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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCACAO DEPARTAMENTO DE ESTUDOS BASICOS EDU 01017 — Psicologia da Educagdo: O Jogo | Professora Tania Ramos Fortuna Comentario sobre leftura de Homo Ludens, de dohan Hutzinga por Franciele Machado de Aguiar atlst Porto Alegre, outubro de 2011. Comentario sobre a leitura de Homo Ludens, de Johan Huizinga Eno dominic do Iddico que encontramos a origem da civilizagao. 0 jogo no é um elemento que surge com a cultura, mas seu principio fundante, a base a partir da qual se edificam as mais elevedas criagSes da civilizagao, tais como a poesia, a filosofia, o direito. A todas elas perpassa 0 espirito inerente ao jogo, cuja pratica no se limita ao homem enquanto criador e produto da cultura, mas se relaciona a sua natureza, a sua identidade mais primitiva, ante 1 ao artificio da cultura onde, ao lado do animal, o ser humano reencontra 0 ponto de contato com seu sentido primeiro de vida., No estudo do jogo a que se propés, com a riqueza de pormenores que ¢ fruto de um profundo rigor investigativo, Huizinga localiza as bases irracionais do jogo, cuja definiciio escapa aos conceitos de finalidade, seja biolégica, fisiolégica ou psicaldgica. E a partir do reconhecimento, no jogo, de elementos irracionais que 0 desvinculam de fins exteriores ao proprio ato de jogar que o autor empreende a busca pelas caracteristicas do elemento \iidico, a fim de aproximar-se de uma definicdo que permita, apés isso, encontrar na cultura seu espirito de jogo originério. E preciso lancar 0 olhar ao prazer, o divertimento que caracteriza o jogo como uma atividade cuja esséncia reside na fascina¢do, na capacidade de excitar que torna extremamente envolvente € bela a acdo Iddica, Através do jogo a realidade se torna maleavel, a rigidez, a concretude do real da lugar a intensidade multiforme do imaginario, da expressio criadora de outros) mundo(s). Por detrés de toda expressao abstrata se oculte uma metéfora, € toda metéfore ¢ jogo de palavras. Assim, ao dar expressdo & vida, © homem cris um outro mundo, um mundo poético, a0 lado da natureze. (HUIZINGA, 1995) A linguagem é, ela mesma, jogo. Ao designar, nomear e classificar as coisas, o homem as eleva ao dominio do espirito, transita entre a matéria e © pensamento, possibilita 0 comunicar. Transforma, pela linguagem, o mundo exterior, através da fantasia que origina o mito e 0 culto. Diz Huizinga: “As grandes atividades arquetipicas da sociedade humana séo, desde 0 inicio, inteiramente marcadas pelo jogo”. E justamente ai que se originam as bases da vida civilizada A partir da constataao da presenca do elemento liidico no ritual, 0 autor detem-se na comparagao entre jogo e seriedade, sendo a segunda 0 seu oposto, porém podendo ser abarcada pelo jogo. A possibilidade de a seriedade estar contida no jogo, demonstra ser impossivel defini-lo em termos de dualidades como bem e mal, vicio ou virtude, fato que aproxima do dominio da estética o elemento lidico. Dada, no entanto, a impossibilidade de definir completamente o jogo, seja nos dominios da estetica ou em termos légicos e biolégicos, tendo em vista sua insubmissao a tais categorias de pensamento, nos é possivel apenas localizar suas caracteristicas. jogo é uma atividade voluntiria, desinteressada e, por isso, é essencialmente liberdade. Permite uma suspensdo, uma evasao da vida real — é um intervalo em nossa vida cotidiana. Constitui um isolamento, 4 medida que é dotado de inicio e fim, limites temporais © espaciais. O jogo, enfim, cria ordem e ¢ ordem, a partir do instante em que se funda sobre regras as quais aderem aqueles que dele participam. No que se refere a sua funcio, ela pode ser definida por dois aspectos fundamentais: a luta por alguma coise e @ representagdo de alguma coisa O reconhecimento de tais caracteristicas como inerentes a esfera do jogo permite a0 autor apontar, ac longo de toda a obra, as origens luidicas do diretto, da guerra, do conhecimento, da poesia, da fllosofia, da arte. Em todas essas manifestacdes, o jogo figura como ponto de partida, elemento fundante. Fm toda a cultura, manifesta-se enquanto competicao, representago ou ainda, como essociacdo dessas duas fungies, Podemos falar sobre a tensdo presente no jogo, a ideia de incerteza e acaso que carrega consigo. Podemos falar, ainda, em aiteridade, no tornar-se outro, no disfarce, no transporte por ele possibilita. Em ambos os casos, tocamos a esséncia do liidico, que se manifesta em sua etimologia, nas mais diversas linguas. Hé a identidade entre 0 agonistico — 0 espirito de competicao ~ ¢ 0 ladico: Conceitos como desafio, perigo @ competiclo est3o muito préximos do dominio do hi Jogo © perigo, risco, sorte, temeridade ~ em todos esses casos trata-se do mesmo campo de ago, em que alguma coisa esté “em jogo”. (HUZINGA, 1996), Este “em jogo” remete imediatamente a outra palavra inscrita nos dominios do lidico: lusdo (inlusio, illudere, inludere). 0 jogo possui a consciéncia latente do faz de conta: ‘A copacidade de tornar-se outro © 0 mistério do jogo manifesta se de mode marcante no costume da mascereda. Aqui atinge 20 méxime @ noturses “extra-ordiniria” do jogo. 0 individuo Aisfargado ou mascarado desempenta um aepel como se fesse ‘outra pessoa, ou melhor, & outra pessoa. Os terrores da infincia, 2 alegria esfuziante, a fantasia mistica © os rituais sagrados encontramse inextricovelmente misturados nesse estranho mundo do cisfarce e da mascara. [HUIZINGA, 1996) Nos dominios do jogo sagrado, a crianca, 0 poeta e o selvagem encontram um terreno comum. A representaco no exclui a identificagao. Em seu enlevo e entusiasmo, 0 jogador é capaz de absorver-se inteiramente em sua atividade. Mencionarei de passagem as relagdes estabelecidas pelo autor entre 0 jogo ¢ 0 direito, a guerra, as formas lidicas da filosofia e da arte. Em todos esses casos; 0 jogo ‘enquanto competicio reveste-se de fungdes culturais. Na luta pela honra ou pela gléria, na @nsia de ganhar, seja através da demonstrag3o de habilidades fisicas, poder ou conhecimento, desenvolvem-se, dentro da esfera do jogo, as grandes forcas da vida civilizada. A formago mitica e a poesia também no se estabelecem dentro de limites racionais, mas circunscrevem-se no campo da ludicidade. Designado como Vates, o poeta arcaico € 0 possesso, inspirado por Deus, em transe, aquele que possui um conhecimento extraordinario. Desse Vates primordial derivam 0 profeta, 0 sacerdote, o adivinho, o poeta, © fildsofo, 0 legislador e 0 sofista Através de exemplos encontrados nas mais diversas regiées e ép0cas, 0 autor chama atencao ao fato de que a estreita relagdo existente entre o jogo e 0 sagrado, o ritual, vai se dissolvendo medida que a civilizaggo se torna mais complexe. Quando 0 trabalho, o racionalismo € 0 progresso tecnoldgico passam a ser fatores dominantes ne sociedade, 0 espirito lidico arrefece. Huizinga aponta que a concepgao légica das coisas, no entanto, é incapaz de levar 0 homem muito longe. Que apesar de todos 0s tesouros de suas faculdades, © pensamento sempre encontra, “no fundo de todo julgamento sério, um resto problemético”, pois no fundo de nossa consciéncia, sabemos que nenhum de nossos julgamentos é decisivo. Vacila 0 julgamento e, junto dele, nossa concencao de que 0 mundo uma coisa séria. A sabedoria eterna encontra divertimento na companhia das criangas. Uma das mais belas conclusdes @ que 0 autor chega ao longo da obra, ¢ a de que “o jogo ornamenta e vida, ampliando-a’. Na esfera do lidico, tudo é intensidade, vibracao, prazer. O jogo é uma necessidade. Através dele, é possivel transportar-se a um mundo onde © peso se converte em leveza, as coisas permitem-se a eterna transfiguragao. O jogo toma possivel, constréi caminhos, incertezas, abismos. Dentro do dominio do jogo, 0 concreto cinza se dissolve, 0 olhar € colorido. Athos de crianga, de ator, de palhaco... O jogo permite criar. Permite o sonho eo pesadelo, explosdes de imaginario arrebatado, Ohomem que sabe é 0 homem que brinca Diga a0 mundo que jogo, que espere Que finjo, assume mascaras Eu sou 0 rei, o monstro Alva Herdi em combate. Ferido. Morto. S6 de brincadeira Porque jamais vivi tanto assim: em jogo, livre Esse papel assumo Conquisto espagos com as palavras que Dangam Inventam mundos, mapas. Escrevo e brinco Cartas para o infinito, leis e regras que valem Para o agora Valem aqui. Campo de jogo Um espaco Limite de espago Naves no espago. Viagens no tempo que para, caminha devagarinho ou voa que avanga e recua, Da saltos, esconde-se entre 0 ser e 0 ndo ser Brinca Hamlet Vassouras galopam Atraso-me: no tabuleiro pisa-se com calma Melhor nao despertar Diga ao mundo que jogo. Que espere, pois BIBLIOGRAFIA: HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. 0 jogo como elemento da cultura, Ecitora Perspectiva: Sao Paulo, 1996.

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