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É permitida a reprodução total ou parcial desta edição de Blecaute: uma revista de literatura e artes; Os
textos ou fragmentos de textos, quando reproduzidos, devem ter suas referências (autoria e lugar de origem
da obra) devidamente citadas, conforme preconiza a legislação vigente no Brasil acerca dos direitos autorais
(Lei 9.610/98); As opiniões emitidas nos textos são de responsabilidade exclusiva dos autores, sendo estes últimos
responsáveis pela revisão e conteúdo de suas produções; É vedado o direito de qualquer cobrança pela
reprodução desta edição.
Periodicidade: Trimestral
Editores:
Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio
gaudencio_bruno@yahoo.com.br / @BrunoGaudencio
Janailson Macêdo Luiz
janailsonmacedo@hotmail.com / @jan_macedo
João Matias de Oliveira Neto
j.matias@msn.com / @j_matias
800
R454 Revista Blecaute: uma revista de Literatura e Artes, ano. 3, n. 8 (mar. 2010)
– Campina Grande, 2011.
89 p.: il. color.
Site E-mail
http://sites.uepb.edu.br/revistablecaute revistablecaute@gmail.com
Twitter Blog
@revistablecaute www.revistablecaute.blogspot.com
ÍNDICE
Amor de Deus
CONTO 8
Eduardo Sabino – MG
Bariga de tanquinho
TIRADAS DO BAÚ 24
Raoni Xavier – PB
Ars Aemulatoria
POEMAS 25
Erico Nogueira – SP
Sequestro
CONTO 31
João Matias de Oliveira – PB/CE
A Pedra do Diabo
CONTO 56
Maxwell F. Dantas – PB
A Laranja
CONTO 70
Ronie Von Martins – RS
Os editores.
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 8
| Conto
AMOR DE DEUS
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EDUARDO SABINO (Minas Gerais) - Escritor e Jornalista. Autor do livro de contos Ideias noturnas: sobre a
grandeza dos dias (Novo Século, 2009). Editor do blog de literatura Caos e Letras: www.caoseletras.com. Já
colaborou com diversas revistas impressas e digitais como Cronópios, Germina, Plurale, Observatório da Imprensa,
entre outras. O conto Amor de Deus integra livro inédito do autor.
BLECAUTE
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| O Santo Ofício
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FRANKLIN JORGE (Rio Grande do Norte) - Escritor e Jornalista. Vencedor do Premio Luis Câmara Cascudo em
1998, com o Livro: Ficções Fricções Africções (Mares do Sul, 1998). Edita o blog O Santo Ofício:
http://www.franklinjorge.com/
BLECAUTE
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| Poemas
EPIFANIA
RUGIDOS
TRAVESSIA
DISSONANTE
SAFIRA
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ANNA APOLINÁRIO (Paraíba) - Poeta. Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal da Paraíba. Membro
do Núcleo Literário CAIXA BAIXA. Publicou em 2010, seu primeiro livro de poemas: Solfejo de Eros, pela Câmara
Brasileira de Jovens Escritores (Rio de Janeiro). Edita o blog Rosa na Redoma: http://rosanaredoma.blogspot.com/.
Twitter: @annapolinario
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| Ensaio
João/agrestes (1985)
BLECAUTE
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sequência menos inteligível, o sentido é mantido: “tão ex tão osso”, o prefixo “ex-
” significando “movimento para fora”. Por esse ângulo, o isolamento gráfico do
prefixo “ex-” enriquece o texto, quando motiva a leitura nos eixos horizontais e
verticais. O recurso reforça a imagem da fratura física “que está à mostra, à
vista”, em convergência com a fratura da linguagem por metalinguagem, “fala
fraturada”, qualificada por refletir e mostrar criticamente suas entranhas,
expostas nas qualidades de “faca, aço e osso”.
“Não uma poesia sobre poesia, mas uma poesia que empresta a linguagem
de seus objetos para com ela construir o poema”, este comentário de João
Alexandre Barbosa (2009, p. 108) acerca da metalinguagem em Cabral, poder
ser estendido tranquilamente ao poema de Augusto.
A primeira linha horizontal vale uma poética: “uma fala tão faca”.
Fala/faca: menor variação sonora tanto maior variação imagética. Aproximação
sonora e choque de imagens díspares. A imagem é criada apoiando-se na
economia vocabular e no deslocamento das classes de palavras. A linguagem
substantiva de Cabral é lembrada quando aciona o mesmo mecanismo de
adjetivar por substantivos: “fala faca”, “osso osso”, qualidade potencializada
pelo advérbio “tão”, que ao provocar ritmo e musicalidade nas primeiras quatro
linhas, o faz sem se dirigir a qualquer verbo, tão somente ao realce da palavra-
coisa, da palavra-substantivo, processo que somado ao jogo de assonâncias e
aliterações, evidencia a materialidade dos signos envolvidos.
A aproximação sonora se dá através da imagem e da ideia contidas nesse
movimento inicial. A “fala” é “faca”, a “fratura” é “ácida” e “aço”, o “osso” é “só”.
A linguagem é cortante e carrega o rigor da condensação e da não dispersão.
Simplicidade e despojamento atingidos pela concentração da imagem: fala/voz
que mostra ao exterior suas qualidades de tutano, utilizando um campo
semântico que amalgama som e sentido. A imagem dessa fala/voz substantiva
permanece e é fixada pelo jogo sonoro: tão “aSO> osSO> SÓ”.
Quando isola os prefixos e faz repetição de termos, o poema de Augusto
lembra os jogos geométricos de Cabral. A exemplo das palavras: “bala, faca,
relógio” do poema “Uma faca só lâmina”, contido em livro homônimo. Nesse
jogo, ao retomar um termo, a palavra ganha novos matizes que fazem rebrilhar
a concretude da imagem. Quando repete com mestria os termos, transforma a
redundância em informação. Pois, alimenta a imagem com substantivos
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 19
pela presença do chiste. É justamente nesse desvio psicológico que uma verdade
pode ser revelada em tom descontraído.
Quando o poema diz: “o concreto é o outro”, pode estar sinalizando liberdade
de procedimentos e ampliação de repertório. Ainda que “concreto”, não é o que
se limitou a identificar como “concreto”: redução do termo aos programas e
manifestos da década de 1950 e consequentemente aos poemas que elidem as
pessoas da enunciação. Ser concreto sendo o “outro” pode ser a devoração
antropofágica do diferente, ou a apropriação de outras poéticas, de estrangeiras
dicções, ou ainda a abertura para a “outridade”, termo caro a Octávio Paz (2003,
p. 107):
Referências
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FÁBIO VIEIRA (PARAÍBA) – Ensaísta. Doutorando em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). Publicou vários ensaios em antologias e revistas literárias. Membro do Núcleo Literário CAIXA BAIXA.
Autor do livro: Oriente ocidente através: a melofanologopaica poesia de Paulo Leminski (Ideia, 2010). Twitter:
@ffabiovieira
BLECAUTE
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| Tiradas do Baú
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RAONI [RAONI XAVIER] (Paraíba) – Ilustrador e quadrinista. Atualmente, prepara um livro de contos e dá vida às
personagens Sirci e Lila (www.sircielila.com.br). Membro do Núcleo Literário CAIXA BAIXA e Clube do Conto da Paraíba.
É um dos escritores que integram o NANO ROMANCE: http://nanoromance.blogspot.com/. Twitter: @raonix00
BLECAUTE
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| Poemas
ARS AEMULATORIA
(Fragmento)
– mas não; não sei que digo; ou sei: que a terra se abra e
me trague, ou bem relâmpagos me desintegrem,
e eu desça ao Érebo, à perpétua treva, se eu,
vergonha!, violar os votos que votei;
até que chegue o dia da última viagem’. 25
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ERICO NOGUEIRA (SÃO PAULO) – Poeta, Tradutor e Professor de Línguas e Literaturas Clássicas. Doutorando
em letras Clássicas pela Universidade de São Paulo (USP). Vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais de
Literatura, Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, categoria Poesia, em 2008. Colunista do site Terra. É
autor dos seguintes livros: O livro de Scardanelli (Poemas, 2008) e Dois (Poemas, 2010). Edita o blog:
http://ericonogueira.blogspot.com/
BLECAUTE
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| Conto
SEQUESTRO
Prezada Carolina,
Esta seria talvez uma chance de te ver, sem contudo encontrar. Como
funciona isso? Quando escrevo imagino a pessoa a quem me dirijo. A mão na
multidão que acena e se comunica. Torço o nariz como não viu. Aguardo sua
resposta.
Carolina minha vida depois de você ficou uma merda, esta é a verdade. Fui
despejado daquele quartinho furreca onde você me conheceu e juntos assistimos
pela oitava vez Laranja Mecânica tomando Fanta. Você de minissaia beje
acariciava meu cabelo na nuca – minha necessidade, meu ritual. A cada toque
seu, a casa pulava de alegria e renovação. Minha santa na escrivaninha nunca
foi tão polida.
Penso: será que ela me responde? Será que assim, um nado sofrido na
superfície de um drama italiano, uma ópera bufa, galgaria as escadarias de
uma resposta? Não, não. Você sempre me acusou de ser um ator dramático
chinfrim – e agora representando. Desses a quem as lágrimas revelam apenas
as pantomimas de um personagem em um palco sem platéia.
***
Coração mole, doce, gentil – corrigia logo você. Perceba sua inconstância,
ainda não achando palavras audazes com que me amaciam e me amassam, feito
folha de papel manchada de batom e blandícias em versos mal feitos. É a
segunda comparação com folhas desde a última carta. Ao contrário de você, eu
curto essa constância de caráter, algo de que tu duvidava. Mas, eu não te batia
somente pelo gosto de bater.
dias deitado do seu lado na cama e, confesso, não a percebi chorar silenciosa sob
o travesseiro – tantas noites, tanta confusão. Não me olhe com o olhar de culpa,
com o olhar verde do passado – eu te imagino nesse exato momento. Sim, eu
sofri. Sofro por você e também sofro por mim agora – é como se te visse diante
de mim.
***
Sinto ficar mais poético no decorrer desta trama pessoal, Carolina. Sabe,
seu cheiro, aqueles laranjais. O suco aqui do lado com o canudo – ainda de
laranja, só tenho laranjas aqui. Eu venho embromando, mas quero que você
volte. Fui um mal namorado, um mal patrão, um mal amante. Queria então sua
proximidade, depois de tantos anos, para voltar a escrever e encenar alguma
coisa. Juro não mais te bater, juro não mais te fazer chorar – te imagino
rogando por isso. Juro não cortar um fio do seu cabelo. Por que não me
responde? Duas mãos cortadas, minha consternação, e nada?
Descobri, tenho religião. Sua saída, meu abandono neste cubículo e os livros
de dramaturgia empilhados na estante revelam a santinha nunca percebida na
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 34
mesa da escrivaninha. Ela parece tão contigo. O rosto liso, as dobras do sorriso.
Olhos pretos. Boca lânguida. Corpo suave. Você toda em cerâmica.
Rezo por ti. Aí vai a ponta do nariz também, em anexo, cortando-o agora e
pondo nessa embalagem de papel crepom. Por favor – fungando sangue – dessa
vez responda.
***
O que restaria então a não ser beijar-lhe em cada uma das teclas de sua
espinha dorsal em decúbito na cama de casal – lembra? Então, é o que faço
agora. Escrevo-lhe com a língua e os lábios em um notebook que comprei. Fácil?
Para principiantes não. Sou seu amante conjugal mais velho e experiente. O
terceiro depois dos dois casamentos começados e não terminados – você tão
boba com aqueles caras, meu amor, matei e mato um por um. Fui uma benção
em sua vida. Até hoje lembro você com cigarros e café na varanda à espera da
sorte. Sua sorte chegava ao fim da tarde – eu, do trabalho – e punha-a na cama,
com todos os tesões cantados pelo vento forte.
Sinto estar sendo enganado pela nova empregada em uma maquinação para
ela herdar minha herança. Casei-me por condição de auxílio em todo esse
drama. E percebo que tu nada, né, porra? Não responde! Você nunca espanava
direito minha escrivaninha, ficavam pedaços ainda de lápis espalhados por ela.
Você nunca limpava direito a sala e parte da cozinha. Puta que pariu, você
ainda teria aquela roupa em babados com que fazia isso?
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 35
***
Te espero.
***
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JOÃO MATIAS DE OLIVEIRA NETO (Paraíba/Ceará) – Escritor e editor. Mestrando em Sociologia pela Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG). Autor dos livros de contos Aos Olhos de Outro (2007) e O Vermelho das Hóstias
Brancas (2009). Integra os núcleos literários Blecaute e CAIXA BAIXA. Blog: http://blogmatias.org. Twitter: @j_matias
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 36
| O Aerópago
Bojo.
Fazendo Xixi.
Quando se é criança qualquer detalhe chama atenção e abre espaço para uma
imaginação. Toda vez que ia no banheiro para fins líquidos, só acertava na
manchinha do vaso. Mirava lá e ficava apenas observando atentamente, assim
como todo garotinho faz quando se dedica a alguma coisa aparentemente fútil -
pra quem desaprendeu a ser criança.
Mijando.
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 37
A não ser que estivesse sozinho em banheiros públicos, o jovem jamais usava
mictórios por que não se sentia a vontade. Até que bebeu umas cervejas pela
primeira vez - aquilo tinha gosto estranho no início - e sentiu vontade de ir ao
banheiro que estava lotado. Dos quatro mictórios apenas um estava livre:
justamente o do meio. Tentou esperar, mas não dava. Ficou lá uns dois
minutos apenas parado enquanto um rodízio de pessoas querendo eliminar
urina acontecia nos mictórios ao lado. Estava tenso até que começou a prestar
atenção nos azulejos, na tubulação do banheiro e enfim, tudo fluiu.
Mas para a completa superação do trauma de usar um mictório em um
banheiro lotado, começava a tomar medidas interessantes. Começou a prestar
atenção nos pequenos buracos que todo mictório tem e tentar acertar neles.
Depois de várias cervejas, isso fazia pensar em algumas coisas:
Pensamento Urinário Nº 4: Pensava na história que ouviu uma vez que dizia
que, em uma penitenciária, um grupo de presos sempre mijava no mesmo local.
Depois de 10 anos, a parede
começou a ceder, o que facilitou para fazer um túnel. Mijar realmente é uma
ação libertária.
Urinando.
As mulheres reclamam que todos os homens erram a mira do vaso sanitário.
Ele era diferente, pois toda a vida desenvolveu uma mira infalível nos vasos
sanitários. Bastava imaginar o local daquela manchinha no vaso sanitário- a
nostalgia da infância – que jamais errava o tiro amarelo. De fato, era um Clint
Eastwood urinário: antes um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que
urinar fora do vaso sanitário. Chegou a um alto grau de maturidade. Não era
um homem igual a todos os outros como as mulheres costumam classificar.
Além da questão de ser um cavalheiro apenas pelo seu método de urinar,
também se preocupava com o mundo. Nos jornais, agora todos falavam uma
palavra apenas: sustentabilidade. Em tudo que você faz deve ser sustentável,
diziam as propagandas de TV. Pensava o quanto urinar estava envolvido em
um projeto de um novo modelo para gestão de recursos hídricos no mundo –
bem aventurados aqueles que urinam no banho. Urinar e não dar a descarga é
uma falta de educação sustentável.
Mas seu vaso sanitário da manchinha foi embora. Se os animais urinam pra
demarcar território, ele urinou pra demarcar a vida. Talvez entraria em crise,
já estava ficando velho e a coordenação motora ia se esvaindo, e poderia ser que
um dia o risco de uma incontinência urinária fosse real. A fralda geriátrica
marca o eterno retorno em que está imersa a vida humana.
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VALDÊNIO FREITAS MENESES (Paraíba) – Cronista. Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal
de Campina Grande e cronista/editor do blog O Aerópago: http://www.oaeropago.blogspot.com. Twitter:
@Valdeniofm
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 39
| Poemas
Zabé da Loca
***
geografia
todo dia
um horizonte novo
se cria em minha janela
as auroras se costuraram
em alinhavos de cores quentes
e a medida que anoitece
se transladam em cinzas de azuis
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 41
***
o horizonte
***
velho rádio
às vezes
admirava-me
quando olhavas sem sorriso
e a noite engolia teus cabelos
mergulhados aos poucos em uma grande tina
e esta cozinha
era uma pista imensa de deslizes
não mais sabia
que viver não era mais que isso
catar fragmentos de raios cósmicos
que perfuravam o vidro da janela
e observar lento e persistente
a chama de uma vela ao se consumir
incorporando seu combustível ao ar
até que este se extinga
enquanto isso
cebolas e batatas ferviam
em borbulhantes panelas
com seus diálogos e estouros e borbulhares
***
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 43
açucareiro
perdidas formigas
insistem em atacar o açucareiro
(fortaleza inexpugnável de plástico)
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EDSON BUENO DE CARVALHO (São Paulo) – Poeta. É autor dos livros: O Mapa do Abismo e Outros Poemas
(2006), De Lembranças & Fórmulas Mágicas (2007), entre outras obras. Foi vencedor do Prêmio Off-FLIP de
Literatura (2006), IV Concurso Literário de Suzano (2008), entre outros. Participa do grupo poético/ literário Taba de
Corumbê da cidade de Mauá –SP. Edita o blog: http://umalagartadefogo.blogspot.com/
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B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 44
| Conto
A VIRGEM SAGRADA
passou a ser a meta que nenhuma mulher quer atingir, e a sociedade, essa,
nem se quer a valoriza mais.
Seus os dias que passaram…
Pequeno Glossário
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Eduardo Quive (Moçambique) – Escritor, Jornalista, Ativista dos Direitos Humanos e HIV/SIDA. Membro fundador
do Movimento Literário Kuphaluxa, sediado no Centro Cultural Brasil – Moçambique. Trabalha no Jornal O
Escorpião. É editor de dois blogues de literatura moçambicana pertencentes ao Movimento Literário Kuphaluxa,
(kuphaluxa.blogspot.com e revistaliteratas.blogspot.com). Edita ainda os Blogues pessoais: noitesdalma.blogspot.com e
quivismo.blogspot.com
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B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 49
| Estante
A HISTÓRIA DA ARTE: DA PINTURA de Giotto aos dias de hoje, é uma obra resumida
e ilustrada, que sintetiza os principais movimentos da pintura no ocidente,
nos possibilitando vislumbrar algumas das obras menos famosas de grandes
pintores, bem como suas localizações no tempo, contribuições para a história
da arte e os movimentos aos quais se vincularam. Escrito pela britânica A.
N. Hodge, estudiosa e curadora de arte, esta obra foi pensada para atingir o
público amante da arte e para aqueles que têm interesse em conhecer um
pouco sobre o assunto. Organizado de forma rigorosamente cronológica, este
trabalho não tem como pretensão realizar uma análise aprofundada sobre os
movimentos, obras e artistas elencados. Contudo procura associar
movimentos e pintores, a exemplo da influência de Turner sobre
impressionistas como Monet e Pissarro ou em quê aspectos o grande
represente do Rococó, o Francês Jean-Antoine Wateau inspirou-se nas
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 50
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LAURICEIA GALDINO DOS SANTOS (Paraíba/Rio de Janeiro) – Historiadora. Mestranda em História pela
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Pesquisa a história da arte entre a antiguidade e a
modernidade.
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 51
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JÂN MACÊDO [JANAILSON MACÊDO LUIZ] (Paraíba) – Escritor, Editor e Historiador. Mestrando em História pela
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Autor de Luz para sua gente e para sua terra: notas sobre a
História da UEPB. Integra os núcleos literários Blecaute e CAIXA BAIXA. Mantém o Blog Sonhos Literários:
http://www.sonhosliterarios.com/. Twitter: @jan_macedo
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 53
| Poemas
Almas Roubadas
Descalço
Capulanas Dançantes
As lenhas ao lume
Soltam-se assobios, de melancólicos olhares e faces
Gerações se misturam, aplaudem com júbilo da aurora
as mamanas, atiçam o tantã dos batuques,
levantam poeira, levantam plateia, lenços, missangas e capulanas
A lua vestida de cores, também festeja ao alto
Timbilas, paus, e latas se casam ao som maluco
Junto ao cair da noite, é festa, é noite, os mochos entoam melodias
É capulana, é batuque, cores e notas se juntam no pátio no meio da aldeia
Nada se esconde tudo se deslumbra
mwanas dançam sobre o chão nu e gelado acompanhando o cantar da mata
A floresta ressuscita do calar nocturno, todas almas voam sobre o céu
A aldeia, em fim, todos se descobrem, aleluia! dizem os cocuanas
é capulana, é nossa, é nosso mistério,
as suas ondas navegando no vazio do mar
a sura delicadamente inundando bocas
mucume e vemba banham corpos ancestrais na orgia dos loucos
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MAURO BRITO (Moçambique) – Poeta. Membro do Movimento Literário Kuphaluxa em Moçambique. É editor do
blog: poesimentosvivos.blogspot.com e tem textos publicados nos blogues do Kuphaluxa: kuphaluxa.blogspot.com e
revistaliteratas.com
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 56
| Conto
A PEDRA DO DIABO
Maxwell F. Dantas
às vezes verde, às vezes da cor do árido, misturava-se com o calor que fazia
dentro do carro. Uma orquestra fragmentada de chocalhos de bois e de bodes
tocava, regida pelo balançar preguiçoso dos galhos das algarobas. Uns urubus
ao norte faziam um redemoinho no céu. Aproximando-se do local, se impunham
outras pedras maiores que aquela. De quem seriam estas? Seriam todas as
pedras do diabo?
Escavar um achado paleontológico é trabalho lento e delicado. Algumas
pedras soterradas atrapalhavam o trabalho, ao serem confundidas com ossos da
preguiça pré-histórica. Havia quatro homens da região ajudando Clécio - que
observava, removia cuidadosamente o excesso de terra e resíduos, discriminava
as condições e eu anotava tudo. Era trabalhinho chato, pois eu não era
paleontóloga, era documentarista. Como profissional dedicado e meticuloso,
Clécio nem se dava conta do sol castigante que petrificava meu corpo. Ao meio
dia, quando encerramos as atividades escavatórias do terceiro dia, um dos
ajudantes nos convidou a comparecer a comemoração de seu aniversário logo
mais à noite, num barzinho próximo ao hotel onde estávamos hospedados.
Clécio concordou. Ele gostava de estar em uma mesa de bar rodeado de amigos.
Chegamos ao bar às nove horas, atrasados porque ele demorou em
telefonema para a universidade. Depois de algumas cervejas, tira-gostos, piadas
e cigarros, aproveitei a oportunidade para perguntar casualmente às pessoas
presentes no bar sobre a história da Pedra do Diabo. Ironicamente, quase
ninguém sabia nada a respeito, nem deram importância ao assunto. Fiquei
desapontada com o desinteresse das dezenas de pessoas a quem abordei. Em
visita à biblioteca na mesma tarde, constatei que não havia nenhum registro
histórico sobre isto. Talvez a apatia para com o assunto se devesse a impressão
lítica que as pessoas têm do diabo. Notei um desconforto amarelo na reação de
algumas pessoas. Outras disseram: “do diabo! Vixe! Não sei, nem quero saber!”
O fascínio vívido, embora cauteloso, que senti nos dois senhores que me
relataram sobre a pedra, não era compartilhado por quase ninguém mais
naquele lugar.
Lá pelas tantas, se juntaram à nossa mesa um senhor e seu sobrinho.
Quase tomada por uma obsessão, me apossei da atenção daquele homem, ao
saber que era natural da cidade e que havia trabalhado informalmente na
construção do açude quando ainda era molecote (vendendo todo tipo de coisas,
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 61
− Afinal, por que vocês vêm beber aqui? O que a Pedra do Diabo representa
para vocês?
− Porque aqui, de alguma forma, sentimos liberdade. Parece que esta visão
maravilhosa da noite e da natureza fertiliza nossos pensamentos com uma
introspecção libertária, disse um deles.
− A pedra do diabo representa um referencial simbólico para o nosso
comportamento e a nossa forma de pensar, tão estranhos à cultura da nossa
cidade. Algumas pessoas, em um determinado dia do ano que, aliás, será neste
fim de semana, fazem uma procissão que sai da igreja católica, percorrendo a
estrada que leva ao açude, até chegarem à imagem daquela santa do outro lado
do balde. Creio que buscam redenção e purificação com esta atitude. Não
queremos nada disto vindo aqui à noite, acrescentou o outro.
− Por que vocês não tentam fazer desta pedra um ponto turístico?
− Esta pedra não é um ponto turístico, é um ponto de vista, defendeu o
terceiro.
A conversa enriqueceria bastante o documentário. Proporia a eles em
seguida que tentássemos reproduzir, o mais fiel possível, aquele momento (pela
manhã, é claro) no dia seguinte, quando eu estaria munida da câmera (que
disse a Clécio ter ido buscar). Mas isto seria uma preocupação para o outro dia,
pois agora outra mais contundente se apresentava a mim. Depois de curta
pausa, Wilson levantou-se e, tendo notado em mim uma tendência impulsiva
pelo estranhismo daquela situação, revelou um fato ainda mais curioso: disse
que no interior da fenda, era possível ouvir uns ruídos cuja origem ninguém
nunca soube explicar. Confessou que, como uma demonstração de coragem, na
primeira vez que estiveram ali, cada um deles desceu na fenda que se abria no
meio da pedra, e ficou lá por uns cinco minutos mais ou menos. Quando
perguntei se ouviram os ruídos, ele me provocou: “só descendo você saberá”.
É incrível que situações como esta possam parecer tão macabras, e ao
mesmo tempo, tão fascinantes. Certamente, havia grandes chances de me
deparar lá dentro com um morcego, uma cobra, uma aranha. Por outro lado,
que espécie de documentarista seria eu, se não agarrasse a oportunidade ímpar
de compreender empiricamente o meu objeto de investigação?
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 64
voltamos para o hotel, onde, um pouco mais calma, fiz um relato truncado sobre
o que tinha acontecido. Ele esboçou aborrecimento, mas recuou devido ao meu
olhar assustado. Demorei a dormir naquela noite.
No domingo à tarde voltei ao local para filmar a pedra e a fenda com a
ajuda de Clécio. Alguns flashes daquela experiência ainda se acendiam na
minha mente. As velas ainda estavam lá, derretidas. Os rapazes também
compareceram como havíamos combinado, mas suas declarações não foram tão
sinceras quanto naquela noite; provavelmente por causa da presença de Clécio
com cara emburrada, que filmava nossa entrevista. A câmera, que estava
posicionada na direção do balde, capturou involuntariamente a chegada da
procissão que passava lentamente sobre ele, atrás de nós. O vento que soprava
para o leste carregou o som das palavras que dizíamos, misturou com o dos
cânticos religiosos da procissão, que sobre a imensidão do açude foram
retalhados pelos últimos raios do crepúsculo.
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MAXWELL F. DANTAS (Paraíba) – Contista. Graduado em letras pela Universidade Estadual da Paraíba. Membro
da ABES (Associação Boqueiroense de Escritores). Participou da Coletânea Poética: Novos Poetas do Cariri
Paraibano (2010).
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 66
| Poemas
ACASO CAOS
as pernas...
a chave,
na porta...
na pele.
acaso o caos
não é o cobertor?
os nossos corpos
na hora do sexo?
BLECAUTE
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VESTIDO DE MEDO
guardarás a roupa
do mistério
no teu olhar de
tecido,
no branco ou azul
do medo,
entre os botões
da memória.
CAFÉ AURORA
na praça
os relógios
silenciam
as horas,
ao ouvir
o gosto
do Café Aurora,
na conversa
tola do
cigarro lento.
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B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 68
Quantas barbas
brancas
olham as
lindas moças
que desfilam
aos ventos?
GUIMARAES ROSA
A acertar no profundo.
A descortinar personagens
II
Em sua imensidão
No cântico da emoção,
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BRUNO GAUDÊNCIO (Paraíba) – Escritor, Editor, Jornalista e Historiador. Mestrando em História pela Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG). Autor do livro: O Ofício de Engordar as Sombras (Poesia, Sal da Terra, 2009).
Membro dos Núcleos Literários Blecaute e CAIXA BAIXA. Edita o blog Acaso Caos: http://acasocaos.blogspot.com/ .
Twitter: @BrunoGaudencio
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| Conto
A LARANJA
Acordou ouvindo a conversa do pai e da mãe. “Esse guri...” foi o que mais
ouvia das conversas. Olhou assustado para os lados, estava no quarto, o seu
quarto. A caixa de papelão do seu Jovenal ao lado da cama. “Pois é...” era a
voz do Jovenal “ O rapazinho deitou na caixa e dormiu como uma pedra.”
Estava novamente em casa. o que aconteceria? E a polícia?
A mãe entrou no quarto, afagou-lhe os cabelos. Isso era bom. Muito bom.
Algumas palavras. Muitos sorrisos. E a noite veio. O sono e o sonho.
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RONIE VON ROSA MARTINS (Rio Grande do Sul) – Escritor e Professor de Literatura. Tem dezenas de textos
publicadas em revistas e suplementos pelo Brasil e outros países da América do Sul, a exemplo da Cronópios,
Verbo21, Portal Literal, Caos e Letras, Literatura del Mañana, Revista Capitu, Literatura em Foco, na Revista
Germina – Literatura e Arte, na revista La Hojarasca, Revista Letras Uruguay.
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B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 74
| Ensaio
O ATO DE NARRAR, NO MUNDO atual, pode ser considerado uma arte em extinção.
As ações bélicas que antes eram a causa das grandes histórias como a Ilíada ou
as Lendas do Rei Artur são hoje traumáticas, e os soldados que retornam das
guerras não mais compreendem o distanciamento narrativo entre o ouvinte e a
história contada, mas apenas calam-se diante do inevitável pesadelo da guerra1.
O distanciamento comum ao ato narrativo está presente no mito, de forma
dupla, uma vez pela narração, e outra vez na psicologia do símbolo mitológico2,
pelo qual tudo ocorre em tempo e espaço indefinidos.
A narração é essencialmente um relato de experiência pessoal inserido no
universo social, por meio do qual um objeto qualquer entra no mundo histórico
a partir do momento em que entra no mundo humano3. Qualquer coisa que
participe no universo social dos homens, sendo uma narrativa, um pente, um
pássaro, uma pedra ou uma ideia, a partir do momento em que é criado pelo
homem, ou retirado do mundo natural, perde seu valor de ser infinito em si
mesmo e realiza-se como valor limitado pelo meio social4. Oculto por uma
cortina temporal, séculos de indivíduos são construídos de maneiras diferentes,
de acordo com as múltiplas manifestações dos povos aos quais eles pertencem,
inserindo esses objetos em contextos histórico-sociais de modo a imprimir neles
143.
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B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 75
muito mais que suas marcas físicas, despindo-os de seu infinito natural para
fazê-los soma de valores sobrepostos por sua história social.
Entre os inúmeros objetos, naturais ou originários diretamente do mundo
humano, podemos listar as manifestações populares mais diversas como as
danças, as músicas, os jogos, os contos, as rezas, além dos saberes agrícolas, que
muitas vezes imprimem-se de elementos arcaicos que são escondidos sob a
superfície do apreensível diretamente. No caso do conto popular, ele “oferece à
comunidade um terreno de experimentação em que, pela voz do contador, ela se
exerce em todos os confrontos imagináveis”, tornando-se mais que meramente
uma narrativa despropositada de um fato distanciado dos ouvintes por causa da
presença do narrador oral, mas um organismo com função de estabilizador
social, no qual persistem tradições narrativas orais para além das
transformações culturais5. Fisicamente é uma sucessão de sons e palavras que
criam um contexto internamente verossimilhante inserido no gênero épico, mas
seu valor histórico transcende seu valor físico justamente por ser ele uma das
muitas ferramentas de reinserção e reinterpretação histórica que construímos
ao nosso redor em que uma “prática do contar histórias equivale a um
despojamento, também ao nível das relações materiais que sua circulação
envolve”6.
O conto popular “não pode ser compreendido plenamente desvinculado de
seu contexto”7, pois o mesmo se manifesta no contexto de sua enunciação, sendo,
portanto, um objeto histórico, nos quais os contadores retiram experiências do
fundo de suas memórias, e de relatos já ouvidos por eles mesmos de outros
contadores de histórias. Mas o contexto do conto popular é mais que registro
histórico, ele ganha, no ato de sua enunciação, papel cívico-social. O contador de
histórias geralmente relata os contos no contexto do trabalho manual, em
conjunto com outros trabalhadores, para espantar o tédio inerente à execução
do mesmo8. Assim, o conto popular insurge-se não apenas no contexto histórico-
social, como também no universo das classes trabalhadoras.
5 ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. pp. 56 e 57.
6 LIMA, Francisco Assis de Sousa, apud AYALA, Maria Ignez Novais. “O conto popular: um
fazer dentro da vida”, in: Anais do IV Encontro Nacional da ANPOLL. São Paulo-Recife, 26
a 28 de junho de 1989, p. 263.
7 AYALA, Maria Ignez Novais. “O conto popular: um fazer dentro da vida”, in: Anais do IV
Portanto, conto popular e cordel são coisas distintas, mesmo que tomem de
empréstimo elementos uns dos outros, como as aventuras de Jesus e São Pedro
recolhidas por Gonçalo Fernandes Trancoso, que vêm emprestadas das
hagiografias em verso e prosa medievais e reinterpretadas de forma lúdica, ou o
Romance do Pavão Misterioso e a História de João de Calais, cordéis
nitidamente influenciados por uma tradição de contos feéricos populares ou por
uma antologia tradicional de contos heróicos. Mas ambos valem-se em sua
totalidade das tradições do grupo em que são produzidos11 e são, portanto,
registros históricos de sua cultura.
9 TERRA, Ruth Brito Lêmos. Memória de Lutas: Literatura de Folhetos do Nordeste. São
Paulo, Global, 1983. pp 68 e 69.
10 TERRA, Ruth Brito Lêmos. Op. Cit. p. 69.
11 ARANTES, Antonio Antunes. O trabalho e a fala: estudo antropológico sobre os folhetos
12 CASCUDO, Câmara. Verbete: “Conto popular”, in: Dicionário do Folclore Brasileiro. 10ª
ed. Rio de Janeiro, Ediouro, s/d. pp. 303-306.
13 LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1975.
14 Freud foi descartado não somente por pertencer a uma hermenêutica redutora
cartesiana, uma vez que Marx também segue a mesma linha reducionista, mas por este
confundir aquilo que causa o processo com o objeto que associa-se com essa causa. Dentro
desse contexto, a visão pansexualista de Freud não serve para compreender a estética da
historicidade arqueológica do conto popular tratado aqui neste texto.
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B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 78
15 VASCOCELOS, Carolina Michaëlis de. Cancioneiro da Ajuda, vol. II. pp. 450-464.
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B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 79
19 Em francês medieval. Tradução do autor: “Bem estava o mundo no tempo dos antigos, /
pois nele reinava a fé, a justiça e o amor; / havia também a crença que hoje ridicularizamos.
/ Tudo mudou, o mundo perdeu sua cor: / ele não será mais o que era nos tempos de nossos
ancestrais. // Tenhamos, senhores, esse santo homem na memória, / rezemos a ele para que
nos lavemos de todo mal. / Que ele nos traga a paz e a alegria neste mundo, / e a glória
eterna no outro [mundo]! / Nesta palavra dizemos então: Pater Noster.”
20 DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Lisboa, Edições 70, 1993. pp. 8 e 9.
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B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 83
21 Idem. p. 9.
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B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 84
22
GOMES CORREIA, Francisco José; VAN WOENSEL, Maurice J.F. Poesia medieval
ontem e hoje: estudos e tradução. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 1998. p. 20.
23 ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Rio de Janeiro: Edições 70, 1976. p. 90.
24 Termo próprio, aqui no sentido de “criação sagrada”, mas aqui reportando a outras
O mito antes da escrita era recitado para atualizar uma ética sagrada
anterior, mas sempre mutável pela dinâmica inerente aos sistemas de símbolos,
enquanto o conto popular era recitado num contexto mais profano, sem
compromisso ético com a atualidade. Fenomenologicamente, a narrativa
popular profana compartilha com a sagrada o fato de ser um objeto humano e,
portanto, inserido na história. Porém, diferente do mito, o conto popular não
tem compromisso com uma história divina com seres sobrenaturais, e muito
menos com a exaltação de antepassados míticos, assumindo sua função
comparativa entre as diversas éticas que se sobrepuseram como camadas ao
texto falado, mas apesar disso, ambos são relatos de sobrevivência histórica. O
mito preserva o ritual e, portanto, o valor simbólico do relato tanto em
estrutura quanto em referente27. O conto popular registra a permanência, pelo
menos na memória coletiva, de um sistema de costumes já sem manifestação
social, cuja alegoria ética é a única coisa que restou aos ouvintes e ao narrador.
A essência do conto popular não é produto da ontologia simbólica presente
no mito, mas de uma alegoria histórica que resulta de uma tensão dialética
entre o presente da enunciação e o passado do enunciado. O conto popular dá
uma sobrevida às fórmulas jurídicas dos antepassados justamente por,
diferente do mito, não consistir de especulação filosófica acerca das origens ou
do papel do homem no meio. Ele não nasce do espanto ontológico, mas da
necessidade empírica de alegorizar o aconselhamento das regras de uma
sociedade por meio de suas narrativas situacionais28.
26
BAUMGARTNER, Emmanuelle. Le récit médiéval. Paris, Hachette, 1995. p.12. Tradução
do autor: “Decifrar um manuscrito restituindo oralmente o conteúdo a um público mais ou
menos numeroso, sem dúvida não era uma tarefa fácil. No espaço do manuscrito um texto
em verso domina, ele é verdadeiro em sua própria atmosfera, criado seu ritmo pela mudança
de linha de um verso a outro. As linhas cortadas de um texto em prosa preenchem em
compensação até mesmo a mais justa das colunas [...] das páginas dos manuscritos. As
linhas de pontuação, quando existem, ficam raras. Portanto, na maior parte dos
manuscritos de obras literárias, põem-se em seu lugar, a partir do século XIII, uma rede
cada vez mais densa de procedimentos que facilitem a leitura do texto manuscrito ao mesmo
tempo delimitador e hierarquizante do ‘parágrafo’ ao capítulo’, das unidades de leitura”.
27 ELIADE, Mircea. Op.Cit. p.93.
28 BENJAMIN, Walter. Op.Cit. p. 202.
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B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 87
2005. p.14.
33 AYALA, Maria Ignez Novais. Op. Cit. p. 262.
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FELIX MARANGANHA [FÉLIX ANTÔNIO DE MEDEIROS FILHO] (Paraíba/Rio Grande do Norte) – Poeta e
Ensaísta. Graduado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Graduando em Filosofia pela
mesma instituição. Membro do Núcleo Literário CAIXA BAIXA. Possui um blogue para seus poemas, o Avenida
Assimétrica (http://avenidassimetrica.blogspot.com), e participa da equipe do blogue Os Assassinadores
(http://assassinador.blogspot.com). Twitter: @felixmaranganha
BLECAUTE
B uma revista de literatura e artes Campina Grande, n. 8, mar. 2011, p. 89
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