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Cadernos de Estudos Lingtlisticos Numoro 2, 1095 Paginas 29 ~ 134 A PARAFRASE LINGBTSTICA ~ Equivaléncia, sinonimia ov reformulagao? - Catherine Fuchs (¢.M.R,S.)* Tradugae de Joaw tiuddertey Geratde 0 termo "paréfrase" aparece na literatura lingUistics por volta dos anos 60 em funcao do triplice desenvolvimento e pesquisas:em matéria de tratanento automitico de textos; do estudo sistemitico das relagies entre frases (gramaticas transformacionais) e do alargamento das preocupagées semdnticas (da palavra ao enun ciado}. Resultado destas influéncias convergentes: a paréfrase @ hoje constan temente invocada em TinglTstica; mas o emprego comum do ternio mascara, de fato, impor tantes divergéncias na propria concepgao do fenomeno. A parafrase & uma nocao dificil de precisar, tanto na teoria quanto na praticas ela pode, de fato, ser objeto de uma série de caracterizacées opostas: - @ um dado imediato da consciéncia linglistica dos locutores (saber uma lingua @ pa der produzir e identificar frases como “tendo o mesmo sentido"), mas & também o pro duto das construgdes tedricas dos Vinguistas (0 niimero e a natureza das pardfrases descritas € fungdo direta do modelo de referéncia); ~ € una atividade Tingd¥stica dos sujeitos (um trabalho de interpretagdo e de reformy lagao), mas & também o udjeto lingl¥stico resultante desta atividade (o enunciado ou o texto que reformula o outro); - & uma relagdo entre um enunciado ou texto-fonte e sua(s) reformulago(des) efeti va(s) numa situage dada (dimensio "sintagnatica" da cadeia do discurso), mas & tam bam una relagio entre todos 05 enunciados virtualmente equivalentes na Tingua (di mensao "paradigndtica” do sistema da lingua). Para tentar fazer um rapido “point da questdo, nds examinaremos as trs principais fontes histaricas de que se alinenta a reflexdo lingistica contempo ranea em matéria de parafrase: a perspectiva légica da equivaléncia formal, depois a * Publicado em Le Francais dans le Monde, n9 178, julho de 1983, p.129-132. Agradece mos & autora pela autorizacao para publicar este trabalho, em lingua portuguesa, em nossos Cadernos_de Estudos Lingisticos. perspectiva gramatical da sinontmia e finalmente a perspectiva retérica da reformula a0. }. A pardfrase como equivaléncia formal entre frases Em Hagice. duas proposigoes sao ditas “equivalentes" se elas tém o mes no "valor verdade" (isto é, se elas sao conjuntamente verdadeiras ou falsas), @ hd re Gras que permitem estabelecer » equivaténcia entre certas proposicdes. Damas alguns exemplos, iTustrados com a ajuda de enunciados inglisti cos: Todos 05 homens sao mortais = Nao hS nenhym romem que nao seja mortal; F necessa rio que efe venha = N80 & posstvel que ele nao venha: Eu partirei = Eu nao ficaret ; Ou eu me engano ou voce ja esteve aqui = Se eu do me engano, vocd j@ esteve aquicéle dirige methar do que eu = Eu dirijo menos bem do que ele Se alguns Tinguistas retomam diretamente estas vegras de equivaléncta logica para encontrar nelas as condigdes de realizacao lingistica da pardfrase (cfe R. Martin, infers paraphrase, Klincksieck, 1976), outros a6 contra rio insistem nas dificuldades e limites de tat abordagem do pardfrase: a nocao de “va Jor vordade" se aplice com dificuldade aos enunciados da lingua, e @ perspectiva 16gi ca conduz @ um desconhecimenta da especificidade do sentido, sodre o qual repousa 0 ._antonymie funcignanento Tingdistico da parafrase. Contudo, mesmo quando recusan 0 critério da identidade de valores de verdade, 05 Linglistes formais retomam da légica a idBia fundamental de tratar a pari tr wos de equivaléncia: duas parafrases sao formalmente equivalentes na medi da en que elas conpartitham uma propriedade conum, Trata-se entao de estabelecer as famiias de enunciados que, em 1ingua, sao equivalentes, isto 2, de que o linguista pode deserever 0 parentesco sintatico © que ele postula terem "o mesmo sentido™. Ex cao feita @ escola de Harris, a maior parte destes linguistas formais estabelece as fanilias de pardfrases sobre a base de uta derivacao de enunciados equivelentes 2 pal tir de uma formula obstrata comum, que se considera representar as relagoes gramat), cais profundas e, portanto, a constancia semantica, partilhada por estes —enunciados (cfe. a "estrutura profunda" da gramitica gerativa). 0 protétipo da pardfrase linglTs, t¥ca €, nesta pespectiva, a relacao entre frases ativas e passivas (Paulo comprou a casa - A casa foi comprada por Paulo) ou a relacao entre conversas (Pedro vendeu a ca sa a Paulo = Paulo comprou a casa de Pedro) Esta abordagem da pardfrase em termos de equivaléncia formal se defron ta com dois tipos de problemas: @ vonsideracao do 1éxico e 0 impacto semantico das operagoes de derivacao. Entre a escola de Harris, que pretende estudar a pardfrase com base na constdncia lexical. isto & trabalhando exclusivemente com variagdes de ordem sintati ca (ex.: Joao dificil de contentar = Contentar Joao & diffci) = £ dificil contentar Joao) & 2 corrente da semintica gerativa, que investe na equivaléncia entre lexicali 2a¢a0 © granaticalizagao (ex.: Paulo cortou o pao com uma faca = Paulo utilizoy ume - 330 - faca para cortar 0 pao; Jodo matou 0 gato = Joao fez 0 gato morrer}, toda una sérig de posigoes intermediarias sao posstveis, visando considerar a diversidade de constru GOes sintdticas equivalentes de uma mesma unidade lexical. Por exemplo, a equipe de Gross (A porta abre com esta chave = Esta chave abre @ porta; Paulo seduziu Maria = Paulo foi o sedutor de Maria; Os insetos tomaram conta do jardim - 0 jardim esta in festado de insetos). Derivando enunciados estruturalnente aparentados a partir de uma mesma formula de partida, © linguista pode optar por operagdes de derivacao de efeito seman tico variavel ou ainda sem alteragao semantica ou de efeito semdntico nulo. No primei ro caso, a relacao de pardfrase @ secundaria: 05 enunciados parafrasticos nao consti, tuem sendo um subconjunto dos enunciados estruturalmente equivalentes, j@ que da mes ma forma se derivam tanto 2 afimmagio quanto @ negagdo (Paulo comey a mage/Paulo no comeu a maga), tanto o ative quanto 0 passivo (Paulo comeu a maga/A maca foi comi da por Paulo}; € coweniente, entdo, determinar, entre as operacdes de derivacao,aque les que nao modificam o sentido, isto 8 que engendram parafrases. No segundo caso, a0 contrario, a parafrase & central, j3 que as operacdes de derivacao nao mudam o sen tido. Historicamente, os transformacionalistas (tanto Harris quanto Chomsky) adota ram sucessivamente cada um destes dois pontos de vista. 2. A parfrase cono sinonimia de frases A reflexéo sobre a sinontmia lexical @ antiga; desde a Antiguidade os gramaticos tém se interrogado sobre a relago de sinonimia entre palavras: identidade verdadeira de sentido ou Somente proximidade semintica, qualificavel em termos de se methangas e diferengas? Dependendo da época,uma das duas concepcdes prevaleceu:concep cao quantitativa (na lingua, sde abundantes as palavras que tém 0 mesmo sentido) ou concep¢do qualitativa {a Vingua instaura sutis diferengas semanticas entre as chama das sinonimias, que se traduzem en diferencas de emprego). A mesma posigao se reencontra, na Lingliistica contempordnea, a propési to da parafrase: a abordagem estritamente sintatica da parafrase repertoria todas as estruturas parafrasticas (sem se interrogar sobre a natureza semintica do fenémeno, e se contentando com a idBia intuitiva de uma (certa) "identidade de sentido"), a0 pas 0 que diversas abordagens semanticas posteriores (senantica gerativa, semanticas for mais) se esforgam em qualificar no plano da significagao aquilo que as parafrases tem em comm e aquilo que as diferenciam. Os classicos definiam a sinonimia lexical em termos de identidade de "idBia principal" e de diferencas de "idéias acessorias" (assim, a terra @ para o 1a vrador um solo que se cultiva; para um jurista, um territorio submetido & jurisdigaos @ para o soldado ou engenheiro,um terreno suscetivel de suportar fortificagées - exem plo de Vangelas). No mesmo sentido, os senanticistas contemporanecs concordam em ca racterizar a parafrase em termos de identidade de um niicleo semantico de partida (ti - Tt po "significado de base" coum, correspondendo mais ov menos ao esquena proposicional asseverado) sobre o qual vém se enxertar semantismos diferenciais, que modulam diver samente 0 nucleo de partida (tipo “significades secundarios" variaveis). Assim para Martin (op. cit.) que toma a parafrase ao mesmo tempo do ponto de vista da equivalén cia JOgica © de sinanfmia senantica, as pardfrases tém necessariamente o mesmo “sent: do 1égico", mas podem divergir quanto ao “sentido topicalizado” (Joao vendeu a casa a Pauto/Paulo comprou a casa de Joao) ov quanto aa "sentido Tinearizado" (sens lingari 58) (Do meu ponto de vista, ele nao & especialmente simpatico/Ele nao €, do meu ponto de vista, especialmente simpatico/Ele nao @ especialmente simpatico, de meu ponta de vista), ou ainda quanto ao " ou ainda podem divergir quanto ao "sentido conotativo" (Roubaram minha motocicleta/Le varan mine maquina)) Esta abordagem da paréfrase como sinonimia de frases se defronta com dois tipos de problemas: 2 qualificaca das semethangas e diferengas semanticas, ea sentido focalizado" (Joao esta mal/E Joao quem esta mal presenca da ideia intuitiva de identidade de sentido na consciéncia linglistica dos locutores. 0 fendmeno da sinonimia (entre palavras ou frases) repousa, em defini tivo, sobre a possibilidade de pontos de vista diferentes, de conceptualizagdes miilt plas, 2 propésito de um mesmo referente: @ a estabilidade do referente que autoriza postular um niicleo semdntico comum, enquanto que a diversidade de pontos de vista so bre este referente da origem as diferencas sendnticas secund3rias. Contudo, a identi dade referencial constitui uma condicdo necessaria, mas nao suficiente, da sinontmia: pode-se referir @ um mesmo objeto ou a um mesmo estado de coisas de modo senanticanen te divergente, e até contraditdrio (designar Venus como estrela da manha ou estrela da tarde; qualificar um mesmo acontecimento como milagre ou catastrofe). E, pois, 0 sentido denotativo de base {€ ndo sonente o referente denotado) que deve ser idéntico Nesta perspectiva sinonimica, opdem-se, entao, o sentido a referéncia, a denotacan & conotagoes, 0 semantismo de base aos semantisnos secundSrios: sob formas diversas, @ sempre a id8ia de un niicleo “duro”, objetivo (segunds os autores, felar-se-a em iden tidade de “conteddo informacional", de "sentido cognitive" ou “sentido légico"). pars 2am das variagoes subjetivas julgadas menores (e qualificadas, segundo 0 caso, de Yestilisticas", “enfaticas", “conotativas"...). Entretanto, estas variacgées ditas subjetivas estao Tonge de ser insig nificantes. Se as diversas parafrases possiveis entre as quais 0 enunciador opta para representar um certo acontecimento constituem solucdes equivalentes do ponto de vista da referéncia e da significagdo denotativa, nao resta divida de que sua escotha & per tinente; 0 sujeito manifesta seu dominio das sutilezas da }ingua utilizando com conhe cimento de causa uma formulacdo ou outra, conforme a situagao. Neste sentido, cada enunciado pertencente a uma fanflia parafrastica @ sempre um entre outros,e inico. Re encontra-se aqui uma versdo moderna do “esprit de Finesse" caro aos classicos: cons} deradas as nuances senanticas pelas quais se diferenciam muitas expressGes sindnimas. julga-se sempre que uma destas expressdes, numa circunstancia dada, convém melhor que = 132 + todas as outras ("Hi lugares onde @ necessario chamar Paris de Paris e outros onde & necessario chamar de Capital do rein”, oizta Pascal). se a idSia de uma identidade pura e simples de tun segundo problem. sentido se revela insuficiente para uma andlise precisa do fendmeno sinonimico, ele funciona, no entanto, em um certo nivel do qual o linguista também deve dar conta, co mo dado imediato da consciéncia dos locutores: duas expressoes sindnimas séo esponta neamente veiculadas como "tendo o mesmo sentido" € como mutuamente substi tuTveis numa Situagao de comunicagio dada; considerados o contexte (TingU¥stico) e a situagdo (ex tra-linglistica) que filtram alguns valores das expressdes, o enunciador pode momen taneamente considera-las como semanticamente idénticas, isto é, apagar as diferengas em proveito sé das semelhancas. Inversamente, as diferencas seniinticas entre duas ex Presses sindnimas podem ser vistas, num contexto e numa situacdo dada, como muito im portantes para permitir este processo de identificacao semantica e de substituibilida de; assim, ainda que as conversas sejam tidas como um dos exenplas tipicos de parafra se TingUistica, parece dificil substituir Maria, que considera a generosidade como um sinal_de fraqueza, lamenta que Jogo tenha emprestado un terno a Pedro por Maria, que considera a genercsidade um sinal de fraqueza, lamenta que Pedro tenha _recebido em- prestado um terno de Joao. As duas abordagens da pardfrase, em ternos de equivaléncia formal ou de sinonimia semintica tém como ponto comum tratar a parafrase como uma relacao. vir- tual_na Lingua, € nao como uma relacdo atualizada no discurso, ou seja, como uma pro priedade intrinseca de grupos de enunciados, abstracao feita @ toda consideracao so bre a pritica lingistica concreta dos sujeitos. Isto repousa sobre o postulado de um duplo consenso da parte dos falantes: de um lado, 0 consenso sobre o estabelecimento da significagao dos enunciados (assinalado um sentido imanente acs enunciados, ins, crito no sistema da lingua e suposto uniformemente decodificado por todos os sujeites}; de outro lado o consenso sobre o estabelecimento da relacdo de parafrase entre enun ciados (também assinatada como uma relegdo estavel, inscrita na lingua, e uniformemen te manuseada por todos os sujeitos). A este custo, o linguista pode predizer a rela cao de parafrase, isto @, enumerar e descrever de um lado todos os enunciados inter parafrasticos e de outro todos os enunciados ndo interparafrasticos, tratando estes dois conjuntos como estaveis, homogéneos e mutuamente dis juntos 3. A parafrase cono reformlacio A tradigéo retdrica e literdria tam, desde sempre, abordado a parafra se no plano do discurso, como uma atividade efetiva de reformulacao pela qual o locu tor restaura (bem ou mal, na totalidade ou em parte, fielmente ou nao) 0 conteddo de um texto-fonte sob a forma de um texto-secundo, A parafrase (intra-lingua) se asseme tha, aqui, & tradugdo (inter-linguas), ea consideracdo de parametros ligados ao locu tor e & situagio particular de discurso & explicita: & 0 estudo dos tipos de reform - 133 - Jagoes a adotar en fungao do contexto e das circunstancias que constitui, aqui, 0 ob jetivo F nesta tinha que se podem inscrever diversas abordagens da parafrase conduzidas nas perspectivas enunciativas, discursivas e pragméticas. Estas abordagens Tevantan trés tipos de questoes, que nds resumiremos brevemente (para una apresenta Gao desenvolvida, ver C. Fuchs, La Paraphrase, P.U.F. 1982). Em primeiro lugar, a reformutacdo parafrastica repousa sobre una inter pretagao prévia do texto-fonte, Ora, o trabalho de interpretagao é variavel, segundo 05 sujeitos e a5 situagdes: cada um "percebe” €, consequentenente, restaura o texto de modo diferente. Estas divergéncias se devem no s5 & ambiglTdade intrinseca de al gumas expressdes, mas também e sobretudo § multivocidade inerente a todo texto ( as operagdes de construgao de enunciados comportam sempre uma margen de "jogo", donde os deslocamentos, 0s deslizamentos e as diversas ponderacies na decodificacao), @ plura Vidade de niveis de decodificacdo (um enunciado pode ser tomado em seu sentido lite Yal, ou em outro registro: litotes, antifrase, metafora, modo de dizer outra coisa,de Perguntar alguma coisa, etc.), enfim, & diversidade de graus de exigéncia semantica Segundo as situagdes de decodificacio (percepeao de um “sentido global", de uma leitu ra ou de uma escuta mais ou menos apressada). Em segundo lugar, @ reformulacao parafrastica consiste em identificar 2 significagao do texto-fonte assim reconstruida Squela do novo texto (ele também in terpretado pelo enunciador no momento mesmo em que ele o produz como parafrase). Iden wma cituagdo particulares) e fra tificagdo sempre momentanea, (valida num contexto e gil (J8 que resulta de um “apagamento" de diferencas) e por isso a possibiiidade de "): da identidade polémicas ("mas isto nao @ 0 que quer dizer o texto (ou seu autor; sendntica impossivel 4 alteridade manifesta, se estende um continuum sobre o qual os sujeitos estabelecem limites de tolerdncia variaveis. A parafrase oscila, assim, en tre 9 reprodugao pura € simples do contelido © a sua deformacdo. Enfim, 2 reformulagio parafrastica se traduz por formas caracteristi cas de emprego metalingll¥stico da linguagem (exemplo: X, quero dizer ¥; X e Y signifi, cam a mesa coisas X, em outras palavras Ys ...). Alguns discursos atestam desta ma neira cadeias de refornulagdes expl¥citas que podem ser objeto de una andlise Tings tica (ver 0 n@ 53, 1982, de Langue Francaise, consagrada aos discursos de vulgariza ao) Numa tal perspectiva, o problema é, entao, articular a linguaeo dis curso, o sistema e seu emprego, determinando aquilo que, da interpretacao e da refor mulagao, permanece previsivel (predictible) para o linguista. Hoje, esta &, sem divi da, a questao mais importante da lingtTstica face aos problemas senanticos. NOTA 1. Exemplos em francés, da autora, relativamente ao "sentido conotativo": On m‘a volé ma bicyclette/On m‘a piqué ma bécane. Nota do tradutor. - 134 -

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