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compartilhada: que realce é possivel destacar nesta concepeao de entista educador?. Trata-se de uma forma de lidar respeitosamente com aresposta. A que me refiro? Quero aprofundar & dimenso benéfica do erro. Nés sabemos que nem sempre a resposta obtida (pela experimen- taco) é suficiente ou satisfatoria; por vezes, o que surge fruto de nosso empenho intelectual nao esta a altura da exigéncia das perguntas. E pre- ciso, entio, que o cientista educador saiba lidar com a ansiedade. Nao castré-la mas sim amansé-la. E € nisso, nesse exercicio, que o cientista educador vai inventando a rigorosidade nec fale dizer, 0 rigor cientffico-intelectual nao esté em ter achado igor esté no proceso que parteja o achado. Ou, como di (Arguello), desperta mais interesse a ciéncia viva — porque processual- do que a ciéncia morta, que so os produtos dela. REFERENCIAS BIBLIGRAFICAS ATLAN, H. Entre o cristal ea fimaga. Rio de Jneleo: Jorge Zabar etre BACHELARD, Gaston, Filosofia do ndo. Lisboa: Editorial Presenga. EUGENIO Barba, A canoa de papel. Sao Paulo: Editora Hucitec, 1994. GOULD, S.J. Da s grandes enigmas da vida. Sao Paulo: Martins Fon tes, 1987 NOGUEIRA, Adtiano, Ambidncia, Tavbat: Cabral Bdtora Univer RIFKIN, Jeremy. Entropy. Nova lorque: Ed, Bantam, colegdo New Age Books. 186 Conhecimento escolar e conhecimento comunitario: ensino e aprendizagem a partir de uma perspectiva vygotskiana MARIANE HEDEGAARD Sera CHAIKLIN presente artigo descreve uma experiéncia de ensino feita com criangas porto-riquenhas na cidade de Nova Iorque, aproximando 0 en- sino do pensamento te6rico e a incorporagéo de aspectos culturais do cotidiano das criangas. O conceito de identidade cultural é introduzido como guia para a formulacao de atividades didaticas culturalmente sen- eis, seguido de um panorama geral das atividades de ensino de cién- cia social utilizadas nesse experimento. O enfoque dos aspectos cultu- rais no ensino traz.& tona uma dimenstio importante da tradi¢ao cultu- ral-hist6rica ainda nao suficientemente desenvolvida. INTRODUCAO ‘Um dos objetivos da realizagio deste projeto foi a exploracao do uso das condigoes hist6ricas e do background cultural das crian- cas no planejamento de atividades educacionais. Esse objetivo foi motivado por um problema geral na pesquisa educacional: como in- corporar 0 background das criangas em um programa de ensino. Embora seja de consenso geral que, ao se planejar atividades edu- cacionais, deva-se buscar o cotidiano das criangas, os principios ‘Mariane Hedegaard ¢ professora no Instituto de Psicologia da Universidade de Aarhus, area, Seth Chaiklin é professor no In ‘namarca. to de Psicologia da Universidade de Aarhus, Di- 187 pelos quais isso pode ser realizado ainda nao foram suficientemente Utilizamos o conceito de identidade cultural para apresentar uma abordagem para a integragdo do cotidiano das eriangas ao contetido de atividades instrucionais. Um dos aspectos da identidade cultural é 0 en- tendimento das relagGes entre a cultura de determinado individuo e ou- {ras culturas encontradas no dia-a-dia, Ao selecionar-mos contetidos para nosso programa de ensino, escolhemos t6picos e desenvolvemos habi- Tidades que ajudariam as criangas a compreender sua cultura em rela- iio A sociedade na qual esto inseridas. inspirou-se na tradigdo de pesquis influéneia das interagées sociais no desenvolvimento da personalidade. Esperar-se-ia, portanto, que essa tradigo direcionaria de alguma forma a andlise da identidade cultural. Contudo, os aspectos culturais das préticas humanas tém sido pouco considerados & luz do modelo te6rico da teoria da atividade (Cole, 1988), mesmo se 0s construtos teGricos estejam centrados ‘em aspectos hist6ricos do desenvolvimento da consciéncia humana (Leon- tiev, 1978), No final da década de 20, alguns dos principais pesquisadores inseridos nesta tradig&o trataram do papel da cultura no desenvol dacrianga (Leontiey, 1932; Luria, 1928; Vygotsky, 1929). O sentido tura” utilizado nesses escritos considerava a nogdio de que o ser humano constr6i e utiliza instrumentos materiais ¢ intelectuais, particularmente a inguagem, com o intuito de auxiliar seus processos mentais. Esses instru- ‘mentos so um componente importante do desenvolvimento humano. Ou- tra pesquisa, desenvolvida por Luria e Vygotsky, enfocava especificamen- te as minorias culturais (Luria, 1976, 1979). A questao central estava rela- cionada com ainfluéncia das priticas culturais no desenvolvimento dos pro- cessos de pensamento. Estes estudos, entretanto, nao abordavam a questiio de maior interesse para nés: a identidade cultural e sua formagio. Fut mente, a tradigao cultural-histérica terd de incorporar de forma mais expli- cita caracteristicas culturais especificas de grupos sociais, CONDIGOES SOCIAIS DAS CRIANCAS PORTO-RIQUENHAS RESIDENTES EM NOVA IORQUE ‘A maioria das criangas que fizeram parte do projeto de ensino eram naturais da cidade de Nova Torque, mas seus pais haviam nascido ou 188. vido por algum tempo em Porto Rico. Apesar de Porto Rico ser um tadio-associado aos Estados Unidos, €, na pratica, uma colénia norte- :mericana. As pessoas nascidas em Porto Rico so cidadas norte-ame~ ricanas e possuem passaporte norte-americano, mas as que residem na- uuele pafs néo pagam impostos federais e nao possuem representacio le voto no Congresso norte-americano. As corporag6es norte-america- nas, com o apoio do governo dos Estados Unidos e a colaboragtio do governo porto-riquenho, desenvolveram e tém mantido uma pol econémica que deixou Porto Rico sem nfveis de emprego adequados nem meios de auto-suficiéncia, Portanto, pessoas migraram para 0s Estados Unidos em busca de melhores oportunidades. 'Nosso projeto de ensino foi realizado no Harlem Leste, uma das maiores e mais antigas col6nias porto-riquenhas na cidade de Nova Tor- que (Forga-tarefa Hist6rica, 1979). A influéncia politica, os recursos eco- némicos e as oportunidades educacionais nesta c e yunidade so consi- deravelmente menores do que o encontrado na maioria das outras comu- nidades, e os indicadores estatisticos da qualidade de vida (desemprego, criminalidade, moradia inadequada, gravidez na adolescéncia, abandono de estudos) estdo entre as piores dos Estados Unidos (Kolata, 1989). As, criangas nessa comunidade vivem em uma sociedade que discrimina his- finicos, Seu dia-a-dia inclui muitas atividades e priticas culturais que so rejeitadas, minimizadas ou ignoradas, tanto nas atividades que encontram na escola quanto nos meios de comunicagio de massa. ‘Uma conseqtiéncia dessas condigdes € que as criangas na comuni- dade experimentam conflitos que afetam sua identidade cultural. Por exemplo, as criangas em nossa experiéncia de ensino resistem ao uso da lingua espanhola, tendem a minimizar 0 valor de seu bairro ¢ a ndo reconhecer qualquer valor nas tradigdes culturais de sua comunidade. Tendo isso como pano de fund, o Centro de Estudos Porto-riquenhos da Faculdade Hunter da cidade de Nova Torque intencionou fazer uma in- tervencdo positiva no desenvolvimento da comunidade do Harlem Leste. ‘Um dos projetos centrou-se no desenvolvimento de abordagens educacio- nais adequadas as criangas da comunidade. O projeto teve inicio em 1985, ‘na forma de um programa extra-escolar para criangas entre 8 idade, e continua atualmente. O enfoque original era 0 uso da. no desenvolvimento da habilidade de leitura escrita, Em 1987, oenfoque foi ampliado para que inclu(sse o estudo da “comunidade” das criancas (Chaikin, Hedegaard, Navarro e Pedraza, 1990). O presente artigo discute 189 —_— ‘0 programa de 1989-1990, ano em que a énfase foi deslocada para as ativi- dades da ciéncia social que tratavam do desenvolvimento hist6rico e das condicGes atuais do pafs de onde os pais destas criangas haviam emigrado, bem como da cidade e comunidade onde estas criangas vivem. O desen- volvimento das habilidades de leitura e escrita foi inserido em um proves- so de aprendizagem das habilidades da ciéncia social, ao mesmo tempo em que se evidenciou a questio de como ajudar estas criangas a aprender 0 va- x de sua cultura no momento em que funcionam em uma sociedade cuja tura € ndo apenas diferente mas dominante. ‘Trés objetivos principais do projeto de ensino foram, entio, 0 de- senvolvimento de: a) um curriculo de ensino de ciéncia social que tam- bém motivaria as criangas a trabalharem com tarefas de matemitica e leitura/escrita que, por sua vez, desenvolveriam; b) uma consciéncia ral positiva. Este artigo uuralmente sensfvel do no desenvolvimento da identidade cultural das criangas. PRATICA INSTITUCIONAL E DESENVOLVIMENTO As condigées para a aprendizagem escolar e o desenvolvimento das criangas so criadas, em parte, pela pratica em diferentes in Ges. Esta nogio transcende a concepgao da pra direta entre a sociedade e o individuo; a mediagio tem que ter lugar nas diferentes instituigdes na sociedade. Mesmo instituigdes de um mesmo tipo variam quanto & sua pratica social (isto €, familias dife- rentes tém priticas diferentes, o mesmo ocorrendo com escolas dife- rentes). Quando a prética social em uma institui¢o muda, so cria- \digdes para o desenvolvimento das pessoas que partici- pam da pratica destas instituicdes. ‘As criangas desenvolvem-se através da participaco em formas de prética institucionalizadas, caracterizadas por comunicagao e atividades compartilhadas. Essas formas de prética iniciam, mas também resttingem, as atividades das criangas e, desta forma, tomam-se condigdes para 0 de- senvolvimento destas. A participagdo de uma crianga em determinada ati- vidade contribui para a sua realizago de fato, a qual, por sua vez, contri- bui com as condicdes para o desenvolvimento da crianga. Fases diferentes do desenvolvimento da crianga podem ser encon- tradas nas mudangas qualitati vas da pratica institucional (Elkonin, 1972), 190 mudangas que ocorrem quando a crianca entra em novas instituigdes se torna parte de suas atividades (p. ex., quando uma crianga entra no jardim de infancia ou na escola). A teoria da zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (1978) pode ser utilizada para conceber como uma interaco entre a crianga e ou- tras pessoas em atividades inst para a crianca. Para que uma atividade em um cont titucional como escola seja desenvolvimental, ela deve no s6 estar relacionada com a capacidade da crianga mas também desafié-la, A aprendizagem acontece na interagao social com pessoas desta instituigdo que sejam mais compe- tentes do que a crianga, Mas acrianga também aprende em casa a partir de sua interago com adultos mais competentes do que ela. O que a crianca aprende em casa é, geralmente, diferente dos t6picos e temas que a escola Ihe proporciona. A aprendizagem dentro da zona de desenvolvimento pro- ximal contribui tanto para o conhecimento da crianga sobre o mundo quan- to sobre si mesma (em outras palavras, sobre sua identidade cultural e po- sigo no mundo, Berger e Luckmann, 1966). Através de atividades com- partilhadas em casa e na escola, a crianga aprende a combinar necessida- se, desta forma, adquire novos objetivos (Leontiev, 1978). ise da identidade feita por Berger e Luckmann baseia-se em um modelo geral sobre 0 surgimento, manutengao e transmissdio do mundo social. O mundo social é conseqiéneia da interagao dialética entre trés tipos de processos: A externalizagdo - a criagdo de um mun- do social na forma de instituigdes como produtos da atividade humana; a objetificagao - as experiéncias pessoais destes produtos enquanto “re- alidade objetiva”; e a internalizacdo - 0 processo pelo qual aprende-se sobre estas instituigdes (reflecti vamente ou nio-reflectivamente), e como funcionar dentro delas. A dialética que forma e sustenta a sociedade é semelhante a dialé- tica que forma e sustent nasce membro da sociedade, Ao contrério, nasce com uma “predispo- sigdo para a socialidade” e torna-se membro ao entrar em uma relagio de entendimento compartilhado de situagdes e motivagdes com outros. A identidade social € 0 resultado de através do qual um individuo intemnaliza valores e normas do mundo social objetivo no qual vive. (O processo de internalizaco que resulta na formagio da identidade social é 0 mesmo processo pelo qual a crianga forma uma nogao da reali- 191 dade objetiva na qual vive. A socializagdo priméria e secundétia so os gerais que constroem e sustentam a identidade social. iza¢do priméria inicia um processo de internalizagiio que resulta na pessoa sendo admitida como membro de uma sociedade. O mundo social da crianca é mediado pelas pessoas que so importantes em sua vida (pais, irmios e parentes). Este mundo mediado é uma ver- sio selecionada ou filtrada do mundo social objetivo e depende da rela- go objetiva e da interpretagdo subjetiva que estas pessoas tém deste mundo. A crianga se identifi .almente com as pessoas mais pr6ximas a ela, e toma os papéis, atitudes e valores destas como seus prdprios. Através dessa internalizacao (pela apropriagao) do mundo das, pessoas que Ihe sao significativas, a crianga toma-se capaz de identifi- car a si mesma como possuidora de um mundo social especifico. {A socializacio secundaria € 0 processo pelo qual um individuo ja socializado é admitido em outros submundos objetivos de sua socieda- de. O conhecimento especifico dos papéis destes submundos e de como funcionar neles é internalizado para suplementar a viséo de mundo bé- sica adquirida pela crianca através da socializagdo priméria, HA diferengas importantes entre 0 mundo social aprendido através da socializagdo primaria e os submundos aprendidos através da sociali- zacio secundaria, Primeiro, na socializagao priméria, a crianga nao tem escolha a ndo ser viver no mundo definido por seus pais (ou responsé- veis). A socializago secundaria, as pessoas responsaveis pela soi zacio no sii tio importantes quanto pais, irmios ou parentes. Na es- cola, o educador nao se torna automaticamente parte deste grupo seleto de pessoas importantes para a crianga. Muitas pessoas podem desem- penhar 0 mesmo papel. Como escreveram Berger e Luckmann, cessétio que se ame a mie, mas nao a professora’ (p.161). Segundo, a identificagaio emocional é 0 principal processo de aprendizagem durante © processo de socializagao priméria, enquanto outros processos e téc- nicas, mais conscientes, so necessérios para introduzir a crianga no papel exigido pelos submundos institucionais. Terceiro, durante a soci- alizago secundaria, é mais facil para a crianga estabelecer uma certa distancia entre seu self (como entendido pela socializagio primétia) eo self que atua no submundo. Por exemplo, é mais fécil para a crianga sair da sala de aula ¢ entrar em outro mundo social, deixando 14 0 conheci- mento que foi mediado. Em resultado, a crianga vai se conscientizando dos contextos de aprendizagem. Essa consciéncia inclui a percepgao de 192 que o mundo adquirido de seus pais nao € a tinica realidade, que exis tem outras formas de viver diferentes da sua, e que a crianca possui um lugar social em particular que pode contrastar com os interesses sociais de outras pessoas do seu meio (educador, padre, assistente social). O conceito de socializagdo secundaria € importante porque forne~ ce um modo de localizar uma fonte importante de conflitos de identi- dade em potencial. Conflitos surgem quando os valores ¢ os meios de acdo internalizados a partir da socializagao priméria nao sio aceitos por participantes em um outro submundo no qual a crianga deva habitar. CONCEITOS BASICOS PARA A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO DA CRIANCA Acrianga aprende através da participagao em atividades instituci- onalizadas, através da comunicagdo compartilhada e da ago. A apren- dizagem acontece através de tarefas ¢ expectativas que a crianga expe- rimenta nestas atividades. Mas a crianga também contribui para a cria- ¢80, mudanga e desenvolvimento das atividades e, portanto, a seu pro- prio meio e condigées de vida, A crianca nfo apenas se adaptando ao seu meio. Cada pessoa - indiferente de ser estudante, educador ou pai, através de sua contribuicdo as atividades em que participa - cria condi- ‘gBes para a participacao dos demais. Hoje, geralmente, a crianga faz parte de diversas instituigdes: uma familia, uma creche, uma escola, uma instituigao de atividade extra-es- colar. As atividades em todas estas instituigdes so condig6es para o processo de desenvolvimento da crianca. O desenvolvimento é determinado por mudangas nos tipos de ati- vidades das quais participa a crianga. A mudanga nos tipos de atividade pode aparecer de diferentes formas, a mais Sbvia € quando a crianga é introduzida em uma nova instituigdo, como um jardim de infancia, uma escola ou uma atividade extra-escolar. 0 modo como novas atividades ‘mudam e influenciam a motivacao e a cognigdo da crianga baseia-se na possibilidade da crianga desenvolver seus proptios objetivos e intengdes, ‘As relac&es sociais existentes entre criangas e adultos dao contetido e forma ao desenvolvimento da motivagdo ¢ da cognigao das criangas: Seguindo Vygotsky, Elkonin (1993, p.57) pensou que a forma ideal, o arquétipo da vida adulta, 6 uma categoria-chave que estabelece a in- 193 0 da vida adulta, 0 arquétipo de um € a Gnica base tegridade da infancia. O arquét adulto perfeito (ideal) é 0 nico meio através do qual sobre a qual, as criangas podem imaginar seu futuro. "Além da idéia de que devam haver alguns modelos de maturidade, Elkonin props um segundo aspecto central ao desenvolvimento. Esses modelos devem ser combinados & vida real através de “eventos”. A vida dacrianga.e o modelo de vida do adulto tém que ser ricos em eventos. Os ‘adultos desempenham papel importante como educadores ou mediado- s da criancaem seu esforgo de construir uma relagao entre o modelo de ‘vida adulta e a vida repleta de acontecimentos da infancia. Uma vida re- pleta de acontecimentos pode significar tanto eventos do cotidiano da fa- Inflia e da comunidade quanto eventos criados na escola. A tarefa do edu- cador é ajudar acrianga a ir do nivel de eventos e capacidades cotidianas jiéexistentes para o nivel de possiveis eventos ¢ capacidades. A teoria de ‘Vygotsky tem sido importante fonte de inspiragdo para a concretiza¢a0 desta mudanga de eventos reais em possiveis eventos, o que seré discuti- do na préxima sego junto com a questo de como conceitos apreendi- dos podem se transformar em conhecimento ativo. CONHECIMENTO DO COTIDIANO E CONHECIMENTO APREENDIDO TRANSFORMADOS EM CONHECIMENTO ATIVO. Segundo Vygotsky (1982), a aquisigo de conhecimento especifi- co, por um lado, expande o significado do conhecimento do dia-a-dia , por outro, conceitos especificos podem ser compreendidos e toma- rem-se funcionais para a crianga somente se estiverem baseados no co- rnhecimento do seu cotidiano. Se 0 ensino for bem-sucedido na criagao desta relagio, a crianga seré capaz de utilizar 0 conhecimento que apren- deu como instrumento de andlise ¢ reflexao de suas idades diarias. conhecimento especffico, portanto, integra-se ao conhecimento do cotidiano da crianga, desenvolvendo-se em conceitos funcionais em que © contetido ¢ forma definem-se mutuamente, ‘Um dos aspectos importantes da formagao de conceito proposta por Vygotsky € que conceitos simbolizam tanto aspectos abstratos quanto concretos da area conceituada, Vygotsky caracteriza o desenvolvimen- to cognitivo da crianga como o aumento da complexidade das relagdes existentes entre os aspectos concretos e abstratos da drea conceituada. ‘A coeréncia e dialética existentes entre os aspectos abstratos ¢ con- —_— cretos de uma area de conhecimento em um sistema concell al é um. passo importante rumo ao entendimento de como 0 conhecimento ge~ ral pode ser combinado & experiéncia pessoal e se tornar funcional em. atividades localizadas. Mas os aspectos emocionais e motivacionais do conhecimento também tém que ser considerados para que se tenha um. quadro mais completo de como o conhecimento apreendido se trans- forma em conhecimento ativo. ‘A motivagio e 0 desenvolvimento cognitivo da crianca em fase escolar estdo vinculados as atividades das quais a crianga participa jun- tocom outras pessoas em rotinas e atividades familiares cotidianas, ati- vidades extra-escolares, bem como atividades de estudo relacionadas & vida escolar. Para que se tornem desenvolvimentais, estas atividades tém que acontecer dentro da Zona de Desenvolvimento Proximal — ZDP. O objetivo do ensino dentro da ZDP é apoiar os alunos na aquisigio de conhecimento tedrico que possa estar relacionado aos eventos € expe- riéncias do conhecimento cotidiano infantil de forma que este conheci- ‘mento torne-se integrado em um sistema conceitual e possa, desta for- ma, funcionar como uma habilidade mental. O conhecimento tedrico e 0 conhecimento cotidiano podem enri~ quecer um ao outro dentro da ZDP. O conhecimento cotidiano pode ser uma precondicdo para que as criangas adquiram conhecimento teérico, ‘mas, mesmo assim, o desenvolvimento do conheciment cotidiano nao deixa de ser importante. Pelo contrério, o conhecimento tedrico tem de integrar-se ao conhecimento cotidiano através da atividade educacio- nal, a fim de ultrapassar os muros da escola e chegar ao mundo fora da escolae se tomar relevante ¢ funcional para as criangas. OPROJETO EXTRA-ESCOLAR DAS CRIANCAS PORTO-RIQUENHAS: Os porto-tiquenhos so a segunda maior minoria da cidade de Nova Torque, compreendendo cerca de um milho dos 8 milhGes de habitantes da cidade. Os mundos sociais criados pelo curriculo escolar nao tém per- mitido is criangas aprenderem sobre sua propria historia cultura, tampouco compreender sua cultura em relago aos valores ¢ imagens sociais que en- contram na escola. Conseqiientemente, ao tentarmos construir a identida- de cultural das crianeas porto-riquenhas, querfamos ajudé-las a desenvol- ver um meio de compreender sua cultura em relacdo & cultura dominante. sos Ensinando o pensamento teérico ce aprendendo a refletir sobre a sociedade All6gica basica que organizou nosso projeto de ensino pode ser des- crita, resumidamente, da seguinte forma: quatro objetivos de ensino prin- cipais e inter-relacionados guiaram nosso projeto de ensino: a) 0 ensino de contetido substantivo sobre a hist6ria e a cultura de Porto Rico, b) a aprendizagem de procedimentos especificos (isto é, métodos da ciéncia social) para a investigagio deste contetido, c) a formacio de interesse & motivaco para a investigacZo desse contetido, ed) o desenvolvimento de capacidades para a formulagao de modelos tedricos que possam ser utilizados como instrumentos para a andlise do mundo da crianga. Esses objetivos foram a espinha dorsal de nossa abordagem para a realizaco de um programa de ensino culturalmente sensfvel que visasse 0 \vimento da identidade cultural. Todos os quatro objetivos eram necessrios; nenhum sozinho era suficiente. O contetido era fundamental. Para terem a possibilidade de compreender sua cultura em relagdo a uma cultura dominante, as criangas precisavam ter conhecimento especifico so- bre sua cultura e sobre a relagao desta com a cultura dominante. Mas fatos isolados no eram suficientes. As criangas precisavam dar sentido a estes, fatos, ¢ foi aqui que entrou a formacao de modelos te6ricos. Uma parte importante do pensamento te6rico é 0 uso de modelos abstratos para a ané- lise de fendmenos concretos (Davydov, 1982; Hedegaard, 1990, 1995; Lompscher, 1985). Estes modelos proporcionam um instrumento para o de- senvolvimento e organizacao de contetido substantivo. Entretanto, esse ins- trumento nao tem valor se as criangas no tiverem interesse em formular ‘questées: dai a importincia da motivagdo. Assim, uma vez tendo formula- do perguntas, as criangas precisavam conhecer procedimentos especificos para buscar respostas. Se o ensino alcangar esses quatro objetivos, entdo as Criangas terdo adquirido conhecimento que contribuiré para o desenvolvi- mento de sua identidade cultural. Em particular, teremos proporcionado is ccriangas um instrumento para a andlise de suas condigdes sociais de ma- neira que possam relacionar explicitamente suas prdprias tradigdes cultu- ais e histéria com a cultura dominante na qual vivem. Ensinando conteddo e método O projeto de ensino foi uma forma de pesquisa conhecida como ex- perimento de ensino desenvolvimental (Hedegaard, 1987; Markova, 1982). A abordagem de ensino de conhecimento e pensamento teéricos 196 —_— para alunos do ensino fundamental veio de Davydov (1982) e Lompscher (1985) (Ver Aidarova [1982] para um exemplo ampliado). Seu desenvol- viento posterior feito por Hedegaard (1988, 1990) foi a base concreta para o desenvolvimento da presente experiéncia de ensino. O experimento foi conduzido em um programa de ensino extra-escolar, desenvolvido duas les por semana, durante 0 ano académico de 1989-1990. Os dados co- Ietados foram os registros de planejamento, os protocolos de observacio de sala de aula, e a produgdo de alunos e educadores em aula. ‘As secdes de ensino individuais foram organizadas tendo-se como objetivo geral 0 trabalho com as relagdes na anélise de contetido. No curso da experiéncia de ensino, trabalhamos com trés temas principais: a) as condigdes de vida em Por or volta da virada do século XX, b) condigdes de vida na cidade de Nova lorque, ec) as condigdes de vida na comunidade das criancas do Harlem Leste. Esse contetido possil tou a integragio dos diferentes mundos sociais das criangas: a comuni- dade dos pais e a comunidade da cidade de Nova Iorque com a qual as criangas se deparam em suas experiéncias escolares. Primeiro, cada tema estava relacionado a uma formulacdo geral que organizava o plano de ensino para 0 ano, ou seja, o desenvolvimento hist6rico da comunidade porto-riquenha na cidade de Nova Torque, tra- cando-se um paralelo, em particular, entre as mudangas nas condigdes de vida em Porto Rico no inicio do século e a comunidade da cidade de Nova Iorque onde as criangas vivem atualmente; segundo, para explo- rar esta érea-problema, um modelo teérico (uma célula germe) foi cons- trufda, em sala de aula, em conjunto com as criangas (ver Figura 1) li Comunidade Vida em familia Condigées de vida 197 O modelo de célula germe representa as relagées conceituais ba- sicas (a vida em familia, as condig6es de vida, os recursos, a comu- nidade) e foi utilizado para diferenciar e caracterizar as duas soci dades com a qual trabalhamos. O didlogo em aula e as tarefas con- cretas que requeriam exploracio ativa dos problemas, conflitos € contrastes foram utilizados para ajudar as criancas a formularem as diferentes relagdes neste modelo, e a utilizarem essas relagdes em suas tarefas exploratérias; terceiro, a seleco de tarefas visou a inte- gracio entre a aquisigZo de conhecimento especifico sobre historia e ciéncia social e a habilidade de desempenhar tarefas para a inves- tigagdo destas reas de contetido. O primeiro tema com o qual as criangas trabalharam foi as condi- Ges de vida em Porto Rico no io do século XX. Esse tema introdu- ziu as criangas alguns aspectos de sua cultura e hist6ria que lhes eram desconhecidos. Esperavamos que esses assuntos interessassem as cri- angas pelo contraste entre suuas préprias condigdes de vida e as condi- ges de vida existentes quando seus pais ou avés eram criangas. Esse salienta os aspectos especfficos da primeira relagao com a qual trabalhamos: a vida em familia e sua relagdo com as condi- ‘Goes de vida. Organizamos diversas atividades para o desenvolvimento da compreensao por parte das criancas desta relacao, bem como para apresentar a elas alguns métodos bésicos de pesquisa hist6rica: ané de fotografias, filmes e entrevistas. ‘AS fotografias foram selecionadas para mostrar a familia e as con- digdes de vida, Um conjunto de fotografias mostrava as condigdes de vida em Porto Rico no inicio do século XX. Foi soli do as criangas que comparassem as condigées de vida vistas nas fotografias, com suas préprias condiges de vida em Nova lorque. As criangas também anali- saram dois filmes: um sobre a vida em Porto Rico no inicio do século XX, outro sobre um menino porto-riquenho vivendo em Nova Iorque na década de 80 e que contrastava a vida nos dois lugares. ara dar continuidade a investigacdo da relago entre familia e condi- iio de vida, as criangas entrevistaram pais ou avés sobre como era a vida em Porto Rico. Antes de realizarem estas entrevistas, as criancas trabalha- ram em sala de aula para formular as perguntas que eram relevantes a esta Jo e praticaram entrevistando 0 educador e os pais que ajudaram no projeto. Depois de completas as entrevistas com os pais, as criangas prepa- rarame conduziram uma entrevista sobre a vida familiar e as condigdes de 198 ‘vida de um senhor de 90 anos, natural de Porto Rico, que havia se mudado para os Estados Unidos em meados da década de 20. Estas atividades cul- minaram com as criangas e 0 educador comparando Porto Rico no do século XX.com sua comunidade nova-iorquina atual. Foram criados dois quadros: um que comparava as condigdes de vida em Porto Rico ¢ Nova Torque e outro que comparava as caracteristicas da vida familiar. Outras relagdes no modelo - recursos e comunidade - surgiram de maneira informal ao longo das investigacdes do primeiro tema. Queri- amos introduzir formalmente estas relagdes na discusséo. Assim 0 fi- zemos no segundo tema que enfocava a vida em Nova Torque no do século XX. As criangas visitaram 0 Museu da Cidade de Nova lor- que ¢ aprenderam sobre os tipos de instituigdes e de trabalho lA exis- tentes no inicio do século XX. Uma segunda entrevista com o senhor de 90 anos foi conduzida para descobrir que tipo de trabalho havia e como era a vida naquela cidade em 1925 quando ele lé chegou. As in- formagées colhidas foram mais uma vez contrastadas com 0 conheci- ‘mento das criangas a respeito de trabalho, atualmente, ¢ as conseqiién- cias do trabalho para as condigées de vida. Oterceiro tema enfocow a vida na comunidade imediata. Nosso ob- jetivo era fazer com que as criangas utilizassem 0 modelo abstrato que haviam formulado na Figura 1 para analisar as condigées concretas em sua prépria comunidade. As seguintes atividades foram organizadas para {que tal objetivo fosse alcangado: primeiro, tentamos estabelecer a locali- zagio da sua comunidade através de uma série de tarefas envolvendo mapas. Entdo as criangas discutiram o que uma familia precisaria ter em sua comunidade para ter uma vida boa. Tendo formado sua idéia, as cri- angas, entdo, testaram empiricamente esta idéia indo, em grupo, a dife- rentes ruas e fazendo um levantamento dos tipos de prédios, lojas e insti- tuigdes existentes. Ajudamos as criangas a produzirem gréficos de barras a partir dos dados colhidos: primeiro & mao, depois com um programa de computador. Os diferentes grupos compararam seus resultados e, logo a seguir, as criancas compararam seus resultados combinados com dados semelhantes para a cidade de Nova Iorque como um todo. Isso ajudou a todas a obterem uma imagem concreta das instituigdes que formam sua comunidade, assim como a aprenderem sobre o procedimento de coleta, processamento e interpretacao de dados quantitativos. ‘As eriangas discutiram as questdes de sobrevivéncia na comuni- dade tendo em vista 0 trabalho nao remunerado, o que é um problema 199

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