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, F !HISTORIA DE BIZANCIO ce H Paul Lemerle \ Tilo orginal HISTOIRE DE BYZANCE 7% rblcad por Poses Unveaiaie de France” > fa col, Que Sisk? &; Eopmrght © Preses Univertaires de France oO Copyright © Lvtata Marina Fontes Editora Lida pata presente eth, 1¢ tipo braltra: noveribro de 1991 2G ‘Tradupdo: Maslene Pinto Michaet essdo de radupdo: Monica Frigaml C. de Almside Prepared do original Aurea Retina Sartor ‘Reviado tipogriea: Bdvaldo Angelo Bats Ronaldo Barbas daSilva Produpto grfice: Garado Alves Composigeo: Marcia Cristina Jacob SAN #5.33600118 ‘Todos os dietos para a lngua portuguese reservades & LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA. Raa Conselbelro Ramalno, 330/340 — Te 259.2677 1325 — S49 Paula SP — Bras Sumario Introdugdo CAPITULO 1 — CAPITULO 1 CAPETULO IV — CAPITULO Vv — CAPITULO VI— ‘CAPITULO vi — Consta we ino. A monarquia ers- ental 2 De Constantino 2 Justiniano. A uta contra os hereges ¢ contra 0 barbaros (337-818) 0 século de Justiniano (184610) AA dinastin de Herictio eo fim ‘do impérlo romana (610-717), ‘As dinastnstsiurlene amérien 0 iconoelasino (717-867) A dinastia “macedonia” eo pogen do império (867-1081) Biranclo eas crumadas. Os ‘Commenos eos Angelos. O Es- tados latinos © império grezo de Nica (1081-1261) CAPITULO VII] ~ Os Paledlogos ea queda do im- Conetuste pétio bizantino (1261-1483) n 4a 9 « ar 93 10s ug | UFROS BC, Aart Cochiing, = Bmpanne cae ; si Maoed BR OG 0b to of Bia ASLORE, . Datarosou. asso inotheeta/Cureo! - ~ Pleph SoSL4{, frewleck Recuege We993974 (BSCSH Introdugao 0 objetivo dest livro ¢ tragar, em suas linhas prin- A histéria do império que teve Bizéneio por ca pital. Assim, parece-me natural tomar como ponto de partida 0 dia 11 de mato de 330, dia em que Constan: ‘ino inaugurou solenemente, as margens do Basforo, 4 nova capital do império; ¢ como ponto de chegada, 29 de maio de 1453, dia em que o iilimo imperador bizantino foi morto combatendo nas muralhas eos tur 0s entraram na cidade, No ianoro as eriias a que me exponbo a0 t0- mar ego data inicial o ano de 330, Sem duvide, 0 impéric “romano” ndo termina bruscamente nessa da- (a, para ser imediatamente continuado, ou substitul- 0, por um impécio “bizantino”. Tem-se sustentado ‘que 395, ano da morte de Teodésio e da divisio do mpério entre Areédio ¢ Honério, seria preferivel, Al- ‘guns 56 vem 0 inicio do império bizartino com o tei- nado de Justiniano (527-565), e alé mesmo s6 com 0 de Leto, Isauro, (717-740), Sko discussoes esters. limpétio pode set chamado bizantino a partir do mo- mento em que o imperador — que continua e conti- hnuaré sendo, até 1453, “imperador dos romtanos”” — abandona Roma, euja decadéncia ¢ irremediavel, e m- da a capital para Constantinopla, que se torna o cen- ‘to administrativo e politico do império, Na lenta elon 2 evolugto que transforma o principado de Augusto ‘numa monarquia crise oriental, talvez existam da- {as mais importantes, porém nio mais expressivas Tambem € estérila discussio sobre o nome que ‘convém dar a esse império. Os eruditos franceses que, ho steulo XVI, eriaram a citncia bizantina, Labbe ¢ principalmente Ducange, diziam simplesmente “his toria bizantina’”. Foram os filésofos do século XVII ue confundizam tudo, misturando a histria as preo- upagdes polemicas: (eles) condenaram em Biztincio a 3s perfeita realizaggo de uma monarquia absoluta ede um Estado seligioso. Voliaite di o tom, escrevendo que existe uma historia ainda mais ridicula que a hi {ria romana depois de Técito: &a histérla bizantina, Essa compilagdo indigna s6 contém declamagaes emi lagres. E 0 oprébrio do espirito humano, como 0 im- pério grego foi o oprdbrio da terra, Os turcos pelo me- nos so mais sensaios: venceram, desfrutaram, escre- veram muito pouco”. A historia bizantina ainda nfo se libertou desse Julgamento em que a ignorfincia se confunde com 0 preconceito. Formou-se a convieedo de que Bizancio uma palida sobrevivéncia do império romano, de- caindo de modo continuo e fatal em direso & rina definitiva, em meio as discussbes de monges e cerimd- ning complicadas de uma corte quase barbara. E con- denar sem compreender. O erro de Bizfincio foi nao ter tido uum grande historiador, como Tucidides ou Té- ito, mas eronistas cujo grego ¢ freqtientemente diti- cil: é mais eémodo desprezé-los do que lé-los. Preten- do mostrar neste pequeno volume que um império que, durance onze séchlos, nos confins do Ocidente ¢ do Otiente, soube resist aos golpes de um e de outro ‘cumptir, junto a eles, sua misstio hist6rica ¢ eiviliza- dora, merece algo melhor do que a indiferenga eo des- prez0. CAPITULO 1 Constantino. A monarquia crist& e oriental Oreinado de Constantino, que viu o impétio pa- ‘g80 transformar-se em impeério cristo e Roma ser des- tituida de sua primazia em beneficio de Constantino- pila, marea o comeco da historia bizantina, Mas € pre- ciso lembrar que nao hd uma separacao altida entre hisi6ria romana e histGria bizantina: esta, durante qua- sp res séculos, nié-o fracassa de Justiniano ent resta F-a unidade do império, aparece como a conti- nusgao daguela. Durante esses irés séeulos @ heranga de Roma e da Grécia, ameacada pelas invasdes bér- bbaras, foi transferida pouco a pouco para Bizancio, ©0 impétio, marcado por influencias profundas, re- cebeu as caracteristicas essenciais que serio as do im- pério bizantino. A crise do século 11 — Como todos os grandes ‘contecimentos, este tem origens remotas. Poderiamos sustentar, sem ser um paradoxo, que a monarquia cons- tantiniana jé comeca a germinar no prineipado de Au- justo. Consideremos apenas 0 séoulo IIL. Depois do esplendor da dinastia antonina, apds o-admirdvel sé- culo de “paz romana’’ que havia sido 0 século Il, 0 impétio atravessa uma crise terrivel que por pouco HiH0 provoca sua rufna. Crise interna: os imperadores s80 proclamados e destituidos pelo capricho ou pela am- bigdo dos soldades; alguns nao reinam mais que pou- ‘0. dias; quase todos monrem ce forma violenta, Nunca se compreendleu to bem a grande fraqueza do regime 3 instituido por Augusto; o império nfo conheve regra dle sucessio. Crise externa: os barbaros atacam ao lon go de toda a imensa fronteira e derrubam 0 dines edi- icado por Adriano; a propria Italia estd ameayada e é para defender pelo menos Roma de um atuque re- pentino que Aureliano constr6i sua poderosa muralha. Crise econdmica: 0 comércio para, os campos S40 abandonados ou dovastados, 0 imposto nao é mais re- colhido, a moeda é desvalorizada, Por fim, crise rli- giosa e moral: o paganismo latino, tal como Augusto tina tentado faz#-lo reviver, havia muito tempo ja nao satisfazia as consciéncias inquietas, As religides © as superstigdes do Oriente se haviam expandido por to- do 0 império, onde conviviam ese confundiam as eren~ as mais singulares, os ritos mais estranlios. Tendia- Se para uma religiao desligada desse muncio dlecepeio- rnante, que transferisse para outro mundo 0 objetivo eo fim da existéncia terrena, O monoieismo atraia os ‘melhores espiritos, © cristianismo, sem fazer alarde, aacabava de estabelecer sua organizagao e seu dogma. século III, entretanto, conhecew alguns impe> radores enérgicos ou bem-intencionados. Todos, com muito poucas excegdes, foram massacrados por seus soldados antes de poderem fazer algo util; todos tive- ram que dedicar 0 pouco tempo que a benevoléncia das legides Ihes dava a correr de uma fronteira a cu- tra, tapando as maiores brechas por onde a onda de barbaros inundava o império. E preciso esperar até 0 reinado de Diocleciano (285-305) para que se vela uma vontade de ferro conter a decadéncia do império e ti- rat, por uma reforma corajosa, as ligbes de quase um século de desorcens. Diocleciaua eas preirasreformas —N&o ¢ ape- nas Como predecessor imediato de Constantino que Dioeleciano merece que ros detentxtnos ele por um instante. também poreue cle fio imperador quesil- {YoU.0 impéro,impondo-Ihe uma reforma tao profund a quanto a de Augusto, ou ade Adriano, Acerea de mui- {as guestoes, Constantino nada mais fez que continuar, conipleta e cansolidar a obra de Diocleciano, es ve= 2¢s ¢ dificil distinguir 0 que se deve-@ cada um dels Foi Diocleciano quem fez do imperador uma per- sonageti Sagrada, adorada segundo rites minuciosa- mente regblameniados, emprestados da etiqueta das cortes orientais: prosteraamse diante dele, beijam a ‘barra de seu manto purpura. Foi vou as ltimas consequéncias 6 pri tismo monérquico eo da centralizacio administrati- va, que ¢ seu corolério, O senade deixou de tes qual GUEE papel efetivo, 0: senatus-consulto séo suprim ddos; as provincias senatorais desaparecem, juntamente ‘om 0s sltimos privilégios da Ishi; fodaa direeao do impétio foi confiada aos conselhos, as repartigBes pi- blicas e aos agentes do imperador. TLembrando se alts, dos Fisos que aamarquia mi- litartinha feito o império correr, Dioeleiano separou rigorosamente as funcoes civis das militares, tirando @ as tropas dos governadores de provincias e acabando Com & alvacho dos generats na administra. Be Por fim, Diveleciano teve qu resolver dois pro- bblemas, dos quais dependia a satide do império: a te- fesado lerritdrio ea regulamentagao.da sucesso. Foi & sem chivida para resolver o primeiro, ¢ também port {er compreendido que era imposstvel um tinico impe-- | rator defender a imensa fronteira do impétio, que 8 5, ~ partir de 286 Diocleciano se associou a mais um “au § gusto”, Maximiano, Confiou-Ihe a defesa do Ociden- te, cuidando elemesmo da defesa do Oriente. Note- mos de passagem a divisio para a qual rumava fatal- mente o império ¢ « predomindncia jé reconhecida do Oriente grego sobre 0 Ocidente lattio. E, ao quc tudo indica, foi para dar ao império o estatuto sucessdrio que sempre Ihe faktara, que, em 293, Dioeleciano transformou essa diarquia em tetrarquia, associando dois césares aos dois augustos. Os cé= 5 saires, Constincio Cloro ¢ Galério, deviam auxiliar os ‘ugustos em sua administragao, estando designados pa ra serem seus futuros sucessores. Diocleciano quis ver funcionar o sistema que ele ‘inka criado. Por ocasiao da escolha de Maximiano pa- Fa augusto, ele impusera uma condiggo: Maximiano deveria abdicar no momento em que o proprio, cleciano 0 fizesse, Esse acontecimento, que nao fo! 0 ‘mais singular desse grande reinado, ocorreu em 305, Diocleciano retirou-se, indo residir no magnifico pac lécio, de estilo oriental, que mandara construir em Spa lato. Constancio Cloro ¢ Galério tomnaram-se augustos. Constantino restaura « wnidade do império— No Ovidente, quando Constancio Cloro tornou-se august vom a abdicagdo de Maximiano, foi escolhido para ser césar, junto a ele, um oficial desconhecido, Severo, Es- sa escolha contrariou duas jovens ambigBes: a do filho de Maximiano, Maxéncio, e a do filho que Constancio Cloro tivera de um primeira casamento com vima mu Ther do povo (uma criada de albergue, diziam, chama- da Helena), Constantino. Além disso, amorte de Cans. tfincio Cloro, ocorrida logo depois, em 306, foi o mar- co de uma série de desordens e usurpagdes. Constanti- hho consegue ser proclamado augusto polaslegides da Gi taeda Bretenba,puquanto Maxéncoconsegueser pro: clamado princepstm Roma, ¢ logo depois augusto, pe~ las cortes pretorianas, Apés alguns anos deextrema con- fusio, Constantitio e Maxéncio defrontam-se em. 311. No Oriente, « abdicagdo de Diocleciano havia pro- ‘movido Galério a augusto, Este, por sua vez, havia es- colhido para césar um oficial chamado Maximino Daia Tudo correu bem até a morte de Galétio, em maio dé 311, Nesse momento, Maximino Daia encontrou um eoncorrente na pessoa de um certo Lieinio, que, du- ‘ante 0 periodo de desordenis, Galétio nomeara augusto do Ocidente, mas que jamais pudera por seus pés la € pretendia obter © Oriente como compensagao. 6 Desde entao, os acontecimentos vio se desento. lar de modo légivo. No Ocidente, yra de Maxéncio, enquanto Li ‘© mesmo com Maximino Daia; depois Constantino se livraria de Liefnjo, A batalha que deu o Ocidente a Constantino foi a que ocorreu em 28 de outubro de 312, nas Rochas Vermethas, local onde a ponte Mil- ‘vio atravessa 0 Tibre, perto de Roma, Ali Maxéncio ‘morreu afogado, ¢ Constantino Fea um entrada triut- fal em Roma. No Oriente, Maximino Daia foi yenci- do, por Licinio, perto de Andrinopla, no comego de 313. Fugiu para a Asia Menor, onde morreu no mesmo ‘ano, em decorréncia de doenga ou de enventenamento. ‘Ao que tudo indica, Licinio e Constantino se en- tendiam, Em 317 fizeram um acordo para nomeat eé- sares, de um lado, dois filhos de Constantino — Cris- po e Constantino, 0 Jovem — e, de outro, um Filho e Licinio — Licinio, o Jovem. Foi uma decisao mui {o séria, pois tendia a substituir a cooptagio pela he- reditaridade, uo momento em que parecia haver um desejo de se restaurar o regime de Diocleciano. Nati- ralmente, ela levava cada um dos augustos a buscar a totalidade do poder para sua familia. Contribuiu, ‘bem mais que as raz0es religiosas de que valtaremos & falar, para desencadear a guerra, que irrompeu no mé- ‘ximo em 324. Licinio foi vencido em Andtinopla e de- pois em Crisépolis; teve que se entregar a Constanti- Ro, que, apesar de suas promessas, mandou mati-o, Fazendo 0 mesmo, em seguida, com Licinio, o Jovem, Constantino ficou como 0 tinico imperador, Ele ji havia feito de seu terceiro filho, Constancio, um cé- sar, Desse modo, iostituia a hereditariedade do poder imperial, ao mesmo tempo que restabelecia sua uni- dade. Nada mais restava do sistema da tetrarquia, I, — Constar Colocacdo do problema — Antes de Constantine © império romano é um império pagio; a partir de 4 Constantino, ¢ um império cristao. Esse & um dos acon- ‘ecimentos mais importantes da historia, mas tambem tum dos problemas mais complexos. O fatoem si¢ine- ‘eavel, € a tradieao crista no se enganou quando in cluiu Constantino, bem como sua mae Helena, entre Sens santos. Mas essa mesma tradigio erista fer inter. vir desde o infcio mais fantasia do que o necessério na harracio desses fatos surpreendentes, Por outro lado, a historia do reinado de Constan- {ino apresenta um problema de fontes que s6 hd pot. £08 aiios encontrou uma solucao satisfatoria, O docu. mento considerado mais importante, pelo menos no que concerne as ligagbes de Constantino com o eris. tianismo, era uma Vida de Constantino atributda 20 seritor cristo Eustbio de Cesaréia, Ora, os estudos recentes, em particular os do grande bizantinista bel. 80H. Grégoite, conclufram que, embora essa vida, tal como chegoit até nds, contenha talvez um “niteloo eu- sebiano”, aries muito grands sto ceriamente de urna €oca posterior. E devemos, a rigor, desconfiar mul to de um texto que bem poderia ser obra, nflo de um contempordineo que conheceu Constantino pessoalmen te— istog, Busébio —, mas de uma compilador do fin do século IV ou do comeco do séeulo V. ‘Tomemos um s6 exemplo, o da famosa visto que teria precedido g batalha contra Maxéncio, na ponte ‘io. O relate. tradicional é conhecido: & aparigio 1o céu de uma ctuz luminose acompanhada das pala. vras “por este sinal venceris”, a ordem dada por Cons. tantino a seus soldados para que a reprodugto dague. le sinal fosse colocada em seus escudos, @ conversio: avit6ria. Tudo isso esta na Vide, mas no se encontra em qualquer outro texto conlemporsineo de Constai- tino e, mais grave ainda, ¢jgnorado pelos Pais da lere- ja, até Santo Agostinho inclusive, Existe alguma pro. Dabilidade de que isso seja verdade, A menos que se admita que tudo o que diz respeito a visio é aperifo? 2 es Os iinicos textos confiveis sio, juntamente com 8 panesiricos oficiais, a Histéria ecesidstica, de E sébio, que no é suspeita-(e que, alids, nao fala Gi vi- sto}, co tratado de Lactincio, Sobre w morte dos per seguidores, Junto com documentos arqueol6iens, ep _gtificos, nUimismaticos, eles permitem reconstitu ua fesquema que sem ciivida esta longe de ser definitivo, ‘mas que ja se distancia muito do relato tradicional ¢ ‘que € aproximadamente o seguinte. Culto solar e cristianismo — Constantino iniciale ‘mente foi pagio e adepto do culto solar, ¢a primeira ¢ talver tiniea visto que ele teve foi uma visdo pans. Bla é conhecida por meio de um panegirico promun- ciado diante de Constantino, em Treves, em 310: num Santuério gaulés, Apolo tinha aparecido a Constanti- 129, acompanhedo da Vitoria ¢ segurando coroas de Touro, no interior das quais havia um sinal que Cons- {antino interpretou como a promessa de um longo rei. ado, ssa visiio desempenhow um papel importante na vida de Constantino: se ele ainda nao era adept Fervoroso do culto solar, tornou-se um e continuou sen. do por muito tempo. E as moedas nos servem de tes. temunho disso, particularmente as que ostentam na ‘mesma peca as effgies de Constantino e do deus solar Entretanto, a situago dos cristaos no império mu daria completamente, mas sem que Constantino con. tuibufsse para isto. Foi Galerio que, em 311, promul gow 0 verdadciro edito de tolerdicia. Declarou que sristianismo passava a ser reconhecido e que os cris. ‘tos tinham o dieito de se reunirem, com a condigao. de nao perturbarem a ordem; em troca, deveriam orar ‘seu deus pela prosperidade do imperador e do Esta do, A explicagdo desse edito, surpreendente se lembrar= ‘mos que Galério havia perseguido duramente os cris- fos, pode ser buscada talvez na desordem moral em que, naquela ocasifi, Galério se encontrava, vitima ddeuma doenga eruel que o levaria a morte pouco tempo 9 depois; mas também € verossimil que as perseguigdes estivessem comevando a cansa, uma vez que jase per cebia sua inutilidade. Qualquet gue tenha sido 0 mo- tivo, esse foi o verdadeiro edito de tolerdincia, e &in- justo que uma tradigao persistente queira atribuir seu mérito a0 que é chamado — muito impropriamente, como veremos, edito de Milao. ‘O ano seguinte, 312, €0 da eélebre batalha da pon- te Milvio. J4 sabemos que & preciso deixar de lado 0 telato existente ne Vida de Constantino, do pseudo- Eusébio. Restam-nos dois testemunhos, o da Historia eclesidstica 0 de Lactancio. A Histéria eclesidsttca ni fala de visao alguma nem de algo parecido, Lac- tancio tampouco fala de visdo de uma cruz luminosa, mas de um simples sono no qual Constantino, na vés- pera da batalha, teria sido aconselhado a mandar co locar nos escudos de seus soldados um sinal com a se- suinte descrigo: “A letra X atravessaca por uma barra encurvada na ponta."” Alguns eriticos, como H. Gré ‘oite, rejeitam o relato de Lacténcio, onde véem um arranjo da visio paga de 310. Outros acreditam po- der conservé-la e encontram nela a explieago do mo rogram constantiniario, logo interpretado como as dduas primeiras letras do nome grego de Cristo. Dire- ‘mos apenas que nada permite afirmar que Constanti- no era cristo emn'312, A tradigao cristd nfo confere maior importéncia 0 ano seguinte, 313, o do edito de Mildo, testenmu- ‘ho inequivoco, segundo se diz, da conversfo de Cons- tantino. O que aconteceu na realidade? Hlouve, em 313, em Milo, conversacdes entre Constantino, vencedor de Maxéncio, ¢ Licinio, que se preparava para depor Maximino Daia. A politica que convinha ser adotada em relagdo aos crisiios fez parce dos assuntos dessas conversagses? Podemos fazer suposigdes, mas nfo sabemos de nada. O certo & que possuimos dois documentos des- sa época, 10 © primeiro ¢ um decreto de junh Lacténcio conservou o texto latino, dirigido ao gover- nador da Bitinia por Licinio, e divulgado em Nicome- dia. Busébio, na His/dria eclesidstien, conservon o texto rego. Sem dar nenhumn relevo especial & relight ris. {a-em relagao as demais, 0 decreto proclama a liber- dade de conscigncia, declara que os bens que foram contiseaclos aos cristdos devem ser resttuidos. Esse & 0 documento chamado ‘“edito de Milo", cujo méri- to éatribuido a Constantino. Seria mais justo cham: lo da *deereto de Nicomédia’” e, de fato, irata-se de lum decteto de Licinio destinado ao Oriente. © outro documento & uma oragko, cujo texto foi conservado por Lactincio, composta por Licfnio (ot segundo Lactineio, revelada a Liefnio), que a ensinow 4 seus soldados ¢ fez com que fosse recitada antes da batalha decisiva contra Maximino Daia. Nao é, de for- ma alguma, um texto propriamente eristio; embora nenkuma de suas palavras pudesse melindrar um eris- ‘Go, € uma invocardo a um deus supremo na qual, a rigor, os figis de Mitra ou do Sol podiam reconhecer seu deus, da mesma forma que os eristaos, Esses so 05 dois textos pelos quais podemos de uzir 0 estado de espirito dos imperadores por volta de 313. 8 significativo, aliés, que ambos tenham pro- ‘edido de Licinio¢ estejam relacionadas com 0 Oriente. Nao serd porque Licinio, enifo totalmente voltado para ‘a luta contra Maximino Daia, pensava ganhar para sua ‘causa as importantes comunidades eristas do Orien- te? Quanto a Constantino, muito provavel que te- tha visto e aprovado esses textos, {4 que ele mesmo, antes da batalha decsiva contra Maxéncio, etalvez com, ‘a mesma intengdo, parece ter oposto, aos ritos pagos ue seu inimigo multiplicava, declaraedes piblicas de tolerdncia e invocardes a um deus no qual os cristaos, podiam reconhecer o seu. Mas nao sabemos nada so- ‘bre isso; e umm documento auténtico de 313, ummeda- thao de ouro cunhado ns ofieina imperial de Tarrago- de 313, do qual WW ne, mostra as duas efigies e@meas, de Constantino € a do deus solar. Pode-se admitir que Constantino te- nha realmente, e no sentido da palavra, se convertide 20 cristianismo na mesma daca? A conversa de Constantino — Recentes estudos, baseados principalmente na numismatica, levaram & ‘rer que Constantino no se inclinow claramente para ‘© ctistianismo antes de 320, Isso tera acontecido s0- mente por conviesao intima, ou a aproximacio do cor flito com Licinio tera tido alguma influéncia? A Vida do pseudo-Eusébio considerou a perseguigao aos etis- Ulos do Oriente por Licinio o motivo da guetta. Isso. €evidentemente inexato. Mas é possivel que 0 confli- to, no qual a ambiedo de Constantino certamente de- sempenhou um papel decisivo, tenha acabado par ad: uitir, entre outros aspectos, o de um conflito religio- 0, Talvera derrota de Licinio, no ano de 324, em An- drinopla, tenha se apresentado como uma derrota do paganismo, ea vitéria de Constantino, como a vité tia do cristianismo. O que merece ser ressaliado & que Constantino, apds sua vitéria, no pensou em impor 0 cristianismo como religiée oficial. Se dermos erédi- to ao pseudo-Eusébio, que ¢ suspeito apenas por ter cexagerado a tendéncia crit de Constantino, este, de- pois da vitériaj dirigiu uma proclamagdo aos orientais nha qual declariva que todos eram livres para seguir sua crenga, ‘Vé-se portanto como é necessitio ser pradente quando se fala da conversdo de Constantino. Deve-se evitar 0$ dois excessos contririos. Nao se pode esque- ‘cer que Constantino sé chegou & 1 cris lentamente fe, segundo tudo indica, mais por forga de uma série de circunstancias, senao de consideragdes politics, que por uma iluminagao interior; que durante muito tem: po o cristianismo pade Ihe parecer superior as outras religides da ¢poca, mas de modo algum essencialmen- te diferente; que, alids, ele continuou sendo pontifex 12 ‘maximus durante todo 0 seu reinado, e que, embora tenha tentado eliminar os vicios eas superstigGes mais srosseiras do paganismo, nio procurau deprecid-o, Inversamente, nfo se pode negar que Constanti- no sempre se preocupou com o problemia cristdo; que desde 0 comero ele demonstrou uma grande tolerdn- cia, ¢ logo uma grande benevoléncia, para com os eris- {@os e que enfim & bem provavel que ele tenha se con- vertido, visto que fot batizado. E verdade que ele pro- tclow até @ véspera de sua morte para receber o batis- ‘mo; mas talvez isso no seja um sinal de indiferenga, pois esse procedimento era muito freqilente naquela Ocasifo: acreditava-se que desse modo apagavam-se mais completamente as faltas da vida, Mais singular parece o fato de Constantino ter sido batizado pelas tofios de um bispo ariano. E isso nos leva a dizer algu- ‘mas palavras sobre as Tigagdes de Constantino com a Igreja, Constantino ea Igreja — Uma religiao que vive cceresce por sua energia interna, como era entdo 0 ca- 80 da religao cristd, nfo aspira’senfio & liberdade © & seguranca; e Constantino, sabendo muito bem 0 que fazia, deu-lhe as duas. Por isso, vemos 0 mundo to- ‘mano cobrir-se de igrejas e, no seia da erescente co- ‘munidade crista, desenvolver-se uma atividade teol6- gica intensa, Infelizmente us heresias desenvolveran se na mesma proporgao. Deixo de lado as menos ir- portantes, e mesmo o donetésmo (se bem que, na rea- lidade, tens dado a Constantine a primeira oportu- nidade de interferir nos negécios internos da Igreia), para tratar apenas do arianismo, Com esse nome ‘designa-se uma doutrina nascida provavelmente no s culo TI na Siria e desenvolvida no stoulo LV por Ai padre de Alexandria. Ario nao admitia que as trés pes- soas da Trindade fossem iguais. Sustentava que se 0 Pai ou Deus & sempiterno endo gerado, o Filho ¢ ct tura do Pai; negava portanto 4 consubsiancialidade e, G2-33 Des OE IS '’~ indireumente,« dvindade do Cristo, Ele foi excomune ado pelo bispo de Alexandria, decisio confirmada por lum sinodo ¢, em seguida, revogada por outro. Tedo @ Oriente cristo estava dividido por essa disensio © Constantino deviiv intervic, principalmente, sem dic vida, no interese da paz ‘io conseguindo que os adversrios entrassem em aeordo, le reuniu em 325 um conello em Nictla, © Drmeiro conc ecuménico, Apes varios meses. 08 bic os chesaram a um acordo quanto a um texto que tos dos, menos dois, assinaram: & 0 “sinbolo de Nice ‘nde foi particulérmente decavado que 6 Fillo € oR: substancial ao Paj (em grego, Aomoousios). A impor- {Giicia desse concio nfo estd apenas no fato de que, formulando pela primeira vex com precisao 0 dogma dda Trindade, ee laneava as bases doutrinaias da fel sito erst, mas também no Tato de que, pela pritne!- 18 Vez, 0 poder imperial interferiu numa quesifio de dogma: todas as relagdes Futura ence 0 temporale © spiritual decorrem dai. Digo precisamente fenspo. ‘ral porque foi somente enquanto poder temporal on, ‘Por assim dizer, enquanto poder de policia, que Cons- ‘antino inerferiu, Nao parece que seu objetivo tena sido outro que nilo a manutensio da paz e da ordem 2a Ite ert, ofganismo que sinha tornado uma das engrenagens idhportantes do Imperio. Eo que pro. ¥a sua concluta as.0 coneilio: tomna-seo cxesutor de suas decides, exila Ario e seus seguidores mais turbus Jentos na Ditia. E sua atitute, nos anos seguintes, em ‘elagdo & questdo ariana mostra melhor ainda, ne ni ‘ha opinido, que ele fol guiado mais por uma preocis pagio politica do que por umaa convicrao intima, Nada revela melhor que Constantino, to enétgi- 0 na aslo, tio fitme em suas medidas de moral pr tica (ee punia impiedosamente o edultéri, a delat te), era, por outro lado, hesitant, influenciavel, le vado a ‘‘colocar incessantemente em questo a coisa julaada” (A. Piganio), talvez por eseripulo de jus 4 G2. Poucos anos depois do conciio de Nicéia, vemos Qarianismo se restabelecer ¢ Ario ser chammado do eal tio, enquanto seu prineipal adversério, Atandsio de Ale- xandria, era exilado, A que sentimentos obedecia Cons- tantino? Teria descoberto que, no Ocidente pelo me- ‘os, 0 arianismo era mais forte que a ortodoxia? Te- ve diividas sobre as decisbes tomadas em Nieéia? Nao Se sabe. Supds-se que ele tivesse sofrido a influencia de sua irma Constantina, muito ligada ao bispo aria- no Eusébio de Nicomédia, O fato € que foi Eusébio de Nicomédia que batizou Constantino em seu leita de morte. Mas ao mesmo tempo, como siltima contra. digo, ele fer voltar do exilio o inimigo de Ario, Ata nisio. Esses tragos completam a figura, singularmente ccomplexa, de Constantino enquanto cristo. O certo ue cle nfo foi absoluramente a eristéo “completo” ue certa tradieao gostaria de nos apresentar. Se qui- sezimos fazer o balango de seu reinado a esse respeito, odemos dizer o seguinte: os cristdos nao foram per~ Sseguiidos, mas tratados com benevoléncia; sua religiad deixou de ser proibida, tornou-se liita; 0 cristianis- ‘mo no teve uma posicdo de direito superior & do pa anismo, mas de fato esteve em situagio de suplantde lo Gefinitivamente; nao foi reigiao de Estado, mas uma tligito privileginda; e pela primeira vee vit-se 0 im- perador ser batizado, e 0 Estado se preocupar com os egévios internos da lereja, E suliciente, sem diivida, Para justificar o lugar eminente que a tradigao cristd concede a Constantino, IL, A fundacio de Constantinopla E preciso que se esteja de acordo num ponto quan: lo se fala da fndardo de Constantinopla por Cons {antino, Nao se trala de uma cidade nova, construida ‘num Jocal novo. A velha colénia megariana de Bizan- io j4 ocupava a ponta dessa peninsula triangular, que 1s avanca entre o Mar de Marmara ¢ 0 grande porto na- tural do Corno de Ouro, Durante muito tempo, Bi, zineio devera sua prosperidade, ¢ também as vicin ludes de sua histéria, a essa situacao excepcionalimens te Tavordvel na grande rota comercial dos Estretos", A rola do trigo na Antighidade, no ponto de eneontra pa Buropa e da Asia. Mas nao passava de um grande Povoado quanto Constantino a escolheu para din ae Império uma segunda capital. ‘Antes de Constantino, mundo romano tem uma ‘capital, Roma; depois de Constantino, tem teoricenen Galuss, Roma'c Constantinopla, mas na realidade, diante de Roma abandonada a seu declinio, Constar? Linopla cresce a cada dia, © 0 simples fato de ser a we, aidéncia do imperador e a sede da administragac tar dela a verdadeira capital. Eis 0 acontecimente ereere ial do reinado de Constanvino, muito mais importante, A meu ver, que sua conversio ao eristianismo, a qua hnada mais fez que acelerar uma evolugdo feral, Fala-se, ¢ desde a Antigiidade, que Constantino {inh deixado Roma, cidedela do paganismo, porque nela se sentia impopular. Isso é falso, da mesma fae ima que seria falso acreditar, segundo o testemunho ao Pseuclo-Eusébio, que ele quis fazer de Constantinopla uma cidade crista, “fundacao” da cidade foi acme Panhada de ritos bagdos e, se Constantino ali ergla ‘brejas, também permitiu que os templos eontinuce, sem existindo (pede ser até que, segundo o testem. Heste caso, do pagio Zdzimo, te. ‘nha construfdo novos), Na verdade, Constantino cbs. {ieceu.a consideragbes estratésicas, econdmicas ¢ po iticas. Estratézicas: as ameacas mals graves que pose. Rim sobre o impétio vinham dos godos e dos persas; Roma, ela prépria alids vulnerdvel as tribos de Ger, mania ou da lia, estava extremamente afastada doses RAG oe easton de Bx & de Darnton. 0.2) 16 dois teatros de operapBes; Constantinopla, fortaleza ‘nexpugndvel, era a0 mesmo tempo uma exeelonte tae sede parida, tecrestree maritima, contra os arburow donorte edoleste, Kondmicas: a necesidade, eit tony os tumultuados, de manter livre a ota dos Estetoy # de assegurar as wocas comercias entre 0 Mediterrhe Neo € 08 palses da costa do Mar Negro, entre a Lutes pa ea Asia, Poltieas, por fimi a decaionca geal da alin, §4 to ntida no século 1, tinha se precipitado, Roma, orgulhosamente petrificada em seus velhos Drie Vilégios, era unta cidade morta; o Oriente grogo pares sia claramente, por sua riqueza e por sua elvieeedny como a parte viva do impetio. Roma, li, tinha deinado de ser a capital efeti= ‘a desde o século III. Nao ¢signifcativo que dos qu tro soberanos da tetrarguia nenhum tenha fade Ik Su residéncia, c que na propria Ids, Milde, neste 90ea, ja tivessesuplantado? Constanta Tip ¢0resdira em Roma mas em Tres, em Sirmiam le troviea) em Sardica (Sofi), em Nicoméia: utras an. ‘as etapas da grande rota do Uertente ao Oriente, que também passava por Constantinopla, mas que seo, nha desviado da Talia Foi em 324, quando a vitéria sobre Licinio entrepa-Ihe o Oriente, que Constantino, num raspo de Benialidade, escothe BizAncio, Os trabalhos comega, am imediatamente e prosteguiram ate336, acu dlo um mimero considerével de operdrios: foram res erutados de uma 56 vez, para os sevigos de terraple. ager, 40,000 godos. Muitas cidades srandes foram despojadas de suas obras de arte, os monumentos de suas colunas ou de suas escultrs, pars ornamentar anova cidade, Para arar os romanos notévels, forare Ihes doados palécios novos; e para atrait 0 povs, instituiu-se a anona, tal qual funcionava em Rona ¢ as distribuigdes gratuits de trigo. O proprio Consten, tino havi tragado os limites da cidade, & qual ee dou logo de inicio uma superficle quatro ou cinco veces Ww

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