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Tendo como objetivo bésico éxpor "tao claramonl quanto possivel o pensamento sociolbgico de Max Waly, este ivro ndo apresenta, portanto, uma interpretago peasant do autor, nem discute as que foram propostas por vivo autores. Julien Freund aborda as trés premissas do Pensamento weberiano, mostradas logo no inicio do lio, que so de suma importancia para se perceber por qui sociologia de Max Weber foi um verdadeiro marco na histéria desta cisciplina. Dentre as inimeras obras existentes sobre a matirla, sem divida esta, que a Exitora Forense Universitaria tom 0 prazer de reeditar, se destaca pela fidelidade ao pensamento daquele que pode ser considerado 0 maior teérioo di sociologia, fazendo com que ela se tome indispensivel quem quer realmente conhecer 0 pensamento de Max Weber. Sociologia 08 max ue veewe iil Wl = & AIM JULIEN FREUND SOCIOLOGIA DE MAX WEBER 5* edigao UNIVERSTIARIA [RRCUUDADE Bs, Sigiems intes 80 ee 2436 WDBOBRA 5 igh brasilin/1 reimpreso 2008, Tradrida de Socilogie de Max Weber © Copyright 106, by Presses Universitaires de France Este pequeno livro pretende expor tio claramente quanto possivel 0 pensamento sociolégico de Weurr, da mesma maneira que YON SCHLTING expds seu pensamento epistemologico, e R. ARON, seu pensamento hist6rico. Nao se trata absolutamente de apresentar uma interpretacao pessoal, nem de discutir as que foram propostas por vdrios autores, quer sob forma agiogrdfica, como, por exemplo, HONIGSHEIM ou LOEWENSTEIN, ou sob’ forma mais polémica, como L. STRAUS ou L. FLEISCHMANN. Dedico esta obra 4 meméria daquele que testemunhou minhas primetras leituras weberianas, ANDRE LEVY, 0 a7rigo do meu tempo de estudante, 0 companheiro de Gergdvia, 0 ctimplice na Resisténcia, 0 camarada de prisiio, fuzilado em Songes, nas cercanias de Bordéus, a 29 de julho de 1944. [enpisuigteca CENTRAL CAN ec Resa on dion de ropa este pel 'EDITORA FORENSE UNIVERSTTANIA io de Jani: Ws Rosi 100 ~ Cena = CEP 0041002 So Paulo: Largo de Sia Francisco, 2) ~ Cento ~ CEP O1005-010 INDICE Nova .... Sodood bpdapocoecuaeoceoss CavituLo I — A Visdo do Mundo 9 1. Realidade e sistema, 9 — 2. Sociologia cienti- fica e sociologia reformadora, 13 — 3. A raciona- lizago, 18 — 4. O antagonismo dos valores, 24 — 5. A personalidade de Weber, 29. CapituLo IL — A Metodotogia sees 32 1. Método naturalista e método histérico, 32 — 2, Quantificagao e experiéncia vivida, 35 — 3. Causalidade, relagio com os valores e interpre- tago, 39 — 4. O “tipo ideal”, 47 — 5. Possibili- dade ‘objetiva © causa adequada, 55 — 6. A neu- tralidade axiolégica, 61. CAPITULO IIT — A Sociologia Compreensiva ..... 67 1. A nogio de sociologia compreensiva, 67 — 2. A compreensio, 71 — 3. A atividade social seus diversos tipos, 17 — 4. O individuo, 8 — 5. As oportunidades e as estruturas sociais, 88 = 6. A relagio social e os conceitos fundamentais da sociologia, 92. CapituLo IV — As Sociologias Especiais .... 100 1. Sociologia hist6rica e sociologia sistematica, 100 —2. A singularidade da civilizacdo ocidental, 105. TA S0cIOLOGIA ECONOMICA ..-2..0.+2 un 3. As diversas orientagdes da sociologia eco- nomica. 111 — 4. O agrupamento econdmt. co, 14 — 8. Concetes fundamentats da mia, 120°— 6. A tipologia ica; © capitalismo, 124. ologia economia; 11 ABoctotocta REts610s4 - 7. A area da Sociologia religiosa, 180 — 8.'O3 coneeitos e sua evolugio, 137 ~~ 0. Os tipos religiosos, 142 — 10. Atitudes das diversas camadas ‘sociais diante do fendmeno religio- so, 146 — 11. Protestantismo e capitalis- m6, 148 — 121A etica econsinien das wei mundiais, 153. sons TI — A Sociotocia Pouftica ............ 13. A politica e o Estado, 159 — 14. 0 presif- gio e as outras nogdes, 162 — 15. Os trés tipos de legitimidade, 166 — 16. A burocracia, 0 pa: trimonialismo "eas dificuldades do ‘cari. ma, IV — A Soctovocia Juripica sees 17. Tarefas da sociologia juridica © definica do direito, 178 — 18. Quatro distingdes, 181 Tar tgh? Mitelte itracional a0 direlto Facio- nal, 186. V — A SoctoLocta DA ARTE E DA TECNICA 20. Objeto da sociologia da arte, 193 — 21. O exemplo da musica, 196 — 22. Conside- ragdes sobre a técnica, 201. concLus40 BIBLIOGRAFIA 130 159 178 193, CAPITULO I A VISAO DO MUNDO 1. Realidade e sistema Nenhuma necessidade interna do pensamento de WEBER exige que se comece o estudo de sua sociologia por uma exposigio de suas concepgoes gerais ou filosdficas. Este pro- cesso nos parece simplesmente 0 mais cémodo para pene trar nesta obra complexa e lhe dar um aspecto de unidade que, alids, WEBER Tecusava conscientemente. Com eteito, uma das caracteristicas de seu pensamento consiste de um lado na disperséo metodoldgica, cientifica e filosdfica que acredita poder renunciar a qualquer nticleo central, e de outro no espetdculo de todos os antagonismos possiveis, irredutiveis em principio a qualquer sistema. E licito per- guntar, portanto, se ndo seria uma infidelidade a WEBER tentar conferir uma aparéncia de harmonia a essa i intencional. Parece que no, e isso por varias razoes. ‘Em primeiro lugar, a dispersio em WEBER € totalmente estranha a incoeréncia, a uma confusio dos géneros, ou mesmo ao ecletismo, Ninguém punha mais paixio do que ele em definir rigorosamente os conceitos que utilizava, em Gistinguir as diferentes ordens de problemas e os diversos niveis de uma questo. Basta considerar sua obra metodo- Jozica, para constatar a obstinagao com que ele evitava as inconseqiiéncias ldgicas, os equivacos, a auséncia de rigor no raciocinio e a imprecisio. Era tao pouco eclético que no deixou de denunciar, como uma das piores ilusdes do Sabio, a prética do comprometimento no plano das idéias. Nao Somente a solugéo ou a linha médias no se deixam 9 Justificar cientiticamente, tanto quanto uma posigi mada, mas também em’geral elas sio um ninho de equ Yocos. A objetividade depende unicamente do esforco orien. tado no sentido da maior. univocidade e justeza, capaz de perturbar, gracas a um juigamento extremo, porém perspl cez e fundamentado, os preconceitos © as opiniges mais solidamente estabelecidos. Em outras palavras, a fragmen. tagio que se constata em WeBek € 0 resultado de sua Preocupagio com a andlise rigorosa, minuciosa mesmo, que Eepera 0 ous €-losicamente incomparivel ¢ eens relagdes que se impdem por forga do estado da. pesquisa, Elo nfo era um adversério incondicional da sistematizagas de modo geral, mas considerava que no estado attal da ciéncia, exposta a incessantes corregdes, modificagdes ¢ Te viravoltas por forga do earéter indefinido da pesquisa como tal, seria impossivel edificar sistemas definitivos. Mais exa- tamente, a eficicia do trabalho cientifico pode exigir aue em dado momento ©” sabio tento sistemntint 0 coajiets Gos conhecimentos adquiridos em uma ciencia ou em Gm setor limitado de uma ciéncia, com a condiczo > salv Buardar 0 cardter hipotético de’ semethante pratica, levando em conta outras interpretacdes e sistematizacdes possiveis, com base em outras pressuposigées, e no desenvolvimento futuro da disciplina, Por ora, e enquanto # viencla estiver acabada —o que ningtiém seria capaz de prover todo sistema continua necessariamente um ponto de vista ao qual se podem opor outros pontos de vista igualmente justificavels. Segue'se daf que uma sintese de todo 0 futuro humano, ou da ciéncia em seu conjunto, ou mesmo apenas de determinada disciplina como a socioiogia, € impossivel choga ida ser-anticlenifica se: preteen, gimpnssteel validade universal e definitiva. O unico crédito que se Ihe pode dar é de ser uma antecipagdo util ou um fio condutor na pesquisa. Em suma, 0 sébio pode unir provisoriamente corte mimoto de folagtes, mas nko pode consti, ous i sdbio, uma unidade rnd ae global do saber no sentido segundo lugar, 0 pensamento de WEBER i: inconfessdveis entre os temas que parecem mais antino- micos. E com razio que os comentaristas insistem na dis. sociagio radical que ele estabelece entre 0 conhecimento € a acdo, entre a ciéncia e a politica, Todavia, seria erro ver nisso uma contradi¢ao “dilacerante” ou “desésperadora”, nio tanto pelo fato de ‘ser tal atitude estranha ao tempera. 10 mento de WEBER, mas principalmente ao espirito de sua visio do mundo.’ Ao contrério, ha uma verdadeira solida- riedade entre 0 comportamento que ele exige do sibio e 0 do homem de agéo, conquanto sejam opostos relativamente fa seu sentido. A separacdo estrita que ele acredita encontrar entre valor e fato, entre vontade e saber, tem por objeto nao somente delimitar claramente a esséncia logica de cada. uma das duas atividades, seu respectivo dominio e, por conseguinte, a natureza dos problemas que cada uma delas capaz de resolver com os meios que lhes sao préprios, mas também tornar mais frutifera sua eventual colabo- ragio, por forga mesmo de sua distinc&o, por eliminagao das confusées que séo prejudiciais a uma e a outra. B em virtude dos limites do trabalho cientifico que a acao adquire todo o seu sentido, com seu coroldrio que é a escolha entre valores cuja validade escapa & jurisdicéo da objetividade cientifica. A ciéncia ajuda o homem de acao a melhor com- preender 0 que quer e pode fazer, mas nao poderia pres. creverlhe 0 que deve querer. Nao resulta absolutamente da incompeténcia da ciéncia na esfera da escolha dos fins tiltimos, que estes sejam fiiteis e inuiteis, mas somente que pertencem ao dominio das crengas e das convicgdes, tao indispensdveis 20 homem quanto o saber positivo. Apesar de_sua antinomia, o rigor cientifico é correlato da liber- dade de escolha, ho sentido do devotamento a uma causa, sob pena de desvirtuamento no primeiro caso e paixdo estéril no segundo, Além dessa afinidade, outra existe, mais profunda, Em um sentido, a concepgio'de WEBER tem da ciéncia € comandada pela da politica; o que significa que & multiplicidade e ao antagonismo dos valores e dos fins correspondem a multiplicidade e o antagonismo dos pontos de vista sob os quais um fendmeno se deixa explicar cienti- ficamente. Apesar do rigor dos conceitos e das demonstra. ces, a ciéncia ndo estd isenta da rivalidade entre hipsteses e da competigio entre teorias, cada uma fundamentando-se em certo mimero de fatos fidedignos e constatdveis, por vezes muito bem escolhidos para as necessidades da causa, com excluséo de outros fatos igualmente bem estabelecidos. Em outras palavras, sua teoria da ciéncia esté impregnada de sua teoria da acdo, salvo que a primeira tenta vencer as contradig6es da qual @ segunda se alimenta. Aqu! chegamos ao cerne do problema que, como RICKERT, WEBER denomina ‘a “relagéo com os valores”. Voltaremos’ ao assunto, pois nao eabe agora entrarmos em todos os detalhes das cor- respondéncias do pensamento weberlano. Nos os descobri- i temos com a continuagio de nosso comentario critico, purticularmente a propésito das relagdes metodolégicas thire 0 “tipo ideal” e as categorias de possibilidade obje- tiva ede causalidade adequada. E finalmente, conquanto WeseR tenha sempre evitado reduzir suas interrogacdes e suas explicagdes a um micleo central ou principio unico, parte entretanto de uma intul sao originaria e fundamental, a da infinidade extensiva e intensiva da realidade empirica. Isto signifiea primeiro que @ realidade 6 incomensurdvel a0 poder de nosso entendi- mento, de maneira que este nunca cessou de explorar os acontecimentos e suas variagdes no espago e no tempo, ou de agir sobre eles; em seguida, que ¢ impossivel des. crever integralmente até mesmo a ‘menor parcela do real, ou levar em conta todos os dados, todos os elementos © todas as conseqiiéncias no momento de agir. O conhect- mento e a acdo nunca se realizaram definitivamente, pois todo conhecimento requer outros conheclmentos, e' toda ac&o, outras agdes. Nenhuma ciéncia particular, nem tam- pouco 0 conjunto das ciéncias, tem condigdes para satis. fazer nosso saber, porque o entendimento nao é capaz de reproruzir ou de’ copiar o real, mas unicamente de ela- boré-lo por forca dos conceitos. Entre o real e 0 conceito, a distancia é infinita. No podemos, pois, chegar a conhecer Sendo fragmentos, jamais 0 todo, pois 0 todo é ele proprio uma espécie de singularidade que desafia a soma de todas as singularidades concebiveis. Até 0 nosso saber adquirido, seja ele o mais s6lido aparentemente, se deixa questionar: quando um sabio 0 encara de um ponto de vista novo € inédito, Seja qual for 0 método adotado, tudo o que & possivel € ordenar relativamente o real, munca esgoté-lo. Para esse fim pode-se utilizar 0 método generalizante cujo objetivo é 0 estabelecimento de leis gerais por reducio das diferencas qualitativas a quantidades mensuraveis com precisio. Esta pratica despoja a realidade da riqueza do singular, cons. truindo conceitos cujo contetido empobrece & medida que sua validade geral se torna maior. O outro método, que se pode denominar individualizante, se atém aos aspectos sin: gulares e qualitativos dos fenémenos. Todavia, desde 0 mo: mento que pretenda chegar a um conhecimento, também nio poderd dispensar conceitos, mesmo que sejam mais ricos de contetido do que os precedentes. Desde que se trate de conceitos, sio eles incapazes de reproduzir o real integralmente. Por conseguinte, a adi¢o dos resultados de hk uum e outro meétodo permanecerd inevitavelmente aqu da plenitude da realidade, porque, seja como for, nao podem sendo fornecer-nos aspectos do mundo empirico. Por este motivo, WEBER se opde incisivamente a todos os sistemas, sejam ‘eles classificadores, dialéticos ou outros, os quais, depois de construirem uma tela de conceitos’ tao densa quanto possivel, acreditam estar em condicdes de dai extrair realidade. Tais filosofias que ele chama “emanatistas” sao, sob todos os pontos de vista, simulacros, 2. Sociologia cientifica ¢ sociologia reformadora Estes pontos de vista de WEBER sfo de importancia capital para se compreender em que sentido sua sociologia fol um verdadeiro marco na historia desta disciplina; ela vaise tornar uma ciéncia positiva e empirica na_pratica. Malgrado todos os protestos de fidelidade ao espirito cien. tifico e as especulagdes sobre a possibilidade de aplicar 20 estudo da sociedade os processos comuns do meétodo cienti fico (observacao, experimentagio, indugao levando ao esta- belecimento de leis, quantificagéo e comparacao) as diversas sociologias do século XIX foram muito mais doutrindrias do que realmente cientificas. Tanto em Comte como em MARX ou SPENCER, por exemplo, a sintese romantica preva. lecia sobre a anilise modesta, precisa e prudente. Para todos aqueles pensadores, era natural que ciéncia e filosofia da histéria concordassem intimamente, uma constituindo © prolongamento necessério da outra. Deixamos de lado a questi de saber até que ponto a idéia que eles tinham da ciéncia era correta ou nao. O que nos parece essencial, aqui, 6 que todos partiam de uma idéia da sociedade, da cultura ou da civilizacao entendidas como um todo, quer no sentido do espirito objetivo de HecEL, quer no do mate- rialismo dialético de Marx, quer no da humanidade de Comte. Em outras palavras ‘pressupunham todos uma uni- dade @ priori da historia passada e futura, de maneira que no haveria nenhuma dificuldade de ler 0 pretenso sentido Yinico e global do futuro. Evoluindo o desenvolvimento historico por fases, no sentido em que uma seria a razio necessiria da seguinte, 0 individuo se vé na contingéncia de suportar a racionalidade imanente e progressiva do devir até 2 fase do pleno desabrochar final. Nenhuma necessi- dade, portanto, havia absolutamente de analisar de perto as estruturas verdadelras das sociedades particulares, ou 13 ‘@ seu favor um saber enciclopédico, que nfo se viu mais em nenhum outro socidlogo. O leitor de sua obra sente-se a0 mesmo tempo perplexo e satisfeito ao constatar a facili- dade com que domina uma erudigio téo competente na histdria, na economia e no direito de todos os pafses, quanto ‘nas sutilezas das diversas religiées da China, da fndia, da Europa ou da Africa, ou ainda na formagéo do espirito cientifico e na evolucao das artes. Esta imensa documentagéo dificulta por certo 0 raciocinio; mas a0 Tesmo tempo, as comparagées uteis que ela Ihe permitia fazer o mantinham afastado das generdlizacdes apressadas prematuras, Nao que WEBER tenha sido sistematicamente contrério & sintese; ele the atribuia um valor incontestavel, como processo do pensamento, na elaboragio da significa ‘a0 limitada de um fendmeno determinado, mas era hostil As vastas construgdes que, sob o pretexto de racionalizar as previsées, se perdem em um conjunto de profecias de card: ter divinatorio. Conhecia bem demais as surpresas, os disfarces e as reviravoltas da Historia para misturar com a andlise rigo- Tosa os entusiasmos ou os pesares relatives ao socialismo futuro ou ao futuro do capitalismo, A sociologia deve ser fiel apenas aos postulados que fazem dela a ciéncia que 6, € no a convicedes que Ihe sao estranhas, sejam elas morais, Teligiosas, politicas ou estéticas. Sobretudo, seu papel é argumentar cientificamente sobre problemas propriamente sociolégicos, e nfo confirmar ou refutar uma doutrina filos6fica. Ela no precisa ser marxista ou naturalista, espi- Titualista ou materialista, mas sim unicamente uma verda- deira ciéncia. Nao hé diivida de que se podem encontrar erros e falhas na obra de WEBER, mas trata-se de erros de sébio. Devem-se, por exemplo,’a lacunas na informa go ou a debilidades na interpretagio critica, pois as com- paragoes uteis nfo foram feitas; permanecem, contudo, sempre controlveis. Evidentemente, o trabalho’ do socié- logo, assim compreendido, nao tem nada: de grandioso: ‘WEBER foi o primeiro a réconhecer o que existe de para- doxal e acabrunhante na paixio do sébio: “Todo ser que 6 ineapaz, por assim dizer, de colocar anto- thos @ de se limitar A idéia “de que’ o. desting de sua alma depende da ‘necessidade de fazer tal conjectura, © precisamente aquela, a determinada altura de determinado ‘manuserito, me- Thor "toriaabstendowse "simplesmente "do. trabalho cleific, sentir em si mesmo. que se pode chamar a “expe- Héncia vivide” da ciéncia, Sem esta singular embriogues, “de 16 ‘que zombam todos os que permanecem estranhos A ciéncia, fem esta paixlo, sem esta certeza... de saber sc és capar de fazer aquela conjectura, nunea possuirds a vocagio do. adbio€ seria melhor que tomasseis outro caminho”.* Se 6 licito falar de um progresso justificado pela cien- la, € aquele progresso de um conheciniento destinado a ser ulttapassado. O trabatho de um socidlogo candidato ao titulo de sébio « essencialmente critico; consiste de uma anilise e de uma Interpretacao controlavel. Esta critica, todavia, é constru- liva, nao no sentido de permitir a elaboracio de uma dou- trina filos6fica, mas no da constituiglo da ciéncia socio- logica que, como todas as outras disciplinas, precisa, para poder progredir, de documentos sélidos, de relagoes verifi- cadas @ de conéeitos claros e precisos. O fato de poderem os resultados do trabalho sociolégico ser utilizados para fins praticos de ordem politica, econdmica ou técnica nao tem influéncia sobre sua validade l6gica; sio cientificamen- te validos porque so verdadeiros ou aproximadamente exatos e nfo porque podem igualmente servir a designios estranhos ciéncia. Tanto quanto a fisica, a sociologia nio tem por fim perscrutar 0 sentido ultimo do futuro mundial, Apresenta-sehe, entretanto, um problema de significado, pelo fato de serem as atividades humanas, as instituigdes © os agrupamentos, de natureza teleoldgica, pois se desen- volvem ou se estabelecem em vista de um fim. B claro que fugiriam a0 seu objetivo se omitissem esas questdes. Entretanto, s6 existe uma forma de encarélas cientifica mente: aterse a0 significado especifico e particular de tal atividade ou de tal instituicao no contexto de seu fim e seus meios proprios, e reconhecer que uma mesma instituicio, por exemplo, pode variar com 0 tempo e, por conseguinte, também seu significado que, de uma geragdo para outra, pode mesmo vir a ser contraditdrio, ou passar por digno de consideragio aos olhos de um grupo e absurda aos de outro. Eisnos dante do problema weberiano da relagao ym Os valores, que veremos com maior profundidade mais tarde, Digamos rapidamente em que consiste. As atividades politica e econdmica, por exemplo, tem para o homem um significado geral, que’ depende de seu fim Tespectivo. Independentemente deste significado, que pode ser determinado racionalmente, um socialista e um capita. "Max Ween, Le savant ot le politique, Paris, Plon, 1958, ph. 7 7 lista hao de Ihe dar outro sentido; da mesma forma que © Estado moderno tem um significado diferente da cidade grega, Este ultimo género de significados s0 se deixa carac- terizar cientificamente pela relacao com os valores, também’ ela_varisivel. Quando, pois, estudamos histérica ou socio- Jogicamente a cidade grega, s6 se pode determinar o sen- tido que cla possuia para oS homens daquela época relacio- nandoa com os valores que eles consideravam essenciais. Mas nds, historiadores e socidlogos do século XX, podemos encontrar nessa instituicao outro significado, relacionando-a com os valores que so os nossos, ou estudar o que Ihe atri- buiam escritores politicos do século XVI, relacionando-a com os valores destes, O essencial ¢ que no momento em que julgamos o significado da cidade grega, precisemos sempre com asoluta clareza a que ordem de valores nos referimos, senéo nos arriscaremos a cair numa confusio prejudicial ao trabalho cientifico pelo fato de termos talvez atribuido nossa escala de valores aos gregos, ou inversa- mente, ou por termos embaralhado indistintamente todas estas Séries de valores. Estas diversas relacdes com os va: Iores sio igualmente legitimas, com a condicao de distin guilos cuidadosamente, sob pena de fazer nosso trabalho perder todo interesse cientifico. Com efeito, todos os racio- cinios falaciosos, especiais e sofisticos, tem por origem esta confusio. Quando o historiador e o socidlogo estudam um fendmeno qualquer, o Estado, a burocracia, a lei, a classe social ou 0 partido’ politico, no executam verdadeiramente um trabatho de sfbio, a ndo ser que se limitem a extrair © significado de cada um desses fendmenos e indiquem os valores aos quais se referem. Certamente, ninguém pode proibilos de procurar um significado mais geral, uma re- lacéo com um sentido presumido do futuro mundial com base em um sistema de valores definido, mas entéo deixam de ser sbios para se tornarem fildsofos ou profetas. 3. A racionalizacdo ___ WEBER limitou-se 0 mais estritamente possivel a esta linha de conduta em seus trabalhos de sociologia e perante seus alunos, No eram palavras vas ou afirmacao de uma simples convicgio, mas sim a expresséo da disciplina que ele se impunha pessoalmente, quando declarava que em sua cdtedra o professor deve evitar toda tomada de posicao avaliativa e lmitar-se unicamente aos problemas de sua 18 sspecialidade, enquanto pode bancar 0 demagogo e€ 0 pro- fela na Tua, nas revistas e jornais, enfim, por onde quer que a livre’ discussao e a critica publica ‘sejam possivels. ‘A sobriedade de seu ensino so encontrava paralelo na jmixdo com que defendia suas posigdes pessoais em puiblico. Vale dizer que ele era também partiddrio de uma visao do nmndo cujo essencial se acha exposto em suas célebres tonferéncias A funedo e a vocacdo do sdbio e A funcdo ¢ a nacaeao do Romem politico. Nao se percebe afinidades com os autores das grandes sinteses do século XIX, salvo, talvez, tom FIewTB, 20 passo que muito se aproxima de espiritos como BEAUDELAIRE, SHOPENHAUER, NIETZSTHE, DOSTOIEVSKY « BURCKHARDT, O conceito dominante dessa visio nos pa: rece ser o da racionalizagdo. Que entendia ele por isso? ‘Nao deve ser confundida de maneira alguma com a pre- tensa racionalidade imanente a Historia, que arrastaria © devir humano em um movimento de progresso universal, tujo desfecho seria uma espécie de epifania da razio enten- dida como desabrochar da verdadeira justica, da verdadeira Virtude, da igualdade, da paz etc. A racionelizacio, como ele h compreende, que ele por vezes associava & nogao de inte: Ieetualizagao, € 0 resultado da especializacao clentifica e da diferenciagao técnica peculiar & civilizagio ocidental.-Con- siste na organizacéo da vida, por diviséo e coordenagio das diversas atividades, com base em um estudo preciso das relagdes entre os homens, com seus instrumentos ¢ seu meio, com vistas & maior eficdcia e rendimento. Tratase, pois, de um puro desenvolvimento pratico operado pelo ‘no téenico do homem. WEBER caracteriza ainda esta Fucionalizagéo como uma sublimagao, quer dizer como um refinamento engenhoso da conduta da vida e um dominio erescente do mundo exterior. Veremos mais adiante; ele nnalisard a evolugio em todos os dominios essenciais da vida humana, o da religiio, do direito, da arte, da ciéneia, n politica ¢ da economia, esforcando-se, enttetanto, por permanecer sempre nos limites do que ¢ objetivamente Constatdvel, desde que a andlise aspire a uma validade Clentifica, & apenas nas duas conferéncias que acabamos de citar, e em seu artigo sobre a Neutralidade atioldgica que ele ‘tomara a liberdade de dar um tom pessoal & sua concepedo de racionalizacao, indicando as implicagbes filo- Néficas ¢ metafisicas que acredita descobrir nela. Pelo proprio fato de Weser fazer da racionalizacko um fendmeno essencialmente peculiar & civilizagio ocidental, 6 claro que essa nogao nada tem de um poder metafisico 19 que arraste necessariamente o futuro mundial em um sen- tido determinado, e na direcéo de uma meta final que se ossa prever teoricamente. Ao contrario, ela é obra contin. gente de um certo tipo de homens que podem eventual mente transmiti-la ao resto da Humanidade. Mais exata- mente, ela caracteriza 0 sentido que esses homens deram @ suas atividades, nao o fim inelutdvel do desenvolvimento do mundo, anunciado pelas filosofias “emanatistas” da His. toria. A civilizagio dos incas ou dos astecas nao continha em germe as imensas possibilidades da civilizacdo ocidental. Weser faz também do dominio técnico uma das caracter! ticas essenciais desta tltima civilizagéo, recusando-se a0 mesmo tempo a reduzir a ela o conjunto da cultura que ela fez nascer. Conquanto sendo um dos socidlogos que mais insistiram na importancia da técnica, rejeitou 0 “desvio' tecnolégico de Marx? Com efeito, nio é possivel, a seu ver, vincular to estreitamente assim este ultimo ‘sistema econémico com o desenvolvimento técnico (moinho a brago @ feudalismo, ‘moinho a vapor e capitalismo), sem calr no “emanatismo”. O que a reflexao sobre a técnica nos ensina 6 0 respeito 20 genio criador dos individuos que conse. guem, gragas a invengGes muitas vezes surpreendentes, transformar as condigdes materiais da existéncia de uma coletividade. Longe de ser uma época a continuacéo inelu- tavel da precedente, € preciso saber captar a originalidade de cada ‘uma delas, como de cada civillzacéo: todas si0 obras-primas. Em outras palavras, a possibilidade de esia- belecer entre elas relagdes de ‘conseqliéncia nao deve fazer-nos negligenciar, por um lado, sua singularidade e, Por outro, O papel criador dos individuos que, por sua contribuicao pessoal, ajudaram a Ihes dar uma contigura- cao prépria ¢ particular. A racionalizagio crescente esté longe de representar um progresso no ‘sentido corrente do termo, e até mesmo de ser razodvel. Conquanto tenha por fundamento a técnica cientifica, niio se pode dizer que constitua um progresso do saber no sentido de um melhor conhecimento de nossas condicges de vida. Que sabe, por exemplo, o usuario de uma mdquina eletronica dos teoremas e das leis cientificas que séo a base de sua construcéo? Tomemos mesmo exem- plos mais simples que sio os de WEBER. Quem utiliza um fer a intervengio de Weare no toma Téenica ¢ Cultura, por ‘peasido do 1 Congress da Sociedade Alema de Sociologia em 1910, em Geoommelte Aufaitzs sur Sosiologie und Sobiaipolitik, pigs, 449-408, 20 honde ou um elevador pouco sabe dos princfpios que coa- dicionam © funcionamento desses instrumentos, e tampouco subem 0 motorneiro e 0 ascensorista, Que sabemos nds mente das propriedades do uso da moeda, se os pré: prios espectalistas da economia financeira nao chegam a um wordo nesse terreno? O consumidor compra na mercearia uma quantidade de produtos sem saber quais as matérias- primas que entraram em sua fabricacdo. Entretanto, 0 “pri mitive” na selva sabe mnito mais sobre suas condicées de wt, Sobre as ferramentas que utiliza e sobre os produtos ".. que se alimenta, “A intetectuatiagio © a racionalizagio ereseentes nio_ sige nificam, “pois, absslutamente um conhcimento. jeeral creseente as condigoes’ em ale Vivemon.. Antes signifies que. sabemos, 0 acraditamos, que ‘a eada instante poderemos, eo. quisermos, Drovar que’ nao existe em principio nenhum poder ‘misterivso Imprevisivet “que interfira no curso da vidas podemos dominar todas as coisas pola previsio” em suma, que Seria erro maior ainda acreditar que a racionalizagio facultaria a razio no sentido nao somente das luzes, mas lumbém no de um progresso moral individual ou coletivo, Com efeito, ela tem a ver com a organizacio social exterior © nao com a vida intima e racional do homem. Ha pelo menos tanto de razio na tradicio, quanto no ‘progresso léenico, mesmo no que concerne & previsiio. No seio de um sistema tradicional uma geracao sabe como se comportard mais ou menos a seguinte; por conseguinte, ela possul \ falta da verdade cientifica, 0 consolo de ‘ma cortez: Wenrr teria podido citar a propésito PascaL, que consid rava muito razoavel aceitar que o primogénito da. reinha sicedesse no trono ao rei, porque tal processo permite climinar as contestacdes vaidosas relativas & maior habili- dade ou & maior virtude. Teria podido igualmente pergun- tara si mesmo se a racionalizacio crescente tornou os homens mais paeificos, mais morais, mais conscienciosos, mais tolerantes. Por acaso um eriminoso que se organizasse racionalmente seria eventualmente menos culpado do que uum assassino em um sistema tradicional? Inversamente, Sicrarrs seria um filésofo de menor envergadura do que um THsske, ou um Sarre? Mas WrrER prefere citar ‘Torstor para ir mais diretamente ao Amago do problema © dar A sua pergunta a maior profundidade possivel. Ax Weoen, Le savant et le politique, pig. 18. 2n A racionalizagdo pretende ser eudemonista. Na realidade, sob a aparéncia de um otimismo que no conhece mais limites, ela no passa, talvez, de um pessimismo que orga- niza 0 desespero. E verdade ‘que ela vem a ser a alavanca da felicidade? ABkAKo morreu saciado de vida, porque pode gozar de tudo 0 que a existéncia podia oferecer ihe. Nao tinha mais nada a esperar nesta terra, O homem raciona- izado sabe que vive no provisério, no incerto; sofre, por que a felicidade € para amanhd, ou para depois’ de amanha, © porque se eneontra situado em um movimento que nao cessa de maravilhélo e de decepeioné-lo com novus pro- messas. A racionalizagio tem, pois, um cardter utopista: deixa acreditar que a felicidade € para os filhos, para os netos, ¢ assim por diante. E por que 0 horem de hoje nio deve desfrutdéla? Por forca de que injustiga? Assim, a seducio das condigdes exteriores, sempre tio distantes, porém cada vex mais desejaveis, 0 langa presentemente na desgraca. A felicidade adiada sempre o impede de se satis- fazer com 0 que Ihe € oferecido. Por que morrer? Que significa a morte? Nao vem a ser mais do que o obstdculo que impede 0 homem de provar a felicidade: um absurdo, ¥ quando a morte nao tem mais sentido, a vida também nao tem mais. Assim, a racionalizagio ¢ a intelectualizagao crescentes transformam a dialética do interior e do exterior na de um vazio real e de uma plenitude iluséria, Todos os significados desabam e nada mais resta além do arbitrario das aparéncias. progresso é inegavel, porém nfo existe em toda parte. © problema ¢, pois, situé-lo ¢ definir sua natureza, de vex que em si mesma a’ racionalizagdio ainda nio é um ‘sinal de progresso, Wei 0 demonstrou a propdsito da musica em seu optisculo dedicado aos Fundamentos racionais ¢ socio: logicos da misica. Tomemos 0 exemplo da pintura: os qua- dros dos primitivos, que ignoravam a perspectiva, nao sio menos belos do que os dos artistas da Renascenea ou de outras épocas. Uma obra de arte é “acabada”; nao poderia ser ultrapassada ou melhorada, néio poderia envelhecer. Em politica, os cidadios dos” nos sistemas moder- nos, mas néo participam mais do que antigamente nas decisées, sem levar em conta que o poder e a luta continuam a comandar esta atividade. Em economia, gracas a mola técnica industrial, as necessidades até entao primarias se saluram mais facilmente, porém outras necessidades até entio sccundarias assumem caréter de urgéncia. Conhece mos melhor, gragas & psicologia, & psicofisica e A psicanaly 22 no, certos fendmenos como as sensagées, ou as motivagbes {low xentimentos e das paixdes, porém o amor nao se tornow mus amor, nem o citime se tornou menos citime. Acha-se uwealmente que os mormons sao mais bem adaptados do tie os indios, que viviam antes deles, as condicdes de vida tm tomo do’ lago Salgado, gracas a tudo o que para ld jovuram, Tal julgamento 6 apenas uma aprcciagio subje- liv, pois 0 progresso técnico pode-nos fazer ter saudade «lu vida a0 ar livre, do encanto da solidao e do repouso no niléneio. O progresso tem um sentido no dominio da ciéncia © da técnica sempre que 0 actmulo do saber condiciona a possibilidade de novos conhecimentos e sempre que a nabi- Iidade técnica de certos construtores permite, por exemplo, resolver 0 problema da curvatura de certos espagos e dar nuscimento ao estilo gético. Nao se poderia, entretanto, dizer que 0 gético constitui um progresso em relacdo a0 romantico. Em suma, 0 progresso existe em todas as ordens «jue obedecem a lei do quantitativo; praticamente nao tem nentido na esfera do puro qualitativo. ‘A racionalizagiio e a intelectualizagio crescentes tém, entretanto, uma conseqtiéncia decisiva, sobre a qual WEBER Insiste com veeméncia; elas desencantaram 0 mundo. Com ‘os progressos da ciéncia e da técnica, 0 homem deixou de nereditar nos poderes migicos, nos espiritos e nos demd- nios: perdeu o sentido profético e, sobretudo o do sagrado. © real se tornou aborrecido, cansativo e utilitério, deixando nas almas um grande vazio que elas tentam preencher com tv agitagao e com toda espécie de artificios e de sucedaneos. Entregues ao relativismo precério, a0 provisdrio e a0 ceti- smo tedioso, oS seres tentam mobiliar sua alma com uma confuséo de religiosidade, estetismo, moralismo e cienticis- mo, enfim, com uma espécie de filosofia pluralista que acolhe indistintamente as méximas mais heterdclitas de todos os cantos do mundo. A mistica se torna mistificaga a comunidade, comunitarismo, e a vida se reduz a um: seqiiéncia de ‘experiéncias vividas. Pede-se aos université tios e aos intelectuais que apresentem mensagens, enquan- to, por forca das coisas, eles estdo confinados ‘em uma ‘especialidade. Envaidecidds de seu papel, eles substituem © sopro profético por um charlatanismo que apregoa falsas devocdes. "A racionalizaciéo e a intelectualizacio despojaram 0 mundo de um encanto que se procura substituir pela énfase do militantismo, Diante dessa situacéo, Werner vé apenas duas solugdes: voltar & quictude das’ velhas igrejas ou 23. enfrentar 0 destino com virilidade, consistindo esta, na maioria das veres, na coragem frente & modesta tarefa de todos os dias. No fundo, a posicio de WERER ¢ a do individualista que hesita entre as duas versdes da atividade: prometeana e epimeteana. 4, 0 antagonismo dos vatores Apesar de sua progressio em superficie, por todos os dominios da atividade humana, a racionalizacio e a inte- lectualizacao néo conseguem solapar o império do irracional. Ao contrario, com a racionalizaeio erescente, o irracional se reforea em intensidade. Ai esté uma idéia mestra que, embora WEBER nao tenha manifestado em nenhuma ocasiao com nitidez, domina toda a sua filosofia. A que se refere a racionalizacdo? Gracas & previsio que a ciéncia e a técnica asseguram por meio do célculo das probabilidades, 0 ho- mem _consegue unicamente racionalizar as relagdes exterio- res. Isso quer dizer, como WEBER 0 explica no fim de seu Ensaio sobre algumas categorias da sociologia compreen: siva, que se trata essencialmente das relacées entre prodt- tos artificiais, criados pelo proprio homem, que ele pode dominar, controlar e nos quais pode confiar, de vez que esté em condices de avaliar seu alcance e seus efeitos. ¥ nesse plano que a conduta racional por finalidade adquire todo o seu sentido: 6 ela a mais facilmente comoreensivel, Poraue tem por base a avaliardo técnica da relacio entre © fim e os meios mais adequados. O fato de ser ela a mais compreensivel no auer dizer, entretanto, que seia a mais frectiente, embora WeneR tivesse deseiado aue se tornasse. Todavia, seu sentimento profundo, aue ele mani- festa em varias ‘onortunidades tanto no estdo sobre a Obietividade do conhecimento como em A funcdo ea voca- eGo do homem politico, 6 de que a vida e 0 mundo séo fundamentalmente irracionais. Como se deve entender a irracionalidade? WenER reieita, categoricamente a idéia de que a liberdade hymana teria por fundamento o irracional ou que ela o introduziria no mundo, "0 que existe de, errineo na suposicdio que faz crer que a “‘iberdade do querer”, pouco importando como seja entendida, seria idéntiea ‘A “irracionalidade” da atividude, ‘ou entio. que festa, dltima seria doterminada pela primeira, ‘alta sos olhas. 24 A cpmcide pete ae armae toe prvi em So race, peclngo So Nu Com ea it Sen toe cm, bare, aed, et Se ee et at se ha ace be a Foren ee ee ee a eae ee a nee gpa es ea ar calc ieee Ce are eae Tonoes een ee aaa aa cpio do aoe, sre ws Tacs mt aE a eee eae capo, mo cum Savin some ratonaonde, ees ser aos snfroniag vlores mato @ fine sit ae ee alae acta mos aoe Pes, mca, ees mete natonde, Bem o gun gosrany 0 Morante © Dat 2 Fe ee eee el ane are ee bi, os urea, coca cee Pe 2° oe sepia enters rote ee ash emcee aera achat Bain ices do cruaonioe doy sores eat ea oe lamenia inti Sadana an Tea © desea do mumee, pala recionain, peta clnis dace ate sien, uo aoe fob oie de ee a ae cian 1968, TM Wengp, “Estudos crticon para, servrem 2 Trica cian dg ure om Bevaie sur te there de fa eeenee, Ba pe. is 25 Com efeito, assim como antigamente ofereciam-se em gran- de quantidade sacrificios a Afrodite, a Apolo e aos deuses da cidade, tentamos agora servir & paz, a justica, a0 amor, & verdade, @ igualdade; entretanto, se escolhermos um desses valores, mesmo temporariamente, arriscamo-nos a ferir ¢ irritar os outros. Descobrimos aqui a razio profunda da hostilidade de WeBER contra os fildsofos unitérios da Histéria, que esperam reconciliar definitivamente todos os valores e fins em uma tltima etapa do devir. Na realidade, esta unificacdo final repousa muitissimas vezes na exclusio de certos valores, como a politica e a religiio, por isso mesmo conservando as razes do antagonismo. Gertamente € possivel encontrar em determinadas circunstancias com- promissos entre todos esses fins, mas tal acordo perma- nece provisrio e a qualquer momento pode rompersse, malgrado 0s imperativos da oportunidade ou os votos da prudéncia. © antagonismo dos valores é simplesmente insu- perdvel. E mais ainda, pode ser encontrado em todos os niveis da atividade humana. £ imitil querer atribuir definitiva- mente orientagées tio fundamentais quanto a economia, a politica, a moral, a arte, a religiao e a ciéncia, pois nao existe nenhuma harmonia necessdria entre 0 poder, a ne- cessidade, 0 interesse, a pureza e 0 conhecimento. Isso depende no somente’ da diversidade dos temperamentos e dos gostos, como também da propria escolha que € por esséncia geradora de conflito. Definir uma posigao opor-se. Por outro lado, o conflito pode surgir no interior de uma mesma atividade, por exemplo, no selo de uma mesma religiio, nfio somente entre 0 catolicismo e o protestan- tismo, mas também no protestantismo ou no catolicismo. Da mesma maneira, como separar a questio da superiori- dade da cultura francesa ou da cultura alema? Ai tam. bém diferentes deuses ou valores travam combate e sem diivida para sempre. Viver segundo os preceitos da moral 6 louvavel; mas € preciso nao perder de vista que, tendo escolhido ‘vencer 0 mal, chocamnos, por exemplo, com a oposicao entre 0 preceito evangélico da nfo-resisténcia e a vontade de combater 0 mal por meios violentos. Pode-se escolher uma ou outra destas atitudes, mas nenhuma teoria ética no mundo tem condicdes de definir qual das duas € melhor ou superior a outra, e além disso, todas se arris cam yor sua vez a entrar em conflito. Em suma, um fim Particular como a justica ou a igualdade dissimula por seu 26 twoprio equivoco um antagonismo. Quem quer que escolha hy tisliga Chocase com a evertual oposic¢ao entre a justica nnutaliva e a justiga distributiva; e quem quiser realizar ww tnitildade se vé diate do dilema: & preciso conceder mais no que Kus merece Ou a0 contrdrio exigit mais dele? ‘© segundo aspecto da irracionalidade ética 6 0 para- tara dus conseqiicncias. Para bem compreendé-lo, 6 pre- « lembrar brevemente a célebre distingao entre a’ética de eonsiceio e a éticn de responsabilidade. O partidério da prancira é © homem dos principios, da pureza intransigente, iinmado unicamente pelo sentimenfo de obrigagio para com © que considera como seu dever, sem considerar us cons: uinwencias que poderia acarretar ‘a realizagio de seu idea ho caso do pacifista puramente doutrinario que reciama paz a qualquer preco, scm levar em conta as cireunstan- clas, a relagio das forgas ¢ dos problemas em jogo. © tam- hent 0 caso daquele que exige, em nome da verdade abso- lita, que se esclareea toda’ uma questio, quaisquer que svjam as paixGes que as revelagdes possam provocar e as conseqiiGneias funestas que possim dai resultar para os ou vos, Tratase, pois, de uma moral incondicional do tudo ; por esta razio, quando ela se choca com uma resistencia decidida, muitas vezes volta atris e cai no mile- narismo, quer atribuindo sua Impoténcia a imbecilidade humana, quer recorrendo a extrema sob pretexto dle querer por fim a toda violéneia, O partidério da ética de responsabilidade, entretanto, leva em conta 0 possivel, avalia os meios mais apropriacos para atingir © fim, cons- ciente que 6 do fim a realizar e de sua responsabilidade para com os outros, ¢ das conseqiiéneias que podem re- sultar, Esta distingdo das duas morais, por mais tipica que seja do ponto de vista tedrico, nao exciui, entretanto, a pos- Sibilidade de se agir com conviegio e com o sentido da responsabilidade no devotamento a uma. WERER ve mesmo nesta unio a caracteristica do homem “atitentico”. Apesar de tudo, no plano tipico da pureza desta oposi- cio, 6 preciso constatar que 56a conduta do partidirio da tea de responsbilidade ¢ racional por finalidade, por levar em conta em suas avaliagdes a0 mesmo tempo a irraciona lidade do mundo e dos meios disponiveis, bem como das conseatiéncias previsivels. Ao contrario, a do partidario da ética de convicedo 6 irracional, ou unicamente racional por valor, na medida em que ele se desinteressa dos meios e das consegiiéncias. Na melhor das hipsteses, ele se retugia ‘em pensamento em um ideal “racionalista” de’ordem cosmo- 27 “tiea, porque nao supurta a irracionalidade imediata do mundo. Nao depende da pureza da conviccio que a possi bilidade de atingir um fim “bom” se concilie necessaria- mente com meios igualmente “bons”; € preciso, por vezes, contar com meios desonestos, ou pelo menos perigosos, © com conseqiiéncias desagradivels, Seja como for, nenhu: ma ¢tica no mundo tem condicées de dizer em que mo- mento © em que medica um fim bom justifica 0s meios © as conseqiiéncias perigosas. Aqui se encontra 0 abstaculo da pureza ingénua de toda ética de conviccdo; com maior razao, da que se fundamenta em uma doutrina religiosa, uma vez que, como explica WERER exaustivamente nas tilt mas paginas’ da conferéncia sobre a Funcéo e a vocagao do homem politico, a experiéncia da irracionalidade do mundo foi precisamente a forca motriz de todas as reli- giGes. Quanto a0 que é animado de uma conviegao de natu- Teza politica, deve saber que todo aquele que se envolve com tal espécie de negécios nao pode evitar a violéneia nem © comprometimento com os poderes diabdlicos, e sé poderd realizar 0 objetivo de sua crenga se se cercar de um apare- tho humano, de partidarios, de modo que se expde as irra- cionalidades'da_violéncia. AS consegiiéncias sio de duas espécies, umas previsiveis © outras imprevisiveis. Sao principalmente estas titimas que, por seu paradoxo, revelam a irracionalidade do mundo. Um dos fatos fundamentais e dos menos discutidos da His. toria e da experiéncia humana é que o resultado de uma atividade, sobretudo de ordem politica, corresponde rara- mente AS esperancas e A intencio primitiva dos agentes. Ai est 0 aspecto mais desconcertante da acio, quando em face do objetivo da conviceio: a oposicio do resultado @ da intencao. F 0 que se verifica com uma operacio tio Timitada quanto uma greve e com um empreendimento tao espetacular e grandioso quanto uma revolucio. O bem esté Jonge de resultar do bem, como o mal est longe de resul- tar do mal. A realidade ¢ infinitamente mais comolexa. AS conseniténcias mais desastrosas acompanham muitas vezes as intencdes mais puras e mais nobres. Seria facil agit se © bem s6 produzisse 0 bem, e nfo se teria qualauer difi- culdade em resolver com uma clareza por assim dizer Iéeica os Impasses morais € os conflitos de dever ou de conscién- cia, De um lado haveria as aces louvaveis, do outro as acdes condendveis, de sorte cue bastaria escolher as pri- meiras com a maior tranqililidade de espirito. Certamente, um tal maniqueismo corresponde muito bem ao raciona- 28 linmo intelectualista da ética de conviccéo; porém entra em tontrndigéo com a realidade da vida. O paradoxo das con- mwlienclas se complica, outrossim, com a repercussao in- tuntrolivel e indefinida dos atos uns sobre os outros, (lw sorle que ninguém tem condigdes de prever quando nem como se completaré uma acio empreendida. Empreender tun atividade, principalmente de carater politico, nao é a imwstna coisa, diz WEBER, que sentar-se em um fiacre (ou wn liixi) que se faz parar onde se quer. As conseqiiéncias dus consegiiéncias, nao cessam por forga de uma ordem ou segundo o belprazer de quem tomou a iniciativa de 5. A personalidade de Weber Quando, em nossos dias, este conjunto de reflexdes de WeneR entrou no dominio comum da filosofia, tem-se difi- culdade de imaginar as resisténcias duras e amargas que tle péde encontrar em vida, Teve ele, por certo, alunos © pretensos confidentes entusiastas (muitos dos quais infe- lizmente fizeram do weberianismo uma espécie de carreira nos Estados Unidos), mas a bem dizer nao teve discipulos. New pensamento continua controvertido, como ele 0 de- xwJou, Em carta a GoitLOttllienfeld, de 18 de abril de 1906, ole pediu a este que polemizasse tio rudemente quanto hwossivel contra suas proprias concepgdes, desde que pare- cossem contestaveis. WEBER continua um inspirador; nunca fol nem quis ser um mestre. Também néo existe uma escola weberiana, como certas escolas marxistas, comtianas ou mesmo durkheimianas. 7 Ocorreu mesmo que, por diversas ocasiées, WEBER se vit completamente isolado, abandonado por aqueles que se di- vlam seus melhores amigos. Nao ha dtivida de que sua utitude politica e particularmente sua hostilidade as aven- turas do imperador Gu'LHERME II tém relacio com o seu Isolamento. Mas também aconteceu que no terreno pura mente cientifico da discussio da nocéo de neutralidade nxiolégica ele se viu abandonado por todo mundo, por ‘exemplo, quando de certas sessées memorfveis da Associa- do para a Politica Social. - Algumas de suas atitudes publicas provocaram o tu: multo dos estudantes nacionalistas, que chegaram a ocupar & forca a sala de aula, para o impedirem de falar. Lendo a devotada biografia de sua esposa Marianne Weber, sO se 29

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