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-FREDRIC JAMESON HUCITEC MARXISMO E FORMA TEORIAS DIALETICAS DA LITERATURA NO SECULO XX T. W. ADORNO / WALTER BENJAMIN HERBERT MARCUSE / ERNST BLOCH GEORG LUKACS / JEAN-PAUL SARTRE ns FREDRIC JAMESON MARXISMO E FORMA Teorias dialéticas da Literatura no século XX | Traducéo de Tumna Maria Simon (coordenagaéo) Ismail Xavier Fernando Oliboni ‘ EDITORA HUCITEC Sao Paulo, 1985 jopyright 1971 by Princeton University Press. Traduzido da edicio wte-americana Marxism and Form, publicada pela Princeton Uni- jaralty Press, Princeton, Nova Jersey, E.U.A. Direitos de traducio e publicagdo reservados pela Editora de Humanismo, Ciéncia e Teenolo- gin "Hucitec” Ltda. Rua Comendador Eduardo Saccab, 344, 04602 Bio Paulo, Brasil Capa e diagramacao de Claus P. Bergner. Proibida a reprodugio total ou parcial sem autorizacio expresse do ditor. Agradecimentos a, Litcia de Queiroz Ferreira Samrecsdnyi pela elabo- rngho do indice Temético ¢ Onoméstico e pela adaptagao de Biblio- grafia. O APOSTOLO DA DIALETICA Fredric Jameson é inegavelmente «a figura central da crt- tica literdria marxista nos Estados Unidos. A publicagdéo de seu mais recente livro The Political Unconscious — Narrative as socially sim- bolic act, (1981), ao mesmo tempo que consolidou um percurso ted- rico e critico iniciado com Marxismo e Forma (1971), levantou novas discussées e provocou amplos debates nos mais diversos citculos aca- démicos americanos, independentemente de suas preferéncias, Um niimero especial da revista Diacritics (Cornell University, eutono 1982) foi inteiramente dedicado @ discussao do conteido politico desse livro, num momento em que, estando em alta as correntes des- construtivistas, é baixa a cotagdo das idéias de processo ¢ totalidade. Apesar dessa deferéncia na acolhida favordvel & obra de Jameson, nao se deve perder de vista o isolamento a que a reflexiio marxista fica sujeita num contexto intelectual e cultural como o norte-ameri- cano. Avesso ao pensamento dialético, como o préprio Jameson reclama em varios lugares, esse contexio faverece a fragmentacdo ¢ @ compartimentalizacdo, conferindo a cada ideologia 0 seu devido lugar no vaste mercado editorial, cuja produgéo transita rapidamente pelas eficazes bibliotecas. Frenie a tal congestionamento bibliogrd- fico, nao é facil evitar uma espécie de saturagio referencial, para nao dizer ecletismo, no emaranhado da qual o pesquisador deve se situar para poder dialogar com seus pares, sobretudo se forem opositores. A reflexdo marxista de Jameson traz 0 estigma desse contexio de produgao cultural, onde a Universidade tem sua forca e prestigio. Nos dez anos que separam Marxismo e Forma de The Political Un- conscious, sua obra acompanha e registra as questdes levantadas pelo debate em torno da tradigdo classica do marxismo, de base hegeliana, e as novas tendéncias inauguradas pela critica althusseriana, Ndo se diferentes tradigdes, como a da Escola de nem deixando de incluir a interlocugao, ¢ massas), Bom exemplo dessa pluralidade é a revista sory/Culture/Ideology (cujo primeiro niimero é de jal Jameson é co-editor e que traz a marca, jé expressa no lo, de sua perspectiva de trabalho, especificada com bas- fl no modo come encaminha as questées da narracéo e do isidria em The Political Unconscious. utida a tradicéo hegeliana em Marxismo e Forma, seu livro te, € até certo ponto complementar ao primeiro — The Prison- of Language (1972) — ¢ wm balango critico das teorias do ismo russo e do estruturalismo francés, norteado pela preocupa- eonstante de esclarecer gs possiveis relagées entre os métodos sin- leos do modelo lingiiistico e a realidade do tempo e dq histéria. lcances e limites da Paradoxal apropriagao do novo arsenal ted- pela critica dialética que, em principio, recusa 0 modelo esiriiu- ‘ lables of Agression: Wyndham Lewis, The Modernist as Fascist F (1979), faz a passagem do comentério meiacritico para a andlise pro- amente dita, ¢ registra a ambivaléncia de Jameson, come a de qual- outro critico marxista, em relagéo ao modernismo, como notou de seus melhores interlocutores, Hayden Whiie (“Getting out of tory’), na revista Diactitics. Neste livro, destaca-se uma proble- itica que se inicia com o Romantismo e que aleanga sua prépria versdo irdnica e decomposicao através dos movimentos realista e lista, O Modernismo, como resposta, seria entdo o auge desse wo de reversio e decomposigéo mas que, como fendmeno his- 0, traria em si as potencialidades de sua prépria transcendéncia. | Political Unconscious é 0 livro que retoma, de forma mais ), algumas teses de Marxismo e Forma,, privilegiando o ato retativo e indo mais adianie na propria pratica de andlise e go do texto literdrio, Critica veementemente a postura jutica de alguns leitores de Nietzsche, via Derrida, ¢ insiste gierrada da (...) histdria”. " pontuado por intimeros artigos e ensaios € por uma trais que orleniam a intervencéo de Jameson no debate ideoldgico nos Estados Unidos: sua proposta de uma politica da interpretagao e sua investida em aspectos da representacdo da histéria pouco pensados viii pelo marxismo cldssico. Dai sua preocupagao com a narragdo como categoria central para se pensar a historia; 2 dat também Lukdes e Sarire permanecerem como constante referéncia. Ainda que 0 con- texto em que produz sua rejlexao o obrigue ao confronto recorrenie com o pensamento de Althusser, cujo chamado ao rigor e a ciéncia “conseguiu tornd-lo um pdlo decisive para a legitimagao do marxismo na drea académica. Marxismo e Forma é um livro de mediacao: quer estabelecer a ponte entre os escritos consagrados pela tradicdo e 08 influxos do tempo presente, num constante retorno a matriz hege- liana da dialética. E também um livro de converséo: Jameson tem consciéncia de que escreve uma espécie de “epistola aos americanos’’, apresentando um texto que procura acentuar a riqueza e a variedade da boa nova dialética, e facilitando seu trénsito pela paisagem indspiia -das academias do centro do império, marcadas que esto pela razao instrumental e pelo.empirismo anglo-saxao. Traduzido para o leitor brasileiro, nao é apenas mais um livro sobre @ ieoria estética dos frank- furtianos, sobre o alegérico em Walter Benjamin ou a utopia em Ernst Bloch. Sua apresentagéo diddtica e, sem divida ambiciosa, traz um confronto mais amplo, pois o balango da critica dialética inclui duas figuras centrais, exatamente Lukdcs e Sartre, para a reflexéo estética no Brasil antes que Adorno ou Marcuse entrassem no debate. Dian- te da complexidade dos temas e da envergadura dos auiores escothi- dos, fica a pergunta de como Jameson afinal enjrenta as diferengas para, na concluséo, formular a sua proposta. Para caracterizar a perspectiva que organiza o livra podemos apro- ximar dois momentos que definem, sintomaticamente, as premissas e os horizontes do autor. O primeiro se enconira na aberiura do capi- tulo dedicado a Ernst Bloch, onde se expodem os fatores que, no presente, solicitam a construgado de wma hermenéutica marxista: “O que o marxismo tem em comum com o cris- tanismo é, primeiramente, uma situagdo histéric apresenta hoje aquela reivindicagéo de universali- dade e aquela tentativa de estabelecer uma cultura universal proprias ao cristianismo nos anos de de- clinio do Império Romano e no dpice da Idade Média. Néo surpreende, portanto, que seus ins- trumenios intelectuais devam apresentar uma se- melhanca de estrutura com as técnicas (entre elas @ andilise figural) através das quais o cristianismo @ sar os termos sujeito e objeto como opostos que pressupSem, para que sejam significativos, alguma sintese possivel, quando nao hd nenhuma sintese nem mesmo imagindvel, para nao. mencionar sua auséncia em toda experiéncia concreta? Que lin- guagem usar para descrever uma linguagem aliena- da, a que sistemas de referéncia apelar quando to- dos os sistemas de referéncia foram assimilados pelo préprio sistema dominante? Como ver os fendmenos a luz da histéria, quando o proprio mo- vimento e a diregao que deram a histéria o seu sentido parecem ter sido absorvidos pela areia?” (p. 44) Se, nesse debate com a modernidade, o pensamento dialético pode assumir jormas variadas, contraditérias, Marxismo e Forma quer tra- Zer a tona o modo como, nos diferentes autores, se afirma a postura eritica radical diante do estado de coisas: como o negativo se expressa em Benjamin ou Sarire, Marcuse ou Bloch. A negacado do presente € a pedra de toque dessa hermenéutica marxista que, no conjunto de suas operagées de resgate, acaba por definir um lugar para os diferen- tes qutores segundo a sua prépria démarche totalizadora. F nestes termos que Jameson pensa o descompasso entre Lukdcs ¢ a moder- nidade: sublinhando uma “insctisfagdo com o presente” muito parti- cular, que se manifesta na demanda por uma plenitude do narrar, querendo-a hoje indispensével, sabendo-a hoje impossivel. E nestes termos que, saltando para o outro pélo, resgata o que distingue como essencial em Benjamin, ou seja, sua nostalgia: iticida e sem remorsos, ela é estimulo revoluciondrio porque insatisfagao ¢ desejo de pleni-. tude, A valorizagdo dos tragos aparentes que expressam o negativo des- dobra-se numa recuperacao axioldgica da utopia. Para Jameson, 0 inimigo maior ¢ 0 empirismo, o realismo conservador de um pensa- mento que reduziu a razdo uo cdlculo do yidvel mantendo as premis- sas que alicercam a real (a sociedade como natureza). Na critica a dominacao capitalista, recuperar a utopia é entéo indispensdvel, pois é preciso inverter a tradicional dicotomia, pejorativa para o utépico, que o marxismo classico enamorado_da ciéncia cunhou de forma niti- da: socialismo cientifico versus socialismo utépico. Neste privilegiar @ utopia como lugar de resisténcia do negativo é patente a afinidade do autor com Bloch e, em especial, com Marcuse (isto se rejlete no proprio estilo do capitulo a ele dedicado). Assumindo uma postura critica diante dos projetos que primam pela edificagéo de compartimentos estanques de conhecimento (cujo modelo maior é 0 sistema académico norte-americano), Jameson naa se propde a jundamentar uma ciéncia do literdrio enquanto especiali- wii zacgao. Querendo-se distante de Althusser e optando por Hegel, en- cravado demais em terreno empirista para que a positividade da cién- cia represente qualquer seducdo, waca com énfase a disting¢ado entre critica dialética e sociologia da literatura. Em mais de um momento sublinha os equtvocos de um entendimento da relacgao obra/sociedade em iermos da combinagdo de disciplinas especializadas que operam segundo um principio de separagao dos fatores e uma nogdo de cau- salidade que envolve entidades externas umas ds outras. Ao assumir uma radical filosofia da identidade numa conjuntura tipica de consagracdo da diferenca, Jameson reafirma a dialética como percurso de critica que, seja frente ao literdrio ou a qualquer. objeto social-histérico, realiza um movimento tinico de “especijicagao do concreto” em seus varios aspectos. Na exposig&o do pensar dialé- tico que reserva para o iiltimo capitulo do livro, procura mostrar, no movimento mesmo da escrita, de que modo a argumentagao disposta em diferentes tépicos é, na verdade, um processo circular que traduz por meio de questées particulares mas interligadas, este movimento unico de especificagao. E ele prdéprio quem nos lembra que o pensa- mento dialético tem de enfrentar suas implicacées, as quais, no limite, conduzem ao reconhecimento de que nao se comeca a dizer efetiva- mente nada enquanto nao se passa a dizer tudo. Conscienie de que esté expondo as preliminares e de que seu texto propedéutico nao subs- titut a prética da critica dialética (exercida em livros posteriores), Ja- meson comporta-se em Marxismo ¢ Forma como um apdstolo disposto a esclarecer em todas as frentes. De um lado, explica a distingéo entre o marxismo ¢ as abstragdes préprias a certas “teorias da histé. ria’ cujas construgées diacrénicas tendem a autonomizar as séries culturais, descolando-as do conereto histérico (lembra A Ideologia Alema: a superestrutura n@o tem historia propria). De outro, discute forma e contetido, entendendo que, longe de serem entidades separa- das, correspondem & expressdo do mesmo em diferentes termos: a forma, enquanto Idgica interna do contetido, é intrinseca a este e dele nao se separa. x Esta concepgéo organica das relagdes entre forma e conteido, que vem de Hegel, é tomada por Jameson como ponto de partida, porque ele entende ser tareja da critica dialética apurd-la. _Preocupa- do em especificar as determinagées, lembra-nos que a relagéo entre texto e contexto nao é de reflexéo especular simples, é mediada, e envolve unt processo (trabalho, tempo) marcado por deslocamentos e recalques. O percurso critico deve, portanto, estabelecer as media- ¢6es que sustentam as traducdes de um aspecio a outro: no caso, entre a complexidade do social e sua interpretagdo cristalizada em obras. Estas devem ser lidas néo como trabalho forma! do artista sobre ma- téria informe, mas como interpretagéo de uma experiéncia dindmica pré-formada que tem contetido préprio e sua légica. O material sobre xiii a arte trabatha jd tem sentido e forma: a obra é a transformacao mteddo original. Se a arte é prdtica humana, interpretacéo- ago, capaz de fazer a passagem do individual para o histo- leo-social, diante de cada obra particular é preciso escolher os ins- iWumentos, as categorias, que permitem refazer ds avessas, no percurso eritico, o trabatho constituinte da obra, desvendando-a. Dentro destas premissas bdsicas, Jameson traga seu projeto de te- conciliagdo entre marxismo e modernidade, elaborando a proposta de dndlise formal a partir do conceito de mercadoria, que o préprio mo- imento histdrico sugere como mediagdo para se pensar a obra contem- pordnea como resisténcia a instrumentacao, como recusa do jogo de transparéncias que caracteriza o discurso fluente da produgéo cultural adequada ads exigéncias do consumo facil. Assumindo que a boa arte deste século via de regra solicita 0 comentdrio, convida a exegese, Fredric Jameson discuie a hipertrofia da critica nto como Jato isolado, nem como fruto exclusivo de livres vontades, mas como um traco de época. Porque integra solidariamente a situagGo histdrica concreta em que vivemos, tal hipertrofia ndo deve ser apenas motivo de cons- fatagGo e lamento, é antes um dado a ser explicado: a critica somente realiza sua tarefa de modo pleno na medida em que inclui em sua atividade de “especificagio do concreto” a prépria compreensao das condicées histéricas dentro das quais se exerce. Cabe ainda advertir que, nao sendo dado a um prefdcio o poder de substituir 0 texto que comenta, estas observagées, assim apresenta- das, dizem pouco da originalidade da reflexdo de Jameson. O' funda- mental, lembrando a observacaéo classica, € acompanhar o percurso do pensamento do autor, @ movimento e os taieios de sua escrita, onde reside o contetido “genuino” (para terminarmos com um dos termos que mais recorre no texto) de Marxismo e Forma. Por jim, queremos agradecer a colaboragdo amiga de Vinicius Dan- tas, pelas corregées meticulosas na revisdo gerai da tradugao e pelas oportunas sugestées na preparagdo dos originais; e o auxilio indispen- sdvel de Modesto Carone no dificil cotejo da versdo inglesa com o original alemdo, no caso espectfico das citagdes de Ernst Bloch. Jumna M. Simon e Ismail Xavier S. P., setembro de 1983 xiv I m’exist d’ouvert & Ja recherche mentale que deux voies, en tout, ot bifurque notre besoin, 4 savoir, Vesthétique d’une part et aussi l'économie politique. —Mallarmé © idealismo inteligente esta mais préximo do mate- rialismo inteligente do que o materialismo nao inteligente. —Lénin a arte trabatha ja tem sentido e forma: a obra é a transformacdo conteddo original. Se a arte é prdtica humana, interpretacao- lormagdo, capaz de jazer a passagem do individual para o histé- Heo-soctal, diante de cada obra particular é preciso escolher os ins- Irumentos, as categorias, que permitem refazer as avessas, no percurso eritico, o trabalho constituinte da obra, desvendando-a. Dentro destas premissas bdsicas, Jameson traga seu projeto de re- conciliagdo: entre marxismo e modernidade, elaborando a proposta de andlise formal a partir do conceito de mercadoria, que o proprio mo- mento histérico sugere come mediagéo para se pensar a obra contem- pordnea como resisténcia 4 instrumentacao, como recusa do jogo de transparéncias que caracteriza o discurso jluente da produgdo cultural adequada ds exigéncias do consumo jacil. Assumindo que a boa arte deste século via de regra solicita 0 comentario, convida a exegese, Fredric Jameson discute a hipertrofia da critica nao como fato isolado, nem como fruio exclusivo de livres vontades, mas como um trago de época. Porque integra solidariamente a situagéo histérica concreta em que vivemos, tal hipertrofia nao deve ser apenas motivo de cons- tatagéo e lamenta, é antes um dado a ser explicado: a critica somente realiza sua tareja de modo pleno na medida em que inclui em sua atividade de “especificagéo do concreto” a prdépria compreensao das condigées histéricas dentro das quais se exerce. Cabe ainda advertir que, nao sendo dado a um prefacio o poder de substituir 0 texto que comenta, estas observagSes, assim apresenta- das, dizem pouco da originalidade da reflexdo de Jameson. O junda- mental, lembrando a observacéo claéssica, € acompanhar o percurso do pensamento do autor, o movimento ¢ os tateios de sua escrita, onde reside 0 contetido “genutno” (para terminarmos com um dos termos que mais recorre no texto) de Marxismo e Forma. Por fim, queremos agradecer a colaboragéo amiga de Vinicius Dan- tas, pelas correcées meticulosas na reviséo geral da traducdo e pelas oportunas sugestées na preparacao dos originais; e 0 auxilio indispen- sdvel de Modesto Carone no dificil cotejo da versdo inglesa com o original alemdo, no caso especifico das citagdes de Ernst Bloch. Iumna M. Simon e Ismail Xavier S. P., setembro de 1983 Tl n’exist d’ouvert & Ja recherche mentale que deux voies, en tout, ol bifurque notre besoin, 4 savoir, Vesthétique d'une part et aussi l'économie politique. —Mallarmé © idealismo inteligente esté mais proximo do mate- rialismo inteligente do que o materialismo nao inteligente. —Lénin SUMARIO O apéstolo da dialética, Lwnna M. Simon e@ Ismail Xavier. vii Prefacio 4 edicio americana » % Z _ k ‘ % 1 Agradecimentos . . 1. ee en ag E $ 9 1. T. W. Adorno; ou tropos histéricos —. 2 . j » dl 2. Versdes de uma hermenéutica marxista ©... SB I Walter Benjamin; ou nostalgia. - 5 ¥ « $3 II Marcuse e Schiller. . . . i 5 . 70 Il Emst Bloch e o futuro . ‘ > : . » 94 3. Em defesa de Georg Lukécs. s 8 i 127 4. Sartre eahistttia . *. 2. . » « « IL 5. Rumo A critica dialética =. . 235 1 Critica literaria hegeliana: o consiructo diacronico =| 23T# Il Categorias literérias: a légica do contetido . 250 Ill A tautologia como mediagio entre forma e contetido 260 IV Idealismo, realismo, materialismo . S. a 293 VY Marxismo versus sociologia: re-fundando a obra . 285 VI Marxismo e forma interna . . 1 ee 804 Bibliografia . ‘ 3, . ¢ & i ¥ . 317 Indice tematico e onomistiea 1 # € & 9 «© 8B ~ . xvii PREFACIO A EDIGAO AMERICANA Quando o leitor americano pensa na critica literd- tia marxista, imagino que o que Ihe vem a mente é ainda a atmosfera dos anos 30. As questées cruciais naquela época — antinazismo, a Frente Popular, a relagao entre literatura e movimento operatio, a luta entre Stalin e Trétski, entre marxismo e anarquismo — geravam polémicas que podemos recordar com nostalgia mas que nao mais correspondem as condigées do mundo de ho'e. A critica praticada entdo era de natureza relativamente nao tedrica e essencialmente di- datica, destinada mais as escolas noturnas do que aos semindrios de pos-graduagao, se posso colocar desse modo; foi relegada a condicio de uma curjosidade intelectual e histérica, e como tal, na forma de uma reedicio ocasional de um ensaio de Plekhanov ou uma referéncia de passagem a Christopher Caudwell, é mantida atualmente. Em anos recentes, entretanto, um tipo diferente de critica marxista comeyou a fazer sentir sua presenga no horizonte de lingua inglesa. E 0 que podemos chamar — cm oposicao & tradigao sovittica — uma variedade relativamente hegeliana de marxismo, a qual, para os paises de lingua alema; pode ser rastreada a partir da excitag&o teérica cau- sada por Historia e Consciéncia de Classe, de Lukécs, em 1923, jun- tamente.com a redescoberta dos Manuscritos Econémicos e Filosdficos de 1844, de Marx; enquanto que, na Franca, pode ser conveniente- mente datada a partir do reflorescimento de Hegel, ali ocorrido no final da década de trinta. Fiearia satisfeito se os capitulos que se seguem fossem considerados iteis como uma introdugdo geral a esse marxismo ¢ a alguns de seus tedricos mais importantes. Tentei, particularmente, dar um quadro completo de algumas de suas obras-chave — A Teoria do Romance, de Lukacs, bem como 0 seu Histéria e Consciéncia de Classe; O Prin- 1 ee e(pio-Esperanca, de Bloch, As Origens do Drama Barroco Aleméao, de Benjamin; Filosofia da Nova Musica e Dialética Negativa, de Ador- no; Critica da Razdo Dialética, de Sartre — as quais tém sido, na pior das hipSteses, inacessiveis ao leitor de lingua inglesa e, na melhor, pouco discutidas aqui. Mesmo uma tarefa relativamente modesta e direta como esta, é, entretanto, um programa em si: por um lado, até escritores bem conhecidos como Sartre ou Luckacs nunca foram adequadamente foca- lizados em inglés devido ao preconceito anticomunista de seus co- mentadores, ou, muitas vezes, simplesmente por causa da auséncia de uma cultura marxista genuina nos circulos académicos. Menos Obvio, talvez, é a intensidade com que quem apresenta a literatura dialética alema ou francesa se vé forgado — implicita ou explicitamente — a levar em consideragiio uma terceira tradi¢io na- cional, isto é, a nossa: essa mistura de liberalismo politico, empirismo e positivismo légico que conhecemos como filosofia anglo-americana, e que é hostil em todos os sentidos ao tipo de pensamento delineado aqui. Nao se pode escrever para um leitor formado nessa tradigdo — nao se pode nem mesmo entrar em acordo com a nossa prépria formagao histérica — sem se levar em consideragao esse influente oponente conceitual; e isso é o que constitui, se se quiser, a parte ten- denciosa de meu livro, 0 que Ihe da o gume politico e filosdfico, por assim dizer. Pois a faléncia da tradic&o liberal é téo evidente no nivel filos6fico como o € no politico: o que nao significa que tenha perdido seu prestigio ou forca ideoldgica. Ao contrario: a inclina- go antiespeculativa dessa tradicdo, sua énfase no fato ou no item individual em prejuizo da rede de relagdes na qual esse item possa estar inserido, continua a encorajar a submissao ao que existe, impe- dindo seus seguidores de estabelecer conexGes e, em especial, de tirar conclusdes de outro modo inevitaveis ao nivel politico. Ja é tempo, portanto, daqueles que vivem na esfera de influéncia da tradicdo anglo-americana aprenderem a pensar dialeticamente, a adquirir os rudimentos de uma cultura dialética e os instrumentos criticos es- senciais que ela fornece. Eu me sentiria gratificado se este livro con- tribuisse, por pouco que fosse, para tal desenvolyimento. Entretanto, o que se segue nao é filosofia mas critica literéria, ou, pelo menos, uma preparagéo para a critica literéria. A énfase que Marx colocaya sobre obras de arte determinadas e o valor que estas tinham para ele (como para Hegel antes dele ¢ Lénin depois) estavam longe de ser uma questao de personalidade: de algum modo, e & tarefa da teoria marxista determinar isso com mais precisdo, a litera- tura exerce um papel central no processo dialético. Eu poderia tan- bém acrescentar que o dominio fechado da literatura, a situagio experimental ou de laboratério que ele constitui, com seus problemas 2 caracteristicos de forma e conteddo, e da relagéo da superestrutura com a infra-estrutura, oferece um microcosmo privilegiado para se observar 0 pensamento dialético em operagao. Ao mesmo tempo, se os capitulos que se seguem nao apreseatam 0 rigor técnico da investigacao filoséfica, sua condig&o enquanto lin- guagem permanece ambigua: pois eles esto Longe de ser esbogos intro- dutérios simplificados ou panoramas jornalisticos das diversas posigdes e idéias-chave de um escritor, natrativas anediticas de sua situacao e de sua relacdo com os problemas de sua época. Nao que essas coisas sejam destituidas de interesse ou sem utilidade; mas do meu ponto de vista elas permanecem apenas no nivel da pura opiniao, 0 que equi- vale dizer, das atitudes intelectuais vistas do exterior. Sinto que o método dialético pode ser adquirido somente por meio de uma elabo- ragio concreta do detalhe, por uma experiéncia interna adequada da construgdo gradual de um sistema, de acordo com sua necessidade interna. Também nao tentei “reconciliar’ essas varias construcdes no decorrer da apresentac&o; antes, numa parte final, tentei descrever © processo do pensamento dialético em geral e os modos pelos quais ele pode tratar da literatura em particular. Devo dizer alguma coisa sobre a diferenga, em énfase, entre os capitulos alemdes c os franceses. Do ponto de vista da tradicao an- glo-americana nao dialética, essas duas modalidades de pensamento sdo igualmente excitantes, igualmente liberadoras, mas de maneiras diferentes. Vale a pena assinalar que na Alemanha o pensamento dialético sempre foi uma tradicao filoséfica oficial, sendo a tradigio filoséfica oficial: recentemente, de novo, o triunfo de Adorno sobre a filosofia existencial heideggeriana marcou o renascimento das esco- Jas com essa tradigéio, depois da longa escuridio do periodo hitleriano. E por essa razio, penso eu — porque na Alemanha a dialética de algum modo fala em seu préprio nome — que ordenei esse capitulos sob o signo do préprio Discurso: pois nas obras tratadas por cles, como ja em Hegel, o pensamento dialético revela ser nada mais nada menos do que a elaboracéio de frases dialéticas. Para dar um pouco deste sentido do movimento da realidade como um logos, recorri & propria terminologia das figuras lingiiisticas, dos tropos e da retérica, nas quais a operagio do pensamento dialético é vista como um pro- cesso ou figura; ou recorzi 4 terminologia que se refere a um modo de se por diante da experiéncia e um modo de decodificd-la que pode ser concebido como uma exegese hermenéutica de um texto. Este é, sem dtvida, o momento de dizer alguma coisa sobre 0 estilo; 2 sejam quais forem minhas reservas sobre a estilistica como um mé- todo em si mesmo, permanego fiel 4 nogio de que qualquer deserigio concreta de um iendmeno literério-6u filosdfico — se,é para ser real- mente completa — tem, em Ultima instancia, a obrigacio de atender 3

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