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O TOPICO TEXTUAL E A ARGUMENTAGAO, Leci Borges BARBISAN (PUCRS) 1 - Introdugao Este artigo apresenta uma proposta para o estude do tépico no texto crgumentativo', Pretende-se entender como o tépico pode ser identificado no contexto do texto e como se constituem as cadeias que ‘organizam a informagéo, Para tanto, define-se 0 tépico € a organizagco da informagdo tendo-se em vista os concelfos de texto e de texto ergumentativo. No que conceme ao texto, priviegia-se a perspectiva em que os tiés niveis propostos por Van Dik: a macio, a micro € a superestrututa se arficulam para constiuir 0 todo semntico, que é 0 texto (ou discurso4), no qual a informagdo se organiza sob a forma de tépicos e comentarios. Tratando-se de textos argumentativos, aposta-se que a relacdo teselargumentos é de aigum modo importante para a estruturagdo do topico. Com isso se est querendo dizer que as diferentes informagoes exeicem, no semantismo global do texto, papéis de maior ou menor Importncia, decorentes de suas fungdes e de sua hlerarquizagéo, confoime as categorias {tese ou argumenio) a que pettencem na superestrutura argumentativa. "A autora coordena 0 projeto Continuidade temética no texto ‘argumentative, desenvolvide no Curso de Pés-Graduagéo em Letras da PUCRS e apolado pelo CNPq. Constituem o grupo de pesquisadores: Leci Borges Sarbisan, Lia Lourdes Marquardt, Rejone Flor Machado. Rita Simone Spilman Bexiga. * Neste trabalno tomam-se fexto @ discurso como sinénimos LETRAS - Rovisa do Curso de Mestiodo om Letras da UFSM (RS) - Janerovlunho, 2000. 77 Duas perguntos devem nortear as reflexdes aqui desenvolvidas: 1, Ha relagao entre micro, macro e superesttutura no texto argumeniativo? 2. Nos textos argumentativos, os tépicos, na micro-estrutura, so orientados pela macro e pela super-estrutura? 2 - A proposta tedrica © tormo texto, como explicam Halliday & Hasan (1976), designa uma passagem qualquer, oral ou escrita, em prosa ou verso, didlogo ou Monélogo. Pode ter extenséo variével, indo desde um enunciado unico, ou de uma palavra ("Socoro!"), até se gmentos de grandes proporcées. Todo texto € realizado por sentengas, mas no é uma soma de sentencas. E uma unidade, nao de fora, mas de sentido. Aqui o texto é visto como uma unidade funcional de comunicagdo. O significado 6 a TepresentagGo de algum tipo de acontecimento ou estado do mundo teal, além de ser 0 resultado do modo de interagdo entre falante e couvinte. Em sua imanéncia, 0 texto, visio como um todo significative, presenta ciferentes tipos © niveis de estruturas, como propée Van Dik (1978; 1983; 1986). Percebendo-o como um todo composto de unidades textuois malores, as seqiiéncias num nivel mais global, aicanga-se a chamada macroestiutura, definida como uma fepresentagéo abstrata da estrutura global de significado (VAN DUK, 1978), Mas hd diferentes niveis possivels de macroestrutura, indo do mais geral a um nivel hietarquicamente infetior, constituido por partes do texto. 78 LETRAS - Revista co Curso de Mestrado em Letras da UFSM (RS) - JanelrojJuni Estruturas também globais, mas especiais, constituem as supetestiuturas. Estas tm cordter abstrato e sG0 independentes das estruturas linglisticas, As superestrututos caracterizam os ciferentes tipos de texto, $60 como um esquema ao qual o texto se adapta. Assim, uma estrutura_nonativa € uma superestrutura, independentemente do contetido da narragdo, embora as superestufuras imponham certas limitagées a esse conteddo. Uma superestrutura € um tipo de texto que tem come contetide 0 tema da macroestrutura As superestruturas e as macroestruturas seménticas tm uma propriedade comum: se definem no conjunto do fexto ou em fragmentos Geste. Por isso, fala-se de estruturas globois, diferente mente de estiuturas locais ou microesttuturas, no nivel das oragées, Entéo, ao conceit anteiormente apresentado que afima que, neste trabalho, o texto 6 uma unidade global de sentido, acrescenta se agora a idéia de sua constituigdo em és niveis relacionados entre si. micro, a macro ¢ a superestutura Quanto do texto argumentative, objeto deste estudo, Charolles {1979} 0 considera “ofientado para o receptor do qual ele visa modticar {8 disposigées interiores’, Assim, toda conduta argumentati va toma lugar numa situagdo, engaja pariicipantes [0 agente argumentador e 0 pociente crgumentatério, diz respeito a um objeto ou campo problematice, visa a um fim que é a adeséo a uma tese @ exige do ‘aigumentador meios, que sGo argumentos. Toda telagdo argumentativa, segundo Charaudeau (1992), se compée de rs elementos: uma asser¢éo inicial (premissa], uma assercdo final (conclusdo) € assergées de passagem [inferéncia, prova, ‘argumento). A premissa 6 um dado inicial, primeiro, colocado antes, que LETRAS Reva do Cuso de Westiod em Letios do UFSI RS) - Janerollunho, 2000. 79 admite uma outta asseigdo, em telagao 4 qual ela se justiica. A conclusdo apresenta aqullo que deve ser acetto, decortente da premissa edo elo que a liga a esta ‘A passagem de uma premissa para uma conclusso é uma asserga0 que justitica uma relagdo de causalidade, Essa asseigap é 0 universo de crenga sobre os fatos, compartihado pelos interiocutores. Eo aigumento, que deve levar 0 interlocutor a aceitar © propéstto como verdadetro. Ao desctever a sequenciclidade argumentative, Adam (1987) Opresenta. sud superesiutura, como consilluida pelas seguiniles categotias: tese anterior, premissas, argumentos, conclusdo, nova tese, as quais ndo aparecem obrigatoriamente nessa ordem no texto. Neste trabalho, considera-se como sendo argumentattivo o texto que tem essas categorias em sua superestiutura. A infornagao em textos se organiza a partir das nogdes de tema e rema, ou topico @ comentétio. Obsewvando-se as propostas de alguns lingdistos que tratarar da informagéo no texto (ou discurso), sob a forma de temaliema ou de tépicofcomentatio, tals come os da Escola de Praga, Combettes (1986), Van Dijk (1983), Clark & Havilland (1974), Prince (1981), Gtvén (1992] percebe-se que: - hG diferentes tips de abordagem como a funcionalisia e a cognitivsta; - as duas nogdes sdo associadas a dado € novo, caragando o 46pico menor grau de infornatividade, e o comentétio, maior; = 0 tepico pode referir a uma expressdo da sentenga anterior no texlo/discurso ou a uma sequéncia de sentencas; 80 LETRAS - Revista do Curso de Nvestodo em Letras da UFSM (3 - Janelor Junho, 2000. ~ hd estudos sobre a organizagéo da informagde no texto que ccontemplam a interagdo falante/ouvinte. - ha diferentes formas de o ouvinte/leltor resgatar entidades jé dadas, que funcionam come referentes do tépico; a lingua dispée de recursos linguisticos para assinalar © dado e 0 novo; - © topico pode assumir, sintaticamente, no texto, a fungéo de sujeito na quase totalidade dos casos; - a fepetigde de um topico ao longo de varias sentengas produz cadeias que marcam a continuidade temética em sequéncias do texto; - hd tépico de sentenga, em um nivel local, e t6pico de discurso, tomado globaimente; - hd influéncia do t6pico do discurso sobre o tépico da sentenga, Quase todas as teorlas refetem-se & organizagée da informagao, distinguindo dado e novo, no nivel de sentenca. Nota-se ainda que o topico 6 geralmente identificado com o sueito da oragéo € que muttas abordagens ocupam-se de diferentes formas com a identificagao do tOpico, néo chegando, porém, & nogdo de continuidade topical ou temética, Mas o que chama a atengéo é que, quando o fazem, como 0 caso da teoria de Combettes @ da de Givén, a continuidade remete @ uma sucesso de sentengas em que 0 tépico, sob a forma de tema, persiste, Quer-se dizer com isso que geraimente ndo sao estudados os dis tipos de informagdo {tépico € comentario) € que, ao se estudar a ‘crganizagéo informacional, ndo se define o que se entende por texto ou ciscurso. A proposta apresentada neste trabalho pare justamente do concelto de texto e, mais espectiicamente, de texto argumentativo, 0 t6pico 6 visto desse modo numa perspective textualaiscusivo. Entao 0 tpico, neste estudo, sera: - aqullo de que se fala; = aquilo que o ouvinte/leitor j@ conhece, tanto porque i fol mencionado no texto como topico ou como comentario, com o- Mesmo sentido, ou sentido proximo, quanto porque é inferivel pelo contexto, ou familiar, passivel de ser reconhecido; ~ 0 que tem como fund sintatica a de suieito ou néo; = © Que, de algum modo, tem telagéo com a macio e a superestutura, que orientam a organizagée de informagdo na microestutura. O comentario é aquilo que se diz sobre 0 t6pico. E 0 novo, o que foz avangar a infomagdo no texto. © avango da informagdo no texto, neste estudo, determina a continuidade topical, Esta € vista na passagem de uma sentenga para ‘outta, na linecridade do texto, mas sempre orientada pelos estruturas Globais: a macro ¢ a superestrutura, S40 top icos e participam de cadelas topicois aqueles itens que tém relagao de sentido com itens que compdem as estruturas globais do texto (a macro e a superestiutura). Analisam-se, neste trabalho, além das continuidades topicais, também os continuidades temdticas, que néo se organizam apenas na linearidade do texto, mas © percorrem em cadeias que se intertompem 82 LETRAS - Revista do Cusso de Mestado em Letras do UFSM (88) - Janetollunho, 2000. @ reaparecem mais tarde ao longo do texto. Essas cadelas temdticas estrutuiam-se em tomo de temas que sdo termos-chave das estruturas globais. denominado tema, nesta pesquisa, em consondncia com Van Dik (1986), 0 essencial do que se disse; no o sentido das oragées tomadas individuaimente, mas do texto como um todo, ou dos pardgratos 3 - Ametodologia para a andlise A anélise do tépico @ do comentario, a seguir, deve mostrar como funciona, em um texto aigumentativo escrito, a proposia tedrica apresentada anteriomente. Adar (1987) cita, como variantes da argumentagdo, © judiciério (acusagdo/defesa, justofinjusto), © epiditico (elogio/censura, bonito/feio), © deliberativo (consetho/desaconselhamento, utifinutl) @ 0 cttico (demonstragdo/tefutacto, acordo/desacordo, verdadeiroyfalso}. Neste estudo serd utlizada a vatiedade de texto argumentativo que Adam denomina ciitico, incluido nos argumentativos criticos est © editorial, tipo de texto escolhido para ser aqui analisado. © editorial € entéo um géneto do texto argumentative que se produz numa insténcia comunicativa que lhe € propria. Publicado pela imprensa escrita, que se Caracteriza por uma interagdo distanciada entre quem escreve e quem 8, por uma ndo-coincidéncia entre tempo do acontecimento, tempo da escrita e tempo do leitura, © editorial presenta uma insténcia de produgéo - que representa os papéis de pesquisador, de comentador da informagde - uma insténcia de recepedo que € consiruida como “alvo intelectivo" @ um propésito que ~ LETRAS Revista Go Curso Ge Mastado em Leas da UFSM [RS)- Janeloliunho, 2000. 83 transforma 0 acontecimento brto em “acontecimento do espaco pliblico” (CHARAUDEAU, 197). Do ponfo de vista argumentativo, o editorial, visto como comentario organizado, impée uma viséo explicativa do mundo, traz a luz 0 que néo se vé, 0 que é latente e que constitui 0 motor do acontecimento, Problematiza © acontecimento, levanta hipdteses, desenvove teses, traz provas, impde conclusdes, Para 0 leifor, trata -se de avalicr, medir, julgar 0 comentario para aderir a ele ou rejelté-to (CHARAUDEAU, 1997). © editorial visto desse modo, serd aqui objeto de andiise. Quanto aos procedimentos metodolégicos que serdo utilzados na andlse, © ponto de chegada do presente trabalho € 0 texto produzide do ponto de vista de sua organizagéo informativa. Para atingi-lo, porém, © analista deve se colocar na posigéo de receptor do texto. Assim, os processos que envolvern a telagdo entre emissor, receptor e texto, tanto Na emissGo quanto na recepgdo, interessam a este trabalho. Essa reflexGo orienta as etapas que sdo seguidas na metodologia para a ‘andlise do corpus $60 pivilegiados aqui os principios que regem © processamento cognitive do texto propostos por Van Dik (1986), Foz-se essa escolha por se Considerar que sua proposta vem ao enconiro da teoria aqul adotada quanto & definigdo de texto, Para entender como se processa a compreenséo, Van Dik (op.cit,) se serve da nogdo de memétia. Distingue dois tipos: a de curto prazo (MCP) € a de longo prazo (MLP). Na compreensdo do texto © ouvinte/lettor Percebe fonemas ou seqiiéncias de fonemas e polavias ou grupos de 4 LETRAS - Revista: do Curso de Mestad em Letras da UFSM{RS] -Jonero/Nunho, 2000. palavras. O usuario da lingua traduz a informagao de superficie em informaggo seméntica, que se aimazena na MIP, Ndo se dé 0 processamento da informagdo sintatica antes da seméntica, mas ao mesmo tempo. A informagao seméntica € concettual. A infoimagdo conceitual das oragées se estabelece sob forma de prop osigdes basicas que 560 4 informagao mais elementar. Como a MCP € muito limitada, para compreender o discurso, © owvinte/letlor organiza e reduz informagdes complexas tonando-as proposicionals. A seatiéncia de proposigdes se organiza em fatos cognitives. fatos sG0 representagées cognitivas do que interpretamos como um fato, uma ago, um estado, © fato reume um grande numero de proposigées € organiza sua interpretagdo, reduzindo-o. A taefa seguinte de um modelo de compresnsdo é a de relaclonar as infomagées. Para isso, € necesséio conectar semanticamente as oragées, relacionando propasigées ou fatos. Nessa relagdo indispensavel recorer & MLP para a obtengéo de infomagao conceitual sobre fatos @ elos entre fatos. Nesse proceso, modelos cognitives como "frames" desempenham papel importante, Alm de fomecer elos omitidos, os modelos mentais indicam que fatos devern ser agrupados, levando 4 identificagdo da infornagdo necesséria 4 atriouiggo de mactoesttuturas na compreenséo de textos, A fase seguinte consiste no armazenamento da informagéo na MIP, HG um principio que subjaz a esse aimazenamento, explica Van Dik (1986, 1.85): "a estrutura da informagéo textual na MLP a estrutura que $e aitioui ao discurso durante sua compreensdo na MCP", EntGo a informagdo textual piimeiramente se organiza em fatos conectades linearmente por relagées. Todo fato € dominado por uma: LETRAS Revista do Curso de Mestrado em Leis da UFSM (83) - JonetcjJunno, 2000. 85 macroestrutura . E se 0 discurso tem uma superestrutura, a macroestutura: pode ser organizada de acordo com um esquema superesttutural hierdrquico. Assim, & informagao se atripuem estruturas em varios nivels e € como tal que ela é armazenada na MLP. A Ultima fase do processamento do discutso é a da recuperagao @ da reprodugdo de informagdo na MIP. Na recuperacao, os unidades mais acessivels sG0 as que estéio relacionadas com unidades do texto. A informagdo “reproduzida” nem sempre € igual 4 informagao original, ja que hd transformagées seménticas: informagdo nova, avaliagdes, comeniGrius, elc. A compreensdo, 0 aimazenamento e a recuperagae nunca sGo “puros”. [sso mostra que a reproduce € a reconsttugdo da lembranga estdo sujeitas as construgdes de produgao, No process de produgéo de um texio, sempre segundo Van Dijk, dase © contrérfo do que se encontiou na compreensdo. As estrufuras conceituals sGo expressas dando-lhes formas sintaticas e expressées morfo-fonolégicas; as fun¢ées pragmaticas, fais como tépico e comentario, esto iguaimente relacionadas a fungées sintaticas, $40 aplicadas ainda estratégias em que sGo usados esquemas de oragdes mais ou menos fixos para expressar a infornagdo seméntica. No nivel semantico, o produtor do discurso Geve tratar de manté -Io coerente. Ele tem de antemGo uma representagao conceitual do assunto Ou tema principal, isto é, a macroestrutura, bem como 0 tipo de discurso, @ superestutura esquematica, A macroestrutura orienta a Pprodugdo real de ora¢des, no sentido de que a microestrutura tem por guia 0 tema global, E na microestrutura que se organiza a informagao sob forma de topicos e comentarios, objeto desta pesquisa. 86 LETRAS - Revista do Curso de Mestrado em Lettas da UFSM (5) - Janero/Junho, 2000) A condigdo de ter um planejamento mais ou menos detalhado para produzir um texto, diz Van Dik, € muito importante, Esse planejamento compreende a macioestrutura @ © esquema superestrutural, © produtor tem também uma representagée global do ato de fala que quer realizar. Como se pode deduzir do que foi explicitado quanto a compieensdo € 4 produgdo do texto, ttata-se de processes inversos. Isso pode ser explicado do seguinte modo: para compreender o texto, o ouvinte/leltor parte do nivel micioestrutural, armazenando informagées em sua MCP, organizando macroproposigoes e categorias da superestrutura, colocando as informagées em sua MLP & medida que sua Ieitura avanga; para produzit um texto, 0 falante/escritor deve part de um planejamento, no qual se organizam a macro e a superestrutura do texto, © entéo taduzir esse planejamento nos nivels sintético € morfolégico, e também seméntico e pragmatico, na microestrutura Embora © objetivo deste estudo seja 0 de anallsar como se organiza a informagdo no texto produzido, isto é, tentar elucidar como se Constidi a informagéo no texto, © analista -pesquisador tem de se colocar na posigGo de tetor. Por essa razG0 sdo importantes os dois processos. Isso quer dizer que, para a andiise do corpus parte-se da oiganizagao informacional tépico/comentério na mictoestrutura, mas a percepgdo de como © texto fol produzide, deve comegar pelo estude dos niveis mais “altos", constituidos pela macro e pela superestrutura, © posicionamento tedrico assim detinido deve deteiminor a metodologia « ser seguicia na andlise dos dados. Para a apreensdo da macroestutura do editorial, tts procedimentos metodolégices séo adotados: LETRAS - Revista do Curso ce Mestrado em Letras da UFSM (RG) - Janerouunho, 2000, 87 - a observagao da organizagao dos paragrafos; - 0 resgate da referéncia de andforas conceituais; - daplicagéo de mactorregras. © tecorte do texio em poragrafos interessa a este trabalho na medida em que ele estabelece uma unidade de sentido dentro do texto, contibuindo para a organizagGo macroestrutural. O pardgrato, explica Bessonnat (1988), superpde a articulagéo hierarquizada & sucesso linear das frases, e programa a leitura. Ele funciona, entao, como elemento que favorece o estabelecimento da coesGo e da coeréncia do texto, Essa atimagdo € baseada no estude de Longacre (1979) que, oo propor uma gramatica do paragrafo, aborda a questéo de sua unidade tematica em que hd coesdo sintética e coeréncia temética, jG que © pardigrafo se organiza em torino de um tema Unico. Quanto & composi¢ao do paragrafo, Longacre, no mesmo artigo, menciona cinco tipos de relagdo seméntica: de conjuncao: paragrafos antitéticos (4 6 0 contrario de 8), resititives (A no entanto 8), altemativos (ou ‘A ou B), coordenativos (A e B); de relagées temporais (A depois 8); de relagdes légicas: explicativo, consecutivo-dedutivo, concessivo; de relagées paratdsticas: paragrafo lustrativo (A, por exemplo 8), identificative (A é igual a 8); de relagées referencials: pardgrate citative (A: “B"), comentativo (A comenta 8). No que conceme 4 distiibuigGo da informagdo, 0 mesmo autor apresenta: o paragrafo dedutivo, em que a conclusdo é mais importante do que a premissa; 0 explicativo em que 0 resultado é mais importante do que a causa; 0 coordenativo em que os dois elernentos coordenados sGo de igual imporiancia. 188 LETRAS Revista do Curso de Meshado em Latics da UFSM (RS) - Janaito/Junho, 2000, No que diz respelto aos modes de arficulacao local, de passagem de um pardgiafo ao outto, Longacre fola de: articulagdo por esireitamento ou alargamento do tema; arficulagdo com ruptura ou tetomada temética; atliculagso de acordo com uma estutura de perguntajresposta, de oposigdo, de poralelismo, Sobre os modos de atticulagéo global, quanto & distiisuicao geral do texto em pardgrafos, sd referides por esse autor, © gray de segmentacdo do texto € a distriouigdo dos pardégrafos em fungao da progresséo temnatica, ‘As teotias de Bessonnat e de Longacre mencionadas narteiam as ondlses aqui desenvolvidas @ pemmitem 0 acesso & macroestrutura do texto, a partir da microestrutura. © que a proposta que se faz deixa entrever, € essa ¢ « primeira: pergunia que noriela todas as teflexdes, € a possiblidede de ‘entelagamento entre as estiuturas nos tés nivels, E a partir da apreensao. da microestiutura que se chega & macro e a super em tés niveis que so articula. Nao se esquece, todavia, a hipdtese de que as estruturas de nivel mais “alto” ofientam, regem, sobredeterminam de certo modo a microesttutura; essa 0 segunda pergunta noteadora desta pesquisa Se, neste trabalno, uma separagéo 6 feita entre os ttés estruturas, isso NGO & mais do que um arificio metodolégico, indispensavel para que se proceda a andiise. A anéfora conceitual - mecanisno de referéncia utlizado no andise para a compreenséo da macioestiutura do texto - retoma, no um temo explicito no cotexto anterior, como toda anatora, mas dados seménticos pressupostes, implcitos, anterlormente “altos” pelo texto. Sdo, na verdade, explicam Descombes-Dénevaud e Jespersen (1992), TETRAS- Revista do Cus Ge Mestodo em Letras do UFSM (RS) -Janeko/Junho, 2000. 89 nominalizagées resumitivas que permitem enxertar comentarios sobre segments de discurso de extensdo varidvel (SN, frase, texto) que foram enunclados precedentemente. Passa-se, assim, do enunciado-fonte ao ‘comentario argumentativo, A anéfora conceitual, realizada por exemplo com um pronome como Isso, € uma anéfora sobre a enunciagdo e, condicionada por seu semantismo, permite identificar o segmento a que se refere. A anétora fesumitiva pronominal "isso", por exemplo, funciona como um hiperénimo Neutto, recobrindo enunciados anteriores. A anéfora sobre a enunciagéio € ou englobante (hiperénimos que sintetizam) ou segmental (retorna uma parte do enunciado-fonte) A anéfora conceitual 6 associada ao recorte em pardgratos. Ela marca uma unidade de sentido. Se estiver situada no final do paragrafo, se toina um temo recapitulativo. Ou © escritor anuncia uma informagao nova no final do pardgrafo ou a desenvolve no pardgrafo seguinte, Desse modo a andfora conceitual pode ser sinal ou de continuidade ou de tuptura, © estudo das onéforas conceituais pode ter aqui a fungdo de auxlir na _percepgdo das continuidades topicais, estabelecendo a unidade coesva sinfética e seméntica do texto. Algumas delas possibiitam a apreensdo de continuidades teméticas no nivel da mactoestrutura. Para a Identificagée da macroesttutura, além dos procedimentos conespondenies 4 organizagdo do pardgrafo e & compreenséo de andfores conceituais, devem ser aplicadas as macronegras propostes por Van Dijk (1986). Segundo esse autor, as macroestuturas sdo tarmoém. proposigbes. Para a projegGo seméntica, vinculando proposigées da 90 LETRAS - Revista do Curso de Mesitado em Letras da UFSM [R3) - Janeiroldunho, 2000, microestrutura com as da macrosstrutura, sdo necessdrias regras que transtormem a infomagéo seméntica, reduzindo uma seqliéncia de varias proposigdes a aigumas ou a uma s6. Essa redugdo tona-se necessdria para que textos seam compreendidos, amazenados ¢ reproduzidos, As mactortagras so as de supressdio, generalzagéo e construgao. Pela supresstio, as proposigées que ndo sdo necessirias para a interpretagdo do que segue no texto sdo suprimicas. Por meio da generalzagéo, forse uma pioposigdo que contenha um conceito derivado dos conceites da seqiiéncia de proposicées, um superconeeite, Com a consiugéo, chega-se uma proposigdo que indique 0 mesmo fato denotado pela totalidade da segléncia de proposicbes, Um problema por resolver numa teoia de macioestruturas seménticas, apontado por Von Dik (1986), € © da ordenagéo das macroregras. Como @ constugde requer todos os detalhes para se chegar @ macroproposigao, esse autor sugere que se comece por ela, aplicando depois a regra de supresséio, para eliminar detaines ndo- pertinentes, €, por fim, a generalzagdo, para resumir ainda mais o discurso. Van Dik menciona o foto de que, na prdtica, naverd diversidade na utlizagdo das regras por diferentes usudrios de uma lingua. Parindo dessa afiragéo € para efetto de andiise, decidiu-se que, neste estudo, devem ser aplicadas as regras na seguinte ordem generalizagdo, supressio e construgéo, de acordo com as seguintes etapas: @. identificagao das idéias do texto; ». generalizagéo a partir das seqléncias de idéias; LETRAS Revis Go Curso de Mesrado em Letios oc UFSM [RS}- Janetioliunno, 2000.91 ¢, supressdo de idéias secundarias; d. construgdo de macroproposigées Para se obter a estruturia esquemdtica abstiate, caracterizada Pelas relagdes que operam no macronivel entre os fragmentos do texto, @ que se denomina superestrutura, busca-se encontrar a tese @ os argumentos que a apéiam, Parte-se de teses locois, que sdo afimagées defendidas pelo autor, @ de argumentos que as sustentam para se chegar 4 tese @ aos argumentos do texto Tomade como um todo. A felagao entre teses locals @ fese global segue o ciitério de supressdo de informagées consideradas repetidas ou com temas muito préximos, tomande como referéncia o contetido seméntico da macroproposigdio obtida na etapa anterior. Com esse procedimento, agrega-se 0 contetido 4 estrutura esquemstica Qbstrata da superestrutura, A arliculagao entre macro e superestutura permite obter a informagéo relativa co nivel mais “alto” do texto. Supde- s@ que seja essa inforrnagée ampla e global que oriente a organizagdo informacional na produgdo de um texlo, selecionando tépicos e comentarios na microestrutura. Atficuladores ou conectores apresentam importante tungdo no texto na apreensGo da superestrutura. $40 conectores “as palavras cujo papel habitual 6 o de estabelecer uma ligagdo entre duas entidades seménticas’ (DUCROT, 1980, p. 16), Por isso, ndo & possivel descrevé-los isoladamente; € preciso andiisd-los em estruturas. Um conector, ainda segundo Ducrot, liga sempre dois elementos da formagéie em que ele ‘aparece, Esses segmentos sGo entidades sernanticas. Os articuladores ou conectores incluem coniungées, marcadores de integragdo linear (de 92.” LETRAS -Rlevisia do Curso de Mestad em Letios da UFSM (Rs) - Janetrolvun, 2000 um lado, por outro lado, em primeito lugar, etc), gerindios (=porque), preposigdes seguidas de intiniivo (sem considerar), etc. dentro dos pardgrafos, mas igualmente entre eles. Esses elementos, em principio, devem ligar tépicos, teses locals, argumentos entte si ou ainda teses a augumentos, @ surgir como faciltadores da identificagto da superestrutura, em nivel local, e das continuidades topical e tematica A andlse da informagée, no nivel microestrutural, tem © seguinte desenvolvimento: a. analise da continuidade topical, estudo que deve mostrar topicos e comentarios, identificades segundo sua relagéo com 08 conteides seménticos da macro e da superestutura, A continuidade topical se estabelece na iinearidade do texto, de otagéo para oragéo. . andlise da continuidade tematica, em que as cadsias tém seus temas selecionados pelos contetidos seménticos da macto e da superestrutura e se constituem ao longo do texto, sottendo possivels interupedes e sendo tetomadas a seguir. 4- A andlise do editorial Na andlise da organizagao informacional na produgéio de um texto, de acordo com a metodologia que aqui se propée, vai-se obsenar se 0 tépico textual se constidi, na microestrutura, em consondncia com os niveis mais “altos’, ou seja, a mocio e a superestrututa. Vai-se estudar inicialmente como se compée a macioesttutura. Pare-se, para tanto, da microestrutura, seguindo os LETRAS Revista do Cuno de Mesraco em Letras do UFSM (R8)- Janetioiunho, 2000. 93 Passos anunciados anteriormente. Tomou-se 0 editorial © abandiono cios esoravos mirins, pudlicado pelo jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, no dia 8 de agosto de 1994. Tiés fipos de andlise sdo realizadas para se chegar & forrnulagGo da macroproposigao: dos paragrafos; das anaforas conceituais; a aplicagao das macroregras, Observando-se 0 editorial © abandiono dos escravos mirins quanto @ organizagdo dos pardgrafos, percebe-se que 0 texto fol segmentado em quatro pardgrafos em teimos de piogtesséo tematica. O primeiro apresenta seu tema ctravés de uma descrigéo que define e explica quem sGo as ctiangas que o texto refere. Essa desciigdo & acomponhada por uma tese local que o editorialsta defende em elagGo a essas criangas. No segundo pardgrafo lé-se, ainda quanto ao aspecto tematico, a foimulagGo de uma nova tese local: a necessidade de solugée para o problema levantado pela situagdo em que vivem essas criang as, Da-se assim um alargamento do tema em relagGo ao primeito paragrafo, A primeira tese local € reapresentada no ferceiro pardgrafo, onde se percebe um estreitamento do tema em relacGo ao segundo. Nao ha progresséo, do ponto de vista temético, j4 que nesse frecho do texto a informagéo do primeiro paraigrafo 6 paratraseada, © tema de uma critica ao poder puiblico, omisso, segundo o autor, @ a proposia de um programa assistencial como solugao ao problema constituem 0 limo pardgrafo do editorial. O tema do segundo pardgrafo é retomado e alargado nesse trecho de texto, 3M LETRAS - Revista do Curso de Mestad em Letras da URS (R8) - Janolovunne, 2000 Considerando-se agora a relagdo entre os paragrafos, nota-se que © segundo formulado come uma antitese ao primeiio. Enquanto o piimeifo se encera com o pressuposto de que a situago das criang as constitul um problema para 0 qual ndo sao buscadas solugdes, 0 segundo, rompendo com esse tema, € Introduzido pelo articulador & (=no entanto), que estabelece uma relagéo de aniitese com o pimeiro tema. £ proposta aqui uma possibilidade de solueao. © tetcaito pardgiofo nao se relaciona com © segundo; ao contrétio, aparece coordenado ao primetio, parafraseando seu tema A relagdo do quarto parigafo com outros 6 de coordenagao com © segundo. A possibilidade de solugdo anunciada no segundo poragrafo 6 desenvolvida no quarto, através da deserigéo de um piogtoma assistencial que resolveria a sttuagGo dos criangas. Essa é a tese principai, sustentada pelo ediforialista em seu texto. Entao, @ oiganizagdo do texto em pardgrafos hierarquiza as informagées e programa a leitura, contribuindo para a coesdo © estabelecendo a macroesttutura. A hierarquiagdo permite que as informagées sejam cefinidas, delimitadas ¢ relacionadas entre si dentro das seqiiéncios que séo 0s pardgrafos. Em decoréncia, a recepgdo do texto fica conduzida no processo de Ieitura. No editorial que esta sendo anaiisado, a organizagao do texto em. paragrafos permite que se chegue a macroestiuturas locais que apresentam elementos temétics € relacionais que devem constiuir mactoestrutura global. Esses elementos sdo: a sttuagao problematica das ctiangas descitasia omissG0 das autoridades na solugdo do problemalpor outro lado, a possibiiidade de solugdo/a necessidade de 28 Curso do Meshado em Letras da UFSM (RS) -JaneroUunho, 2000, 95 ‘que alguma coisa seja feita/um programa assistencial que cabe ds ‘outotidades executar. Outros elementos podem ser apieendidos que apontam para a organizag¢Go macroestutural do texto. SGo, por exemple, as andforas conceituais que, como j& fol expiicitado anteriormente, retomom elementos semdnticos do texto precedente de extensdo variavel, podendo compreender oragées, um pardigrafo ou mais, ou todo o texto, No texto O abandono dos escraves mirins, ha uma anéfora zero=isso=problema, que reloma parie da informagde contida no paragrato anterior, articulando © segundo ao primeiro pardgratfo. Trata-se de _um temo resumitivo, problema, que, com fungéo metatingtistica, nomeia a situagde das criangas, colando-he um etiqueta. Esse termo & modificado por uma perifrase que exolica que néo é um problema de di ficil solugdo, © que define uma tese local assumida pelo editorialista Situada no inicio do pordgrafo, a anafora conceitual marca uma rupture com 0 tema que vinha sendo tratado. Essa ruptura é confimade pela presenga do atticulador e (=no entanto) que opée 0 tema do primero pardgrato ao do segundo, que ele inrodur, No segundo paragrafo hé um para fanto (1.21), de natureza diferente do caso anterior. Aqui essa expressdio remete ao pressuposto de ndo se trata de um problema de dificil solugdo da oragdo que o precede, Para tanto atticula a solugéo é facil com bastaria que um grupo de assistentes sociats (...) investigasse a situagée familiar. Essa 6 uma anéfora englobante, que retoma, resumindo, um pressuposto. A mesme expressdo € utlizada a seguir, no mesmo paragrato (I. 26), desta vez unindo a solugdo que acaba de ser proposta: que um grupo de 96 LETRAS - Revista do Cuno de Mestado em Leties da UFSM (RS) - Jonerovvunho, 2000, assistentes socials, a servigo de 6rgdos oficiais, investigasse o situagao fomiliar de cada uma dessas orfangas encaminhando a soluedo mais adequada para cada coso, a enticades privados de assisténcia social. Na linha 30, no tercelro paragrato, encontia-se um quaaro 1éo constemador como esse que, de modo semelhante ao que acontece com a anéfora zero do segundo parégrafo, retomna uma parte do texto, aqui toda ao desctigdo da situagdo das criangas, desenvolvida no primeiro paragrafo, Além de nomear a descrigdo, com 0 temo quadro, num processo metalingtistico resumttivo, vetifica-so uma tomada de posigdo do autor diante do tema, por meio do adjetivo constemador. Essas andforas conceitucis colaboram, entéo, no sentido de organizar a mactoestutura, Esse tobalho € feito num processo metalinglistico, em que, ao falar de momentos do proprio texto, 0 autor 08 menciona, resumindo-os, englobando varios sentidos em um temo, por vezes qualificando esse temo © marcando sua posigao argumentative, indicando uma continuagde tematica ou, ao contrério, uma tuptuta. Esses procedimentos apontam para o desenvolvimento informacional do texto que se vé, de tempos em tempos, retomnado em, forma de sintase de um certo niimero de tépicos e comentatios. E a macroestrutura que € assim orgonizada e que orienta a recepgdo do texto pelo cuvinte/lettor. No editorial que esta em estudo, 0 tema criangas, com o sentido especitico com que aparece no texto, e a stuagdo dificil em que se encontram, é varias vezes referido, resumido, qualificado, argumentado, continuado ou rompide, 0 que indica, para 0 leltor, a importancia que esse tema assume. LETRAS - Revista do Curso de Mestrado em Letras da UFSM [R8)- Joneoliunho, 2000.97

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