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vito Jorge Rodrigues Goncalves IUVOLENCIA SEXUAL De todas as modalidades de violéncia que vitimam 0 erhumano, uma das mais abjetas é, sem diivida, a vio- inca sexual. Isso porque o dano que pode causar nao se restringe & integtidade fisica da pessoa. Ultrapassa-a em muito, chegando bem além. Atinge a esséncia moral da vitima, Lesa-lhe na dignidade sexual. Fere sua integridade oral sexual, que nao se beneficia dos processos biologi- cos dereparacio. Priticas sexuais ilicitas so cometidas por pessoas de to- «hss camadas socioculturais. Enganam-se os que precon- cetwsamente pensam ser essas priticas comportamento Iiratvo da plebe. Nao siio poucas as acusagdes que tém ‘raido sobre personagens notabilizadas, dignas de todo |} ito, tdas até entio como acima de qualquer suspei- ‘Sao fartos os registros jornalisticos envolvendo estilistas, ‘tacadores, desportistas, recreadores, médicos, orientadores ‘loss. Pesa-me sobremaneira ver incluidos nesse rol ta- [6s facultativos, laureadas figuras da Medicina, especia- “sfamosos, de renome internacional, que um dia juraram Aiuutinismo render absoluto respeito a todos 0s que fra- (aut Pela doenga thes procurassem profisionalmente; Lt tants dscfpulos que, de repente, em inexplicivel dopa tiftgados dentro de um jaleco branco,simbolo s augusta pureza, escondidos sob uma falsa méscara nate, agora fantasiados de médico, mendacio- boy, «aM a abusar sexualmente de seu crédulo consu- bag (Rewiando-se da justificdvel confianga que neles spa “aig ft Mor espant, em que pese a extrema TePUE- violencia sexual desperta ordinariamente em ahaa ite qualquer pessoa de senso normal, ainda existe quem a a € até a justifique. E de um conhecido politico a famigera- da frase sobre o tema, proferida por ele em plena campanha eleitoral que fazia em 1989: "Se esta com desejo sexual, tudo bbem, estupra, mas no mata.” Que vitupério... Em Medicina Legal, o estudo da violéncia sexual costu- ma ser feito na parte dedicada aos crimes sexuais, embora se saiba que alguns dos crimes assim denominados possam ser cometidos por meio de grave ameaga ou de fraude, e nio propriamente mediante violencia fisica IBCRIMES SEXUAIS Crimes sexuais sio aqueles que, na definigdo de Emi- lio Bonnet’, esam dolosamente a integridade sexual fisica ‘ou moral da pessoa. Logo, somente a pessoa pode ser su- jeito passivo dos crimes sexuais. A execrivel violagio, para fins sexuais, do corpo sem vida, do cadaver ~ portanto, ndo ‘mais pessoa -, pode tipificar infragdes penais contra o res- peito aos mortos, nao crimes sexuais, de que se trata aqui. ‘Nosso Cédigo Penal, apresentado pelo Decreto-lei n® 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e vigendo desde 1* de janeiro de 1942, contempla os crimes sexuais no Titulo VI da Parte Es- pecial, sob a epigrate Dos crimes contra a dignidade sexual ss titulo sofreu profundas reformas, promovidas pela Lei nn? 11,106, de 28 de margo de 2005, e, principalmente, pela Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, visando deixé-lo mais consonante com 0 pensamento eo modo de agir da socie- dade contempordnea, em matéria sexual, e afiné-lo com os direitos fundamentais, garantidos pelo moderno Ordena- mento Juridico. 595 Para o professor Genival de Franga’, andou certo 0 le- sislador nas reformas, especialmente ao trocar a nominagio do titulo, pois “o que se deve proteger (..) éa dignidade da pessoa humana endo as prferéncasaeitasouinaceitas pela © titulo Dos crimes contra a dignidade sexual ~ ou sim- plesmente crimes sexuais -, tem suas figuras penais distri- buidas em quatro de seus capitulos: © Dos crimes contra a liberdade sexual; 0 Dos crimes sexuais contra vulnerdvel; 0 Do enocinio e do trdfico de pessoa para fim de prosttuigiio ou ou- tra forma de exploragao sexual; ¢ © Do ultraje piiblico ao pu- dor. Como nem todos os crimes elencados nesses capitulos carecem de maior apreciagao médico-legal, sie destacados aqui, na sequéncia que o cédigo os apresenta, apenas 0s que interessam mais de perto ao perito-legista, e deles ¢ feito um estudo sucinto. Crimes contra a Liberdade Sexual Pertencem ao Capitulo Dos crimes contra a liberdade se- xual 0 estupro, a violagao sexual mediante fraude e 0 assédio sexual. Estupro Estupro deriva do latim stuprum, desonra, vergonha, oprdbio. O crime de estupro esté definido no artigo 213 do Cédigo Penal como Constranger alguém, mediante violén- ia ou grave ameaga, a ter conjungao carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Para a forma simples, a pena cominada é a de reclusio, de 6 a 10 anos. Para as formas qualificadas, previstas nos $§ 1" e 2° do mesmo artigo, a pena é agravada, respectivamente, para re- clusio de 8 a 12 anos, se da conduta resulta lesio corporal de natureza grave ou se a vitima é menor de 18 e maior de 14 anos; ¢ para reclusao de 12 a 30 anos, se da conduta resulta a morte. Lesio corporal de natureza grave & qualquer uma das listadas nos $§ 1" e 2" do artigo 129 do mesmo diploma legal. As lesoes corporais nao consideradas graves, portanto leves, e resultantes do estupro ficam subsumidas no proprio crime sexual. ‘Além dessas agravantes,o estupro tem a pena aumentada, pelo artigo 226, I, de quarta parte, se o crime & cometido com © concurso de duas ou mais pessoas; pelo artigo 226, Il, de metade, se 0 agente € ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmao, cOnjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vitima ou por qualquer outro titulo tem au- toridade sobre ela; pelo artigo 234-A, III, de metade, se do cri- ‘me resultar gravider; e pelo artigo 234-A, IV, de um sexto até a metade, se o agente transmite a vitima doenca sexualmente transmissivel de que sabe ou deveria saber ser portador. Doengas sexualmente transmissiveis so consideradas nao apenas as antigamente denominadas doengas venéreas —como a siflis, a blenorragia etc. —, mas qualquer outra pas- sivel de transmissdo pelo contato sexual ~ como as hepatites BeC,aAlDS etc. A letra da lei exige a efetiva contaminagao Se da vtima O agente que infectado, pratica sexo com ‘mas nao Ihe transmite a doenga, responders peo dah ™ xual cometido, em concurso com crime de outra nat ns de Perigo de contdgio venéreo, definido no artigo 13( Perigo de contagio de moléstia grave, definido no aj abrangidos no Capitulo Da periclitagao da vida e da sig Por questao de légica médico-juridica, também nao cabe,, aumento de punigao se a vitima ja era portadora da doer {que nao seja sequer agravada pela ilicitude sexual softida Providenciais as inovagdes inseridas pelo artigo 234.4 Indubitavelmente, entre as piores consequéncias que o ety, pro pode acarretar para a vitima esté 0 contigio de infeqag sextialmente transmissivel, que, a depender da entidade no. solégica, pode ser incurdvel e até mesmo mortal. Existeaindg a possibilidade dea vitima, se mulher, contrair gravider, fo considerado tao grave pela lei penal a ponto de nao punir a interrupgio do processo gestacional resultante do crime de estupro, nas condigdes que estabelece. Justifica-se a norma permissiva com o argumento de que nenhuma mulher deve ser obrigada a manter a prenhez decorrente de um coito vio- lento, nao desejado por ela. Nesse sentido, no Estado do Rio de Janeiro, a Lei n® 2.802, de 18 de outubro de 1997, obriga os servidores das Delegacias Policiais a informarem 4s vitimas de estupro que a gravidez resultante desse fato poderd ser interrompida de acordo com a legislagdo em vigor. Como crime hediondo, assim considerado pela Lei n* 8.072, de 25 de julho de 1990, o estupro, em qualquer de suas formas, é insuscetivel de anistia, graca, indulto e fianga. (Obem juridico penalmente tutelado pelo artigo 213 énio apenas a integridade fisica, mas também a liberdade sexual da pessoa, ingrediente imprescindivel da dignidade sexual; a liberdade de disposi¢ao do préprio corpo no tocante aos fins ‘sexuais; a faculdade de livre escolha ou livre consentimento nas relagdes sexuais; a inviolabilidade carnal. dispositivo do atual artigo 213 incorpora o contetido do antigo artigo 214, que tratava do Atentado violento a0 pudor, revogado pela Lei n® 12,015, de 2009. Qualquer pessoa pode ser sujeito passive do crime de estupro, independentemente de qualificativos individuais, como 0 sexo, a idade, o estado civil, a profissio, a condigio mental e outros mais, Ninguém, nem os que mercadejam 0 proprio corpo para a saciedade sexual de terceiros, nem 0 mais inveterado pederasta passivo ou a mais despudorada meretriz, esté a margem da protegio penal. Todas as pessos sem excecao, sao titulares desse direito protetivo. Sendo a vi tima do sexo feminino, nada importa, portanto, se “virgem ‘ou se “honesta’, nas arcaicas e machistas acepg@es, nas adie tivagdes indisfargavelmente preconceituosas e discriminatO- rias, banidas ja nao sem tempo do Estatuto Penal. Nenhum® mulher ~ porque antes pessoa -, jovem ou idosa, virge oY deflorada, casada ou barrega, solteira, viva, separada ou di- vorciada, honrada ou depravada, honesta ou devassa rect da ou libertina, inocente ou iniciada, ingénua ou experien'® 4ificil ou fécil, de um homem s6 ou de varios leitos, mont ‘ou prostituta ~ expressdes outrora tao enfatizadas por I” Portantes doutrinadores ~ pode ficar fora da tutela pen! 0 27 Violéncia Sexual ~ Crimes Sexuais ~ Demonstragao Pericial turer ou ode igo 131, nea, smo, para ser tivo, a mais profss olor a em se esa conduta, ela nao Gas : ode forgi-!» « the servis nae pm cliente P de fors he servir. Nao cabe maig em pesto zo moral sobre « scxualidade de alguém yl MN ect-l0 como titular do dircito a dignidade que fel rsotheeqdos nés,indiferentemente, Somentefazem ec, cae" sous menores de I4 anos € as que por ours 2 is que no ess dade, também sao consideradas es pong conta elas qualquer ago sexual en soem outro tipo Penal oestupro de valnerivel est | int | gj mais 2 frente, vais para trazer 3 lembranca, a violéncia sexual per- ip contra a mulher no ambito doméstico e familiar Figura infragao que determina também a aplicacao da Lei | {r11340, de 7 de agosto de 2003, popularmente conhecida ‘in lei Maria da Penha. ; | cmanto 2 sjetoativo do crime de estupro, igualmente, | qalger pessoa pode sé-lo. A assertiva de ser o constrangi- | thea conjungao carnal somente concretizvel pelo ho- | fem, por implicar a necesséria penetracio virl, ndo & cor- | Mion face da nova norma. A mulher que forca o homem & | xungao carnal ou a ato libidinoso diverso desta também tomete o crime de estupro. Divergiam diametralmente as opinides sobre a possibi- liade de 0 marido ser considerado réu de estupro, quando, mediante violéncia ou grave ameaca, constrange a esposa a retacio sexual. O insigne mestre Nelson Hungria® susten- tnaanegativa, sob a argumentacao de que o estupro pressu- pie cépula ilicita e a c6pula intra matrimonium é reciproco iver dos cénjuges, dever esse que, se negado, justificaria a vinca necessdria para o exercicio regular de direito. Com «devia vénia, nunca pude concordar. O exercicio regular de {aio reconhecido pelo direito positivo, in casu, € o referen- tea relacionamento sexual natural e voluntério do conjuge, ‘io iquele sob constrangimento. E 0 estupro nada mais é do que um crime de constrangimento ilegal, visando espe-

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