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Capitulo 4 A Epistemologia Genética de Jean Piaget ea Aprendizagem _Jean Piaget (1895 - 1980) nasceu em Neuchatel, ha Suiga, Obteve geau de bacharel em Cigncias Naturais em 1916 ¢ doutorou-se em Filosofia dois anos depois. Estudou Psicologiaem Ztriche desenvelveuruma vastainvestigacio no campo da epistemologia. Percebeu, ao longode seu per curso como cientista, que seu interesse nao se encerraria nna Biologia Clissica ou na Filosofia Tradicfonal, mas num campo de investigagiio em que pucesse compreender a gé- nese do processo de construgao do conhecimento hum no. Além de seu trabalho como pesquisador, Piaget atuou pa fea docente (Universidacte de Parise de Genebra) Piaget realizou pesquisas em laboratérios de Psico- Jogiade base experimental, Trabalhou com os psicologos Binet ¢ Simon, em Paris, que sio representantes de uma linha psicométrica de investigagao da inteligencia. Atu- ando neste contexto de pesquisa, cuja logica era basea- da na medigao da inteligencia por meio de testes, Piaget descobriu um modelo diferente de anilise dos processos cognitives, Com seu interesse crescente por epistemologia, pelo estudo dos processos de construgio do conheci- mento, Piaget fundou, na década de 50, em Genebra, um centzo de referéncia sobre o tema. Sua abordagem aa te6rica revebe o nome de Epistemologia Genética, sendo © primeiro termo referente ao estudo do conhecimento (Cientifico) e 0 segundo a genese, 4 origem, 41. Concepeao de desenvolvimento Piaget (2000) questionava tanto as teses que afirma- vam ser 0 conhecimento de origem inata quanto aquelas que acreditavam ser fruto de estimulagdes provenientes do mundo extemno, como se 0 conhecimento fosse uma ‘pia direta da realidade. Para ele, 6 podemos conhecer por meio de inreragoes no ambiente, num intercambio de ‘trocas reciprocas sujeito-meio, Piaget elegeu como pergunta central de suas inves- tigagdes, como € possivel alcangar’o conhecimento, ou seja, como se passa de nm menor conhecimento para um maisavangado, Eparazesponder essa pergunta,estudou, através do método clinico, como as crlangas constroem nnogoes fundamentais de conhecimento logico, como percebem a realidade e como compreendem e explicam 08 objetos ¢ fatos com os quais se deparam em seu meio. Foi, entdo, a partir destas questoes que Piaget estudou os diferentes niveis de desenvolvimento (intelectual e afetivo) vivenciados pelo ser humano. Segundo Piaget (1991), a evolugao do conhecimento € um processo continuo, construido a parti da interagao ativa do sujeito com 0 meio (fisico e social). O desenvol- ‘viento humano passa por estégios sucessivos de ongani- zagio do campo cognitivo e afetivo, que vao sendo cons- truidos em virtude da apfo da crianga e das oportunidades queoambiente possibiliza 8 mesma, Influenciado pela sua formagio de bislogo, Piaget entendeu que alogica implica dana relacio onganismo-meio poderia ser estendida para © estudo dos processos intelectuais e afetivos, trazendo nogDes come’a de adaptacio biclogica para o estudo das Fungdes cognitivas. Na obra de Piaget, ercontramos, pois, termos e con- ceitos retirados da Biologia, Noentanto,em virtude de sua abordagem construtivista do conhecimento, de sua con- ccepgao de desenvolvimento como fruto de trocas resfpro- ccas entre sujeito e ambiente, a epistemologia genética esta situada numa concepelo interacionista de conhecimento, Tito remete & idéia de que existe uma interdependéncia centre organismo e ambiente, que pode ser explicitada na relacio entre 0 conceito de ontogénese ¢ de filogénese, ou sa, regpectivamente entre a historia do sujeito ea histéiria daespécie (FIGUEIREDO, 2000). Segundo a perspectiva tedrica piagetiana existe uma tendéncia, no gue se refere ao desenvolvimento cognitivoaferivo, a uma ampliagdo progressiva dos co- nhecimentos, 20 contrario do desenvolvimento organico, que tende a uma regressio advinda do proprio proceso de envelhecimento, No caso das estruturas mentals, ca- inha-se para um “equilibrio movel’, ou seja, uma mo- bilidade cada vez maior no ato de conhever, que pode ser interrompida, por exemplo, por algum comprometimen- to organico no cérebro. Caso isto nao ocorra, € possivel aperfeicoar cada vez mais nosso conhecimento sobre a realidade (por que nao dizer, sobre nds mesmos?). Piaget estendeu sua visio acercada evolucaodo in- telecto a compreensio da consciéncia moral no sujeito. Embora as investigagSes que realizou sobre as estrutu- ras mentais aparegam com certa centralidade em sua te- oria, cle enfatiza a existéncia de um paralelismo entre 0 desenvolvimento da cognigao e “o desenvolvimento das formas da afetividade e das formas da existéncia social ¢ moral” (FIGUEIREDO, 2000, p. 94). Segundo ele, a ccrianga apresent momentos em seu desenvolvimento «que se caracterizam por uma centragao em si, em seus proprios referenciais. Ha uma auséncia de reconheci- mento das regras de convivencia social. Depois, a crian- 83 Nunas, A.B. ¢ Silveira, ALN. ‘ca evolut para um sentimento moral de obedigncia (en- volta 2 temor e afeicao), até constru formas de pensar agit com base ma autonomia, com um senso de rect procidade em sua relagao com os outros, Piaget acredi ta que esse percurso na evolucdo da consciéncia moral (assim como da intelectual) se clabora numa estreita relacdo com o meio social. Portanto, nao ha implicacdes de ordem hereditatia, previamente adquiridas. ‘Ago da crianga sobre o meio no periodo sensorio-motor /No funcionamenco da inteligencia humana existe uum movimento constante do eujeito em busca de ex: plicacSes, de tentativas de compreensio do que ocorre ao seu redor. E essa aco (pensamento, sentimento ou movimento) do Suyjeito em seu meio é desencadeada por alguma necessidade, de ambito intelectual, aerivo ou fi- siologico. Aqui aparece una concepeao de inteligencia ‘como fator nao inato, ¢ sim, construido pela crianca em. seu mundo, composto por pessoas, objetos e sistemas de significaeao, proprios de cada ambiente cultural. A inteligéncia € uma caracteristica presente em todas as tapas do desenvolvimento, mesmo antes do advento da linguagem verbal (PIAGET e INHELDER, 2001). Mesmno com essa constincia do ato inteligente ‘em nossa vida, em cada momento do desenvolvimento 84 2 Peicolagia da Aprencizagem aparecem interesses espectficas e formas de explicacao ‘e compreensto peculiates 2o nivel intelectual em que © sujeito se encontra, Na pritica, significa dizer que a di- ferenca da inteligencia de uma crianga de seis anos, por cxemplo, para a de um adulto, 6 a forma como ambos compreencem ¢ agem sobre os objetos de conhecimen- to, Stodiferencas qualitativas que aparece em cada pe- iodo, Trata-se de uma fine20 adaprativa da inteligencia, nos diferentes periodos do desenvolvimento. 42 Osestigios de desenvolvimento cognitivo-afetivo CConforme frisamos, Piaget fez uma minuciosa inves- tigagao sobre a forma como 0 ser humano constréi seus conhecimentos, descrevendo caracteristicas do modo de pensar, flare agir das criancaseadolescentes, oque rest toumum dos topicos mais divulgados de sva teotia, embo- za tendo outros temas importantes cm sua vaste obra. Os estigios de desenvolvimento descritos por Pia- get sfo o sens6rio-motor,o pré-operatério, o operatério concreto ¢ o operatério formal, que sero apresentados no quadro 4 de forma sueinta, posto nao ser 0 foco de discussto do presente capitulo, Essas etapas nao de- vem ser consideradas como momentos etatios rigidos sim aproximados, nem como lista de nogbes obtiga- torias apresentadas pelas criangas em cada periodo de suas vidas (MORO, 2002). Ao trazer uma logica intera~ cionista de desenvolvimento, Piaget nos poe diante de caracteristicas cognitivoafetivas e de soclalizagéo que dependem de uma construpio endo de uma programa- fo biol6gica previsivel. Nunes, A.LB.L ¢ Silveira, R.N. Quucro 4: Fases do desenvolvimento cognitineaetiv em Piaget Est iio yt bein, sono ered, nt tm por coodensees enter mokras e do heredi uo, Poxteioeneocire cas paepebes sacs. Pro, cat genre seers eas eee hittin se eret epee sine 3 1 [Petsanane pale onesie cms aie [eben de eo 4 eles coer Rpenbiace Erereet phat eetrescan reo ve : coneerajiceamestojvehire cacslicatojete Sopa shsranr andl compra € tes Cada estigio é marcado pela aparicio de estruturas ‘mentais originais e distintas, porém inter-relacionadas com as anteriores. Sigifica dizer que a aquisicao de um. novo conhecimento (compreensio de um determinado conceit, por exemplo) implica uma reorganizacio dees- truturas mentais jé existentes, ou seja, para compreender a nova informagao € necessério que o sujeito revefa seus conceitos, que compare, reestrture os sentidos jf adqul- ridos para captar este novo conhecimento. Este processo cde desenvolvimento envolve innexpretagao da realidade, aysim como reconstrugio da mesma, E um movimento (vital) da ago humana que busca sempre o alcance de tum estado de equilbrio, havendo uma tendéncia no ser er humano a uma adaptacao cada vez maior & realidade, 0 que Piaget denomina processo de equilibragio. 4.3 Provessos de assimilagao € acomodaca0 Quando ocorre uma necessidade (intelectual, afetiva ‘ou organica), que, por sua vez, émanifestaco de um dese- quilibri, o sueito reagira a mesma pormeio deuma tenta- tiva de restabelecimento do equlibrio. Na medida em que 21 aco do sujeito compensa a necessidade (soluciona um problemal), o equilibrio € recuperado, Neste movimento permnanente de reajustamento, o sujeto (suas estruturas ‘mentais), aciona dois mecanismos denominados assimila- coe acomodacdo, os quais explicaremos a seguir. ‘Assimilar envolve a nogo de que conhever consiste numa significacto, dada pelo sujeito, aquilo que € per- cebido, Em contato com um determinadlo objeto ou fato crianga 0 investiga e tenta dar um sentido a0 que per cebeu, impriminco uma I6gica propria para conhecer Deste modo, incorpora a situagao ou objeto a seus es: «quemas mentais, nio sendo nevessirio recorrer a outros mecanismos para compreender a situacio. ‘Um exemplo de assimilagio seria © de uma erianga quetem conhecimentos na frea de informatica e sempre ‘manipula apenas os jogos existentes em seu computa- dor. Um dia, ¢ convidada para jogar no computador de um amigo. Embora os jogos ali encontrados possuam diferencas, o garoto conhece bem os comandos centrais para conduzir a atividade, logo se integrando, sem maio- res esforcos, ao jogo proposto. acing Eola nd tnbadd odoin pera esata acho ria jb eteloe suelo) §§ 6 |omecanismo de acomodagao exige uma modifica- «fo dos esquemas mentais (assimilados) a fim de que um novo conhecimento seja construfdo, Tomando o exem- plo acima, suponhamos que 0 jogo proposto pelo amigo B87 Nunos, 4.1.8.4 ¢ Silveira, RIN, tivense um grau elevado de complexidade em relagao aos Jogos com os quais a crianca ja beincou. Ela teria, ent0, ‘que passe por um processo de descoberta de estraté als, de tentativas de acertos ou mesmo troca de infor- magdes com o annigo, a fim de compreender 0 jogo, ow «ja, mudar seus esquemas inentais (c de ago) em fun- ‘gio do novo objeto (jogo complexa) exter er chlo, por ain canton est ‘lnm pd o suo aura analormido ge ses esavomos meni 4) qu goss rer es ov po contacnt) Para Piaget © desenvolvimento do sujeito se dar no sentido de promover uma adaptacao mais precisa da reali- dade, As estruturas mentais, assim como os processos afe- tivos da crianca tenderio a alcangar niveis cada vez mais levados de desenvolvimento, em funedo da ago recfproca centre a crianca e sen ambiente. Esse processo se dara por meio de sucessivas assimilagtes na interacto com os objetos de conhecimento, © ponto de cquilbrio entre a assimilagao ea acomodagaio €0 mecanis- mmoautorpuidor enoninado eulbrcto rlangas no sensério-motor e pré-operatério usando 0 brin ‘quedo na ago @ interagao com 0 meio, 88 Polcologia da Aprendizagor 44 A concepeio construtivista de Piaget e 0s processos de ensino-aprendizagem (Com sua Psicologia Genética, Piaget nfo intenciona- ‘vacriar uma teoria das aprendizagens, mas, sim, responder ‘questées epistemologicas (LAJONQUIERE, 1993), foco central de suasinvestigagdes. Desejava compreender como ‘ser humano constr seus conhecimentos,como passa de ‘um ntvel cognitivo-afetivo mais elementar para um mais complexo. Fola partir de sua preocupagoem estudar essa construgao em termos psicogenéticos, de busca da gene se dos conhecimentos, que Piaget criou condigdes para se ‘pensar os processos de aprendizagem. Una contribuicio central de Piaget rea educacional diz respeitoa idéia de que o set humano constréi atlvamen- teseu conhecimentoacercada realidade extemae dequeas inceragoes entre os sueitos so um fator primorelial part 0 seu desenvolvimento intelectual cafetivo. Teanspondo esta afirmagio para uma situagdo ecucacional, significa dizer que existe uma énfase no aluno, em suas agbes, seus modos de raciocinio, de como interpreta ¢ soluciona situagtes- problema, Fsta iia posiciona num lugar de ativo em seu pprocesco de aprentiizagem. Ao mesmno tempo, dala a enfa- .senas interacoes, nos intercambios entre os sueitos,o pro- {fesoor, assim como os proprios companheiros de classe, 0 s fundamentals para a constzusio do conbecimento, 3 CCriangas utlizando 0 jogo na aprendizagem da escrta, Nunes, A.LB.L e Silveira, ALN. Piaget estudou a nacureza dos conhecimentos 6- gico-mateméticos, afirmando suas origens em um pro- cesso que engloba os aspectos maturacionais, a ago da crianga em seu meio e aa influéncias do meio sobre ela, A relago do sujeito com os objetos externas (Fatos ou conhecimentos) € um exercicio da cognigao, pois o sujeito dé sentidos pessoais 20 que busca conhecer. Ele compara, classifica, analisa ¢ utiliza-se de esteatégias ue requerem 0 uso do raciocinio e de uma organizacao interna, Assim, o sujeito/aluno piagetiano € capaz de reconstruir as informagdes que recebe, a partir de seus cconhecimentos, na inveraco como meio. ‘Aaprnleagéin, ef Pagel 6m procebso Snips, que ier Sines” toler dain led ao» reir 8s sono ste neoporagio’ aieia{ mcanien, ee Partindo da nogio de que se aptende a partir de uma re-interpretacao do conhecimento, Piaget (2000) ffisou 2 importancia de um método ativo de ensino, Fez niticas a uma metodologia que visasse a mera transmis. io (exposigao) do conhecimento e a repeticao mecani cado mesmo. Enfatizou o papel ativo ecrisdor do aliano em seu processo de aprendizagem e a logica empregada port ele para soluctonar questées. Para a Psicologia Ge- nética, o papel do professor deve ser de um agente ativo, cabendo a ele “mostrar ao alumno que seus esquemas as simniladozes sto insuficientes para atingi umn equiltbrio permanente” (PASCUAT, 1999, p. 9), apresentando ati vidades criativas cinstigando-o a uma reflexao e criagio constantes, por meio de questionamentos de suas res- postas, de exemplos e de uma relacéo dialogica Peicologia da Aprendizagem ‘Criangas no operatério concrete trabalhande conceltos mate maticos com jogos. A anilise de Piaget sobre o ensino considerava im- portante perceher as relaoSes (convergencias) entre a forma espontnea de raciocinio empregada pela crianga eas formas mais complexas que pode vira atingir. Quan- do o autor faz mengio a nogées espontiineas refere se 08 conhecimentos que vio sendo construidos nas in- teragoes das criangas em seu mundo, formado por pes- s0as, coisas ¢ significados diversos, nfo se trata de um modo de conhecer solitétio, individualizado, Para que a crianga avance de uma condig2o de conhecimento mais

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