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eae oe se ney Obra originalmente publicada sob o titulo Research Methods in Psychology, 9th Edition ISBN 007803518X / 9780078035180 Original English edition © 2012, The McGraw-Hill Companies, Inc., New York, New York 10020. All rights reserved. Portuguese language translation copyright © 2012, AMGH Editora Ltda. All rights reserved. Capa: Paola Manica Preparagao de original: Maria Guedes Leitura final: Cristine Henderson Severo Editora responsivel por esta obra: Livia Allgayer Freitag Coordenadora editorial: Ménica Balleio Canto Gerente editorial: Leticia Bispo de Lima Editoragao eletronica: Techbooks Reservacos todos os direitos de publicagto,em lingua portuguesa, & AMGH EDITORA LTDA. uma empresa do GRUPO A EDUCACAO S.A Av, Jerénimo de Ornelas, 670 — Santana ‘90040-340~ Porto Alegre — RS Fone: (S1) 3027-7000 "Fax: (1) 3027-7070 E proibida a duplicagao ou reprodugao deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (cletrdnico, mecAnico, gravagie, fotocépia, distribuigo na Web e outros), sem permissio expressa da Editora, Unidade $a Paulo Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 ~ Pavilhio 5 - Cond, Espace Center Vila Anastacio - 05095-135 - Sao Paulo - SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 - www:grupoa.com.br IMPRESSO NO BRASIL, PRINTED IN BRAZIL Sumario Prefacio 13 Parte Um Questées Gerais 19 1 Introdugéo 20 Aciéncia da psicologia 20 Ciéncia em contexto 23 Pensando como pesquisador 31 Resumo 38 2 Ométodo cientifico 44 Abordagens cientificas e corriqueiras ao conhecimento 44 Objetivos do método cientifico 55 Construcao e testagem de teorias cientificas 64 Resumo 68 3 Questées éticas na pesquisa psicolégica 73 Introducao 73 Questées éticas a considerar antes de comegar a pesquisar 74 A razao risco/beneficio 77 Consentimento informado 81 O engano na pesquisa psicoldgica 86 Debriefing 90 Pesquisas com animais 93 Publicacao de pesquisas psicolégicas 95 Passos para adesio a ética 98 Resumo 99 Parte Dois Métodos Descritivos 105 4 Observagdo 106 Visio geral 106 Amostrando o comportamento 107 Métodos observacionais 109 Métodos observacionais diretos 110 Métodos observacionais indiretos (nao odstrutivos) 119 Registrando o comportamento 125 Aniilise de dados observacionais 132 Reflexio critica sobre a pesquisa observacional 138 Resumo 144 40 Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister 5 Pesquisadelevantamento 150 O problema da transferéncia diferencial 251 Visio geral 150 151 Resumo 252 Usos de levantamentos Caracteristicas de levantamentos 152 Amostragem na pesquisa de levantamento 153 Métodos de levantamento Desenhos de pesquisa de levantamento 165 8 Desenhoscomplexos 258 Visto geral 258 160 Descrevendo efeitos em um desenho complexo 258 Analise de desenhos complexos 269 Questionérios 173 Interpretando efeitos de Reflexao critica sobre a pesquisa de interagao 274 levantamento 183 Resumo 281 Resumo 187 Parte Quatro Parte Trés Pesquisa Aplicada 287 Métodos Experimentais 195 9 Desenhos de caso unico e pesquisas comnpequeno 288 Visdo geral 288 6 Desenhos de pesquisa com grupos independentes 196 Visdo geral 196 Por que os psicdlogos fazem experimentos 197 A ligica da pesquisa experimental 198 Desenho de gruposaleatérios 198 Anélise e interpretagio de resultados experimentais 211 Estabelecendo a validade externa de resultados experimentais 220 Desenho de grupospareados 223 Desenho de gruposnaturais 226 Resumo 227 Desenhos de pesquisa com medidas repetidas 235 Visio geral 235 Por que os pesquisadores usam desenhos de medidas repetidas 236 O papel dos efeitos da pratica em desenhos de medidas repetidas 238 Andlise de dados de desenhos de medidas repetidas 247 Ométodo do estudo de caso 289 Desenhos experimentais de sujeito nico (mt pequeno) 298 Resumo 311 40 Desenhos quase-experimentais e avaliacado de programas 316 Visdo geral 316 Experimentos verdadeiros 317 Quase-experimentos 327 Avaliagéo de programas 341 Resumo 345 Parte Cinco Analisando e Publicando Pesquisas 351 11 Andlise e interpretagao de dados: Parte |. Descricao dos dados, intervalos de confianga, correlagao 352 Visao geral 352 Ahistéria daandlise 354 Metodologia de pesquisa em psicologia 11 Anilise de dados assistida por computador 354 Exemplo: andlise de dados para um experimento comparando médias 355 Exemplo: andlise de dados de um estudo correlacional 374 Resumo 380 12 Anilise e interpretagdo de dados: Parte Il. Testes de significancia estatistica ea histéria da andlise 386 Visao geral 386 Teste de significancia da hipstese nula 387 Sensibilidade experimental e poder estatistico 390 Teste de significdncia da hipstese nula: comparando duas médias 392 Significdncia estatistica e significancia cientifica ou pratica 393 Recomendacdes para comparar duas médias 395 Relatando resultados ao comparar duas médias 395 Anilise de dados envolvendo mais de duas condigses 397 ANOVA para desenho unifatorial com grupos independentes 397 Anilise de variaincia de medidas repetidas 407 Anilise de variancia bifatorial para desenhos de grupos independentes 410 © papel dos intervalos de confianga na anilise de desenhos complexos 413 Anilise de variaincia bifatorial para um desenho misto 414 Relatando resultados de um desenho complexo 415 Resumo 416 13 Comunicagao em psicologia 420 Introdugéo 420 Ainternetea pesquisa 422 Diretrizes para a escrita eficaz 423 Estrutura de um artigo cientifico 426 Apresentagies orais 434 Projetos de pesquisa 436 Referéncias 439 Apéndice 451 Créditos 457 Glossério 459 indice onomastico 467 indice remissivo 475 Prefacio Nesta 9" edicdo, completamos mais de 25 anos apresentando métodos de pesquisa a estudantes com este livro. Nas oito edigdes anteriores, fomos contemplados com inti- meros comentirios valiosos de professores e estudantes, de modo que as vezes é dificil saber 0 que resta das nossas ideias “origi- nais”. As mudancas nesta edicdo também refletem sugestdes feitas por usudrios do livro e, como sempre, somos muito gratos a eles. Continuamos em nossa tentativa de oferecer uma introdugao a métodos de pes- quisa em psicologia que anime os estudan- tes em relagao ao processo de pesquisa e os ajude a se tornarem profissionais competen- tes nesses métodos. Os usudrios das edighes anteriores as- sistiram a mudangas estilisticas, bem como a adicao de elementos pedagégicos (por exemplo, fcones nas margens para identifi- car conceitos basicos e quadros com “Dicas de estatistica” para demonstrar melhor 0 método e a anilise). Essas mudangas foram bem recebidas e sio mantidas na edigao atual. Para aqueles que sio novos ao livro, comegamos por revisar a nossa organizagao e enfoque basicos. Aqueles que ja usaram a edigdo anterior podem passar diretamente para “Mudangas nesta edigio” para ver 0 que hé de novo. Organizagao e enfoque Nosso enfoque baseia-se em nossos anos de experiéncia de ensino. Como professo- res de metodologia de pesquisa, reconhe- cemos quea maioria dos alunos em nossas classes € formada por consumidores de pesquisas, e ndo por criadores de pesqui- sas. Os estudantes que decidem assumir qualquer um desses papéis serao benefi- ciados por desenvolverem sua capacida- de de reflexao critica. Acreditamos que podemos ajudar nossas alunos a pensar criticamente adotando uma abordagem de resolucao de problemas no estudo da me- todologia de pesquisa. Conforme comen- tou Sharon Begley, articulista da Newswe- ck, em um recente ensaio sobre a educagao em ciéncias: “a ciéncia nao é uma coleta- nea de fatos, mas um modo de interrogar © mundo”. Completando, “a habilidade mais proveitosa que podemos ensinar é o habito de perguntar a nés mesmos e aos outros: como vocé sabe?” (Newsweek, No- vembro de 2010, p. 26). 44 Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister Os pesquisadores comegam com uma boa pergunta e, entdo, selecionam uma metodologia de pesquisa que possa ajudé- -los a responder a sua pergunta. A tarefa as vezes érdua de coletar evidéncias é apenas © comeco do processo de pesquisa. E igual- mente importante analisar e interpretar as evidéncias ao se fazerem afirmagées sobre process psicoldgicos. Os pesquisadores (© estudantes) devem analisar os pontos fortes e fracos do método que escolheram para que possam avaliar criticamente a natureza das evidencias que obtiveram. Como tem sido nosso enfoque para cada edicio, os estudantes aprendem que uma abordagem muliimétodos para respon- der as perguntas propostas ¢ a mais indica- da para promover a ciéncia da psicologia, € que um dos objetivos deste livro é “au- mentar seu arsenal” com estratégias para realizar pesquisas. Assim, nossa organiza- 80 apés 0 capitulo introdutério se dé em termos de “métodos”, avancando da mais simples das técnicas observacionais para desenhos experimentais complexos. Permanecemos sensiveis a questOes éti- cas na pesquisa psicoldgica e aos dilemas que os pesquisadores enfrentam quando estudam o comportamento animal ou hu- mano. Para enfatizar a nossa preocupasao, concedemos A “ética” 0 seu proprio capitulo, (Capitulo 3), mas também discutimos ques- tes éticas especificas em outros capitulos, pois elas estao relacionadas com metodolo- las especificas. A disseminagao da pesqui- sa pela internet, por exemplo, suscita novas questées éticas, e identificamos algumas de- Jas para os leitores. Finalmente, acreditamos que os méto- dos de pesquisa devem ser ensinados no contexto da pesquisa publicada em psicolo- gia. Assim, continuamosa usar a rica litera- tura da psicologia para proporcioner exem- plos de maneiras em que os pesquisadores usam os métodos que discutimos. Sempre & divertido atualizar os exemplos de pesqui- sas, enquanto continuamos a incluir des- cobertas e estudos “classicos” que se mos- traram efetivos para ajudar os estudantes a aprender métodos de pesquisa. Acredita- mos que uma maneira de motivar os alunos a se juntarem a nés nesse instigante cami- nho na busca do conhecimento € mostrar a “compensagao” que a pesquisa psicolégica proporciona. Mudangas nesta edicdo Continuamosa usar marcadores nos capitu- los e questdes de revisao ao final dos capi- tulos para ajudar os estudantes a enxergar claramente os pontos que consideramos mais importantes que eles aprendam. Fun- damentados no modelo dos Desafios, in- cluimos Exercicios na maioria dos capitulos para possibilitar que os alunos apliquem os prinefpios de pesquisa enquanto aprendem Uma revisdo ampla de estatistica perma- nece ao final do livro (Capitulos 11 e 12), e introduzimos essas questdes sucintamente nos locais adequados no texto. Uma ma- neira em que isso é feito 6 por mein de um elemento pedagégico que chamamos de “Dicas de estatistica’, que chama a atencao dos alunos para questoes relacionadas com a anilise estatistica. Em certos casos, res- pondemos as questées para os alunos; em outros, indicamos material dos Capitulos 11 e 12. Acreditamos que a nossa abordagem proporciona uma flexibilidade importante, que permite aos professores decidir quando e como devem cobrir a estatistica em uma disciplina de metodologia de pesquisa. As mudangas implementadas nesta edi- sho visam economizar, simplificar e atuali- zar. Por exemplo, continuamos a reduzir, no Capitulo 3, a quantidade de material tirado diretamente do c6digo de ética da APA (American Psychological Association, 2002) e de material do Manual de Publicaciio* (Publication Manual (2010]), agora em sua 6 edigao, no Capitulo 13. Um uso menor de citagdes diretas dessas fontes proporciona uma introducao mais simples para essas questdes, enquanto protege a integridade * N.de Ru A sexta edigio do Manual foi publicada, em portugués, pela editora Penso,em 2012 Metodologia de pesquisa em psicologia 15 das fontes originais, que os estudantes de- vem consultar quando quiserem mais infor- magbes. O website da APA (wwwapa.org) também contém muitas informagses que no precisam ser repetidas aqui. Além dis- so, usudrios mais antigos também notarao © seguinte: © Foram feitas pequenas mudangas na formulagao das sentengas ¢ estrutura dos paragrafos, na tentativa de tornar os conceitos mais féceis de entender para os estudantes. © Foram acrescentados diversos exem- plos de novas pesquisas importantes (substituindo os anteriores). Tentamos mostrar aos estudantes os “tiltimos” achados na pesquisa psicolégica e, de maneira mais importante, apresentar estudos que sejam relevantes para os es- tudantes de hoje e que também ajudem. a ensinar claramente a metodologia ilustrada nos exemplos. Por exemplo, no Capitulo 1, discutimos as criticas le- vantadas recentemente contra os profi sionais da psicologia clinica por Baker, McFall e Shoham (2009). Esses psic6- logos, mesmo também sendo clinicos, argumentam que os psicélogos clinicos nao aplicam os resultados de estudos cientificos quando tratam pacientes. Que maneira melhor de comesar um livro de metodologia de pesquisa do que desafiar os estudantes a aplicarem © que aprendem se vierem a trabalhar no campo da psicologia clinica ou uti- lizarem profissionais da satide mental? Novos exemplos de pesquisa também so encontrados em outros capitulos. © Mantivemos alguns exemplos antigos nao apenas porque permanecem rele- vantes, mas também porque se torna- ram “clissicos”. Por exemplo, mantive- mos 0 conhecido estudo de Rosenhan (1973) com observagao participante, bem como criticas de outros autores do campo a essa pesquisa. Também man- tivemos 0 estudo de Langer e Rodin (1976) sobre casas de repouso (Capitulo 10), que Zimbardo (2004) rotulou como um “cléssico” no campo da psicologia social. Além disso, esse estudo é um exemplo maravilhoso de um método de pesquisa especifico, nesse caso, o grupo controle nao equivalente. Seguindo a sugestao de usudrios do li- vro, e como parte da nossa postura de economia nesta edigao, combinamos dois capitulos de edigdes anteriores ~ Observagao (Capitulo 4) e Medidas nao obstrutivas do comportamento (antes 0 Capitulo 6) — formando um novo Capi- tulo 4. Isso exigiu que reduzissemos o espaco destinado as medidas nao obs- trutivas, mas continuamos a discutir esse tema para mostrar aos estudantes algumas aplicagées criativas da aborda- gem multimétodos. Também foram feitas mudangas em al- guns dos “Exercicios” e nos Quadros que aparecem nos capitulos para cha- mar atencio para pesquisas psicolégi- cas oportunas. Um dos nossos favoritos é um estudo que usa caes farejadores para detectar cancer pela urina dos in- dividuos (ver o Capitulo 2). Como os leitores verao, o efeito do Esperto Hans ainda esta vivo e entre nés! A American Psychological Associa- tion impés limitagdes rigidas ao uso do material da edigao mais recente (6°) do Manual de Publicagao (2010). Portanto, 0s usuarios anteriores do nosso livra encontrarao uma quantidade substan- cialmente menor de informagées espe- cificas sobre a preparagio de manus- critos “segundo o estilo da APA". O novo Manual é mais compacto do que © seu predecessor, e alguns instruto- res talvez prefiram que os estudantes © adquiram. Uma introdugio ao estilo da APA, incluindo um tutorial gratuito e um exempla de manuscrito, pode ser encontrada no enderego www.apastyle. org. As informagSes disponibilizadas no website devem ser suficientes para es- tudantes fazerem uma tarefa de classe. Embora continuemos a apresentar uma 46 Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister visio geral da comunicagao cientifica, além de dicas titeis para preparar um manuscrito de pesquisa (ver Capitulo 13), nesta edigao do livro, indicamos o ‘Manual de Publicagito e 0 website da APA com mais frequéncia aos estudantes. Finalmente, se existe algo que cria cabe- os brancos nos autores de um livro de metodologia, sao as questées perenes relacionadas 4 fusao da anilise estatis- tica com a metodologia: quanta estatis- tica? Onde ela fica? Essas questdes assu- mem um novo sabor, devido ao recente debate sobre o teste de significancia da hipétese nula (NHST) (ver 0 Capitulo 11 para uma breve revisio das ques- tes) € 0 uso recomendado de medidas do tamanho do efeito e intervalos de confianga, entre outros, pela Forga-ta- refa da APA sobre inferéncia estatistica (ver Wilkinson & Task Force on Statisti- cal Inference, 1999). O uso dessas ferra- mentas estatisticas para complementar ou mesmo substituir o teste da hipstese nula esta crescendo, mas de forma lenta (Cummings et al., 2007; Fidler, Thoma- son, Cumming, Finch e Leeman, 2004; Gingerenzer, Krauss e Vitouch, 2004). Além disso, s3o apresentadas novas medidas estatisticas, conforme ilustra © recente sopro de interesse na “proba- bilidade de replicagio”, ou p,,, (ver Kil- en, 2005). Mencionamos essa recente inovagao estatistica no Capitulo 12, mas esperaremos uma discussao mais apro- fundada na literatura psicoligica antes de desenvolver a nossa abordagem. Nesta edigao, reduzimosa apresentacao de andlises estatisticas, removendo muitas formulas ¢ cdlculos simples, ¢ eliminamos algumas das tabelas estatisticas dos apén- dices. A maioria das anilises estatisticas é feita com o uso de programas de compu- tador que contém as probabilidades exatas para resultados de testes e diversas tabelas estatisticas, incluindo aquelas usadas para fazer andlises de poder, sto encontradas em muitas paginas da internet. A tabela de va- lores de # 6 importante para a construgio de intervalos de confianca e foi mantida, jun- tamenie com a tabela de F ea tabela de nii- meros aleatorios, que é util para exercicios e experimentos com grupos aleatérios, Continuamos a tentar cumprir trés ob- jetivos em nossa apresentagao da andlise estatistica: (1) proporcionar uma introdu- so independente & anilise estatistica nos Capitulos 11 e 12, que dé aos estudantes os meios para analisar um estudo (e sirva como revisao para aqueles que jé tiveram. essa introdugio); (2) mostrar como método € andlise esto relacionados (ver também a nossa discussio de varios métodos e “Dicas de estatistica” associadas); e (3) ajudar estu- dantes a entender que existem muitos ins- trumentos estatisticos disponiveis para eles, e que nao devem se basear em apenas um quando deles buscarem confirmagao para 0 que seus dados Ihes dizem (ver nossa dis: cussio sobre questées estatisticas ao longo do texto). Contetido online AG" edigao desta obra vem acompanhada de suplementos para estudantes e professores, disponiveis no endereco www.grupoa.com. br. Esses recursos, criados por Shaughnessy, Zechmeister e Zechmeister para ampliar 0 material textual, foram atualizados para a9" edigao pela coautora Jeanne Zechmeister. Para estudantes Quizzes traduzidos de todos 05 capitulos podem ser usa- dos como apoio para o estudo ou como tarefa de casa. Para professores Os recursos a seguir esto dis- Ga Boul vais yee oe prin gue usa o livre Metodelogi de Pesquisa em Psicologia na ex- clusiva Area do Professor. Metodologia de pesquisa em psicologia 17 Apresentacdes de PowerPoint Os slides do PowerPoint para cada capitulo apresen- tam os pontos principais do capitulo. Con- tetido em portugues. Manual do Professor © manual atuali- zado traz a estrutura e os objetivos dos ca- pitulos, questées de revisio e respostas para cada capitulo, desafios e respostas, quesides e problemas para discussio na classe, ativi- dades relacionadas com a leitura critica de pesquisas, exereicios para estudantes, pro- jetos de classe e tarefas de casa, materiais para aulas e discussao para professores, € paginas que podem ser usadas para fazer slides de PowerPoint ou guias de estudo. Contetido em inglés. Bancos de testes Os bancos de qu para cada capitulo trazem questées simples e de miltipla escolha com respostas para testar 0 conhecimento dos alunos. Cada questo é relacionada com uma avaliagao da compreensio factual ou conceitual, ou a aplicacio de conceitos metodolégicos. Con- teudo em ingles. Palavras de gratidao E impossivel agradecer adequadamente pelas contribuiges cumulativas de tantas pessoas a 9° edicao do nosso livro. Quere- mos agradecer aos seguintes revisores, € demonstrar nosso pesar por ndo termos conseguido incorporar todas as mudangas sugeridas: Susan Lima (University of Win- consin-Millwaukee), Chris R. Logan (Sou- ther Methodist University) e Joanne Walsh (Kean University) John |. Shaughnessy Eugene B. Zechmeister Jeanne. Zechmeister PARTE Um A. Quest6es Gerais M1 Introdugao Aciéncia da psicologia * Os psicélogos desenvolvem teorias & fazem pesquisas psicoldgicas para res- ponder perguntas sobre o comporta- mento e os processos mentais; essas res- postas podem ter um impacto sobre os individuos e a sociedade. * O método cientifico, um meio de adqui- rir conhecimento, refere-se 3s maneiras como as perguntas sao feitas e a l6gica e métodos usados para chegar as respostas. * Duas caracteristicas importantes do método cientifico envolvem usar uma abordagem empirica e manter uma ati- tude cética, Provavelmente, podemos dizer que voce j4 foi exposto a muitas pesquisas em psicologia, tanto em representagdes nos meios de comunicagio quanto em seu tra- balho no curso de psicologia. Se voce é como os autores do seu livro, vocé & bastan- te curioso quanto a sua mente e seu com- portamento. Vocé gosta de pensar sobre 0 comportamento das pessoas (e dos animais) —e faz questionamentos sobre as pessoas ~ por que agem como agem, como se torna- Tam as pessoas que so e como continuarao a crescer e a mudar. E talvez vocé questio- ne o seu proprio pensamento e como a sua mente funciona. Esses pensamentos e re- flexdes diferenciam vocé de outras pessoas — nem todos s4o curiosos quanto 4 mente, © nem todos consideram as razbes para 0 comportamento. Porém, se voce € curioso, se vocé questiona por que as pessoas e ani- mais agem como agem, vocé ja deu o pri- meiro passo na intrigante, excitante e, sim, As vezes desafiadora jornada pelos métodos de pesquisa em psicologia. Muitos estudantes entram para 0 cam- po da psicologia por interesse em melhorar as vidas das pessoas. Porém, quais méto- dos e intervengdes ajudam as pessoas? Por exemplo, estudantes com um objetivo pro- fissional que envolva trabalhar com psicote- rapia devem aprender a identificar padroes de comportamento que sejam desadaptati vos e distinguir as intervengdes psicolégi- cas que ajudam daqueles que nao ajudam Os psicélogos adquirem um entendimento e discernimento dos meios existentes para melhorar as vidas das pessoas, desenvol- vendo e fazendo pesquisas psicolégicas para responder suas perguntas sobre o com- portamento. Metodologia de pesquisa em psicologia 21 Consideremos uma pergunta de pesqui- sa muito importante entre as tantas inves- tigadas pelos psicdlogos: qual ¢ 0 efeito da violencia na midia? Os pesquisadores inves- tigaram aspectos dessa questio por mais de cinco décadas em centenas de estudos e pes- quisas. Uma revisio da pesquisa sobre esse tema foi publicada na Psychological Science in the Public Interest (Anderson et al,, 2003), um periddico sobre psicologia dedicado a publicar pesquisas comportamentais sobre questdes importantes de interesse ptibli- co. Outros temas recentes nesse periddico so pesquisas que sugerem que combinar 0 modo de instrugao com o estilo de aprendi- zagem dos estudantes (p.ex., visual, auditi- yo) nao methora a aprendizagem (Pashler, MeDaniel, Rohrer e Bjork, 2008), que ter um estilo de vida intelectual e fisicamente ativo promove um envelhecimento cognitivo ade- quado (Hertzog, Kramer, Wilson e Linden- berger, 2008) e que as diferentes met4foras usadas para descrever a luta contra o terto- rismo levam a decisdes sociais e politicas di- ferentes (Krugianski, Crenshaw, Post e Vic- toroff, 2007). Embora esses t6picos difiram, a caracteristic publicadas nesse e em outros periédicos de grosso calibre € o uso de desenhos e méto- dos de pesquisa sdlidos para responder per- guntas sobre o comportamento. Apés décadas de pesquisa, 0 que os psicélogos dizem sobre os efeitos compor- lamentais, emocionais e sociais da violencia na midia? Anderson e colaboradores (2003) publicaram vérios resultados importantes em sua revisao de pesquisas que investigam a violéncia na televisao, filmes, videogames, internet e na mtisica: A exposigao & violéncia na midia causa um aumento na probabilidade de pen- samentos, emogdes e comportamentos agressivos e violentos em contextos de curto e longo prazo. ~ Os efeitos da violéncia na midia sao consistentes entre uma variedade de es- tudos e métodos de pesquisa, tipos de midia e amostras de pessoas. — Estudos de longo prazo recentes rela- cionam a exposicio frequente a violén- cia na midia durante a infancia com a agressividade adulta, incluindo agres- ses fisicas e abuso conjugal — Pesquisas corroboram as teorias dos psicdlogos de que a violéncia na midia “ativa” cognigdes agressivas e excitagdo fisiolégica, facilita a aprendizagem de comportamentos agressivos pela ob- servagio e dessensibiliza as pessoas & violéncia. Entre os fatores que influenciam a probabilidade de agressividade em resposia a violéncia na midia esto ca- racteristicas dos espectadores (p.ex., idade e nivel em que se identificam com personagens agressivos), ambientes so- ciais (p.ex., monitoramento parental da violéncia na midia) e conteiido da mi- dia (p.ex., realismo de representagoes violentas e consequéncias da violéncia). — Ninguém esté imune aos efeitos da vio- Iéncia na midia. Diversos estudos revelam que as crian- gas e jovens passam uma quantidade ex- cessiva de tempo como consumidores dos meios de comunicagio, possivelmente fi- cando atrés apenas do sono. Assim, uma implicagao das pesquisas listadas é que um modo de reduzir 0 devastador impacto da agressividade e violéncia em nossa socie- dade é diminuir a exposicao a violéncia na midia. De fato, a pesquisa psicoldgica de- sempenhou um papel importante no desen- volvimento do “chip V” (0 “V” éde “violén- cia”) em televisdes, para que os pais possam bloquear 0 contetido violento (Anderson et al., 2003). Ainda restam outras perguntas de pes: quisa. Uma questio importante diz respei- to a distingao entre a observagao passiva da violéncia (p.ex., representagdes na tele- visao) € 0 envolvimento ativo com a midia violenta, que ocorre com videogames e jogos pela internet (Figura 1.1). Sera possivel que os efeitos da violéncia na midia sejam ain- da mais fortes quando os espectadores es- 22 Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister t8o envolvidos ativamente coma violéncia _ tendéncias agressivas em um grau maior enquanto jogam videogames? Esse pode ser do que a observacio passiva. Outras per- © caso se 0 envolvimento ativo reforcar as. guntas de pesquisa dizem respeito aos pas- ) M Figura 1.1 Sera que o efeito da violéncia na midia difere para (a) assistir & televisdo passi- vamente e (b) jogar videogames ativamente? Metodologia de pesquisa em psicologia 23 sos necessérios para diminuir 0 impacto da violéncia em nossa sociedade e 0 papel que limitar a violéncia na midia deve ter em uma sociedade livre. Talvez essas ques- tes algum dia sejam as suas perguntas de pesquisa, ou talvez vocé esteja interessado em explorar as causas da drogadigao ou as raizes do preconceito. Literalmente, restam milhares de perguntas de pesquisa impor- tantes. Um dia, A medida que continuar o seu estudo da pesquisa em psicologia, tal vez voc? contribua para os esforcos dos psi- c6logos para melhorar a condigao humana! Os psicdlogos tentam responder per- guntas sobre comportamentos, pensamen- tos e sentimentos usando o método cien- tifico. O método cientifico é um conceito abstrato que se refere as maneiras como as perguntas sao feitas ¢ 8 légica e métodos usados para obter respostas. Duas carac- teristicas importantes do método cientifi- co S40 0 uso de uma abordagem empirica e a atitude cética que os cientistas adotam ante explicagdes para o comportamento e processos mentais. Discutiremos essas duas caracteristicas como parte da nossa introdu- sfo & pesquisa psicolégica neste capitulo e, no Capitulo 2, descreveremos outras carac- teristicas do método cientifico Ciéncia em contexto * Aciéncia ocorre em pelo menos trés ti- pos de contextos: contextos histéricos, socioculturais e morais. Embora 0 conceito do método cientifico possa ser abstrato, a pratica da ciéncia psi- colégica é uma atividade humana bastante concreta, que nos afeta em varios niveis. Os psic6logos podem ter um impacto no indi- viduo (p.ex., intervengao terapéutica para agressividade), na familia (p.ex., controle parental sobre o uso da midia por seus fi- Ihos) e na sociedade (p.ex,, esforgos para re- duzir a programagio violenta em redes de lelevisao). Para serem efetivos, porém, os psi- célogos devem construir sobre uma base de pes- quisas cuidadosamente planejadas e executadas. As atividades humanas so pesada- mente influenciadas pelo contexto em que ocorrem, ea atividade cientifica ndo € exce- 80. Podemos sugerir que pelo menos trés contextos desempenham um papel critico de influenciar a ciéncia: 0 contexto hist6rico, © contexto sociocultural e o contexto moral. Discutiremos cada um deles brevemente. 0 contexto histérico * Uma abordagem empirica, baseada na observa direta e na experimentagao para responder perguntas, foi critica para o desenvolvimento da ciéncia da psicologia * A revolugao do computador foi um fa- tor crucial na mudanga do behavioris- mo para a psicologia cognitiva como tema dominante na investigacao psico- légica. Nao sabemos exatamente quando a psicologia se tornou uma disciplina inde- pendente. A psicologia emergiu de forma gradual, com raizes no pensamento de Aris- tételes (Keller, 1937), nas obras de outros filésofos como Descartes e Locke e, mais adiante, no trabalho de fisiologistas e médi- cos do comego do século XIX. O comego ofi- cial da psicologia costuma ser citado como tendo ocorrido em 1879, quando Wilhelm Wundt estabeleceu um laboratério formal de psicologia em Leipzig, na Alemanha. Uma das decisdes que os primeiros psi- c6logos enfrentavam no final do século XIX era se a psicologia devia se associar mais as ciencias fisicas ou permanecer como uma subdisciplina da filosofia (Sokal, 1992).Com o desenvolvimento de métodos psicofisicos (especialmente Gustav Theodor Fechner) € meétodos baseados no tempo de reagio para entender a transmissio no sistema nervose (em particular, Hermann von Helmholtz), os psicdlogos acreditavam que um dia che- gariam a mensurar 0 proprio pensamento (Coon, 1992). Com esses poderosos métodos: de observagio, a psicologia estava no cami- nho de se tornar uma ciéncia laboratorial 24 Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister quantificavel. Os psicdlogos cientificos es- peravam que seu estudo da mente atingisse igual proeminéncia com as ciéncias mais es- tabelecidas da fisica, quimica e astronomia (Coon, 1992). Um dos obstaculos & emergente ciéncia da psicologia foi o forte intetesse ptiblico no espiritualismo e fendmenos psiquicos na vi- rada do século XX (Coon, 1992). O pablico em geral considerava que esses temas “da mente” estavam dentro da provincia da psicologia e procurava respostas cientificas para suas quest0es sobre a clarividéncia, te- lepatia e comunicagao com os mortos. To davia, muitos psicdlogos queriam divorciar a nova ciéncia desses temas pseudocientifi- cos. Para estabelecer a psicologia como cién- cia, os psicdlogos abracaram 0 empirismo como meio para promover o entendimento do comportamento humano. A abordagem ‘empirica enfatiza a observacao direta e a ex- perimentagiio como meio de responder per- guntas, Essa talvez seja a caracteristica mais, importante do método cientifico. Usando essa abordagem, os psicslogos concentra- vam-se em comportamentos e experiéncias que pudessem ser obseroados diretamente. Embora a psicologia continue a enfati- zara abordagem empirica, ela mudou sig- nificativamente desde os seus primérdios. Os primeiros psicdlogos estavam interes sados principalmente em questdes relacio- nadas com a sensacao e a percepcao — por exemplo, ilusoes visuais e imagens. No inicio do século XX, a psicologia nos Esta- dos Unidos era bastante influenciada por uma abordagem behaviorista introduzida por John B. Watson. As teorias psicol6gicas concentravam-se na aprendizagem, ¢ os psi- logos baseavam-se principalmente em ex- perimentos com animais para testar as suas teorias. Para o behaviorismo, a “mente” era uma “caixa preta” que representava a ativi- dade entre um estimulo externo e uma res- posta comportamental. © behaviorismo foi a perspectiva dominante em psicologia até a metade do século XX. Nao obstante, quan- do Psicologia Cognition, de Ulric Neisser, foi publicado em 1967, a psicologia havia se voltado novamente para o interesse nos processos mentais. Os psicdlogos cogniti- vos também retornaram aos experimentos com 0 tempo de reagao, que eram usados nos primeiros laboratérios de psicologia para investigar a natureza dos processos cognitivos. A perspectiva cognitiva ainda € dominante na psicologia, e a cognicao re- centemente se tornou um tema imporiante no campo da neurociéncia, a medida que os pesquisadores passaram a estudar a biolo- gia da mente. Existe um grande potencial para o desenvolvimento da psicologia cien- tifica no comego do século XX. Um fator significativo na ascensao da psicologia cognitiva A proeminéncia foi a revolugao do computador (Robins, Gosling e Craik, 1999). Com 0 advento dos compu- tadores, a “caixa preta” do behaviorismo passou a ser representada usando-se uma metafora com o computador. Os psicélogos falavam de processamento, armazenamen- to e recuperacio de informagies entre o input (estimulo) ¢ 0 output (resposta). As- sim como 0 computador era uma metéfora til para entender os processos cognitivos, © desenvolvimento de computadores po- derosos e acessiveis se mostrou excepcio- nalmente valioso para ampliar os limites & a precisao das medidas de processos cog- nitivos. Atualmente, em laboratérios de psicologia nos Estados Unidos e no mun- do, a tecnologia do computador esté subs- tituindo as medidas de “lapis e papel” dos pensamentos, sentimentos ecomportamen- tos das pessoas. De maneira semelhante, as melhoras constantes na tecnologia das imagens cerebrais (p.ex., IRMf, imagem de ressonincia magnética funcional) promo- vero a neurociéncia como uma disciplina importante dentro dos campos da psicolo- gia, biologia e quimica. Essas tendéncias amplas no desenvolvi- mento hist6rico da psicologia, do behavio- rismo 4 neurociéncia cognitiva, representam © “quadro mais amplo” do que aconteceu na psicologia no século XX. Todavia, uma anilise mais detalhada revela a miriade de temas investigados na ciéncia da psicologia. Metodologia de pesquisa em psicologia 25 Os psicélogos, hoje, fazem pesquisas em reas tao gerais quanto a psicologia clinica, social, organizacional, de aconselhamento, fisiologica, cognitiva, educacional, do de- senvolvimento e da satide. InvestigagSes em todas essas Areas nos ajudama entender a complexidade do comportamento e dos processos mentais. A ciéncia em geral —e a psicologia em particular - mudou por causa das ideias brilhantes de individuos excepcionais. As ideias de Galileu, Darwin e Einstein nao apenas mudaram a maneira como os cien- tistas enxergam suas disciplinas, como tam- bém mudaram a maneira como as pessoas entendem asi mesmase seu mundo. De ma- neira semelhante, muitos individuos excep- cionais influenciaram o progresso da psi- cologia (Haggbloom et al., 2002), incluindo ganhadores do Prémio Nobel (ver Quadro 1.1). No comego da psicologia norte-ameri- cana, William James (1842-1910) escreveu © primeiro livro introdutério, Prineipios da Psicologia, e estudou os processos mentais usando a sua técnica de introspecgio (ver Figura 1.2). A medida que aumentava a proeminéncia do behaviorismo, B. F. Skin- ner (1904-1990) expandiu a nossa compreen- sao de respostas ao reforco pela anilise ex- perimental do comportamento. Juntamente com Skinner, Sigmund Freud (1856-1939) 6 uma das figuras mais reconhecidas na psi- cologia, mas as ideias e métodos dos dois nao podiam ser mais diferentes! As teorias de Freud sobre a personalidade, transtomos mentais e o inconsciente desviaram a aten- sao radicalmente do comportamento para 05 processos mentais, por seu método da associagdo livre. Muitos outros individuos influenciaram o pensamento em éreas espe- cificas da psicologia, como a psicologia do desenvolvimento, a clinica, a social e a cog- nitiva. Esperamos que voce possa aprender mais sobre esses psicSlogos influentes, do passado e do presente, nas éreas de maior interesse para vocé. Aciéncia também muda de forma me- nos dramética, de maneiras que resultam dos esforcos cumulativos de muitos in- dividuos. Um modo de descrever essas mudangas mais graduais é descrevendo 0 crescimento da profissao da psicologia. A American Psychological Association (APA) foi formada em 1892. A APA tinha apenas algumas dezenas de membros naquele pri- meiro ano;em 1992, quando a APA celebrou seu 100° aniversério, havia aproximadamen- te 70 mil membros. Quinze anos depois, em 2007, 0 ntimero de membros da APA dobrou, para mais de 148 mil membros. A promogao da pesquisa psicoldgica € uma preocupagio da APA, assim como da As- sociation for Psychological Science (APS) A APS foi criada em 1988 para enfatizar questes cientificas em psicologia. A APA ea APS patrocinam convengées anuais, das quais os psicSloges participam para apren- der sobre os avancos mais recentes em seus campos. Cada organizagio também publi- ca periddicos cientificos para comunicar os Gltimos resultados de pesquisas para seus membros e para a sociedade em geral Vocé também pode fazer parte da his- t6ria da psicologia. A APA ea APS incenti- vam os estudantes a se associarem, propor- cionando oportunidades educacionais e de pesquisa para estudantes de graduagio pos-graduagao em psicologia. Informagdes sobre como se filiar 4 APA e 4 APS como membro regular ou como estudante podem ser obtidas em seus websites na internet: (APA) www.apa.org (APS) www.psychologicalscience.org Os websites da APA e da APS trazem noticias sobre pesquisas psicolégicas recen- tes ¢ importantes, informagdes sobre publi- cages em psicologia (incluindo assinaturas, relativamente de baixo custo para estudan- tes, para importantes revistas de psicologia) links para muitas organizagbes de psicolo- gia. Conhega! Contexto social e cultural + O contexto social ¢ cultural influencia as escolhas de temas dos pesquisado- res, a aceitacdo da sociedade para com 26 Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister “4 Quadro 1.1 Coenen esse ‘Acada ano, a Real Academia Sueca de Cién- cias concede o aclamado Prémio Nobel para trabalho de pesquisadores em uma sére de campos, Em outubro de 2002, 0 Dr. Daniel Kahneman tornou-se o primeito psicélogo a ganhar esse prémio. Ele foi reconhecido por ‘Sua pesquisa sobre 0 julzo intultivo, 0 racioc- nio humano e a tomada de decisSes em con- digdes de incerteza, Sua pesquisa, conduzida ‘em colaboragéio com seu antigo colega Amos Tversky (1937-1996), recebeu a comenda por seu influente papel nas teorias econémicas (Kahneman, 2003). Kahneman dividiu 0 Pré- mio Nobel d2 Economia com 0 economista Vernon Smith. que foi citado por seu trabalho ‘com exparimentos de laboratério (um tema importante neste texto) em economi Embora com formagio em campos que no a psicologia, varios cientistas receberam © Prémio Nobel por pesquisas diretamente relacionadas com as ciéncies do comporta- mento (Chernoff, 2002; Pickren, 2003), por exemplo! * 1904, Fisiologia ou Medicina: Ivan Pavlov ganhou 0 Prémio Nobel por sua pesquisa sobre a digestao, que posteriormente in- fluenciou 0 seu trabalho sobre 0 condicio- amento classico, + 1961, Fisiologia ou Medicina: um médico, Georg von Békésy, ganhou 0 Prémio Nobel por seu trabalho em psicoacustica - @ per cepcao do som * 1973, Fisiologia ou Medicina: trés etologis- tas, Karl von Frisch, Konrad Lorenze Nikola as Tinbergen, receberam o primeiro Prémio Nobel concedido inteiramente a pesquisa comportamental Pickren, 2003). A etclogia 6 umramo da biologia, no qual os pesquisa- dores observam o comportamento de orga- rismos em relagao ao seu ambiente natural (ver 0 Capitulo 4) + 1978, Economia: Herbert A. Simon recebeu © Prémio Nobel por suas pesquises pione- ras sobre a tomada de decisées organiza- cionais (MacCoun, 2002; Pickren, 2003). Kahneman, comentando 0 seu Prémio Nobel de 2002, citou a pesquisa de Simon como instrumental para as suas proprias pesquisas, ‘+ 1981, Fisiologia ou Mecicina: 0 Prémio No- bel foi concedido a Roger W. Sperry, um zoélogo que demonstrou os papéis distin tos dos dois hemisférios cerebrais usando 0 procedmento spitt brain As realizagdes desses cientistas ¢ de muitos outros presiam testemunho do alean- ce e da importancia da pesquisa comporta- mental nas ciéncias. Embora nao exista um “Prémio Nobel de Psicologia” {uma distingéo compartilhada pelo campo da matematica), reconhece-se que o trabalho de cientistas em uma variedade de areas contribui para a nos~ sa compreensao do comportamento. Metodologia de pesquisa em psicologia 27 Jura 1.2 Muitas pessoas influentes ajudaram a desenvolver 0 campo da psicologia, in- Gluindo (@) Wiliam James, (b) B. F. Skinner e (c) Sigmund Freud. 05 resultados e os locais onde as pesqui- sas sao feitas. © O etnocentrismo ocorre quando as vi- sdes das pessoas sobre outra cultura sao influenciadas pelo modelo ou lente de sua prépria cultura. A ciéncia é influenciada nao apenas por seu contexto histérico, mas também pelo contexto social e cultural prevalecente. Esse contexto predominante as vezes é chamado de Zeitgeist ~ 0 espirito da época. A pesqui- sa psicoldgica e sua aplicagao cvexistem em, uma relagdo recfproca com a sociedade: a pesquisa afeta e é afetada pela sociedade. O contexto social e cultural pode influen- ciar 0 que os pesquisadores decidem estu- dar, os recursos disponiveis para amparar suas pesquisas e a aceitacao da sociedade em relagdo aos resultados. Por exemplo, os pesquisadores desenvolveram novos programas de pesq| se crescente em questées femininas (e por causa dos mimeros crescentes de mulheres que fazem pesquisa). Os temas nessa érea emergente sio o “teto de vidro” que impe- de o avanco das mulheres em organizacies a inter-relagao entre o trabalho e a fami para casais em que ambos os cOnjuges tra- balham, ¢ os efeitos da disponibilidade de creches de qualidade sobre a produtividade da forca de trabalho e o desenvolvimento por causa da énfa- infantil. As atitudes sociais e culturais po- dem afetarnao apenas o que os pesquisado- res estudam, masa maneira como decidem fazer sua pesquisa. A atitude da sociedade ante o bilinguismo, por exemplo, pode afe- tar a énfase dos pesquisadores nos problemas que surgem para criangas em educagao bi- lingue ou nos beneficios que as criancas t&m com a educacao bilingue. Os valores sociais ¢ culturais podem afetar a maneira como es pessoas reagem a resultados publicados de pesquisas psi- coldgicas. Por exemplo, a divulgagao de pesquisas sobre temas controversos, como a orientagao sexual, memérias recupera- das de abuso sexual na infancia e violéncia televisiva, recebe mais atengao dos meios de comunicagio por causa do interesse do ptiblico nessas questoes. As vezes, esse interesse maior leva a um debate puiblico sobre a interpretacio dos resultados e as implicagdes dos resultados para as politi- cas ptiblicas de cunho social. A reagdo pti- blica pode ser extrema, conforme ilustra a resposta a um artigo sobre abuso sexual na infancia publicado em Psychological Bulletin (Rind, Tromovitch e Bauserman, 1998). Em sua revisao e andlise de 59 estudos sobre os efeitos do abuso sexual na infancia, Rind e colaboradores conclufram que o “abuso se- xual na infancia nao causa um dano inten- 28 Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister s0 e global, independentemente do género, na populasao universitaria” (p. 46). Depois que suas pesquisas foram promovidas por sites pedofilos na internet, a “Dra. Laura” (Laura Schlessinger, apresentadora de talk shows) caracterizou o artigo como um en- dosso ao sexo adulto com eriangas (que nao era a intengdo dos pesquisadores) e criti- cou a American Psychological Association por publicar o estudo em sua prestigiada revista, Psychological Bulletin (Ondersma et al., 2001). Em 1999, a Camara de Deputados dos Estados Unidos respondeu a atengao negativa dos meios de comunicagao apro- vando por unanimidade uma resolugao de censura a pesquisa divulgada no artigo. Além disso, o debate cientifico sobre os con- troversos resultados continua, com criticas e réplicas aparecendo em Psychological Bul- letin (Dallam et al., 2001; Ondersma et al., 2001; Rind e Tromovich, 2007; Rind, Tromo- vich e Bauserman, 2001), outros periSdicos e livros. Uma edicao inteira da American Psychologist foi dedicada & turbuléncia po- litica que resultou dessa pesquisa (Marco 2002, Vol. 57, Edigao 3). Essas criticas pu- blicas para resultados de pesquisas, mes- mo os baseados em ciéncia empirica sélida, parecem ser uma tendéncia cada vez maior. Ataques legais, administrativos e politicos surgem daqueles que se opéem As pesqui- sas por causa de fortes crengas pessoais ow interesses financeiros (Loftus, 2003). Esses ataques podem tera infeliz consequencia de pedir a investigagao e debate cientificos legitimos. A sensibilidade dos psicblogos as preo- cupagées da sociedade, como 0 abuso se- xual na infancia, é uma das razées por que a psicologia nao evoluiu estritamente como uma ciéncia laboratorial. Embora a inves- tigagao de laboratério permanega no cora~ Ao da pesquisa psicolégica, os psicdlogos e outros cientistas comportamentais fazem pesquisa em escolas, clfnicas, empresas, hos- pitais e outros ambientes nao laboratoriais, incluindo a internet. De fato, a internet esta se tornando uma ferramenta de pesquisa litile popular para os cientisias psicolégicos (pex., Birnbaum, 2000). Segundo dados do censo norte-americano, no ano 2000, 54 mi- Ihdes de lares americanos (51%) tinham um ou mais computadores. Em 44 milhdes de fa- milias (42%), havia pelo menos uma pessoa que usava a internet em casa (Newburger, 2001). Esses dados obviamente subestimam © ntimero de ususrios da internet nos Esta- dos Unidos, pois os niimeros se referem a familias e nao a usuérios individuais, e no consideram o acesso em ambientes empresa- riais ou educacionais. De maneira importan- te, essas cifras também nao levam em conta 0 uso da internet em paises que nao os Estados Unidos. Ao final de 2009,0 mimero estimado de usudrios da internet ao redor do mundo aproximava-se de dois bilhoes (www.inter- networldstats.com). £ suficiente dizer que nao demorou muito para que os cientistas comportamentais reconhecessem 0 poten- cial desse espantosamente grande e diver- s0 "grupo de sujeitos” para suas pesquisas (ver, por exemplo, Birnbaum, 2000; Gosling, Vazire, Srivastava e John, 2004; Skitka e Sar- gis, 2005). Ajudados pelo desenvolvimento da internet na década de 1990 e as lingue- gens de hipertexto (HTML), 0s psiclogos logo comecaram a fazer pesquisas virtuais (p.ex., Musch e Reips, 2000). A internet per- mite praticamente qualquer tipo de pesquti- sa psicoldgica que use o computador como equipamento e seres humanos como sujeitos (Krantz e Dalal, 2000). Uma maneira em que 0 pesquisadores recrutam sujeitos para seus estudos 6 postar oportunidades de pesquisa em diversos websites de pesquisa. Por exem- plo, a APS mantém uma pagina na internet que permite que os usuérios participem de pesquisas psicolégicas. Confira as oportuni- dades de pesquisa pela internet no enderego http:/ /psych.hanover.edu /research/expon- net.html. Falaremos mais das pesquisas rea- lizaclas pela internet quando apresentarmos métodos especificos de pesquisa em psico- logia. So particularmente importantes as questdes éticas suscitadas por essa forma de pesquisa (ver o Capitulo 3). Se reconhecermos que a cigncia é afe- tada por valores sociais e culturais, ainda Metodologia de pesquisa em psicologia 20 resta uma questao sobre qual cultura est tendo —e qual cultura deve ter — influéncia. Uma anilise recente de uma amostra de pesquisas psicologicas revelou que os cola~ boradores, as amostras e os editores de sei: revistas importantes publicadas pela Ame- rican Psychological Association eram pre- dominantemente norte-americanos (Arnett, 2008). Em comparagao, os norte-americanos: representavam menos de 5% da populacao mundial, eas pessoas em varios outros pai- ses vivem em condigdes muito diferentes das dos norte-americanos. Pode-se que: tionar, portanto, se uma ciéncia psicolégica que se concentra tanto nos norte-america- nos pode ser completa. Um problema potencial ocorre quando tentamos entender 0 comportamento de in- dividuos em uma cultura diferente por meio do modelo ou visdes na nossa prépria cultu- ra (Figura 1.3). Essa fonte potencial de viés se chama etnecentrieme. Como um exemplo do etnocentrismo, consideremos a contro- vérsia em torno das teorias do desenvolvi- mento moral. Em sua teoria de seis estgios do desenvolvimento moral, Kohlberg (1981, 1984) identificou o mais elevado estigio do desenvolvimento moral (desenvolvimento pos-convencional) como aquele em que os individuos tomam decisdes morais com base em seus principios éticos autodefinidos e no reconhecimento de direitos individuai Pesquisas sugerem que a teoria de Kohlberg traz uma boa descricao do desenvolvimento moral para homens norte-americanose euro- peus ~culturas que enfatizam o individualis- mo. Em comparagio, as pessoas que vivem em culturas que enfatizam o coletivismo, como as sociedades comunais da China ou Papua-Nova Guiné, nao se encaixam na des- criggo de Kohlberg. As culturas coletivistas yalorizam o bem-estar da comunidade sobre © do individuo. Estariamos demonstrando etnocentrismo se usassemos a teoria de Kohl- berg para declarar que os individuos dessas culturas coletivistas eram menos desenvolvi- dos moralmente. Estariamos interpretando seu comportamento por meio de uma lente cultural inapropriada, o individualismo. A pesquisa transcultural & um modo de nos ajudar a nao estudar apenas uma cultura do- minante e nos lembrar de que devemos ter cuiidado ao usar lentes culturais além da nos- sa propria em nossas pesquisas. O contexto moral * Ocontexto moral da pesquisa exige que os pesquisadores mantenham os mais elevados padrdes de comportamento ético. © O cddigo de ética da APA orienta a pes- quisa e ajuda os pesquisadores a avalia- rem dilemas éticos como 0s riscos e be- neficios associados ao engano € ao uso de animais na pesquisa. A ciéncia é uma busca pela verdade Cientisias individuais e a atividade coletiva da ciéncia devem garantir que o contexto moral em que a atividade cientifica ocorre cumpra o mais elevado dos padrdes. Frau- des, mentiras e representagdes etrOneas nao tém lugar em uma investigagao cientifica Porém, a ciéncia também é uma atividade humana e, muitas vezes, existe mais em jogo do quea verdade. Os cientistas e as ins- tituigdes que os contratam competem por recompensas em um jogo com empregos, dinheiro e reputagdes a manter. O nimero de publicagdes cientificas escritas por um professor universitario, por exemplo, geral- mente é um fator importante que influen- cia as decisdes relacionadas com o avango profissional por promogao e titularidade Nessas circunstancias, existem casos impr6- prios, mas aparentemente inevitaveis, de conduta cientifica incorreta. Uma variedade de atividades constitui violacdes da integridade cientifica. Elas in- cluem a invengao de dados, plagio, a divul- gagio seletiva de resultados de pesquisa, a falta de reconhecimento de individuos que fizeram contribuigSes importantes para a pesquisa, o uso inadequado de verbas de pesquisa e o tratamento eticamente incor- reto de humanos ou animais (ver Adler, 1991). Algumas transgressdes sio mais fé- 30 Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeistor © © Figura 1.3 Se removermos nossa lente cultural, podemos ter novas ideias para temas de pesquisa que investiguem (a) potencialidades no envelhecimento, (o) capacida- des ao invés de deficiéncias e (c) pais donos-de-casa. ceis de detectar do que outras. A invengao explicita de dados, por exemplo, pode ser revelada quando, no curso normal da ién- cia, pesquisadores independentes nao con- seguem reproduzir (replicar) os resultados, ou quando incoeréncias I6gicas aparecem em relatérios publicados. Todavia, trans- gressdes sutis, como a divulgacao apenas de dados que satisfaam as expectativas ou a divulgasao enganosa de resultados, so dificeis de detectar, Alinha diviséria entre a conduta errada intencional e a simples m4 ciéncia nem sempre é clara. Para educar os pesquisadores quanto & conduta adequada da ciéncia, e para orien- té-los a contornar as muitas armadilhas éticas que estdo presentes, a maioria das organizagbes cientificas adota cédigos de ética formais. No Capitulo 3, apresentare- mos 0s principios éticos da APA que regem a pesquisa com humanos e animais. Como vocé verd, os dilemas éticos surgem com frequéncia. Veja uma pesquisa realizada por Klinesmith, Kasser e McAndrew (2006), que testou se sujeitos do sexo masculino que manuseavam uma arma em um ambiente Metodologia de pesquisa em psicologia 31 laboratorial ficavam mais agressivos sub- sequentemente. Os pesquisadores disseram aos sujeitos que o experimento investigaria se prestar atengao a detalhes influencia a sensibilidade ao paladar. Os participantes foram divididos aleatoriamente em duas condig6es. Em um grupo, cada sujeito ma- nuseava uma arma e escrevia um conjunto de instrugdes para montar ¢ desmontar a arma. Na segunda condicio, os partici- pantes escreviam instrugdes semelhantes, enquanto interagiam com o jogo Mouse Trap™. Depois, cada um provava e avalia- va uma amostra de agua (85g) com uma gota de molho picante, preparada pelo su- jeito anterior. Essa era a parte do “teste de sensibilidade” do experimento. A seguir, os. sujeitos recebiam Agua e molho picante e deviam preparar a amostra para o proximo participante. A quantidade de molho pican- te que acrescentavam servia como medida da agressividade. De forma condizente com suas previsbes, os pesquisadores observa ram que os sujeitos que haviam manusea- do a arma adicionaram uma quantidade significativamente maior de molho picante a Agua (M = 13,61g) do que os sujeitos que interagiram com o jogo (M = 4,23g). Essa pesquisa suscita varias questées importantes: em que condigbes os pesqui- sadores devem ter permissao para enganar 0s sujeitos de pesquisa quanto a verdadeira natureza do experimento? Serd que o bene- ficio da informagao obtida sobre armas e agressividade compensa o risco associado a0 engano? Sera que os sujeitos que manu- searam a arma teriam adicionado menos molho picante se soubessem que 0 experi- mento na verdade investigava a relagao en- tre armas e agressividade?* O engano é apenas uma das muitas questdes éticas que os pesquisadoresdevem confrontar. Como outra ilustragéo de preo- cupagies éticas, considere que, as veres, sao usados sujeitos animais para ajudar a enten- der a psicopatologia humana, Isso pode sig- nificar expor sujeitos animais a condigdes estressantes © mesmo dolorosas e, As vezes, matar os animais para exames péstumos, Em que condigdes se deve permitir a pes- quisa psicolégica com sujeitos animais? A lista de questdes éticas suscitadas pela pes- quisa psicolégica é longa. Assim, é de maxi- ma importancia que vocé se familiarize com 0 prineipios éticos da APA e sua aplicagao nos primeiros estégios da sua carreira como pesquisador, e que vocé participe (como su- jeito de pesquisa, assistente ou pesquisador principal) somente de pesquisas que cum- pram os mais elevados padrdes de integri- dade cientifiea, Nossa esperanga é que o seu estudo de métodos de pesquisa permita que voed faga boas pesquisas e saiba discernir quais pesquisas devem ser feitas. Pensando como pesquisador © “Pensar como pesquisador” é ser cética quanto a hipéteses sobre as causas do comportamento e processos mentais, mesmo aquelas que sao feitas com base em estudos cientificos “publicados”. © As evidéncias mais fortes para uma hi- pétese sobre 0 comportamento advém de evidéncias convergentes de muitos estudos, embora os cientistas reconhe- cam que as hipéteses sdo sempre pro- babilisticas. ‘Um passo importante que um estudante de psicologia deve dar é aprender a pensar como pesquisador. Mais do que qualquer outra coisa, os cientistas sao céticos. Uma atitude cética quanto a hipéteses sobre as causas do comportamento e processos men- tais é outra caracterfstica importante do mé- todo cientifico em psicologia. Os cientistas do apenas querem “ver para crer”, coma provavelmente vio de querer ver e ver de novo, talvez. em condicdes que eles mesmos escolham. Os pesquisadores procuram tirar conclusdes baseadas em evidéncias empiri- cas, em ver de em seu juizo subjetivo (ver Quadro 1.2). As evidéncias cientificas mais fortes sio evidéncias convergentes obti- das de diferentes estudos que investigam a mesma pergunta de pesquisa. Os cientistas comportamentais sao céticos porque reco- 32 Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister nhecem que o comportamento $ complexo e que, muitas vezes, muitos fatores intera- gem para causar um fenémeno psicoldgico. Descobrir esses fatores pode ser uma tarefa dificil. As explicagdes propostas as vezes so prematuras porque nem todos os fato- res que podem explicar um fenémeno foram considerados ou sequer notados. Os cien- tistas comportamentais também reconhe: cem que a ciéncia é uma atividade humana. Portanio, os cientistas tendem a ser céticos quanto a “novas descobertas”, tratamentos e afirmagGes extraordinarias, mesmo aquelas que advenham de estudos “publicados’. O ceticismo dos cientistas os leva a ser mais cautelosos do que muitas pessoas sem formagao cientifica. Muitas pessoas tém faci- lidade para aceitar explicagoes baseadas em evidéncias insuficientes ou inadequadas. Isso é ilustrado pela crenga disseminada no ocul- to. Em vez de abordaras hipsteses para acon- tecimentos paranormais com cautela, muitas pessoas aceitam tais afirmagdes de maneira acritica. Segundo pesquisas sobre a opiniao ptiblica, a maioria dos norte-americanos acre- dita em percepgao extrassensorial, e algumas pessoas esto convencidas de que seres do espaco jé visitaram a Terra. Em torno de dois % Quadro 1.2 tenet Seré que os psicélogos clinicos aplicam os ul timos resultados de pesquises cientificas psi- colégicas no tratamento de seus pacientes? Em uma critica recente sobre a pratica da psicologia clinica, os drs. Timothy Baker, Richard McFall e Varda Shoham, todos psi célogos clinicos renomados, respondem essa pergunta com um sonore “nao”. Sua analise ampla da pratica de psicdlogos olinicos, que foi publicada na edigao de novembro de 2009 da revista Psychological Science in the Public Interest, da APA, foi divulgada por varios 6r- ios da midia, incluindo a revista Newsweek (12 de outubro de 2009). Nas dltimas décadas, os pesquisadores clinicos demonstraram a efetividade - in- clusive em termos de custo ~ de tratamen- tos psicolégicos para muitos transtornos mentais (p.ex., terapia cognitive-comporta- mental). Ainda assim, segundo os autores, relativamente poucos psicdiogos aprendem ou usam esses tratamentos efetivos. Baker e colaboradores afirmam que a psicologia clinica atual é parecida com a prética médi: ca pré-cientifica que existia no século XIX e comego do século XX, na qual os médicos rejeltavam as praticas cientificas em favor da sua experiéncia pessoal. Pesquisas indicam que 0 psicdlogo clinico de hoje é mais pro- vavel de se basear em suas proprias opinioes sobre “o que funciona” do que em evidéncias cientificas para tratamentos com base empi- rica, De fato, Baker e colaboradores obser- vam que 0 psicélogo clinico mediano nao conhece os resultados de pesquisas sobre tratamentos com base empirica e provavel- mente ndo tem a formacao cientifica neces ‘saria para entender a metodologia ou resulta- dos das pesquisas Baker, McFall « Shoham (2008) afirmam que deve haver mudangas urgentes nos pro- gramas de formagao para psicélogos clinicos, do mesmo modo como a formagao médica foi totalmente reformada no comego dos 1900s para conferir uma base cientifica a medicina. Sem fundamentacdo cientifica, os psicdlo- gos clinicos continuardo a perder seu papel na satide mental e comportamental. Baker colaboradores acreditam que uma formacao @ treinamento de qualidade e centrados na ciéncia devem ocupar um lugar central na for- macao em psicologia clinica, e que a pratica da psicologia clinica sem uma forte base em ciéncia deve ser estigmatizada. Para estudantes que usam este livro © se intetessam por psicologia clinica, espera- mos que, medida que aprender nos diversos métodos de pesquisa em psicologia, voces enxerguem esta introducdo acs métodos de pesquisa apenes como um primeiro passo ne- ‘cessario em sua pratica bem-sucedidae ética em psicologia clinica Metodologia de pesquisa em psicologia 33 em cada cinco norte-americanos acreditam que o horéscopo é confivel, e até 12 milhdes de adultos dizem mudar de comportamento depois de lerem textos de astrologia (Miller, 1986). Essas crengas existem, apesar das evi déncias minimas e muitas vezes negativas para a validade do horSscopo. Os cientistas, é claro, nao pressupdem automaticamente que as interpretagdes he- terodoxas de fendmenos inexplicados nao possam ser verdadeiras. Eles simplesmente insistem em poder testar todas as hipéteses e rejeitar aquelas que inerentemente nao possam ser testadas. O ceticismo cientifico é uma defesa do piiblico crédulo contra char- lates e impostores que vendem remédios e curas ineficazes, esquemas impossiveis para enriquecer e explicagdes sobrenaturais para fenémenosnaturais. Ao mesmo tempo, con- tudo, é importante lembrar que a confianca desempenha um papel tao grande quanto o ceticismo na vida do cientista. Para realizar suas pesquisas, os cientistas devem confiar em seus instrumentos, em seus sujeitos, nos telatérios de pesquisa dos seus colegas eem seu préprio juizo profissional. J4 dissemos que, para pensar como pes- quisador, vocé deve ser cético quanto a evi- déncias e hipéteses. Yocé certamente sabe alguma coisa sobre evidencias e hipdteses se tiver lido qualquer livro detalhando um crime e julgamento, ou assistido a alguns filmes ou dramas juridicos populares na televisao. Os detetives, advogados e outras pessoas que atuam na profissao da lei cole- tam evidéncias a partir de uma variedade de fontes e tentam convergir as evidéncias para construir hipsteses sobre o comporta- mento das pessoas, Uma pequena quanti- dade de evidéncias pode ser suficiente para suspeitar que alguém cometeu um crime, mas so necessdrias evidéncias convergen- les de muitas fontes para comdenar a pessoa Os cientistas da psicologia trabalham da mesma maneira — eles coletam evidéncias para construir hipSteses sobre 0 comporta- mento € processos psicoldgicos. A énfase principal deste texto seré em detalhar os diferentes métodos de pesquisa que resultam em diferentes tipos de evidén- cias e conclusdes. A medida que avangar em seu estudo da metodologia de pesquisa, vocé vera que existem importantes ~ e dife- rentes ~ principios cientificos que se aplicam a publicacdo de uma observacao comporta- mental ou levantamento estatistico, identifi- cando uma relacao entre fatores (ou “varia- veis”) e afirmando que existe uma conexio causal entre as varidveis. As evidéncias cien- tificas mais fortes assemelham-se as evidén- cias convergentes necessérias em um julga- mento para obter uma condenagao. Mesmo quando os pesquisadores tém evidéncias fortes para suas conclusées a partir de repli- cagies (repetigdes) de um experimento, eles estao em uma situagao semelhante a de ju- rados que consideram uma pessoa culpada além de duivida. Os pesquisadores e os jura- dos buscam a verdade, mas suas conclusdes sdo essencialmente probabilisticas. A certeza estd além do aleance de jurados e cientistas. ‘Aprendendo a pensar como pesquisa- dor, vocé pode desenvolver dois conjuntos importantes de habilidades. A primeira ha- bilidade proporcionaré que vocé seja um consumidor mais efetivo de publicagses cientificas, para que possa tomar decisbes pessoais e profissionais mais informadas. A segunda habilidade proporcionara que vocé aprenda como fazer pesquisa, para que possa contribuir para a ciéncia da psicolo- gia. Esmiucaremos esses dois aspectos do método cientifico ao longo do texto, mas os apresentaremos brevemente neste capitulo Primeiro, descrevemos uma ilustragio para a razio por que é importante pensar como pesquisador ao avaliar resultados de pes- quisas apresentadas na midia. Depois, des- crevemos como os pesquisadores comesam quando querem reunir evidéncias usando o método cientifico. Avaliando resultados de pesquisas divulgados na midia * Nem toda a ciéncia publicada na midia 6 “boa ciéneia”. Devemos questionar o que lemos e ouvimos. 34 Shaughnessy, Zechmeister & Zechmeister * Os artigos publicados na midia que re- sumem pesquisas originais podem omi- tir aspectos criticos do método, resulta- dos ou interpretagdes da pesquisa. Os pesquisadores em psicologia pu- blicam seus resultados em periédicos pro- fissionais, que esto disponiveis na forma impressa ou eletronica. A maioria das pes- soas que conhecem resultados de pesquisas psicolégicas, contudo, o faz por intermédio dos meios de comunicasio ~ a intemet, pe- riddicos e revistas, radio e televisio. Grande parte dessas pesquisas é vélida. A pesquisa psicoldgica pode ajudar as pessoas em uma variedade de areas, como ajudar as pessoas a aprender maneiras de se comunicar com um parente com doenga de Alzheimer, evi- tar brigas ou aprender a perdoar. Todavia, quando a pesquisa é divulgada na midia, podem surgir dois problemas sérios. O pri- meiro problema é que a pesquisa publicada na midia nem sempre é boa pesquisa. Um leitor critico deve separar a boa da mé pes quisa ~ quais resultados sao s6lidos e quais ainda nao foram confirmados. Também de- vemos decidir quais resultados devemos aplicar em nossas vidas e quais exigem uma atitude de esperar para ver. E justo dizer que grande parte da pesquisa nao é mui- to boa, devido aos diferentes meios pelos quais a pesquisa psicolégica 6 divulgada. Entio, temos uma boa razio para questio~ nar a pesquisa sobre a qual lemos ou ouvi- mos pelos meios de comunicagao. Um segundo problema que pode sur- gir quando pesquisas cientificas sao divul- gadas pelos meios de comunicagao 6 que “algo pode se perder na tradugao”. Os re- latos na midia geralmente sio resumos da pesquisa original, e certos aspectos criticos do método, resultados ou interpretagao da pesquisa podem estar faltando no resumo apresentado. Quanto mais voc? descobrir sobre 0 método cientifico, melhores sero suas perguntas para discernir a qualidade da pesquisa divulgada e para determinar as informagdes criticas que faltam na matéria publicada. Por enquanto, podemos dar uma ideia dos tipos de perguntas que voce pode fazer olhando um exemplo de uma pesqui- sa divulgada na midia. Nao muito tempo atras, houve um fe- némeno amplamente divulgado, chamado ““efeito Mozart”. Manchetes como “Musica classica faz bem para cérebros de bebés” eram comunsa época. Essas manchetes cha- mavam a atengio das pessoes, especialmen- te a atencio de pais novos. As malérias da midia indicavam que os paisestavam tocan- do mtisica classica para seus bebés na espe- ranga de aumentar a inteligéncia dos filhos. Um mith3o de novas mies receberam um CD gratuito chamado “Sinfonias inteligen- tes’, juntamente com a f6rmula gratis para © bebe. De forma clara, os distribuidores ¢ muitos novos pais foram persuadidos de que o efeito Mozart era real A ideia de que ouvir miisica pode au- mentar a inteligencia de recém-nascidos ¢ intrigante. Quando voc? encontrar ideia intrigantes como essa na midia, um bom pri- meiro passo é: consulte a fonte original em que 4a pesquisa foi publicada. Nesse caso, 0 artigo original foi publicado em um periddico res- peitavel, Nature. Rauscher, Shaw e Ky (1993) descreveram um experimento em que um Gnico grupo de estudantes universitirios ouvia uma obra de Mozart por 10 minutos, ficava em siléncio por 10 minutos, ou ouvia instrug6es de relaxamento por 10 minutos antes de fazer um teste de raciocinio espa- cial. O desempenho no teste foi melhor apés ouvir Mozart do que nas outras duas condi- Ges, mas 0 efeito desaparecia depois de um periodo adicional de 10 a 15 minutos. (Os resultados publicados na fonte origi- nal podem ser considerados sélidos, mas a3 extrapolagies desses resultados sao bastan- te questionaveis. Estavam incentivando um milhao de mulheres a tocar “sinfonias inte- ligentes” para seus bebés com base em um efeito demonstrado em um tipo muito espe- cifico de teste de raciocinio com estudantes universitarios, e o efeito durou, no maximo, 15 minutos! Embora tenham sido realizados alguns estudos com criangas, os resultados ambiguos de todas as pesquisas indicam que

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