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a ee ae ee R 2 7) iE N $s nN i 1D) Le) a Sr een es er ernest REPENSANDO A HISTORIA (rane SETS R 5 P = i) Ss oy i) 1B) oO A MULHER NA HISTORIA DO BRASIL RAIZES HISTORICAS DO MACHISMO BRASILEIRO A MULHER NO IMAGINARIO SOCIAL “LUGAR DE MULHER E NA HISTORIA” MARY DEL PRIORE _ A MULHER NA HISTORIA DO BRASIL MARY DEL PRIORE CONTEXT NTEX tO A Autora no Contexto 2... ee eee 9 TR MMIOGUCAS en csemaenerereres aecen Tyee enKerH eum eee me onenen iW 2. Imagens da Mulher ............- Pee eR a ae TS S. AS Grandes. D@SordenS) ooo. ens ceey one Hens caine tee noe 30 4. Ser Mae na Col6nia 2.2.0. ede ce ee ee Be eee eee 46 5. Conclusdes Sugesides devLeitira: 24. svcehyy oN). Reh UE. ERTS 60 © Laitor no Contexto . 6. cece cee nee eee w eee nnns 64 A AUTORA NO CONTEXTO A autora deste livro 6 carioca de nascimento, mas paulista de coragao. Para ela, fazer histéria 6 uma paixao, assim como um processo de enamoramento e@ prazer. do amor “a primeira vista" por um tema, a sensacao de aventura de “cacar” documentos e descobrir, de forma de- tetivesca, tramas e dramas histdricos, até maravilhar-se com os cena- trios do passado ou encantar-se com palavras fora de uso, que se es- condem travessas, nas obras raras. Seu carinho pela matéria estende- se ao gosto pelos arquivos, os papéis velhos e amarelados, os manus- critos de letrinha midda e embaralhada, e a tudo o mais que além de transportar o historiador no tempo como um tapete magico, o incentive a construir histdrias... Como boa libriana, interessa-se muitissimo per artes pldsticas e enxerga S&o Paulo como uma grande tela de pintura abstrato-geomé- trica. Os fins de tarde de céu avermelhado contra o cinza dos arranha- céus € a fita brilhante do rio, encantam-na. Domadora do olhar para descobrir uma cidade mais bonita, gosta também de exercitar o corpo com esportes: joga golfe, pratica aerébica € equitacao. Doméstica, possui “os trés filhos mais bonitos do mundo” com quern gosta de comparntilhar comida japonesa, livros de arte e video- clips. _ Doutoranda pela FFCHL/USP com uma tese sob a sondigao fe- minina no século XVIII paulista, ven discutindo varias questdes relati- vas 4 sexualidade e sociabilidade femininas em artigos publicadas e congressos. E também pesquisadora do Centro de Estudos de Demo- grafia Histérica da USP, onde, junto com colegas, desenvoive uma in- vestigagao de dar 4gua na boca: uma histéria de crian¢a nas popula- g6es do passado brasileiro. Aqui ela responde a algumas quest6es que lhe formulamos. 1. De algum tempo para ca os estudos sobre a mulher tém se amplia- do muito. Qual a razao disso? R. O aumento de estudos sobre a mulher apenas acompanha o mo- vimento mais amplo de apropriagao que as mulheres tém feito de esforges dentro da sociedade, da economia, da politica e intelec- tualidade, antes reservados aos homens. A mulher nao sé tem ocupado espaco em todas as areas de produ- Gao e saber, como o tem feito com eficiéncia, fator que traz mais luz as atividades que desenvolvem. Os estudos sobre mulher no Brasil refletem também o acompa- nhamento que se faz 4 bibliografia internacional, esta sim pioneira e de certa forma engajada com movimentos intelectuais e politicos em determinado momento, Atualmente, vejo a produgao sobre a histéria da mulher tendo como mais nitido compromisso a paixdo de fazer a histéria de um seg- mento cujo passado nos é bastante desconhecido. Paixdo de des- cobertas, pois... Existe um ponto de vista feminino da historia? . O ponto de vista feminino da histéria talvez esteja refletido na te- matica que historiadores optam por abordar... Subjetivismo? Talvez uma questéo de intuigdo feminina: a histéria da sexualidade, do corpo feminino, da casa, do trabalho doméstico, etc... espelham as preocupagdes e realidades de qualquer mulher, ontem ou hoje, na sua vida cotidiana. Creio que o trunfo desta histéria 6 o de reconciliar mulher com um novo conceito de tempo na histéria: o dia-a-dia... 3. De que forma vocé ajuda a repensar a hisidria com esie texto? R. Pretendo, obviamente, repensar a hisidria da muther no Brasil. Procurando compreender como e quando se formaram conceitos ideais para a mulher em nosso pais, (refiro-me aos qualificativos tao comumente invocados para rotular as mulheres: “mae”, “tonta e “puta’), 0 nosso objetivo é esvaziar o peso e a pecha que signi cam mais rétulos, permitindo 4 mulher exercer, na pratica, os seus papéis sociais, longe de preconceitos. Além de ajudar a mulher a repensar-se, procuro também suprir uma lacuna nos estudos sobre a histéria de nosso pais, onde os “bura- cos” sdo muitos, e os historiadores, poucos... mah 1 NT R O DU ¢ A O Gostaria de reunir neste livro dois intimos desconhecidos. As fon- tes @ alguns novos objetos relativos ao estudo da mulher na histéna do Brasil. Isto, porque o artesanato em que se constitui o fazer a histé- ria da mulher brasileira, tem sido costurado aqui e ali com alguns arti- gos, pequenos trabalhos e raras obras gerais, trazendo ao leitor a des- confortavel sensacao de que mais exiguos do que as narativas sobre a mulher no passado, s4o os documentos que a tém como prota- gonista. A mulher na histéria do Grasil tem surgido reccrrentemente sob a luz de esteredtipos, dando-nos enfadada ilusdo de imobilidade. Auto- sacrificada, submissa sexual e materialmente @ reclusa com rigor, 4 imagem da mulher de eltte opOern-se a promiscuidade e a lascivia da mulher de classe subalterna, piv da miscigenacgao e das relagdes in- ter-étnicas que justilicaram por tanto tempo a falsa cordialidade entre colonizadores e colonizados. Para romper com a silenciosa paisagem dos esteredtipos femininos, fundada na negagéo dos papéis histéricos representados por mulheres, faz-se necessdrio rastrear a informagao mais humilde, adivinhar a imagem mais apagada e reexaminar o dis- curso mais repetido. S6 assim podemos libertar as imagens femininas do olhar que sé as vé contraditérias, pois pensar o “por qué” e 0 “para qué” de uma histéria da mulher brasileira significa abandonar as pola- rizagoes, @ deixar emergir a memoria de tensGes entre os papéis mas- culinos ¢ femnininos, vislumbrando além de seus conflitos e comple- mentaridades, 0 tecido mesmo da narativa histdrica. MULHER E HISTORIOGRAFIA fais do que qualquer quire, 9 aihar sobre as mulheres 6 mediaszado: & preciso decibar analureza desta: -ediacde,” Michele Perroi Desde que no século XIX a histdéria firmou-se como uma discipli- na cientifica, ela tem dado & muiher um espago cuidadosamente de- maicado pelas representagdes e ideais masculinos dos historiadores que, até bem pouco tempo, a preduziam com exclusividade. A primeira mirada sobre as mulheres, se bem que obliqua e moralista, vem de Michelet, em 1859, no seu livto "La Femme”. O conhecido historiador francés compreendia o mavimento da histéria como uma resultante da relagao dos sexos, modulado pelo conflito latente entre a mulher/natu- reza € o homem/cultura. A mulher, sessalva Michelet, sé teria papel benéfico neste processo se dentro do casamento e enquanto cumprin- do o papel de mae. Ao fugir da bentazeja esfera da vida privada ou, ao usurpar © poder politico como faziam as adtiteras e as feiticeiras, elas tornavam-se um mal. Na segunda metade do sécuio XIX, 0 sexo individual, masculino ou feminino, tem importancia relativa para os historiadores, mas a questéo do matriarcado absorve o debate antropoldgico. Engels entéo discutia Morgan e Bachofen e escrevia “A origem da Familia...", subor- dinando a liberagdo da mulher a uma revolug¢do da propriedade priva- da. Suceceu-c 0 positivismo de Seignobos que rejeitava a histéria dos sexes © do cotidiano, elegendo o povo e o Estado como objetos por exceléncia. Nos anes 1930, os Annailes de Marc Bloch e Lucien Fébvre inauguram © predominio do econémico e do social, através dos estu- dos de conjuntura e estrutura, mas n&o tevam em conta a dimensao sexual. Em estudos sobre a familia, mas esmagada sob o rigorismo de Le Play, ela é sufocada. Dos anos 20 aos 40, a hisiéria da mulher é contundida com feminismo ¢ origina algumas obras como as de Jules Puech e Leon Abensour, muito voltadas para a sociclogia. Neste inierim, o campo entdo inovader da Demoarafia Histérica pouco elucidava scbhre as mulheres, consideradas téo-somente uma varidvel de reprodugao. Nao levando em conta as mulheres sds, ape- nas os casais, a Demografia Histérica ainda reafirmava o cardter patri- linear da Histéria ao utilizar unicamente os patronimicos masculinos para a reconstituigdc de familias. Foi sem dtivida a partir do 1970, com a “Nouvelle Histoire” favo- recendo a expansao da Antropologia Histérica, que se colocou em de- bale o papel da familia e da sexualidade, ¢ com a Hisidéria das Men-

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