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José dos Reis 0 ApdstoLo oA Amazonia EURICO ALFREDO NELSON Rio de Janeiro - 1945 ‘Vi-se néste mapa do Brasil, cereada a vermelho, a regio imenia onde Nelson trabalhou como pionciro, désde 0 Acre até o Ceara. INDICE ‘Uma explicagio .. Uma palayra de apreciagio . CAPITULO I Nasce um menino na Suecia ‘CAPITULO: IT Nas terras da livre América CAPITULO IL A chamada do Mestre .. . CAPITULO IV 0 Arduo comego de um trabalho glorioso .. .. .. CAPITULO V 0 trabalho se consolida .. .. . CAPITULO VI © apélo do grande rio .. CAPITULO VIE No coragio da Amazonia .. .. CAPITULO VIIT © Apéstolo da Amazonia .. .. CAPITULO IX Do Maranhao ao Ceard oo 0... ee ee ce eee CAPITULO X A companheira ¢ ajudadora CAPITULO XI Oifinndo Hdsilor’ sy im ae ia d9 ta. 00 ass ms pote CAPITULO. XI (COREL UERO a ss ie: 2 i ms me Ma oa A Pag. 6 13 18 an 7 5a 59 64 72 Euplicagéoa Tive a idéia de eserever éete livro depois de ter ouvide dr, L. M. Bratcher falar sébre Eurico Alfredo Nelson, no “Dia Missionario” do Semimirio Teolégico Batista do Sul, rea Jizado em junho de 1943. Senti entdo o quanto seria inspiradora a vida admiravet do “Apéstelo da Amazénia” contada aos nossos mogos © © quanto poderia ela concorrer para o despertamento de voex gées para o ministério e de vocagées missionari: Nao é esta uma obra literéria. Nao busquei sugestées ma téenica das modernas biografias romanceadas. Antes procurei fazer obra honesta, sincera, simples e desataviada e espero que constitua de fato um apélo que impressione nossoe mogos ba- tistas. Quere expressar aqui minha gratidéo se de. I. M. Prat cher que me pés & disposigée todo o material de que dispu- nha. Agradeco também ae preciosas informacées que me deram os irmaos Djalma Cunha, W. C. Taylor, Tomax L. Costa e Joao Daniel do Nascimento. Composto com espirito de oracio espero que Deus aber- ge éste livro, permitindo que dle seja realmente uma fonte de inspiracdo constante para a mocidade batista brasileira. Rio, junho de 1945. José dos Reis Pereira. UMA PALAVRA DE APRECIACAO Quando em 1935 visitei pela primeira vez o gramde Ama- zonas, ao saltar no cais de Manaus, 0 irmio Nelson me rece- beu com estas palavras: “Pois hem, finalmonte 0 senhor esta ‘visitando o Brasil verdadeiro”. Estas palavras exprimiam © pensamento © 0 amor do “Apéstolo da Amazénia” em re- Jago & terra onde, durante quase meio século, Eurico Alive do Nelson dedicou sua vida ao trabalho de difundir as Boas Novas de Salvacio. Para éle Brasil era wonia e « sal- vagio da Amazénia foi a paixio de sua alma. Naquela tarefa @le empregou todos os seus talentos, toda a sua energia, todo seu amor. Durante trés meses daquele ano, viajei com o irmio Nel- son, subindo ¢ descendo os caminhos fluviaix da regio inte- Yessante‘e atraente. Senti, 0 amor verdadciro que 0 povo de~ dicava ao mensageiro da paz, 0 tinico durante muitos anos, a visitar aquelas paragens. Foi ontéo quo me navcen 0 doseje de preparar o material para uma biografia daquele grande ‘batalhador! Porisso combinei com o itmio Nelson uma visita mais demorada em 1939. Fiz a viagem, conforme disse 0 autor, e, logo depois de eneontrar-me com 0 irmio Nelson procurei mostrar-the a necessidade de tal obra. Era tio mo- desto que relutou muito contra a sugestéo por mim apresen- tada. Sé depois de argumentar com éle durante um més foi que se convenceu do valor de um plano para tornar comeci- das as necessidades do seu amado campo. Logi depois co- ‘mecou a preparar o material com grande entusiasmo. Deus nio permitin que éle o fizesse porque o chamou trés dias depois de iniciar definitivamente o trabalho. Continuei a obra, mas com a intengio de publicar a bio- grafia primeiramente na lingua inglesa c, mais tarde, em © APOSTOLO DA AMAZONIA 7 portugués. Outra vez Deus mudou os nossos plano: porque a enfermidade nfo permitiu que en completasse o trabalho em inglés. Entéo fiz tudo para descobrir alguém que_pu- desse preparar a obra na lingua portugnésa. Outra vez Dens providenciou. Como © autor conta na sua apresentacio, falei sébre a vida de Nelson numa reunigo missionéria no Semindrio do Sul. Estava presente Prof. José dos Reis Pereira ficou impressionado com a idéia da publicagio da hiografia com 0 objetivo de influenciar a Mocidade Batista para a tarefa mis- siondria na Patria Brasileira. Poucos dias depois revelou-me ‘9 seu plano e pediu o material para o trabalho, Foi para mim um grande prazer colocar & sua disposigao todo 0 material co- Thido aqui ¢ na outra América. © prof. Reis consagrou muito tempo & obra ¢ eis os re- sultados daquele esférgo: “Eurico Alfredo Nelson, O Apésto- lo da Amazénia”. Quando o original me chegou as mios, quase mao pude esperar até que dispusesse de um tempo me- nos ocapado para examinar 0 livro, tal era o interésse que eu tinha em saber ae o livro era aqiele quo Neloon merecia Perguntei a mim mesmo se seria possivel um mogo Pastor Professor sondar profundamente 0 amor e o espirito missio- nirio do Apéstolo para depois apreeenté-lo aos batistas bra- sileiros! Porisso reservei uma noite exclusivamente para exa- minar 08 originais. Sem fazer favor algum ao autor, posso afirmar, com téda sinceridade do meu coragio, que o livro 6 um retrato fiel do obreiro, da sua ajudadora e do trabalho que éle fez. Naquela agite vivi de novo com Eurico Nelson ¢ viajei de novo pela Amazénia em companhia daquela grande alma. Ao termi- nar a leitura procurava seher como é que o Pastor José dos Reis Pereira pode apresentar to fielmente o Apéstolo da Amazénia. Creio que a resposta se encontra nestas razées. Primeivo, o irmio Reis se dedicou & tarefa, com todo 0 8 0 APOSTOLO DA AMAZONIA amor do seu coragio, um ambr que visa a salvagéo da Pétria. Sendo assim, 0 Espirito Santo o ajudou a interpretar a vida do Apéstolo. Em segundo lugar, « autor se aprofundou no assunto de tal maneira que chegou a compreender ¢ apresen- tar 0 verdadeiro espirito missionarie do irmio Nelon. Em tereeiro lugar, 0 seu perféito conhesimento do assunto ¢ da Hingua tornon possivel um retrato perfeito do Apéstolo. Por todas estas razdes reafirmo que a obra é um retrato fiel da personalidade apresentada. Com alegria ¢ com grande gratid apresento esta biografia aos hatistas brasileiros e aos outros que conosco amam a causa do Evangelho. De modo todo especial desejo apresenticla i Mocidade Ba- tista Brasileira esperando que a imspiracio déste livro posta chamé-la para uma grande tarefa, qual seja a de com- pletar a obra que 0 irmao Nelson nio pode terminar ¢ a que le deu a sua vida. Dou os meus sinceros parabens ao Prof. José dos Reis Pereira pelo preparo do Livro porque é uma contribuicio de grande valor para a obra missionaria no Brasil. Que éle ou aiaix alguém, seja inspicado a preparar outras biografias até que os vultos batistas brasileiros sojam conhecidos aqui ¢ no estrangeiro. Que sejam preparadas hiografias do Dr. Joaquim Nogueira Paranagué, Joaquim Fernandes Lessa, Franciseo Fulgéncio Soren e de ou'ra que tém contribuide tanto para a obra missionéria no Brasil. Que Deus use éte livro para sua honra ¢ gléria e para a salvacio da Amazénia 4 qual Nelson dedicou todo scu amor e toda a sua vida. a Deus © a0 autor, L. M. Bratcher, Sec. Cor. Tes. da Junta de Mixedes Nacionais. Rio de Janeiro, 5 de julho de 1945. CAPITULO 1 NASCE UM MENINO NA SUECIA Nas proximidades de Orebro, linda e pitoresca cidade, & heira do lago Hielmar, na Suécia, a6 amanhecer do dia 17 de Dezembro de 1862, uma certa casa estava em festa, Era inverno, um désses bravos invernos escandinavos que sio qualquer coisa de impressionante ¢ incompreensivel para nés brasileiros, habitantes dos trépicos que,.a menor descida da temperatura jé hatemos valentemente os queixos e retiramos das gavetas todos os agazalhos disponiveis. Nés nunca sou- hemos 0 que é marcar um termémetzo alguns graus abaixo de zero. Por sua vez para a gente nérdica & coisa absoluta- mente inédita uma temperatura de 40 graus. Imaginemos agora, por um momento, um homem nascido na terra da nev edo gélo vir trabalhar ‘na fornalha equatorial do Amazor © ai gastar a maior parte de sua vida. Os planos de Deus sio de fato insondavois e tronscendem oe limites de nosoa com. preensio © os raciocinios de nossa Wgiea. Nossa idéia 6 que #6 mm sertanejo tostado pelo sol, afeito ao clima ¢ ao am- hiente, acostumado as soalheizas © aos calores, de corpo fe~ chado para as febres, poderia enfrentar a espessura e as sur- présas da “selva selvaggia” do inferno verde. Entretanto foi de um branco e delieado filho do Norte nevoso que Deus féx © ebreire por exceléncia do equador brasileiro Naguele dia gelado de dezembro de 1862 nascon éle. Era © terceiro fitho de André ¢ Ana Maria Nelson. Ana Maria era luterana convieta, mas André ainda nio se tinha decidi do por ése tempo, em matéria de religiio. Assim, quando Ana Maria quis hatizar 0 pimpotho, segundo 0 tito luterano, André mio se opés, explicando, com bom humor, que wm 0 © APOSTOLO DA AMAZONIA ‘ de agua na cabega néo iria fazer mal ao garoto. Désse do, em 9 de janeiro de 1863, havia mais um luteranozinho cidade de Orebro. Chamava-se Erik, Eurieo. Seis anos vive 0 pequeno Eurico na sua cidade. As wargens do lago azul e trangiiilo talvez tivesse sentido, pela primeira vez, 0 futuro missiondrio, 0 amor pelas grandes iynas sossegadas. Seu pai tinha recebido por doagio a pro- priedade em que vivia. Diga-se, de pascagem que a terre nao era grande coisa: rochosa, aspera, nio ce prestava para nenhuma cultura. Mas André Nelson cra industrioso ¢ traba- Ihador como poucos. Nao se deixou abater pela esterilidade dla terra. Dotou-a de melhoramentos tais que o Inspetor do Govérno premiou-o pela industriosidade revelada. Ble pr prio constrain uma: maquina debulhadora que era movida Trea de cavalos. Com a idade de 6 anos Burico foi encarre- gado de guiar os eavalos porque em sua casa todos tinham qque trabalhar Foi também com essa idade que Eurico comecou os p: meiros estudos. Havia escolas espalhadas por téda a Suécia © 0 govérno, no Touvivel intuito de levar a instrucéo a todos 08 recantos do pais, enviava professores eepeciais que ensi- uavam alunos isolados, nos lugares em que néo houvesse es- cola. Assim foi que Eurico teve a oportunidade de estudar durante dois trimestres. O professor e sua espésa eram ba- Listas. Foi nessa ocasiio que André Nelson teve oportunidade de conhecer os hatistas ¢ suas doutrinas. Era éle um investi- gador sincero, do tipo dos sempre relembrados bereanos, que io se tinha’ decidido ainda quanto a religido, justamente porque o luteranismo nio o satisfazia. Conhecendo, entretan- to, 03 ensinamentos batistas e conferindo-os na sua Biblia, Jc se convencen € se convertew. Quando um colportor pas- sou por sta casa, André foi batizado. A ceriménia 36 pade ser realizada & noite, porque no era prudente naquele tem po fazer demonstragées publicas duma seita perzeguida como O APOSTOLO DA AMAZONIA 1 era a dos batistas. O povo era intolerante, como soem ser, via de rogra, todos os adeptos de religides oficializadas. Base era 0 caso do Interanismo na Suécia, Um das vitimas dessa intolerancia foi justamente o colporter que batizou André Nekon. A sanha popular voltou-se contra éle, prenderamano € 0 agoitaram, quebraram-The uma perna e, fixalmente, lan. garam-no no lago para que pereceste afogado, Mas o “here- je” tinha © auxilio de Deus e, como Paulo em Listra, eseapou do crime: a0 tocar a agua fria, recobrou os sentidos que ha- via perdido ante a violéncia dos agoites © apesar das dorea sofrides por causa da perma qnebrada, nadou para a mar- gem. Muito: anos mais tarde, quando jd era missionSrio, Eu- rico Nelson encontrou ésse veterano colportor no Estado nor- teamericano de Kansas. ‘Tornando-se batista, um dos primeiros cuidados.de An- dé Nelson foi organizar uma Escola Dominical em sua casa. A escola se desenvolveu de tal maneira que André se sentiu impelido a imiciar também pregacdes evangelisticas. Dentro em ponco, com perseguicdo e tudo, gragas a essa tenacidade caracteristica dos batistas, mma igreja era fundada e uma casa construida de troncos de madeira era a ela destinada. Até hoje existe 0 cdificio e néle ainda funciona uma igreja batista. Os batismos, pelas razdes que ji foram apontadas, tinham que ser efetuados & noite, sem muita publicidad. A ceriménia parece que tinha o dom de atigar a irritabilidade dos perseguidores. Passado algum tempo, André Nelson que jé era diécono da igreja, tornou-se também pregador, afim de melhor con- correr para 0 desenvolvimento da obra. Mas as questées pro- yenientes da contribuigéo obrigatéria para o sustento da igre- ja oficial tornaram-se tio constantes e prementes que muitos Datistas suecos comecaram a abandonar a patria em demanda dos Estados Unidos, terra tradicional da liberdade religiosa € que sempre acolheu generosamente todos aquiéles que, de- 12 © APOSTOLO DA AMAZONIA sejando adorar a Deus segundo os ditames de’ sua consciéncia, exam perseguidos pelo oficialismo intolerante. André Nek son um dia também compreendeu que era chegado o tempo de abandonar a patria e buscar aquela terra distante e hos- pitaleira que do outro Jado do Atlintico the acenava com a liberdade. Assim foi que em Abril de 1869 éle partiu de Gotemburgo com sua familia, liderando um grupo de 300 compatriotas, entre 08 quais estava grande ntimero de batis- tas. O navio os deixou no porto de Hull, na Inglaterra; de 14 seguiram por terra para Liverpool onde embaréaram noutro navio que féz escalas na Irlanda e no Canadé, antes de azor- tar em Nova York. Foi nessa viagem que Eurico Nelson teve © primeiro contacto com os catdlicos. E que, ao parar na Trlanda, embarcaram no mavio em que iam os Nelson, algu- mas centenas de catélicos irlandeses, também em busca duma terra mais fértil © mais livre. Bles gastavam o tempo da via- _gem em algazarras ¢ dansas, como, bi que, para grande escindalo dos rigidos batistas succos que acom- panhavam André Nelson. Mas se porventura se levantava uma tempestade, dessas que fregiientemente punham em pe~ rigo a vida dos que mayegavam pelo Atlantico Norte, 08 ca télicos cessavam amedrontados o seu baile e os batistas se punham de joclhos em oragio. Muitos anos mais tarde Bu- rico Nelson, numa terra tradicionalmente eatélica, iria ter um contacto mais intimo © profundo com a volubilidade ea- télica e sua temerosa ineficiéncia em face das tormentas da vida. ‘companheira, Dona Ida Nelson. tirada em 1935, aninaNang DA EGREEA «& BEUS meet iin: anh tna Sonde ypsial ilar gow fodoe, cnayrie ast 9 raat Diving ede ebvnso sotey treges ne yrs que ted! fe etener prose oe Sejadeun terde Sump fo Duns eiprase siivineron=o gate cera Sipiar ovrmunon aon pans gonan Brash a Sanns panto pot watcral To inte t,t 3814 {Bengt J in er prin ome fas ay gain w ease ies fo er . tte title ar mio Sr enim sn pl pease cm rpc prgue rao guees yop Dre wo ra fate TS erat sde mondo. Enotes delineate {sce cine solar ay twas delonvem tr an ‘reeado tsi irae nia ten sae pore fos Tumentaria sare lhe , con fo nn leap do Nos ‘osa, Aput Te enna cv vera tonto vada do Tho fmevsnnsio. vit an diac ye Nos tv atom rat ae in 0 dius’ e-aaoson a toton= asim sora tambeen winds Jo illo do hotmem, tao, dis caaran em camps ser ora, w dado otra. in eaarda gents ‘qua horn tn de virw'voeso Soar: Mas considera ito; su 0p da Camila eouhewss « fue vay da wete avn ir ota tous ce ae toon apara ds voles a5 ov on lla sda “o's pdr en latateda dtr, {ioe que nip teorm se anagetho cn muna Seakor deans Christa ov nates tiga, pudesergo tere pouigv, assis Dias falls que respuniira Ph sp felsus polars le Bows. 0G para —oserawe miarael Hd papa ay his J ton vat porir eazado tacas alan, ela oistew por da "eo? simile do 1°. némero da “CIRCULAR DA IGREJA DE DEUS" jormalzinho composto por Nelson na Primeiza Tgreja de Manaas, CAPITULO IL NAS TERRAS DA LIVRE AMERICA Quando a familia Nelson chegou aos Estados Unidos, 0 pais ainda estava se refazendo das profundas feridas causa- das pela guerra civil. Era presidente Ulisses Grant, 0 general chefe das tropas federais. André Nelson partiu de Nova York para o Estado de Kansas, justamente no centro da zova terra. Grande parte da viagem foi feita por estrada de ferro. Nesse tempo os trilhos s6 iam até a cidade de Ottawa, ja no Estado de Kansas. Dai por diante os Nelson prosseguicam a viagem num carro coberto, puxado por juntas de bois, exa~ tamente como os pioneiros que devassaram e povoaram o “far-west". Chegados que foram ao destino, comecou a faina de eultive do solo dadivoso. Ao pequeno Enrico coube a guarda dos rebanhos. ‘A cidade mais préxima do lugar onde éles ficaram era Humboldt, a eérea de 15 quilémetros, mas a estrada de ferro ainda nao paseava por ela. Todavia, ésse signo do progresso nao tardou a chegar a Humboldt e André Nelson féz um contra- to com a ferrovia, comprometendo-se a prestar-Ihe alguns ser cos. Uma outra estrada dentro em pouco foi também cons- truida e os imigrantes aproveitaram-se das novas possibilida- des que Thes abriam os transportes para plantar milho, aveia ¢ trigo em grande quantidade. Enrico continuava tomando conta do gado. Foi ésse 0 seu servigo até a idade de 14 anos. 'Tinha como ‘obrigacao levar os bois a pastar e passaya com éles nos campos todo o dia. Freqiientemente ordenhava alguma vaca para matar a fome ou saciar a séde. E quando chegava a hora de levar as ré- zes a beber, éle ia a frente afim de dar uns gostosos mergu- “4 © APOSTOLO DA AMAZONIA ca ¢ clara do rio. Essa eapécie de aprendiza~ contacto com a natureza, valewlhe aquela ad- complcicio fisiea que tanto o ajudou na resisténcia a provagies constantes do seu futuro apostolado. rabalho tinha que ser intenso ¢ no podia dispensar io de ninguém, nem mesmo de um menino como Eu- . Por isso teve que descurar os estudos que iniciara na \‘cia. 86 podia dispor de tempo para estudar no inverno, imo 6, durante trés meses. E assim mesmo sempre havis uito servigo em easa e Enrico tisha que “matar” as aulas, Por trés invernos sucessivos éle procurou eursar a escola. Ia is aulas um dia ¢ era obrigado a faltar dois ou trés. Atra~ zava-se com isso ¢ quando voltava tinha que empreger dobra- do esférco para alcangar os companheiros. Era uma luta ti- ténica aquela em que se empenkava 0 pequeno sueco. Mas devem ser dadas gracas a Deus por essa escola de esférco & trabalho em que se apurou a témpera do grande missionario de nosso sertio. Enrico comecou pelo segundo livro de leitmra mas 96 pode chegar até v quartu. Al, a vista dus irregularidades de freqiiéncia, nfo quis saber mais de escola. Nao consta que tivesse tido mais tarde qualquer outra oportunidade para estudar, Foi és:e, portanto, todo o preparo escolar de Eu- rico Nelson. Deus, de quando em quando, mostra 0 seu poder chamando homens como éle, sem cogitar absoluta- mente de sua falta de preparo inteletual. Note-se, todavia, que Deus, quando assim faz, da provas inequivocas de cha- mada, contra as*quais sio inteiramente desassisadas quais- quer previsées on imposigées humanas. E nio se deve confundir tais chamadas, raras e especiais, com a ignorancia pretensiosa de alguns, que teimam em desobedecer aos con- selhos divinos e de irmos mais experimentados, dio de mio A muitas oportunidades que thes sao apresentadas para esta- dar um, pouco mais e depois vao fracassar no ministério, por- © APOSTOLO DA AMAZONIA. 15 que nio se prepararam devidamente. Deus chama pescado- zea simples.como Pedro, mas também chama homens cultos como Paulo. fle envia homens sem preparo intelectual como Nelson, mas também envia homens formados como Bagby. E cada um féz 0 seu trabalho. Deus chama e os homens nem sempre distinguem a chamada, mas também aqui 6 verdadei- ro 0 prognéstico: “pelos fratos os conhecercis”. Pelos fru tos de um ministério pode-se perceber muito cedo se 0 ho- mem no s¢ antecipou ao cumprimente da vontade divina © se nio comecou 2 sua obra completamente desapercebido do que Ihe era indispensivel para levé-la a termo. Convém ainda observar, baseados no testemunho de seu irmo Carlos, que Eurico Nekon era um menino dotado de singular inteligéncia ¢ grande vivacidade de espirito. Jornais ¢ livros que chegavam a sua casa eram por éle devorados com sofreguidao; lia-os de fio a pavio, retendo tudo quanto ha- via Hido. Assim sua inteligéncia © sua eapacidade retentiva, supriam as falhas de sua instrugdo. Eurico Nelson aos quatorze anos era um rapaz desem- penada e forte, que vivia pelos campos em companhia dos seus bois, correndo, nadando ¢ cantando. file se sentia & vontade naquela terra que antes havia pertencido aos indios € que éstes haviam enchido com suas correrias e guerras. Como eram diferentes aquelas planicies verdes ¢ infin- @aveis, sob um céu azul e escampo, como eram diferentes das penedias esearpadas e do céu enfarruscado da Suécia, enja Jembranca ia se esvanecendo pouco a pouco na meméria do menitio vaqueiro. Via éle passar despreocupidamente 03 dias sem nenhuma inquietagdo de carter espiritual. Logo que seu pai ¢ 0s compatriotas batistas haviam chegado & nova terra, haviam fundado uma igreja que se iniciou, pequena ‘mas forte, com vinte ¢ cinco membros. Eurico freqiientava a igrejay mas freqiiemtava por freqiientar, nao tendo sentido nenhum impulso de conversio. Seus ideais estavam muito 16 © APOSTOLO DA AMAZONIA Jonge de uma vida inteiramente consagrada ao trabalho do Semhor. ‘Mas, por ésse tempo, em prinefpios de 1877, a igreja re- solveu realizar. um: grande esforgo de avivamento. Sérios problemas haviam antes sacuilide « novel congregacéo. Um pregador adventista havia entrado feito lobo 110 meio do re~ hanho e o proprio pastor da igrejn se deixou levar no érro. Reagindo contra a heresia, a igtcja excluiu 0 pastor © esco- Theu André Nelson para ocupar o lugar vago. André desejou com 0 avivamento fazer esqueeer a4 provagées passadas © preparou um saléo bem grande, especialmente para as reunides que ze deveriam efetuar. Os membrox da igreja empregaram, toda a diligéneia para que 0 tra fouse hem sucedido. O meamo entusiasmo c a mesma dedicagio com que se entrega- vam aos trabalhos do campo, éles a npregavam no tra- balho da igreja. Trabalharam ativamente, fervorosamente, por semanas a fio, ¢ quando chogou a hora da colheita, 0 Senhor ‘0s abengoou concedendo-lhes muitos frutos. Na casa de André Nelson duas foram as converades: a de set filho mais velho ¢ a do pequeno Eurico. Assim aos quatorze anos, no dia 10 de abril de 1877, Eu- rico Nelson, batizado por set proprio pai, confessou piblica- mente a Jesus Cristo, manifestando 0 propésito de viver por Ble uma vida nova, que deveria ser muito mais gloricsa do que aquela que. éle havia sonhado nos seus devaneios infan- tis, enquanto conduzia o gado paterno através das verdes pla- aicies de. Kansas. ‘Tendo seus irmios mais velhos deixado o lar pars cor- rer mundo, ficou decidide entéo que Eurico ficaria em casa, cwidando dos trabalhos da fazenda, até completar vinte ¢ dois anos. fle trabalhou, pois, até essa idade com sea pai, cumprindo religiosamente as suas obrigagdes na manutengio ¢ desenvolvimento da fazenda. fece trabalho arduo, mas saudivel, realizado 0 arlivre, © APOSTOLO DA AMAZONIA 17 sob a béneSo do sok ardente e do céu azul, constituiu para Enrico Nelson uma preparacéo fisica ideal para a magnifica ¢ também Ardua tarefa que teria de realizar mais tarde na Amazénia, A maior parte das responsabilidades no trabalho da fazenda recaia sdbre seus ombros © éle teve oportunida- de entéo de desenvolver o espirito de iniciativa, a capacida- de de esforco e a resisténeia fisica, dotes que depois tio bem © caracterizaram. Quando completou vinte ¢ dois anos seu pai resolven di- vidir a terra entre os seus filhos. Cada mm déles recebeu uma boa parte para cultivar a seu modo ¢ sob sua imteira responsabilidade. Era, sem duvida, uma bela oportunidade para Eurico ee firmar definitivamente na regido, desenvol- ver o que recebera, constittir familia e se tornar um préspe- ro fazendeiro. Para isso nfo the faltavam qualidades. Mas © mesmo espirito aventureiro que j4 havia levado para longe 08 irmaos mais velhos, apossou-se também de Eurico, Sentia- se atraido para os Jargos campos do Texas. E tinha a im- pressdo de estar amarrado e oprimide dentro dos limites da fazonda paterna. Queria respirar a largos haustos o ar das terras distantes. Embora dono de sua parte de terra éle se sentia peado nos seus desejos ¢ aspirava sex livre, absoluta- mente livre, senhor integral dos seus destinos. Cansava-lhe aquela monotonia da vida doméstica. Assim numa resolugio stibita, mas que vinha apés maduras reflexdes, rompen to- dos os lagos que 0 prendiam A casa paterna e rumou para o cul. Entre os Jagos rompidos figuravam os da religio. O mogo queria ser integralmente livre... CAPITULO HI A CHAMADA DO MESTRE Saindo de casa Nelson foi trabalhar nos Estados de Te- xas ¢ Oklahoma. Era agora um completo vaqueiro, habil em condazir gad, Ganhou mesmo certa fama como eavalei E’ désse tempo um episddio que da idéia da férea energia que muito havia de servir ao futuro missionério. Havia na fazenda em que Nelson trabalhava um cavalo considerado in- domivel. Ninguém ainda tinha conseguido dominar o animal. Nelson foi desafiado a fazé-lo. Caso conseguisse o cavalo seria seu. Era um lindo cavalo nogro, de pelo luzidio, ardego ¢ forte. Nelson, a principio relutou. fle néo era nenhum do- mador para cavalgar semelhante fera. Mas a tentagdo era muito forte ¢ 0 moco decidiu-se. No dia seguinte, apés alga- mas horas de luta, em que 0 cavaleiro dispendew larga soma do energia © de astticia, 0 belo “Black” regressou A fazenda trazendo montado 0 seu primeiro vencedor e agora legitimo dono. Um outro episédio, ocorrido nesse mesmo tempo, também revela que Nelson quando tomava uma decisio néo voliava atrés. Ele havia combinado com um companheiro de traba- Tho comemorar o feriado nacional do 4 de Julho, dia da in- dependéncia, subindo ao Monte Oray, um dos mais altos dos Estados Unidos, com cérca de 4 mil metros. Na hora de sair para a ascengéo o companheixo desistiu. Achou, naturalmen- te, que mao era negécio gozar um feriado grimpando pela: ex carpas perigosas do monte, arriscaurdo-se e esfalfando-se. Mas Nelson ja havia decidido que naquele dia subiria a0 monte ¢ foi sdzinho. A ascengfo era dificil ¢ por-muitos considerada impossivel, mas Nelson venceu mais essa prova. © APOSTOLO DA AMAZONIA 19 Levado pelo seu desejo de aventura e de conhecer novas terras, Nelson percorreu varios Estados: Oklahoma, Texas, Co- Jorado, Novo México. Trabalhou algam tempo na construgio da famosa estrada de Santa Fé. Nao se deu muito bem, en- tretanto, com éece trabalho ¢ voltow a lida doa ranchos. Fi- xou-se entéo em Central Park, trabalhando como domador de avalos. Foi nessa ocasiéo que éle encgntrou um amigo, um texano de nome, Georges' House, com quem esteve a pique de vir para o Brasil. Corria por essa época 0 boato de que 08 ranchos iriam ter espaco Timitado para a eriaeio de seus ¢a- valos. Nelson nio podia se conformar com essa idéia. Ble queria espaco & vontade para Jongas ¢ interminaveis galopa- das. Por isso comecou a procurar nos mapas um lugar em que fésse absolutamente livre para correr légnas e léguas 6 fim. Foi quando seus olios cairam séhre as planicies do Rio Branco, so norte do Amazonas ¢ que Ihe pareciam ideais para acringao do gado. Foi presstroso procarar sen amigo Georges Encontrando-o comecaram logo a falar sébre 0 assunto obri- gatério nas rodas de vaqueiros: a limitaczo do espaco para a eriagdo. Georges estava certo de que a noticia nao era sim- ples boato. — Que 6 que vamos fazer agora? disse Nelson. — Nao sei. Que é que vocd esté pensando, respondew Georges percebendo que 0 amigo timha algum plano. — Vamos para o Brasil. — Brasil? Onde fica isso? replicou 0 outro meio espan- tado. — FE’ li na América do Sul. Ha um grande rio, chamado Rio Branco, que hanha as mais belas pastagens do mundo. Garanto que }é arranjaremos lugar & vontade. — Talvez, respondeu inerédulamente o amigo. Mas voeé nio acha que fica um hocado longe ésse Iugar? — Que importirreia tem isso? respondeu Nelson, sentin- do 0 coragio hater mais fortemente 4 idéia de mais outra

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