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pirvio ni |OCIEDADE, EDUCAGAO E EMANCIPAGAO ti bem, a sociedade nos molda. A educacto que recebemos tem. 1 objetivo nos enquadrar as expectativas do meio social em que iyemos ~ nossa classe, nossa profissao, nosso meio moral. Cada acto transmite & seguinte, através da educacio, os elementos indamentais para a manutencio da estabilidade das coletivida- dos humanas. Esses achados de Durkheim sem davida dever ser ‘onsiderados como um importante ponto de partida da sociologi: fe também da sociologia da educacao. ‘Mas nos questionemos um pouco agora sobre o lixo que ‘iste nos pordes da sociedade. O que existe por tras das aparén- ‘as dessa nova, maravilhosa e tertivel realidade parida a forceps pela moderna ordem industrial capitalista? Quais os mecanismos dde enquadramento sobre os individuos e a que interesses eles de {ato servem? Que forsas sociais emergentes neste novo momento historico sto capazes de controlar as consciéncias dos homens? Mais que isso: diante do actimulo das mazelas sociais jé desde 0 berso da sociedade capitalista, como transformar esta realidade? ‘Como impedir que os muitos que estdo por baixo sejam esmagados pelos poucos que estao por cima? Sera que 0 ato de educar pode ser algo mais do que um mecanismo de manutencio da ordem? Serd possivel educar para a emancipagao do homem, para livré-lo de toda a opressao que o esmaga? Marx € 0 pensamento sociolégico A obra do alemao Karl Heinrich Marx (818-1883) marcou como um corte de navalha o pensamento ocidental do século XIX. Seu objeto de pesquisa fundamental, para nao dizer o tinico, foi a sociedade CLHDADE, DUCAGAO E EMANCIFAGKO S0ct010c14 DA sou cAGRO ich Engels (1820-1895), so 0 amigo e parceiro intelectual Friedel BS crust gfe no extecro de Mar assim emo Dai ja descoberto as leis da evolugdo das espécies, Marx havia des- ro as leis da historia. Nesse sentido, a pretensao de Marx se femelha muito a de Durkheim: o fundamental para as céncias fais € que sejam capazes de enunciar leis que tenham tanta ade geral quanto as leis da fisica ou da biologi. D pen cnas'qu “eecobrta” era esa? © erunciao dale da Aoria, segundo Marx, seria algo como o seguinte: “o que move ria ata entre a lass soca. Compreendendo eta s, 0 investigador (e, principalmente, o transformador) socia jpreenderia a natureza da sociedade capitalsta e a diregto na ela estaria se transformando, gracasa suas contradigdes inter Como a lnta entre as classes chegou entao a constituirse em Nor da mudanga histérica? 0. Ele olhou & sua volta e percebeu que, para além dos sinais aparentes de miséria e sofrimento das classes traba- Ihadoras ~ esses qualquer um que caminhasse pelas tuas das gran. des cidades industriais podia ver — havia um processo historico em curso que, enquanto levava a burguesia & condigao de classe domi ante, expropriava dos trabalhadores manuais seus instrumentos, de produsao e seus saberes, transmitidos com zelo de geracio para ‘gerasto através dos séculos, ao tempo da velha ordem feudal. Perce: ber este ponto talvez seja o grande diferencial da sociologia de Marx. Mas devo adverti-lo desde logo, caro leitor, que o pensamento de Karl Marx nao se adapta facilmente ao rstulo de “Sociologia”, Pois a sociologia é uma disciplina cientifica e empirica, de carater analitico, E Marx combinou em seu pensamento duas perspectivas diferentes, dois modos diversos de encarar a realidade. Por um lado. seu pensamento € analitico, sto é pretende ver a realidade como ela 6 dissecando-a e reconstruindo-a conceitualmente para entendé-la, Nesse sentido, ele fol um praticante das ciéncias socias fa sociologia, 2 historia e a economia politica). Por outro lado, seu pensamento € normativo, isto & pretende vishmbrar como a realidade deveria ser, construindo uma utopia em nome da qual ceria necessarioy ‘agit para transformar esta realidade, valorativamente caracterizada Por ele como iniqua. Nesse sentido, ele fazia filosofia, Alias, Mare no era apenas um pensador. Era também um militante politico, ue pretendia colocar suas ideias em prética através de um partido politico. Mas nao se conformava em propor o socialismo como uma opsao entre tantas outras. Seu socialismo era “cientifico”, ¢ sua Ciencia Ihe dizia que o socialismo estava fadado a triunfar Para ele nao havia contradicao entre teoria e prética, nem entre o modo como as coisas s40 € 0 modo como devem ser, Pelo contratio, se a sociedade verdadeiramente humana “deve ser” um. dla uma sociedade sem exploragao e opressio, é porque esta pos- sibilidade esté dada jé agora, no modo mesmo como a sociedade presente “é". A contradicao para Marx nio é uma falha do racioci- no logico, € 0 modo pelo qual a tealidade se expressa, e o futuro desejado esta contido no presente odioso. ‘Té confuso? Calma, eu explico. Para chegar a0 entendimento da sociedade capitalista, Marx -julgou necessario descobrir como a historia humana funciona, desde os primérdios da civilizacto até seus dias. Nada menos que sso. E acteditou de fato haver descoberto este mecanismo. Como pis da historia ye Engels esreeram que a istra humana €a historia da atureza e dos homens entre si, Nescex fo dos homens com a natureza e dos Us tipos de relagao aparece como intermediario um elemento pial: o trabalho humano. Wf; pot intermédo do trabalho que o homnem muda a naruezay a. seu servic, Ele planta, colhe, aga, pesca; enfim, vive Bicone yemeaeermeers ima sree jomem e mulher, esse pro através das rlagdes sexuais entre . (se expande pelo aumento natural da populagao. Ao meso ppara melhor desencumbirse de sua tarefa de producto da Picts] ohomem desenvolveu instrumentoe de trabalho, que avez mae oan funcorando como exten eco aumento W capacidades do corpo humano. Em vez de cortar ou quebrar 'as proprias mao, inventou a machadinha de pedra, depois de jal cortante etc. Domesticou animais para fazero trabalho mais aid, desenvolveu técnicas de cultivo (como irrigagao ou escolha {errenos) para potencializaros resultados de seus esforgos. Com ienio, com a capacidade de raciocinar que falta aos outros liais,o homem foi cada vez mais sendo capaz de aumentar € hora ox eultados oto plo trabalho que realizar com manual e refleslo de seu rosto. Nesse processo, trabalho : Mslecusl jamais ve seperaram, embora~ como apontarel mais abaixo — 0 predominio de certos grupos de homens sobre outros a0 Jongo da historia tenha gerado uma distor,i0 no modo pelo qual os homens tornam consciéncia da relagao entre o mundo material eo mundo das ideias. O ser humano, assim, desenvolveu ao longo da historia, cada vez mais, aquilo a que Marx e Engels deram o nome de “forcas produtivas’. O desenvolvimento das forgas produtivas foi 0 responsével pelo incremento da produtividade e pelo aumento do dominio do homem sobre a natureza, bem como pelo conforto e pela riqueza material decorrentes, que as sociedades acuraularam a0 longo da historia. E, note bem, forgas produtivas nao sao apenas, machadinhas e arados, mas também as tecnologias desenvolvidas pela capacidade reflexiva do homem. Mas no apenas isso. Ao mesmo tempo em que o trabalho é 6 intermediario da relagao do homem com a natureza, ele é, tam- bém, o intermediario da relacao dos homens uns com os outros. Porque o trabalho que sio obrigados a desenvolver para sobrevi- ver dita 0 modo pelo qual as sociedades humanas se estraturam, Para aumentar a produtividade social, para desenvolver as forcas produtivas, o homem também foi organizando a produgao junto com seus semelhantes, distribuindo tarefas e beneficios entre oF ‘membros da sociedade. Foi este o ponto de partida do processo de divisdo do trabalho. Primeiro, a divisio sexual, entre o trabalho de homens e mulheres. Depois, a divisio entre a agricultura ea ctiagio de animais. E, assim por diante, foi se dando a divisto entre ‘campo ea cidade, entre a producao agricola e a industrial, entre esta € 0 comércio etc. Nesse sentido, como esta organizacao da producao advém da capacidade humana de racionalizar tarefas no sentido do aumento da produtividade social, a divisto do trabalho 6 também parte do conjunto das forgas produtivas. Ambas, divisio do trabalho ¢ forcas produtivas, ao mesmo tempo determinam-se esto determinadas uma pela outra Mas @ divisao social do trabalho nao é uma simples divisao de tarefas: fulano faz isso, beltrano aquilo, Nao. Ela é também a expressio da existéncia de diferentes formas de propriedade no seio de uma dada sociedade num dado tempo historico, As relacoes de propriedade, por sua vez, dizem respeito aos tipos de relacdes sociais predominantes numa sociedade a partir dos tipos de pro- priedade vigentes. Do ponto de vista de Marx, clas implicam numa separagio basica: entre os instrumentos ou meios utilizados para 0 trabalho, de um lado, e o proprio trabalho, de outro. Isso significa cm SOctEDADE, EDUCAGHO E EMANCIPAGHO que no processo de divisio do trabalho nem sempre os homens que possuem 05 meios para realizar o trabalho trabalham e nem sem- ‘re os que trabalham possuem esses meios. As relacbes de proprie- ‘dade, portanto, soa base das desigualdades sociais, na medida em que a divisio do trabalho possibilitou a existéncia de homens que trabalhamn para os outros, porque o fazem com os meios de outros; e de homens que nio trabalham porque tém meios e podem fazer com que outros trabalhem para si. A esses modos especificos de organizagio do trabalho e da propriedade Marx e Engels deram © nome de “relagoes sociais de produgio”. ‘Cada época histérica possui um conjunto de forgas produtivas desenvolvidas, sob o controle dos homens que nesta época vive fe, a0 mesmo tempo, um conjunto instituido de relagdes sociais de producio, que sio 0 modo pelo qual os homens assunem o controle sobre as forgas produtivas, isto é, as relagBes de propriedade. A este conjunto total Marx e Engels chamaram “modo de produsio” ‘Assim, as grandes transformabes pelas quais passou a hist6- ria da humanidade foram as transformagdes de um modo de produ- {20 a outro. Simplificadamente, podemos dizer que nossos autores Jeccrevem trés diferentes modos de producto ao longo da historia: ‘o modo de producao escravista antigo (Grécia e Roma antigas, onde fo trabalho era realizado por escravos), o modo de producio feudal (vigente no mundo medieval) e 0 modo de produgao capitalista ‘A cada um desses modos de producto correspondem diferentes cstgios de desenvolvimento das forgas produtivas materiais e dife- rentes formas de organizacio da propriedade (ou relagdes sociais de producio). No primeiro, a relacdo social bisica 6a escravidio, que ‘opde escravos e senhores de escravos; no segundo, a relagdo social hrisica € de servidao, que opie servos de gleba e senhores feudais; eno terceiro, a relagio social fundamental é a de assalariamento, {que opde capitalistas e operarios, isto é, burgueses ¢ proletérios. Dessas diferentes relagoes de propriedade, ou melhor, da posisio ddos homens com relagio as formas de propriedade vigentes num dado modo de produsio, € que surgem as classes sociais, "A transformacao de uma forma a outra, de um modo de pro-

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