, especialmente, o$ textos Pensa- ‘mento e Linguagem (1987) €A Formagao Social da Mente (1988), do Pr6prio Vygotsky. Introdugao Diferentemente de Piaget, que supde a equilibrago como um principio bésico para explicar o desenvolvimento cognitivo, Lev ‘Vygotsky (1896-1934) parte da premissa que esse desenvolvimento nio pode ser entendido sem referencia a0 contexto social e cultural no qual ele ocorre. Quer dizer, o desenvolvimento cognitivo ndo ocorte independente do contexto social, histérico e cultural. Além disso, ‘Vygotsky focaliza os mecanismos por meio dos quais se dé o desen- volvimento, cognitivo. nfo produtos do tipo estdgios de desenvolvi- mento como propéem Piaget ¢ Bruner. Para ele, tais mecanismos sio de origem e natureza sociais, e peculiares ao ser humano (Garton, 1992, p. 87). Alids, a assergdo de que os processos mentais superiores do individuo t8m origem em processos sociais é um dos pilares da teoria de Vygotsky. Outro € a idéia de que esses processos mentais s6 podem ser entendidos se entendermos os instrumentos e signos que os | Moreira, M.A. (1995). Monografia n*7 da Sérte Enfoques Tedricos. Ponto Alege, Ins ‘into de Fisica da UFRGS. 109 medium. O terceiro pilar de sua teoria € 0 chamado “método genéti- co-experimental”, por ele utilizado na andlise do desenvolvimento cognitivo do ser humano (Driscoll, 1995, p. 225), Naturalmente, a énfase vygotskyana nas origens sociais dos pro- ccessos psicolégicos superiores, bein como a primazia dos processos em detrimento dos produtos, caracterfstica de seu método de andlise, refletem as raizes marxistas de sua proposta. Talvez por isso, e tam- bém pelo forte predomfnio behaviorista cm tempos passados piagetiano mais recentemente, o enfoque de Vygotsky apenas agora comega a ser bastante citado como um referencial para o ensino ¢ @ aprendizagem, Como se pretende mostrar neste trabalho, a teoria de ‘Vygotsky tem profundas implicagées instrucionais. : “Vygolsky formou-se em direito, pela Universidade de Moscouem 1917, mas especializou-se, e foi professor, em literatura e psicologia. Mais tarde, interessou-se pela medicina e fez o curso de medicina no Instituto Médico de Moscou. Foi um erudito, com formagao e interes- ses de largo espectro. Morreu de tuberculose em 1934, aos 38 anos, deixando, incompleta, uma grande obra intelectual que foi continuada ¢ refinada por scus colaboradores, em particular A. N. Leontiev e A. R. Luria, Instrumentos e signos Segundo Vygotsky, os processos mentais superiores (pensamen- to, linguagem, comportamento volitivo) tém origem em processos sociais; 0 desenvolvimento cognitive do ser humano néo pode ser entendido sem referéncia a0 meio social. Contudo, ndo se trata apenas de considerar 0 meio social como uma varidvel importante no desen- vyolvimento cognitivo. Para ele, desenvolvimento cognitivo € a con- versilo de relagdes sociais em fungOes mentais. Nao € por meio do desenvolvimento cognitivo que o indivfduo se tora capaz de sociali- zar, € ni socializagio que se dé 0 desenvolvimento dos processes mentais superiores (Driscoll, 1995, p. 229). Mas como se convertem, no individuo, as relagSes sociais em fungdes psicol6gicas? A resposta esti na mediagdo, ou atividade me- diada indireta, a qual é, para Vygotsky, tipica da cogni¢do humana. E. pela mediugzio que se da internalizagao (reconstrugiio interna de uma operagao externa) de atividacles e comportamentos s6cio-histéricos ¢ culturais e isso & pico do dominio humano (Garton, 1992, p. 89). Quer dizer, a conversdo de relagdes sociais em fungdes mentais superiores niio € direta, ¢ mediada. E essa mediagdo inclui o uso de 10 instrumentos e signos. Um instrumento € algo que pode ser usado para fazer alguma coisa; um signo € algo que significa alguma outra coisa, Existem trés tipos de signos: 1) indicadores, sic aqueles que tém uma relagdo de causa e efeito com aquilo que significam (e.g.. fumaga indica fogo, porque € causada por fogo); 2) icénicos, sto imagens ou desenhos daquilo que significam; 3) simbélicos, sao os que tém uma relagdo abstrata com 0 que significam. As palavras, por exemplo, so signos lingilfsticos, os nimeros sao signos mate- méticos; a linguagem, falada e escrita, € a matemitica so sistemas de signos. Ovuso de instrumentos na mediago homem-ambiente, distinguin- do de maneira essencial 0 homem de outros animais, dominando a natureza ao invés de simplesmente usé-la como estes 0 fazem, parte da tradigdo Marx e Engels, que influenciou Vygotsky. Mas ele esten- deu essa idéia para uso de signos. As sociedades criam ndo s6 instru- ‘mentos, mas também sistemas de signos; ambos sio criados ao longo da histéria dessas sociedades e modificam, influenciam, seu desenvol- vimento social ¢ cultural. Para Vygotsky, € com a interiorizagio de instrumentos e sistemas de signos, produzidos culturalmente, que se {64 0 desenvolvimento cognitive (Vygotsky, 1988). A combinagao do ‘uso de instrumentos e signos ¢ caracterfstica apenas do ser humano € permite o desenvolvimento de fungbes mentais ou processos psicolé- sgicos superiores. Repetindo, instrumentos e signos so construgées s6cio-histéri- case culturais; através da apropriagao (intemalizacao) destas constru- ges, Via interagdo social, o sujeito se desenvolve cognitivamente. Quanto mais o individuo vai utilizando signos, tanto mais vo se mo- dificando, fundamentalmente, as operagdes psicolégicas das quais ele 6capaz. Da mesma forma, quanto mais instrumentos ele vai aprenden- do a usar, tanto mais se amplia, de modo quase ilimitado, a gama de atividades nas quais pode aplicar suas novas fungGes psicolégicas. O desenvolvimento das funcdes mentais superiores passa, entiio, neces- sasiamentc, por uma fase externa, uma vez que cada uma delas é, an- tes, uma fungdio social. Isso significa que as fungdes mentais superio- res se aplicaria a Lei da Dupla Formagio, de Vygotsky: No desenvol- ‘vimento cultural da crianga toda fungdo aparece duas vezes — primei- +0, em nfvel social, ¢, depois, em nfvel individual; primeiro, entre pes s0as (interpessoal, interpsicolégica) e, depois, se dé no interior da pp6pria crianga (intrapessoal, intrapsicol6gica). Todas as fungdes men- tais superiores se originam como relagdes entre seres humanos (Vygotsky, 1930; apud Riviére, 1987). ut -Interagio social Diferentemente de outros te6ricos cognitivistas como, por exem- plo, Piaget € Ausubel, que focalizam o individuo como unidade de andlise, Vygotsky enfoca a interagio social. Sua unidade de andlise niio é nem o indivfduo nem 0 contexto, mas a interagdo entre eles. A interagao social é, portanto, na perspectiva vygolskyana, 0 veicu- lo fundamental para a transmiissdo dindimica (de inter para intrapessoal) do conhecimento social, hist6rica e culturalmente construido. Mas o que & interago social? Segundo Garton (1992, p. 11): “Uma definigao de interagio social implica um minimo de duas pes soas intercambiando informagdes. (O par, ou diade, é 0 menor micro- cosmo de interagdo social.) Implica também um certo grau de reci- procidade e bidirecionalidade entre os participantes, ou seja, a intera- do social supde envolvimento ativo (embora nao necessariamente no mesmo nivel) de ambos os participantes desse intereémbio, tra- zendo a eles diferentes experiéncias e conhecimentos, tanto em ter- mos qualitativos como quantitativos.” As criangas, geralmente, ndo crescem isoladas, interagem comos pais, com outros adultos da famifia, com outras criangas e assim por diante, Adolescentes, adultos, mogos e velhos, geralmente nfo vive ‘olados, estiio permanentemente interagindo socialmente, em casa, nu rua, na escola ete, Para Vygotsky, esta interagdo é fundamental para o desenvolvimento cognitivo ¢ linglistico de qualquer individuo. Con- tudo, seus mecanismos sio dificeis de identificar, qualificar e quantificar com precisio Signiticados Diretamente relacionada com a interagdo social ests a aquisigo de significados. Signo é alguma coisa que significa outra coisa. As palavras, por exemplo, sio signos lingUfsticos. Gestos também sfo exemplos de signos, Os significudos de palavras © gestos so construidos socialmente, Considcremos a palavra “mesa”; socialmen- lc, esti acordado que este signo lingiifstico significa o que ha de regu- laridade em ume quantidude infinita de determinado tipo de objetos. Consideremos o gesto de apontar; socialmente se aceita para ele, en- tve outros, o significado de indicar um objeto, de querer esse objeto. Mas os significados sfio contextuais: em outra lingua a palavra “mesa’ pode nio significar nada ou ter significado distinto. A palavra “pesqui- sa”, por exemplo, em portugues se aplica, geralmente, & atividade 112 Cientifica, enquanto que em espanhot se refere mais & investigagao Policial. Gestos que tém significado obsceno em uma cultura podem nfo t8-1o em outra. Por outro lado, dentro de uma mesma cultura, ou dentro de uma mesma lingua, determinados signos ndo significam nada ou, arigor, aio sto signos para um individuo que jamais teve a oportunidade de captar signficados para tais signos em interagdes sociais. Para uma crianga ‘Pequena, apontar para um objeto pode ser, inicialmente, nada mais que uma tentativa de pegar esse objeto, Mas no momento em que alguém (nteragdo social) pega o objeto e dé & crianga ou, de alguma maneira, faz com que a crianga alcance o objeto, 0 ato de apontar comeca a ter significado para ela. Ela comega a captar o significado, socialmente Compartilhado, de apontar ou, em outras palavras, ela comega a apren- der o que significa apontar, comega a internalizar 0 signo, A internalizagao (reconstrucao interna) de signos é fundamental Para o desenvolvimento humano. “Os signos mediam a relago da pessoa com as outras e consigo mesma, A consciéncia humana, em Seu sentido mais pleno, 6 precisamente ‘contato social consigo mes- mo’, ¢, por isso, tem uma estrutura semiética, esté constituida por Signos; tem, literalmente, uma origem cultural e, ao mesmo tempo, uma fungao instrumental de adaptagfio. E por isso que Vygotsky diz que ‘a anélise dos signos o nico método adequado para investigar a consciéncia humana’.” (Riviere, 1987, p. 93). Os instrumentos so orientados externamente; constituem um meio pelo qual a atividade humana extema € dirigida para o controle ¢ dominio da natureza. Os signos, por outro lado, sao orientados in- ternamente, constituindo-se em um meio da atividade humana intera dirigido para o controle do préprio individuo (Vygotsky, 1988, p. 62) Para intemalizar signos, 0 ser humano tem que captar os signifi. cados j& compartilhados socialmente, ou seja, tem que passar a com- partilhar significados jé aceitos no contexto social em que se encontra, ou jéconstrufdos social, histérica e culturalmente, Percebe-se af o papel fundamental da interagdo social, pois é por meio dela que a pessoa pode captar significados e certificar-se de que 0s significados que cap- {a sto aqueles compartilhados socialmente para os signos em questo. Em tiltima anélise, entdo, a interagdo social implica, sobretudo, um interedmbio de significados. Por exemplo, para que uma crianga internalize determinado signo, ¢ indispensdvel que o significado desse signo the chegue de alguma maneira (tipicamente, por meio de outra Pessoa) € que ela tenha oportunidade de verificar (tipicamente, extemalizando para outra pessoa) se 0 significado que captou (para o 3 signo que esté reconstruindo internamente) é socialmente aceito, com- partiIhado. A fala Para Vygotsky, a linguagem é o mais importante sistema de signos para o desenvolvimento cognitivo da crianga, porque a ibera dos vineu- los contextuais imediatos, O desenvolvimento dos processos mentais supetiores depende de descontextualizacto e a linguagem serve muito bbem para isso, na medida em que o uso de signos lingiisticos (palavras, no caso) permite que a crianga se afaste cada vez mais de um contexto concreto. © dominio da linguagem abstrata, descontextualizada, fexibiliza 0 pensamento conceitual e proposicional (Driscoll, 1995, p. 238), Na uprendizagem de conceitos, por exemplo, a crianga inicial- mente associa @ nome do coneeito, como “gato” ou “eadeira”, a um animal ot objeto espeeffico que encontrou na sua vida didria'e que, ‘numa interagiio social, alguém Ihe disse “isso € um gato” ou “isso éuma cadeira”, Mas com a experitnela, isto €, por meio de sucessivos encon- wos com diferentes gatos e cadeirus, a crianga aprende a abstrair, de um caso conereto, o nome do conceito e a generalizé-lo a muitas outras situagdes © instincias. Quando isso acontece, os signos lingtisticos, “gato” e “cadeira”, no caso, passaim a representar a classe de animais que soeialmente chamamos gatos ca classe de objetos a que socialmen- te damos o nome de cadeira, sem referéncia a nenhum exemplo em particular. Nesse caso, diz-se que os conceitos foram formados. ‘Naturalmente, a fala é extiemamente importante no deseavolvi- mento da linguagem. Portanto, o desenvolvimento da fala deve ser, na perspectiva de Vygotsky, um marco fundamental no desenvolvimento cognitiva da crianga “O momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dé origem 2s formas puramente humanas de inteli- géncia pratica e abstrata, acontece quando a fala e a atividade pré- tica, ent&o duas linhas completamente independentes de desenvol- vimento, convergem. Embora o uso de instrumentos, pela crianga durante 0 periodo pré-verbal, seja comparavel aquele dos macacos antropdides, assim que a fala e 0 uso de signos so incorporados a qualquer aio, esta se transforma e se organiza ao longo de linhas inteiramente novas. Realiza-se, assim, 0 uso de instrumentos espe- cificamente humanos, indo além do uso possivel de instrumentos, mais limitado, pelos animais superiores (Vygotsky, 1988, p. 27), 14 A inteligéncia pratica se refere ao uso de instrumentos e a inteligén- cia abstrata & utilizagdo de signos e sistemas de signos, dos quais a lin ‘guagem é 0 mais importante para o desenvolvimento cognitivo. Embora a inteligéncia prética ea fala se desenvolvam separadamente nas primei- ras fases da vida da ctianga, elas convergem. A primeira manifestagio Cesta convergéncia ocorre quando a crianga comega a falar enquanto resolve um problema prético Garton, 1992, p. 93). No entanto, para ‘Vygotsky, a fala egocéntrica ¢ 0 uso da linguagem para controlar e regu- aro comportamento da crianga e nfo reflete pensamento egocéntrico, A fala egocénurica vem da fala social e representa a utilizagao da linguagem ‘para mediar agées. Para as criangas,a fala ¢ do importante quanto a ago para atingir um objetivo, Elas nio ficam simplesmente falando o que estilo fazendo; sua fala e ago fazem parte de uma mesma fungi psico- \6gica complexa, ditigida para a solugo do problema em questdo, As ¢riangas resolvem suas tarefas préticas com a ajuda da fala, assim como dos olhos ¢ das maos. Quanto mais complexa 2 ago exigida pela situa- lo e menos direta a soluglo, maior a importincia da fala na operagao Como um todo (Vygotsky, 1988, p. 28). A fala egoctatrica 6, em grande parte, audivel e compreensivel ao observador extemo, mas, posteriormente, toma-se o que se chama de fala interna, que € ininteligivel aos outros, mas serve para regular ages © comportamentos do individuo. Portanto, o desenvolvimento da lin. ‘guagem no individuo se dé da fala social (linguagem como comunica io) para a fala egocéntrica (linguagem como mediadora de ages) € desta para a fala interna, Esta, por sua vez, reflete uma independéncia ada vez maior em relagio ao contexto extralingiifstico que se manifes- tapor meio da abstracao, que leva A conceitualizagao de objetos e even- tos do mundo real. A intemalizagdo da fala leva & independéncia em relaglo & realidade concreta e permite o pensamento abstrato flexivel, independente do contexto extemo (Garton, 1992, pp. 92-93), ___J4 havia sido dito, em segées anteriores, que a intemalizagao de signos € fundamental para 0 desenvolvimento cognitivo ¢ que este desenvolvimento passa, necessariamente, por uma fase extema, uma ‘ez que as fungdes mentais superiores so, antes, fungdes sociais, Nesta segHo, este aspecto da teoria de Vygotsky voltou a ser tocado, enfo- cando-se especificamente a fala, pois, para cle, a linguagem € 0 mais importante sistema de signos. Ao finalizar esta segdo, cabe reiterar que “embora a inteligéncia prética ¢ 0 uso de signos possam operar ndependentemente em criangas pequenas, a unidade dialética desses sistemas no adulto humano constitui a verdadeira esséncia no com. Portamento humano complexo” (Vygotsky, 1988, p. 26). us Zona de desenvolvimento proximal A tose da génese social ¢ instrumental das fungdes mentais supe- riores implica examinar a questo desenvolvimento cognitivo e apren- dizagem de outro ponto de vista: “Desde 0 momento em que o desenvolvimento das fungdes men- tais superiores exige a internatizagdo de instrumentos e signos em contextos de interagio, a aprendizagem se converte na condigao para o desenvolvimento dessas fungées, desde que se situe preci- samente na zona de desenvolvimento potencial do sujeito, defi- rida como a diferenga entre o que ele & capaz de fazer por si s6.¢ © que pode fazer com ajuda de outros. Este conceito sintetiza, portanto, a concepgao de desenvolvimento como apropriagio de instrumentos e, especialmente, signos proporcionados por agen- tes culturais de interagdo, a idéia de que 0 sujeito humano niio é 86 uin destilado da espécie, mas também — em um sentido me- nos metaférico do que possa parecer — uma criagio da cultura” (Riviere, 1987, p. 96). Mais formatmente, a zona de desenvolvimento proximal é defi- ida por Vygotsky como a distancia entre o nivel de desenvolvimento ccognitivo real do individuo, tal como medido por sua capacidade de resolver problemas independentemente, ¢ 0 seu n{vel de desenvolvi- mento potencial, tal como medido através da solugdo de problemas sob orientagao (de um adulto, no caso de uma crianca) ou em colabo- ragdo com companheiros mais capazes (Vygotsky, 1988, p. 97). A zona de desenvolvimento proximal define as fungdes que ainda nfo amadureceram, mas que estiio no processo de matura medida do potencial de aprendizagem; representa a regidio na qual 0 desenvolvimento cognitivo ocorre; € dindmica, esta constantemente mudando. A interagio social que provoca a aprendizagem deve ocorrer den- twodu zona de desenvolvimento proximal, mas, ao mesmo tempo, tem um papel importante na determinagZo dos limites dessa zona, O limite inferior €, por efini ido pelo ntvel real de desenvolvimento do aprendiz, O superior € determinado por processos instrucionais que podem ocorer no brinear, no ensino formal ou informal, no trabalho. 2 Note-se gus Rividre usa 0 termo zona de desenvolvimento potencial do sijeito, possi- velimente puns enfaizar que af ests seu potencial de desenvolvimento, Normalmente, fala-se om zona de desenvolvimento proxi 116 Independentemente do contexto, o importante € a intera¢ao social riscoll, 1995, p. 233). método experimental de Vygotsky Na época de Vygotsky, os experimentos em psicologia eram con- duzidos de modo a testar hipéteses, controlar varidveis rigorosamen- te, quantificar respostas, fazer inferéncias sobre relagées de causa efeito, Para ele, no entanto, os experimentos deveriam servir, sobretu- do, para iluminar processos. Para isso, a metodologia experimental deveria oferecer 0 méximo de oportunidades para que 0 sujeito se engajasse nas mais diversas atividades que pudessem ser observadas, ao invés de rigidamente controladas (Cole e Scribner, 1988, p. 13). No método “genético — experimental”, desenvolvido nessa ética, ele empregava basicamente irés técnicas em suas pesquisas com criangas. A primeira envolvia a introdugdo de obstéculos que perturbavam 0 andamento normal da solugo de um problema. Por exemplo, no estu- do da fala egocéntrica, solicitar o trabalho cooperativo de criangas que falavam linguas diferentes. A segunda técnica envolvia o fomeci- ‘mento de recursos externos para a solugto de um problema, mas que podiam ser usados de diversas maneiras. Finalmente, na terceira, as, criangas eram solicitadas a resolver problemas que excediam seus ni- veis de conhecimento ¢ habilidades. O que havia de comum em todas essas técnicas era a énfase nos processos, a0 invés dos produtos. (Driscoll, 1995, p. 226). A Vygotsky interessava 0 que as eriangas faziam, nao as solugBes as quais poderiam, eventualmente, chegar. Naturalmente, esta énfase em processos & coerente com a influéncia marxista presente na teoria de Vygotsky, assim como a énfase na quantificagio, caracterfstica da metodologia da pesquisa em psicolo- gia na época, € coerente com a orientagao behaviorista. Formagio de coneeitos Vygotsky e seus colaboradores estudaram experimentalmente 0 processo de formagio de conceitos em mais de trezentas pessoas — criangas, adolescentes e adultos — e conelufram que: “O desenvolvimento dos processos que finalmente resultam na for- magio de conceitos, comega na fase mais precoce da infncia, mas as fungGes intelectuais que, numa combinagdo especffica, formam a base psicolégica do processo de formagtio de conceitos amadurece, 7 se configura e se desenvolve somente na puberdade. Antes dessa idade, encontramos determinadas formagGes intelectuais que reali- zam fungdes semelhantes Aquiclas dos verdadeiros conceitos, ainda por surgir, No que diz respeito & composicao, estrutura ¢ operagao, esses equivalentes funcionais dos conceitos tém, para com os con- ceitos verdacleiros, una relago semelhante & do embrigo com 0 or- ganismo plenamente desenvolvido” (Vygotsky, 1987, p. 50). ‘As formagdes intelectuais, equivalentes funcionais dos concei- tos, 2s quis se refere Vygotsky, so: 1) Agregagdo desorganizada, owamontoado — 60 primeiro passo da crianga pequena para a formago de coneeitos; ocoie quando-ela agrupa alguns objetos desiguais de maneira desorganizada, sem funda- ‘mento, para solucionar um problema que os adultos resolveriam com a formacdo de um novo conceito (op. cit, p. 51). Nesta fase, 0 significa- do do signo ¢ estendido de maneiry difusa e ndo-diferenciada a objetos naluralmente nio relacionados entre si, mas ocasionalmente relaciona- dos na percepedio da crianga. O significado da palavra-conceito denota, para a crianga, apenas um conglomerado vago e sincrético de objetos isoludos que, de uma forma ou outra, aglutinaram-se numa itnagem na sua mente (ibid.) O primeiro estdgio desta fase é uma manifestagéo do estégio de tentativa e erro no desenvolvimento do pensamento; 0 amon- toado € criado ao acaso e cada objeto acrescentado é uma mera supo- sigdo ou tentativa, No estigio seguinte, a composigaio do amontoado & determinada em grande parte por uma organizago do campo visual da crianga, pela posigo espacial dos objetos (ibid.). 2) Pensamento por complexos: nesta segunda fase, os objetos so agrupaclos niio s6 devido as impressOes subjetivas da crianga, mas tam- bém devido a relagdes que de fato existem entre esses objetos. Hé nesta fase uma seqliéncia de estégios que se sucedem em fungéo das relagdes estabelecidas entre os objetos —associativa, ligadaa atributos comuns, de colegdes, relacionadas a atributos complementares; em cadeia, em que as associagbes, feitas a partir de seqiiéncias de atributos (cores, formas, tamanhos etc.), levamn a0 estdgio do complexo difuso quando esses atributos vo sendo modificados de forma vaga, flutuante ¢ apa~ rentemente ilimitada (Gaspar, 1994). O titimo estdgio desta fase € o do pseudoconceito, que é ainda um complexo, porque a generalizagtio for- mada na mente da crianga, embora semelhante a um conceito, no tem ainda todas as suas caracteristicas como, por exemplo, a abstracdo. O seuddoconceito &, portanto, uma ponte entre o pensamento por com plexos da crianga e o pensamento do adulto (ibid.). 118 3) Conceitos potenciais: resultam de uma espécie de abstracio {do primitiva que, a rigor, ndo sucede o estégio dos pseudoconceitos, pois esta presente, em certo grau, j4 nas fases iniciais do desenvol- vvimento da crianga. Os complexos associativos, por exemplo, reque- rema “abstraglo” de algum trago comum em diferentes objetos. Con- tudo, 0 trago abstrato é instével e facilmente cede seu dominio temipo- rério a outros tragos. Nos conceitos potenciais propriamente ditos, os tragos abstrafdos ndo se perdem tio facilmente, mas o verdadeiré conceito s6 aparece quando os tragos abstraidos so sintetizados e a sintese abstrata resultante passa a ser o principal instrumento do pen- samento (Vygotsky, 1987, p. 68) “Em sintese, os processos que levam & formago de conceitos desenvolvem-se a partir de duas linhas ou rafzes genéticas distin- tas, uma que se origina dos agrupamentos € vai até 0s pseudo- conceitos ¢ outra, paralela, contemporanea dos conceitos poten- ciais. A convergéncia ou fusdo dessas linhas dé origem a um pro- cesso qualitativamente diferente: a formagao de conceitos. E im- portante notar que essa transigdo € gradual e néo atinge simul- taneamente todas as reas de pensamento onde predominam, por muito tempo, o pensamento por complexos 0 que, aliés, caracte- riza a adolescéncia” (Gaspar, 1994, p. 6). Aprendizagem e ensino Em face da importancia para 0 ensino, cabe reiterar que “desde 0 ‘momento em que 0 desenvolvimento das fungdes mentais superiores exige a intemalizagao de instrumentos e signos em contextos de interagdo, a aprendizagem se converte em condi¢do para o desenvol- vimento dessas fungdes, desde que se situe precisamente na zona de desenvolvimento potencial do sujeito” (Riviere, 1987, p. 96). Em outras perspectivas te6ricas, o desenvolvimento cognitivo tem sido interpretado como necessdrio para a aprendizagem, ou tomado quase como sinénimo. Na de Vygotsky, a aprendizagem & que é necesséria para o desenvolvimento. Analogamente, vale repetir que “a interacSo social que provoca a aprendizagem deve ocorrer dentro da zona de desenvolvimento po- tencial, mas, ao mesmo tempo, tem um papel importante na determi- nag dos limites dessa Zora. O limite inferior é, por definigao, fixado pelo nivel real de desenvolvimento do aprendiz. O superior é deter- minado por processos instrucionais que podem ocorrer no brincar, no 19 - ensino formal ou informal, no trabalho. Independentemente do con- texto,’ importante € a interagdo social” (Driscoll, 1995, p. 233). Para Vygotsky, 0 tnico bom ensino € aquele que est a frente do desenvolvimento cognitive € dirige, Analogamente, a nica boa aprendizagem € aquela que est avangada em relagio ao desenvolvi- mento, A aprendizagem orientada para nfveis de desenvolvimento jd aleangados nao € efetiva, do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo do aptendiz, Naturalmente, as idéias de Vygotsky sobre formagiio de conceitos io interessanies do ponto de vista instracional, mas, seguramente, 0 papel fundamental do professor como mediador na aquisigao de signi- ficados contextualmente aceitos, o indispensavel intercAmbio de signi- ficados entre professor ¢ alno dentro da zona de desenvolvimento proximal do aprendiz, a origem social das fungdes mentais superiores, a linguager, como o mais importante sistema de signos para o desen- volvimento cognitivo, silo muito mais importantes para ser levados ‘em conta no ensino, Por exeinplo, na interagZo social que deve caracterizar o ensino, o professor é 0 participante que jé internalizou significados socialmen- te compartilhados para os materiais educativos do curriculo. Em um episédio cle ensino, o professor, de alguma maneira, apresenta ao alu- no significados socialmente aceitos, no contexto de matéria de ensino, para determinado signo — da Fisica, da Matemstica, da Lingua Por- tuguesa, da Geografia, O aluno deve, entio, de alguma maneira, “de- voiver” ao professor 0 significado que captou. O professor, nesse proceso, ¢ responsivel por verificat se 0 significado que 0 aluno captou € aceito, compartilhado socialmente. A responsabilidade do aluno é verificar se 0s significados que captou sfio aqueles que o pro- fessor pretendia que ele captasse e se silo aqueles compartilhados no contexto da érea de conhecimentos em questo. O ensino se consuma quando aluno e professor compartilham significados. Esta visio de ensino como uma busca de congruéncia de significados tem sido defendida em tempos recentes por D. B. Gowin (1981), ss pocemos encontré-la, muito antes, em Vygotsky, Naturalmente, nesse processo o professor pode também aprender, na medida em que clarifica ‘ou incorpora significados a sua organizacao cognitiva, mas, como profes- sor , ele ou ela esté em posiedo distinta do aluno no que se refere 20 omiinio de instruments, sighos ¢ sistemas de signos, contextualmenie aceitos, que jd intemalizou e que o aluno deverd ainda intemalizar. Este modelo de intercdmbio de significados pouco ou nada diz, sobre como se dé a internalizagtio, mas deixa claro que esse intercimm- bio € fundamental para 2 aprendizagem e, conseqiientemente, na éti- ca de Vygotsky, para o desenvolvimento cognitivo. Sem interagao ssocial, ou sem interc&mbio de significados, dentro da zona de desen- volvimento proximal do aprendiz, nfo hé ensino, ndo hé aprendiza- gem © nao ha desenvolvimento cognitivo. Interagao e intercdmbio implicam, necessariamente, que todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem devam falar ¢ tenham oportunidade de falar. Amudanga conceitual ¢ claramente interpretdvel nessa perspecti- va: implica internalizagio (reconstrugdo interna) de novos significa- dlos, delimitagdo do foco de conveniéncia de outros, talvez abandono dealguns, possivel coexisténcia de significados incompativeis. Enfim, um process complexo, evolutivo, com muitos matizes contextuais, que depende, vitalmente, de interagiio social e intenso intercimbio de significados. Conclusio Neste capitulo procurou-se dar uma visio introdut6ria A obra de ‘Vygotsky, um génio io precocemente morto e apenas recentemente “descoberto” pelos que se interessam pelas chamadas teorias de apren- izagem. Sua teoria & construtivista, no sentido de que os instrumen- tos, signos ¢ sistemas de signos so construgdes s6cio-hist6ricas ¢ culturais, ¢ a intemnalizagto, no individuo, dos instrumentos e signos socialmente construidos, 6 uma reconstrugdo interna em sua mente. Elengo chegou a entrar em detalhes sobre os mecanismos dessas cons. trugdes, mas nem precisaria, pois, simplesmente, a maneira como cle teoriza em torno da premissa que o desenvolvimento cognitivo nio pode ser entendido sem referéncia ao contexto social, hist6rico e cul- tural em que ocorre é suficiente para justificar o estudo dessa teoria. Finalmente, reitera-se que este texto nfo é suficiente para um perfeito entendimento da teoria de Vygostky. Dibliografia ‘COLE, Michael ¢ SCRIBNER, Sylvia (1988), Inrodusio de Vygosty, LS. A formapo social da mente. ed, brasileira, Sto Paulo, Martins Fentes. DRISCOLL, Marcy P. (1995). Psychology of leaming and instruction. Boston, U.S.A, Ally and Bacon, 409 p. GARTON, Alison F. (1992). Social interaction and the development of language and cognition. Hillsdale, US.A., Lawrence Erlbaum, GASPAR, Albert (1994). rearia de Vygotsky eo ensno de Fiica. Trabalho apresentado ‘no IV Encontro de Pesquisa em Ensino de Fisica, Flrianpolis, 28 a 27 de malo 121 Iuhaea, NY, Comeli Univesity Press. 210 p. i, Alianza, 111. jo Paulo, Marsias GOWIN, D. Bob (1981), Educa RIVIERE, Angel (1981). El sujet de a prcotogia cognitive. Mo VYGOTSKY. Lev. (1987) Pensamento lnguagen. ed, brasil: Fontes. 135 p. VYGOTSKY, Lev 5. (1988). 4 forage social da mente Martins Foates. 168 p. 2 ed. brasil. So Paul,

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