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LAO TSE O LIVRO DO CAMINHO PERFEITO TAO TE CHING O LIVRO DO CAMINHO PERFEITO Tao té ching Lao Ts Hé4 versos do Tao té ching que lembram o clarao répido ofuscante do raio. Numa fragio de segundo, apanhamos a sua mensagem, que de tao cristalina que é, dispensa 0 comentério prolongado: “Quando nao valorizamos os artigos dificeis de obter, estamos impedindo que sejam roubados.” (...) Quando © ouro e 0 jade enchem um salao, seus donos nao poderao manter a segutanca.” (...) “Quando a rigueza e as honrarias conduzem & arrogancia, decerto o mal vird logo a seguir.” E, como o raio, estes versos traréo consigo o ruido do tro- vio, conduzindo-nos 4 reflexdo demorada. No entanto, alguns dos seus versos, inapreensiveis de imediato, nao poderao pres- cindir da explicagao do Dr. Murillo Nunes de Azevedo, monge budista ¢ tradutor vigoroso. Assim, em versos como “Suavizai o corte/Desfazei os nés/Diminui o brilho”, encaixa-se, com per- feigZo, a licfo breve e sagaz de MNA (“Os nés e 0 ‘corte’ refe- rem-se as dificuldades que criamos, as situacdes insoltiveis, por- que esto cheias de nds. O ‘corte’ é a supressfo constante do intelecto, do raciocinio légico, que decepa o que é uno. O ‘bri- Tho’ decorre do polimento produzido pelo conhecimento livresco, adquirido quando o homem passa a brilhar com o fulgor das citagdes, da repetigéo mecanica do que foi dito por outros, mas por trds disso nao possui profundidade.”), cujo nome, de ora em diante, estar4 ligado aO Livro do Caminho Perfeito, que Lao Tsé, segundo se sabe, teria escrito durante um pernoite, por solicita- cao de um guarda de fronteira. A tradi¢fo se esqueceu do nome daquele funciondrio, espantado com a figura fmpar dum velhote de barbicha montado num boi, e que se mudava de cidade por- que as misérias do Mundo e, particularmente, as coisas da admi- nistragao local, eram de arrepiar caminho. Foi uma grande sorte para nds todos que aquele guarda se lembrasse de pedir ao filé- sofo um resumo da sua sabedoria, porque o Tao #é ching, como a leitor estudioso logo ira dar-se conta, inclui, numas poucas p4ginas, uma Metaffsica, uma Moral ¢ uma Polftica. EDITORA PENSAMENTO LAO TSE 7 O LIVRO DO CAMINHO PERFEITO (Tao Té Ching) ‘Traducao e adaptacao, refdcio e comentarios: MuriLtto Nunes DE AZEVEDO cy EDITORA PENSAMENTO Sio PAULO © texto aqui apresentada ¢ uma versio confrontada com as seguintes obras: © The text of Taoism, trad. de James Legge. Julian Press, 1959. Les Pores du Systeme Taoiste, de Léon Wieger. Cathasia, 1950. A Buddhist Bible, de Bikku Wai Tao, E. P. Dutton, 1952. Tao te King, de Jean Herbert. Dervy-Livres, 1951, Lao Tzu — Tao Te Ching, de D. C. Lau. Penguin Books, 1963. The wisdom of China, de Lin Yutang. Michael Joseph, 1958. The wisdom of Lao Tze, de Lin Yutang. Michael Joseph, 1958. ne Upanishads and Tao Te Ching. Cuningham Press, ecoeooe © La voie et sa vertu. Editions du Seuil. Trad. de Houang-Kia-Teheng ¢ Pierre Leyris. Edlgio Ano 5167 -8-9 '89-90-91.92.95 Direitos reservados EDITORA PENSAMENTO LTDA. Rua Dr. Mario Vicente, 374 — 04270 Sao Paulo, SP — Fone: 63 3141 Impresso em nossas oficinas graficas, Sumario ‘TAO TE CHING: O livro do Caminho Perfeito — Murillo Nunes de Azevedo xi Livro I O Tao 1 O Encontro dos Opostos 4 A Trangiiilidade Suprema 6 A Fonte de Tudo 8 O Uso do Vazio 10 A Fémea Misteriosa 12 A Perfeigfo Suprema 13 O Ponto de Equilibrio 15 O Caminho do Céu 17 A Qualidade Misteriosa 19 A Virtude do Vazio 21 ‘A Repressfio dos Desejos 23 A Relatividade de Tudo 25 A Manifestacfo do Mistério 27 15 A Exibicio da Qualidade 29 16 — Retérno a Raiz 31 17 — A Influéncia Inalterada 33 18 — A Decadéncia 35 19 — Volta a Simplicidade 37 20 — O Homem Diferente 39 21 — O Coragiio Vazio 41 22 — A Crescente Humildade 43 WeIRAARDNYE oleate lela tle eh | ii... 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 — O Vazio Absoluto 45 — Posigées Incémodas 47 — As Faces do Mistério 49 — O Péso da Gravidade 51 — O Caminho Sem Rastro 53 — A Simplicidade Original 55 — A Ac&o Sem Violéncia 57 — Adverténcia Contra a Guerra 59 — Acalmando a Guerra 61 — A Sabia Virtude 63 — A Discriminagio 65 — A Tarefa da Conquista 67 — O Atributo da Benevoléncia 69 — Suavizando a Luz 70 — O Exercicio do Govérno 71 Livro II — Qs Atributos do Tao 73 — A Origem da Lei 75 — O Uso dos Meios 77 — A Identidade e Diferenga 78 — As Transformagées do Tao 80 — O Uso Universal 82 — Adverténcia 83 — Grande Inundag&o de Virtude 85 — A Moderagio do Desejo 87 — Observando o Que Esta Distante 89 ~- Esquecendo o Conhecimento 91 — A Qualidade da Indulgéncia 93 — A Conquista da Morte 95 — A Maneira Como o Tao Nutre as Coisas 97 ~— O Retérno 4 Fonte 99 — A Crescente Evidéncia 101 — O Cultivo do Tao e a Observagiio de Seus Efeitos — O Encanto Misterioso 105 —- A Misteriosa Exceléncia 107 — A Influéncia Genuina 109 — A Transformacao de Acérdo com as Circunstancias 103 11 — 59 — Guardando 0 Tao 113 60 — Ocupando o Trono 115 61 — O Atributo da Humildade 116 62 — Praticando o Tao 118 63 — Pensando no Principio 120 64 — Guardar o Minisculo 122 65 — A Exceléncia Suprema 124 66 — Colocando-se no Ultimo Lugar 126 67 — As Trés Coisas Preciosas 127 68 — Sintonizando o Céu 129 69 — O Uso Misterioso do Tao 130 70 — A Dificuldade da Pratica 132 71 — A Doenga do Conhecimento 134 72 — Ama a Ti Mesmo 135 73 — Que os Homens Sigam o Seu Curso 137 74 — Controlar a Ilusio 139 75 — Os Males da Avareza 141 76 — Néo Confies na Resisténcia 143 77 — O Caminho do Céu 144 78 — Coisas em que Devemos Acreditar 146 79 — Como Manter um Tratado 148 80 — Permanecer S6 149 81 — A Simplicidade 151 TAO TE CHING: O Livro do Caminho Perfeito MuriLto NUNES DE AZEVEDO Tes palavra hermética, intraduzivel, que alguns, aven- turando-se a romper os seus véus, denominaram Lei, Norma, Religifio, Dever. Tao € tudo isso e muito mais. & o curso dos astros nos céus, o correr dos rios na terra, o cantar dos pas- saros, 0 cair da tarde, o tiltimo suspiro. Para mim, a melhor imagem é a do Caminho Perfeito, a linha de menor resisténcia entre dois pontos e a que se vé quando a chuva cai na montanha e as gétas d’égua vao a procura do vaie, seguindo um caminho que reflete sibiamente o menor esf6rgo. Tao é 0 percurso do raio entre duas nuvens carregadas de eletricidade, que se apro- ximam até que salte a centelha em busca do equilfbrio. O raio & tortuoso, inesperado, pois seu itinerario reflete sempre a sabe- doria de uma linha de menor resisténcia, que é a fungio da configuragéo do momento, A fisica relativista de Einstein, com suas comprovagées do efeito do campo gravitacional das estrélas nos raios de Juz, é uma prova viva do Tao formulada em’ mo- dernos térmos de matematica. Ha, portanto, uma lei, o Tao, que se expressa de varias formas e de um modo perfeitamente natural. Poderiamos dizer que o Tao é a verdadeira linguagem da Natureza. Todo o problema de doengas esta ligado ao fato de o homem violar a sua prépria natureza, provocando tensdes xi fisicas ¢ psfquicas que irfo produzir um desgaste anormal no organismo. Daf encontrarmos no Taoismo posterior uma alqui- mia na qual o homem consegue, através de técnicas diversas ¢ preparagées de elixires, alcangcar a eterna juventude. Nessa alguimia taofsta temos a ressaltar a transformacdo fundamental da natureza psicolégica equivalente a iluminac&o do ser ou a transformago da matéria bruta no ouro mencionado pelos alqui- mistas ocidentais e uma série de receitas provenientes de um conhecimento profundo de rafzes, félhas, metais, que constituem verdadeira farmacopéia arcaica que, no entanto, produz ainda hoje efeitos dos mais positivos. A respeito do fundador do Taoismo, o filésofo Lao Tsé, pouco se poder dizer, pois, ao que tudo indica, trata-se de uma personagem mitol6gica. Em alguns trechos surge a figura de um homem estranho, exdtico, que nfo gostava de honrarias, era a verdadeira antitese de Confiicio e nunca passou de um obs- curo funcionério piblico que, ao fim da vida, desapareceu na fronteira do oeste em diregdo a Asia Central onde, segundo as tradigées, continua vivendo, j4 que é imortal. O Tao Té Ching, livro classico do Taoismo, com suas 5.000 palavras, teria sido escrito a pedido de seu amigo Yin Hsi, pouco antes de Lao Tsé partir para sempre da China. A filosofia de Lao Tsé apre- senta um profundo contetdo, como poderd revelar uma leitura das pAginas do livro do Tao. O texto, escrito num estilo tele- gréfico, é séco, mas o sentido das palavras tem grande penetra- cao. EB um livro que no admite leitura superficial, pois s6 vai sendo revelado aos poucos. E indiscutivel a influéncia do Livro do Tao no Budismo Ch’an (Zen) e no pensamento posterior da China. O espirito da China é 0 préprio do Tao. xii Livro 1 O Tao O caminho que pode ser seguido nao é 0 Caminho Perfeito. O nome que pode ser dito nao € o Nome eterno, No principio esté o que néo tem nome. O que tem nome é a Mae de tédas as coisas. Para que possamos observar os seus segredos devemos permanecer sem desejos, Mas se em nds mora o desejo a tinica coisa que podemos contemplar é a sua forma externa, A casca que a esséncia oculta. Esses dois estados existem para sempre insepardveis. Diferentes tinicamente em nome. Conjuntamente idénticos, unidos, integrados. Sao os chamados Mistérios! Mistério além dos mistérios O Portal que conduz a tudo aquilo que é sutil e maravilhoso ao recéndito segrédo de todas as esséncias! Comentario Qual a distingdo entre o caminho € 0 Caminho? Um pode ger seguido, 0 outro n&o. O que pode ser seguido é 0 velho, 0 que esté na meméria, 0 produto do condicionamento e de ve- Thos hdbitos, o que nos foi impésto pelo conhecimento prove- niente de terceiros. O caminho que nfo pode ser seguido é 0 néyo, © esponténeo, o que de instante a instante se revela. Ca- minho € sempre névo, dependente das configuragdes, nfo é algo a ser encontrado num velho alfarrébio ou num mapa. Aquéles que tém “olhos” para ver 0 “aqui e agora” poderio divisat ins- tantaneamente, escancarado diante dos seus pés, o verdadeiro Caminho. E quanto ao nome? A mesma davida permanece. Recor- demos a caracteristica instantinea da manifestagio. Tédas as coisas so concentragdes espago-temporais com determinada du- racao. Hi, entretanto, um abismo muito grande nos nomes que damos as coisas, que nada mais sao que rétulos entre elas ¢ a realidade ultima. O verdadeiro nome € aquéle que poderia ser percebido por um ouvido césmico, que fOsse capaz de captar a vibragio de um objeto com téda a nitidez, O sentido pro- fundo dos mantras na escola do Tantra est aqui revelado. Evidentemente, antes de téda a existéncia, havia algo que nao tinha nome. Era o seio que encerrava tédas as coisas que um dia nasceriam. A Mae Césmica é aquela que j4 possui um nome. No Budismo Zen ha uma pergunta, um koan, com que se testa o candidato ao conhecimento supremo: “Qual era a tua face antes de nascerem teus pais?” A “resposta” langaré luz sébre 0 pequeno trecho do Tao Té Ching que estamos comen- tando. “Para que possamos observar os seus segredos, temos de permanecer sem desejo”. O desejo é sempre uma Ansia de com- plementagao. Um processo compensatério, que pode ser verifi- cado no simples desejo de alimento, no qual a fome, que éa propria imagem do desejo, cessa quando o alimento é ingerido. Mas como podemos observar alguma coisa se estamos sempre nela nos projetando através de nossos desejos? Se estamos sem- pre sugando o que observamos para completar nosso vazio in- 2 terno? Todos os testes projetivos da psicologia demonstram que. através do mecanismo compensatério dos desejos, o homem pie jeta-se na coisa observada. Quando cessam os desejos, entéo podemos observar a coisa nua, pura, tal como é diante de nés Sem qualquer contaminagdo. Se, entretanto, “o desejo mora em nds, a tnica coisa que podemos contemplar é a sua forma ex- terna”. “A casca que a esséncia oculta”. Para 0 Tao Té Ching essas duas coisas existem para sem- pre interligadas: a casca e a esséncia. E um fato. Ao observar o homem, jamais podemos deixar de lado o interno, 0 lado oculto, sob pena de transformarmos as relagdes humanas em algo pura- mente externo, Esse é o Mistério. Aquilo que aqui é chamado simbdlicamente de Portal. Cada coisa, portanto, é como um por- tao escancarado diante de nés. Tédas elas nos levarao a es- séncia primordial. Ao Tao. 2 O Encontro dos Opostos Todos no mundo reconnecer oO bets como Belo a, sabem o que é o Feio. SAT tainda reco Cera G Be ane o Bem wma, sabem o que € 0 l. sted € 0 néo-ser geram-se mutuamente, O longo e o curto sé delimitam O alto e o baixo se nena o som se harmoniz 0 med eo depois seguem-se um ao outro. Assim o sdbio executa suas tarefas sem agir e transmite ensinamentos sem usar palavras. a Tédas as coisas agem, @ éle ndo lhes nega auxi Produz sem apropriar-se de coisa alguma Realiza sua tarefa e néo pede gratidao e é justamente porque ndo sé apega que o mérito jamais o abandona e suas obras meritérias subsistem. Comentario Por que o belo é belo e 0 feio é feio? Haverd um padrao absoluto para medir a beleza e a fealdade? O mesmo acontece ‘com o bem e o mal. Temos de compreender que vivemos em lungao de um dualismo, que corta em dois o que é uno, e da- ‘mos nomes diversos a ésses pedacinhos da realidade inteiriga, classificando-os de acérdo com padres artificiais. Na realidade, no sentido absoluto, nao existe nem o bem nem o mal, nem o {cio nem o belo, pois, como indica 0 texto, os opostos se incli-~ ham, delimitam-se: esto em harmonia. “O sdbio executa suas tarefas sem agir” — eis aqui outra s intimeras afirmagses paradoxais que iremos encontrar no Tao Té Ching. Implica uma total revolugao do conceito tradi- lonalmente enraizado de que a acdo sempre pressupée um mo- iento. Lembramos que os varios significados das palavras, qjuando nao compreendidas devidamente, levam ao paradoxo. Ao beco sem safda. O conceito de Wu-Wei, a inacaio na agdo, a chave da compreensdo do texto neste ponto. A melhor for- a de explicd-lo é mostrando a significagao profunda do judd, que é uma luta e portanto agéo, mas que se baseia no princi- i da inagao. O lutador espera sdmente o golpe do adversario. Jfio é agressivo, nao alimenta idéias de vitéria ou derrota. Lu- Ti apenas. Todo o seu corpo e mente estio distendidos, em paz, ‘@ agir no momento exato, conforme a configuragéo do mo- to. Os ensinamentos siio transmitidos sem palavras, 0 que, gundo o texto, é a forma mais intima e efetiva de comunica- de um ser com outro ser. A tarefa é executada sem neces- le de recompensa, com um espirito de total desapégo. Nes- aso, o trabalho resultante permanecera, pois tem como ci- mento o Amor, que é o sentimento de interagdo, em que de- mirece © sentido do observador e do fato observado e resta penas um estado de participacgdo, que pode ser téscamente con- hido como o éxtase ocorrido no orgasmo sexual, quando o me a mulher (os dois opostos) alcangam uma continui- de consciéncia. © povo trangiilo. Em face 6 3 A Tranqiiilidade Suprema Quando niio glorificamos os homens de valor Evitamos a rivalidade entre as pessoas. Quando nao yalorizamos os artigos dificeis de obter estamos impedindo que sejam roubados Eliminando o que possa provocar desejos. Os homens permanecem sem perturbagées mentais. Portanto, ao governar, 0 sdbio esvazia a mente do seu povo. A medida que The enche a barriga e lhes fortalece ‘os ossos sua vontade enfraquece. Mantém sempre o povo isento do conhecimento e livre do desejo. Para que o inteligente munca ouse agir Pois quando nos abstemos da acdo reina suprema a boa ordem universal. Comentario O objetivo déste capitulo é mostrar como é possivel manter ‘do nosso condicionamento ociden- Piiliatat deouae” Meecha" cnt deter ea a ys d a barriga dO povo ¢€ esvaziar mente”. O conceito de esvaziar a mente nao é ria sentido de impedir 0 acesso 4 educagao, e sim er ae namento da massa, como ocorre hoje em “di asi See na lei do mais forte, na competigao, no pater See personalismo e da conquista de ‘ aR Ncanaraeee supremos da vida. A dactocida day Sraanle era cece aise ragdes acentuam-se como em nenhuma outra oe deniers trando a necessidade da volta 4 raiz da simplicidadc. "Em Set a trecho 0 Tao Té Ching afirma: “Pois, quando nos abstemos ls go, reina suprema a boa ordem universal”. - 4 A Fonte de Tudo O Caminho é vazio e inesgotdvel, rofundo como um abismo. ; z como se fosse o ancestral das dez mil criaturas. Suavizai o corte Desfazei os nds Diminut o brilho. i Deixai que as rodas percorram os yelhos sulcos. Devemos considerar nosso brilho se a fim de que nos harmonizemos com @ escuridéo dos outros. Como é puro e tranqililo 0 Caminho! Néo sei de quem possa ser filho pois parece ser anterior ao Soberano do Céu Comentario © Tao 6 como um vaso inesgotavel, mas vazio. No vazio est4 o segrédo de toda a plenitude. Os homens cheios de concei- tos, de h4bitos, de pontos de vista, dogmaticos, jamais poderao & captar o Tao, que se expressa justamente pelo seu vazio. Os ‘nds e o “corte” referem-se as dificuldades que criamos, as si- tuagées insohiveis, porque esto cheias de nds, O “corte” é a supressio constante do intelecto, do raciocinio légico, que de- cepa o que é uno. O “brilho” decorre do polimento produzido pelo conhecimento livresco, adquirido quando o homem passa ‘a brilhar com o fulgor das citagdes, da repetig&éo mec4nica do que foi dito por outros, mas por tras disso nao possui pro- fundidade. “Deixai que a roda percorra os velhos sulcos.” A idéia dos uulcos decorre da observagio da facilidade que tem uma car- ‘oga quando a circulacao é feita seguindo as marcas das ante- riores. Em certo aspecto, possuimos, em nossa natureza pro- nda, os “velhos sulcos” que representam a linha de menor esisténcia do Tao. Uma vez redescoberto, ésse caminho antigo os d4 uma tranqiiilidade que antes nado conheciamos. Q Uso do Vazio O céu e a terra nao sto humanos. Nao tém qualquer piedade. 4 53 Para éles milhares de criaturas sto como caes de palha que serdo destruidos no sacrificio. O sdbio ndo tem predilecées - é impiedoso ao tratar as pessoas como caes de palha Nao serd 0 espago entre o céue a terra como um gigantesco fole? Esvazia sem exaurir-se Inesgotdvel. e Quanto mais trabalha, mais alento produz. Muitas palavras se esgotam sem cessar e conduzem inevitavelmente ao siléncio. ein Aferrando-nos ao vazio protegemos 0 nosso ser interior eo mantemos livre. Comentario Uma visdéo direta sdbre 0 que se passa ao nosso ree “no céu e na terra”, como diz o texto, demonstra, para aquéles 10 fue estdo acordados, a total despiedade dos acontecimentos. A ia de que Deus modifica a ordem dos acontecimentos para ender as siiplicas dos homens é de um primarismo contunden- As criaturas so os “caes de palha”, que se usavam nos sa- cios antigos e eram destrogados impiedosamente. O conceito le piedade humana néo tem qualquer validade num plano uni- rsal. A verdadeira piedade é o Tao, que ama seus filhos e se loréncia. O homem, o cio ou a 4rvore tém tanta importancia 0 Absoluto quanto o rei mais poderoso da terra. Para que amos compreender 0 Tao, temos de esvaziar as coisas do espago nunca fique exaurido. A idéia do fole é o simbolo lgo que quanto mais trabalha mais produz. Podemos envol- t nossas vidas, como faz a maioria, num oceano de palavras. [is sempre chega um momento no qual as palavras cessam ¢ © siléncio. E déste siléncio, de sua voz, que poderemos eender o Tao. Todos nés possuimos um eu interior, de tes nao muito definidos, que é a verdadeira raiz de nosso tinica forma de nos mantermos livres é aferrando-nos ao que esté presente diante de néds em cada fato que ocorre. ida de hoje, em que a tecnologia nos leva a uma pura re- de tarefas, a uma compartimentagao sob todos os aspec- i uma automacio cada vez mais sensivel, a liberdade estd, iO Sempre estéve, no mundo interior. No vazio inesgotdvel. Li 6 A Fémea Misteriosa O espirito das profundezas do yale é imperecivel é chamado o mistério feminino. 3 A Porta da Fémea misteriosa é a Raiz, da qual crescem o céu e @ terra. Fracamente visivel, seu poder inexaurivel permanece. ‘A Fémea misteriosa dura perpétuamente © seu uso, entretanto, jamais a esgotard, Comentario Encontramos neste verso a raiz da idéia do prolongamento da vida. O vale 6 0 vazio. Seu “espirito” é a forca que 0 im- pele & manifestacao, € imortal. O Taofsmo é evolucionista, pois para éle as dez mil coisas antes estavam todas infusas num gran- de Uno, Em certa ocasiao, pela “Porta da Fémea Misteriosa”, ésse Um féz-se dois. E os dois tranformaram-se nas dez mil coi- sas, B dessa Fémea que brotam o céu ¢ a terra, Céu e terra sao ‘08 dois opostos de uma realidade que atinge desde a matéria mais densa (a terra) até a mais sutil, simbolizada pelo céu. 12 7. A Perfeicdo Suprema O céu e a terra séo impereciveis Se sao impereciveis é porque no ddo vida a si mesmos. E assim sendo, tém longa duragao. ‘ Por isso o sdbio coloca-se em iiltimo lugar e chega na frente de todos. Quando esquece suas finalidades egoistas Conquista a perfeigéo que nunca buscou. Comentario Duas grandes idéias estio aqui definidas. Torna-se imor- |, vive para sempre, aquéle que é desapegado, altruista. O 10 Té Ching pode ser considerado o livro basico da criativida- . Néle esto claros todos os principios fundamentais da eclo- 0 do poder criador na criatura humana. O verdadeiro artista ‘aquéle para quem a obra ndo tem importancia. O importante © momento da criagio, quando completamente receptivo ao 0, que se manifesta através do instrumento que utiliza, éle 13 consegue transpor para o tempo algo que é atemporal. Longe déle deve estar a idéia de perfeigao, de valor, de meta a atingir, pois no instante em que nasce ésse pensamento, a rigidez se ma- nifesta © surge a imperfeigio. Nao ha o que buscar! Nao h4 o que ansiar! Nao hé de que fugir! O reconhecimento déste fato primordial que desconhecemos nos d& a percepgéio do que é. O Ponto de Equilibrio i, pada suprema é como a dgua. P pee ea ye so benfazejas a milhares de criaturas. yeeen os lugares mais baixos, que os homens detestam. pe lam-se onde ninguém quer permanecer. ie eer sao compardveis ao Caminho. ‘asa, 0 que mais importa é a localizagao. Num aliado, a benevoléncia ogi Na palavra, a boa-fé. No govérno, a ordem Nos negécios, a habilidade, Na agao, o atemporal. Mas o sdbio nunca luta por essa razdo & inatacével. Comentario Room maples constantemente, varios simbolos. A lc, o Caminho, a imaciio na acdo. A Agua freqiien- 15 temente aparece como o exemplo da capacidade de adaptagao, ois_ sempre um virtude suprem: gem utilizada para definir o Tao. A virtude 6 0 equilibrio, nao é forcada, nem externa. E algo que nasce como a fonte, de dentro para fora, e se dé como a agua, para beneficiar 0 mundo. O virtuoso na upa_com isso, tro conccito, qui P na agao. Segundo o texto, o “g4bio nunca luta”, sendo por isso mes- mo inatacavel. Na palavra “Juta” esta subentendida a ac¢io cons- ciente, que visa a resultados concretos. E um objetivo a atingir, para o qual tenho de me esforcar, cerrar os punhos, pisar nos ou- tros, etc. Quando a’ nao vem en- volvida nas dores do esf6rgo, pois ¢ e al, sendo assim inatacdvel. A destruigao € acompanhada do a a estrutura consumida esta cristalizada ao maximo ¢ tesiste ao ca- yAter consuntivo da vida. A criagao, seja do artista, do mistico ou da simples existéncia, seré tanto mais indolor quanto o vei- culo onde ela flui e expresse na agio 0 atemporal. O eterno. a] 16 9 O Caminho do Céu E melhor néo encher totalmente um vaso do que tentar carregd-lo se estiver cheio. Quando afiamos demasiadamente uma faca, seu gume ndo Se conservard, Quando 0 ouro e o jade enchem um salao, seus donos nao poderdéo manter a seguranca, Quando a riqueza e as honrarias conduzem a arrogancia decerto o mal vird logo a seguir, Quando fizermos o trabalho e 0 nosso nome comecar a celebrizar-se a sabedoria consiste em recolhermo-nos a obscuridade, assim que a tarefa terminar. Este é 0 Caminho do Céu! Comentario O Tao Té Ching diz, com palavras muito claras, que é me- parar do que tentar atingir uma perfeigdo inatingivel. A per- é um estado de imperfeicio. Quando quisermos amolar I7 a faca, temos de saber discernir 0 exato momento em que eens parar, sob pena de a estragarmos. Honrarias e paces a nada conduzem, se nio ao afastamento do Tao. o oe aquéle que se retira ¢ vive na obscuridade. Para muitos, éste trecho poder4 parecer uma recusa do homem a panticipes na atividade social, o que, em virtude do condicionamento | lecor- rente da vida extraordinariamente ativa no mundo atual, afigurar- se-ia impossivel. O refigio na obscuridade ndo significa, alte tanto, o abandono da atividade, e sim o desapégo a qui ene resultado. Aquéles que se deixam levar pelo brilho unions es recompensas, a éle se apegam, estéo definitivamente afastados do Tao. Da suprema virtude. Do Caminho do Céu. 18 Io A Qualidade Misteriosa Mantém a alma sensivel e 0 corpo animal numa unidade Para que ndo possam separar-se, Controla a férga vital, a fim de que te transformes novamente uma crianga recém-nascida, Quando afugentares as visées misteriosas de tua imaginacao, poderds entao tornar-te sem macula, Purifica-te e néo procures respostas intelectuais Para o Mistério, Amando o povo e governando o Estado, poderemos deixar de agir? Quando se abrem e fecham os portées do Céu, conseguiremos desempenhar © papel feminino? Quando o discernimento penetra as quatro regides talvez nao conhegas aquilo que dé vida e a sustém. Aquilo que dé vida nao reclama qualquer posse. Beneficia, mas néo exige gratidao Comanda, mas nao exerce autoridade Eis a chamada “qualidade misteriosa”, Ig Comentario Neste capitulo encontram-se as regras basicas da moderna medicina psicossomatica, que vé o homem como uma unidade. © segrédo esté em levar uma vida que nado permita a separa- cao da alta alma “sensivel” do corpo. A vida atual, com sua IL brutalidade, seu imediatismo, suas paixdes fortes, leva o homem A alienagiio. O corpo, incentivado pelos apelos sensoriais, tor- na-se 0 soberano, enquanto a “alma sensivel”, néo mais poden- do expressar-se, estiola-se e vinga-se na compensagéo das neu- i + roses e nas diversas formas de doengas mentais. O Tao Té A Virtude do Vazio Ching declara que é possivel controlar a vida, que em nds se manifesta como um manancial subterraneo ¢ procura uma bre- cha para vir A superficie. A crianga recém-nascida evoca 0 se- gundo nascimento de que nos falam as religides dos mistérios da antigiiidade. As visdes misteriosas sao as que nascem da nos- sa fértil imaginagiio e constantemente se projetam em formas ilu- i . s6rias, deformando a percepgdo da realidade. Mas através da Fe caaion convergentes unem-se no cubo formando purificagéo € possivel tornarmo-nos sem macula e acabarmos, Mas é seu vazio central ilizacd de uma vez por tédas, com a tolice de querer obter respostas Modelai o bi niral que permite a utilizagao do carro, para o Mistério, Inimeras tentativas foram feitas, no decurso Recortat A arro para fazer um jarro dos séculos, para procurar definir a causa primeira ou obter res E tim de ‘9 espago vazio das paredes portas e janelas posta para o que est além das palavras, ¢ isto se pode compro- esta fi gts um quarto possa ser usado, var pela simples observacdo da multiplicidade de livros escritos ee iy ee Oeste pacer) sob os mais diversos temas. Verdadeira enxurrada de paginas © ndo-ser que o torna eficaz. impressas, que sao meras aproximagées superficiais de algo pro- fundo que nao se pode obter por meios intelectuais. Comentario A utilidade das coisas esta no vazio, no nao-ser. O cheio, abado, o terminado, nao tem qualquer utilidade, pois nada poder conter. O Zen-Budismo revela a grande influéncia japonés, que viveu durante a época Meiji (1868-1912). vez, vai visité-lo um professor universitdrio j E ofess que desejava mhecer o Zen. Segundo a etiquéta, Nan-in convida-o a sentar. 21 Comega a servir o cha. A ch4vena do visitante ja esté cheia, mas Nan-in continua imperturbAvel derramando o cha, que prin- cipia a escorrer pelo cho. O professor observa 0 transbordamen- to, e nao podendo mais conter-se exclama: “A chavena ja esta cheia! Chegou o momento de parar”. Ao que Nan-in observa: “Agsim como esta chavena, também estés cheio de conceitos ¢ especulagdes. Como poderei mostrar-te o Zen, se no te esva- ziares primeiramente?” I2 A Repressio dos Desejos As cinco céres cegam os olhos humanos As cinco notas ensurdecem os ouvidos Os cinco gostos injuriam o paladar As corridas e as cacgadas desencadeiam no coragao paixdes furiosas e selvagens. Os bens de dificil obtengéo causam ferimentos diante de perigosos obstdculos, Por ésse motivo o sdbio ocupa-se do interior e néo da exterioridade dos sentidos. Ele rejeita o superficial e prefere mergulhar no profundo. Comentario Todos os estimulos provenientes dos sentidos acabam insen- ido o homem com seus muiltiplos apelos. Ficamos forte- a tudo que vem de e atinge nossa consciéncia através das estreitas portas da fio. O sdébio prefere mergulhar no profundo, no corag&o 23 “casca” 6 0 contetido. O segrédo da vida consiste em aprender a olhar o lado oculto das coisas, Ver 0 que poucos véem. iremos encontrar a resposta as nossas perguntas, que geralmente so 0 simples produto das ilusées dos sentidos e a nada nos conduzem, exceto a crescente separacio do homem da Natureza. 15 A Relatividade de Tudo O sucesso e a desgraga sie sempre acompanhados pelo médo. As honrarias e tribulagdes podem ser consideradas como condigdes pessoais da mesma espécie. Por que afirmar que o sucesso e a desgraca sao seguidos pelo médo? A desgraca é estar numa posigao inferior depois de sentir o gésto da vitdria. ‘Quando obtemos o sucesso, nos vem o médo de perdé-lo @ entéo tememos maiores calamidades. Bste é o sentido da afirmagdo de que o sucesso e a lesgraca sio acompanhados pelo médo. 0 que significa a afirmagao de que honrarias e tribulagGes stio condigées pessoais da mesma espécie? O que me torna passivel de grandes calamidades é possuir um corpo que considero meu. 'e ndo possuisse tal corpo, que infelicidade poderia atingir-me? Eis a razéo por que aquéle para o qual o império é tdo precioso como sua prépria pessoa pode conquistd-lo. . quem 0 ama tanto como a si mesmo pode ser digno le sua diregGo suprema. Comentario A idéia do GP, a tentativa do homem em construir em térno désse conceito um! a fim de resguar- dé-lo contra a invasio do , do hostil adver- sdrio, 6 a origem de tédas as calamidades. O sentido de proprie- dade, de posse, € animal. Revela séres que estao ainda muito ape- gados aos padrées de coexisténcia da vida primitiva, na qual a posse de um naco de carne, ou de um cacho de bananas, poderé significar a sobrevivéncia. O que distingue o homem do animal é a sua capacidade de desapégo. A sua capacidade de dar-se. O sibio entrega-se aos outros, pois, no fundo, é um santo. A san- tidade se caracteriza por um total despojamento de qualquer sentido de propriedade, Na estéria da lua e do ladrao, o Zen nos descreve o que é um homem que atingiu ésse estdgio de total despojamento. Ryokan era um mestre Zen que levava uma vida das mais simples na sua pequenina cabana ao pé da montanha, Todos gostavam déle> as criangas, os camponeses a quem éle ajudava em suas tarefas, recebendo em troca alimentagao. Certo dia, enquanto Ryckan estava ausente, um ladr&o entra na sua pobre cabana e nada encontra. Neste instante, Ryokan volta e surpreende o ladrdo em sua rapinante atividade. Fala com éle tranqiiilamente: “Irmo, deves ter vindo de muito longe para me visitar, Nao deves retornar com as miios vazias”. Tira entao 0 seu velho manto e o entrega ao assaltante que, assustado, foge levando-o debaixo do brago. Completamente nu, Ryokan vai calmamente até o lado de fora da cabana e, olhando a lua, ex clama: “Pobre homem! Como gostaria de lhe ter dado esta bela lua de presente!” 26 14 A Manifestagdo do Mistério O que nao pode ser visto chamamos invistvel O que nao pode ser escutado, inaudivel Quando tocamos e nao sentimos, dizemos que é impalpdvel. Esses trés objetos nao podem ser sondados é desta forma, confundem-se e séo considerados como o uno. A sua parte superior nao é brilhante a sua parte inferior n@o é obscura, Incessante é sua agdo, mas mesmo assim ndo podemos dar-lhe nome. Sua origem estd ld onde néo existe qualquer ser. Sua forma é sem forma, sua figura sem figura. Ele é 0 INDETERMINADO. Indo ao seu encontro vemos a sua face. Seguindo-o ndo lhe vemos as costas. Quando trilhamos 0 Caminho Perfeito de outrora podemos dirigir as coisas da época atual. Poder conhecer 0 comé¢o do passado é segurar firmemente o fio do Tao, Comentario O que sio o presente, o passado e o futuro? Ser4 possivel hoje predizer o que vir4 amanh&? Neste capitulo, 0 Tao Té Ching nos diz que 6 possivel: “Poder conhecer 0 coméco do passado é segurar firmemente 0 fio do Tao”. O futuro esta pre- sente nas condigdes atuais. Basta ir de encontro a sua face de miéios abertas e coraco puro. Da China milenar nos vem o cha- mado Livro das Mutagées: I Ching. Néle vamos encontrar, se- gundo alguns, a raiz do Taofsmo e do Confucionismo posterio- res. Bile nos oferece uma visio da simultaneidade dos aconteci- mentos que, de certa forma, sacode as bases da lei da causali- dade, linearmente concebida como uma rigida sucessao de causa e efeito, Mostra que qualquer acontecimento n&o ocorre sOmen- te por uma causa, e sim por uma configuracao de causas-efeitos simultaneos. iS A Exibicio da Qualidade Os sdbios perfeitos da antigilidade eram misteriosos, sobrenaturais, penetrantes, profundos demais para serem compreendidos pelos homens. Nao podendo ser compreendidos, errénea sera téda descrigéo. O que déles podemos dizer é apenas uma pdlida aproximagéo da realidade. Eram atentos como o homem que cruza o tormentoso rio em pleno degélo depois do inverno. Prudentes como se temessem seus vizinhos. _Formais como aquéle que é héspede de alguém muito cerimonioso. Evanescentes como o gélo ao derreter. Despretensiosos como a madeira bruta, que néio recebeu qualquer forma das maos humanas. Livres como o vale! eae oO que é impuro? Quem pode tornar-se calmo e assim para sempre permanecer? Aquéle que segue o Caminho Perfeito Néo deseja estar cheio de coisa alguma E por ndo estar cheio (de si mesmo) pode parecer que estd gasto, initil e desprovido da perfeigao temporal dos homens. Comentario O sabio, o homem perteito, o mestre, o guru, 6 o homem totalmente realizado, que brilha como uma estréla, fugindo aos padrées normais de julgamento. Imaginamos ésses séres como supremamente belos, calmos, limpos, verdadeiras estétuas am- bulantes, com sorrisos que conquistam o coragfio dos homens, profundos olhos azuis e longas barbas. O Tao Té Ching afirma que ésses homens perfeitos s&o profundos demais para serem compreendidos pelas criaturas comuns. Pelos homens-maquina, que perderam a flexibilidade interna dos puros de coragéio. Dos que véem a face de Deus. O Caminho Perfeito néo é um caminho, no conceito usual de uma estrada, onde ha a seqiiéncia de uma marcha no espaco eno tempo. O Tao é sutil demais para ser trilhado pelos que estio cheios de si mesmos. O homem perfeito € inutil no jul- gamento falho dos homens superficiais, que tém téda sua ativi- dade regulada pelo principio basico do aumento de posses e da afanosa conquista de posigdes. Os que estao cheios de si, cheios de memérias de tempos mortos, de marcas dos encontros nos caminhos da vid: Zo jamais chegar a_um_absoluto despojamento: a’ 30 16 Retérno a Raiz Podemos obter o estado de vazio quando com fervor nos assentamos no repouso. Tédas as coisas entram em seus processos de atividade e depois voltam a obsorver-se no repouso, No mundo vegetal, ao atingirem as formas a mdxima plenitude, verno-las, aos poucos, retornarem as suas Este retérno @ raiz chama-se estado da idade, Essa trangiiilidade é uma prova, um sinal de que finalmente conseguiram atingir sua meta suprema. O retérno ao préprio destino é uma constante, conhecer essa lei é mostrar-se inteligente nao conhecé-la leva a maus resultados. O conhecimento dessa regra imutdvel nos torna magndnimos e aquéle que é magndnimo é, na verdade, um rei. Assemelha-se ao céu Pois seguiu o Caminho Perfeito e com o Tao se uniu. Assim permanece para sempre. £ quando o dia chegar, e seu corpo desaparecer, JG nenhum perigo o espera. al Comentario A obtengdo de um “estado de vazio” é fundamental. Para isso € necessério um “fervor” total, uma plena ateng&o a todos os momentos, o que nos fara penetrar as crostas superpostas da cristalizagio de habitos mortos com que tentamos proteger-nos, na ilusao de construir algo permanente. Portanto, é fundamental que nos assentemos firmemente no repouso. Aqui esta formu- Jada mais uma vez essa filosofia sutil que chamamos “lho do furacdo”, que consiste no encontro constante, em qualquer si- tuagéo, de um ponto de paz no meio do turbilhao, Devemos procurar ésse “retérno as origens”. E sempre uma_possibili- dade que se abre diante de nés, em quaisquer circunstancias. No meio da luta, do conflito, do choque, o “élho” 14 esté. O Tao Té Ching vai mais além, e nos diz que isso “é mostrar-se inteligente” e poder4 nos tornar um rei. A maioria, hipnotizada num processo meciinico de repetir coisas a que damos o nome de vida, esté profundamente condicionada pela idéia da neces- sidade de acelerar o ritmo da existéncia, a fim de poder aumentar a parcela e bens acumulados. Adquirir mais conhecimento, mais experiéncias, mais excitagao, é a ténica de uma civilizacio alie- nada e que perdeu a consciéncia do Tao. 82 7 A Influéncia Inalterada O povo nao conhecia a existéncia dos grandes governantes antigos. Depois vieram aquéles que 0 povo amava e honrava; a seguir surgiu o médo e, por fim, o desprézo popular aos que se intitulavam governantes. Quando a confianga é limitada, nao hd confianga alguma, Como pareciam irresolutos os governantes de ontem, ao mostrar nas reticéncias a pouca importdncia das palavras! As obras meritérias multiplicavam-se, os negdcios prosperavam. E as familias afirmavam em céro: “Gracas a nds é que as coisas est&o assim perfeitas!” Comentario Para o Tao Té Ching o grande govérno é aquéle de que Se sente a presenca compulsiva, onde cada um vai seguindo iminho, sem a isso ser obrigado, As coisas ocorrem espon- famente como o produto da maturacio. Essa pratica da li- 33 i ionais resultados na lade de criagdo tem mostrado excepcionais : Eee dos conceitos classicos da educagdo ue reste: a liberdade. Da educagao ferro-em-brasa, na qual a etn ca marcada com certos conceitos « perdia por comp! leto a espo taneidade de ser. 18 A Decadéncia Quando 0 Caminho Perfeito foi abandonado a benevoléncia e a corregéo entraram em moda e a hipocrisia foi geral. Quando nao mais prevalece a harmonia, as seis relagées logo surgem, O amor aos pais e a piedade filial séo as pseudovirtudes. Os Estados sofrem entéo com a corrupcéo e a desordem € come¢am a aparecer, em grande quantidade, os funciondrios fiéis. Comentario te trecho é extraordinariamente atual. Assenta-se, sob ao mundo de hoje, onde o Caminho Perfeito raramen- ado, os conceitos de Justiga e benevoléncia entraram , ¢ a hipocrisia é geral. A corrupgdo alastra-se, de vé~ as, sob uma aparente fachada de honorabilidade bem ite 4 da época vitoriana, na qual tanto se falou de pu- 35 | dor e moral, mas que se caracterizou pela desenfreada devassi- dao. ‘Nesses momentos aparecem entao os funciondrios fiéis, os Catdes impolutos, os guardides da ordem publica, e as relagdes humanas normais tornam-se simplesmente pseudovirtudes. 19 Volta 4 Simplicidade e pudéssemos renunciar & nossa sabedoria, 0 virtude feita & nossa moda, isto seria de grande beneficio ira todos que nos cercam. le pudéssemos abolir nossa “benevoléncia” e “corregéo” as pessoas voltarian a ser amdveis e bondosas. Se pudéssemos abandonar nossas artimanhas e abafar 0 desejo constante de enriquecer, néio mais haveria ladrées nem malfeitores, Devemos ser simples, desataviados, naturais, _reduzindo os desejos juntamente com o egoismo. Comentario A pretensa sabedoria, a virtude 4 nossa moda, tudo que tificial é criado pelo simples impulso de imitar os outros, tal io os macacos, A repetigfio de palavras gastas, a indigestio onceitos livrescos, a pletérica rigidez de concepgdes sdbre o ¢ o mal, tudo isto faz com que o individuo se arvore em 36 37 de lado tédas as itro do mundo, Se pudermos também por a | oy Sianhas e falsidades, entao algo ainda sera peeve | Novamente vemos a necessidade de que deformam a penerrag | das coisas, e reduzir ao maximo o egoismo, que éo mal q i esté na raiz de tudo. 20 O Homem Diferente | Exterminado o conhecimento, néo haveré mais desgostos Entre o sim e o nao, que grande diferenga existe? Entre o bem e o mal, qual a distdncia? O que todos os homens temem deve ser temido Mas que imensas e infindas séo as discussées que se Seguem! A multidao de homens parece satisfeita, esta cheia de ardor, exaltada como num festim semethante do que fazem os que escalam as montanhas na primavera. Somente eu estou calmo, trangiiilo, meus desejos nao deram qualquer indicio da sua presenga. Sou como um recém-nascido que ainda néo sorriu, Pareco abandonado, errante, sem finalidade! Os outros homens possuem o supérfluo, sé eu sou por SsOmente eu, dobrado sObre mim mesmo, sou mével como o oceano, sempre a flutuar. A multidao torna-se itil, 39 somente eu sou inapto, tal um péria abandonado. Eu, sdzinho, sou diferente de todos os homens porque yenero profundamente a mae que a todos alimenta (O Tao). 25 Comentario O Coragéo Vazio Bxterminar o conhecimento pareceré uma heresia, um re- témno A animalidade, da qual o homem se libertou h4 milhdes de anos. (SerA que se libertou?) O conhecimento visa & cons trugio de estruturas © maquinas para simplificar a vida. Mas quando o conhecimento torna-sé uma barreira para © homem dever4 ser exterminado, porque estar4 privando-o do gosto da vida. Viver é uma coisa que poucos fazem, A maioria das pessoas nao vive: € vivida pelos acontecimentos, assim como a chama consome uma vela. Uma das causas disso, insinua 0 Tao Té Ching aqui e ali, € o dualismo com que pretendemos dividir o que ¢ uno. Que diferenga existe entre o sim e 0 nao, o bem e o mal? Tudo é uma questo de ponto de vista, de an- gulo de observagio, de profundidade de julgamento, de focali- zago de consciéncia. Podemos afirmar e negar uma mesma coin sa, e estarmos piamente crentes na nossa opiniao conflitante. as discussdes, como so constantes! Olhe-se a multidio e ver-se~ 4 a excitagao na sua face “exaltada como num festim, semelhante ao que fazem os que escalam as montanhas na primavera”, oO homem-massa julga-se perspicaz, util, ao passo que 0 sibio — aquéle que percebe o Tao — & mével como o oceano. Flutua ao sabor dos acontecimentos. E como o junco, que subsiste porque se curva ao furacto que passa. Quando ruge a tempestade, éle todo tempestade. Quando vem a bonanga, € paz absoluta. Em cada movi ic Perfo. imento o homem sdbio segue o Caminho Sdmente éste camii i 2 wa anata pi conn @ Grande Virtude. Déste Tao que com o Caminho Perfeii Néle encontramos uma imagem Be eee oneal Brna substancia escura e indefinida, : Dentro dela hé uma esséncia Uma esséncia totalmente genuina ¢ [4 existe algo que poderd ser testado iP seu nome nunca foi esquecido. éle procedem as propriedades de tudo que existe. Como sei ne DURE essa € a origem de tudo que existe? Comentario possivel seguir o Caminho Perfeito em i | h cada movimento. lioria das pessoas se movimenta inconscientemente, en mn 0, impelida pelos acontecimentos da vida. Quando se ita, ao mesmo tempo que come esté com a mente cheia 41

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