Opinião Pública,, Comunicação

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Luiz Alberto de Farias Else Lemos Claudia Nociolini Rebechi (Organizadores) OPINIAO PUBLICA, COMUNICAGAO E ORGANIZAGOES Convergéncias e perspectivas contemporaneas Sao Paulo 2020 [3| A PLATAFORMIZAGAO DAS RELAGOES SOCIAIS: REFLEXOES SOBRE A RESSIGNIFICAGAO DA ATIVIDADE COMUNICATIVA Elizabeth Saad* RESUMO Este ensaio apresenta uma reflexao sobre publicos e opiniao publica atuando nas plataformas socials digitals e os decorrentes aspectos do consumo informacional-comunicativo que ali se instalam, Apre- senta, a partir desse cenério, aspectos da atividade do profissional de ‘comunicagio que precisam ser ressignificados e considerados para um planejamento da comunicagao contemporaneo, O ensaio basela- -se em propostas autorais miltiplas, com destaque para Jose Van Dijek, Nick Couldry e Andreas Hepp. Palavras-chave:Plataformas sociais digitais; piblicos; opinio pibli- ca; consumo informativo; comunicagao digitalizada, Professora titular sénior da Escola de Comunicagses e Artes da Universidade de S80 Paulo (ECA-USP). Coordenadora do grupo de pesquisa COM+ ~ Comunicacao, Midias € Jomnalismo Digitas. Autora de artigos em periédicos nacionals e interacionais. Seu ‘mais recente livo: Visibilidade e consumo da nformagao nas redes sociais ~Ed, Micia XX Fapesp, 2017. Palestrante internacional, E-mail bethsaad@gmail.com, 182 A PLATAFORMIZAGAO DAS RELAGOES SOCIAIS REFLEXOES SOBRE A RESSIGNIFICACAO DA ATIVIDADE COMUNICATIVA piniao publica, redes sociais e comunicagao em suas miiltiplas formas s40 campos interconectados da sociedade digitalizada Sao interconexoes complexas se considerarmos que cada uma delas aporta uma enormidade de questdes e transformagées que afetam a tudo ea todos. Proponho neste ensaio refletircriticamente sobre algumas dessas interco- nexdes complexas e apontar percursos que sustentem a atividade de co- municadores e pesquisadores do campo. Antes de tudo preciso reforgar a ideia de que vivemos, ja de algumas dé- cadas, um cendtio de abundancia comunicativa (ERCAN et al, 2019), ainda que desequilibrada, na qual temos volumes incontaveis de informacao e contetidos, mas a reciprocidade em termos de escuta, de muiltiplas vozes, deliberacdo e participacao coletivos permanece em construgao” na depen- déncia de caracteristicas sociais, econémicas € geopoliticas de governos, grupos sociais e culturais, instituigdes publicas e privadas ~ as caracteristi- cas do”mundo real’ Aliadas a abundancia desequilibrada, nossa sociabilidade e capacidade de comunicacéo ocorrem num ambiente de mutacéo constante provocada por uma espécie de dupla dependéncia: a inovacao das tecnologias digitais, de informacao e comunicagao e aquela do préprio conjunto das variaveis que citamos. Tenho a impressao de que um dos marcos de nosso contem- pordneo seja a busca inatingivel de um equilfbrio, de uma estabilidade pa- radoxal entre mutacao e esferas socials. Para atores e agentes do campo da comunicagao é 0 melhor e © pior dos cenarios, De um lado esta disponivel toda sorte de dispositivos e aparatos técnicos provenientes da digitalizacao que possibilitam uma acao comunicativa veloz, imediata, desintermediada, desterritoriaizada e equalizadora de vozes e hie- rarquias; porém, de outro lado, temos essa mesma acso comunicativa atuan- do como um vetor de mudanga global que traz a necessidade de ressignifica- ¢40 do que tradicionalmente era entendido como comunicagio e sociedade 5 Gg OPINIAO PUBLICA, COMUNICACAO E ORGANIZACOES convergénciase perspectvascontemporineas Refletir sobre 0 campo da comunicagao e, mais especificamente, sobre a comunicagéo entre organizaées e suas relacdes com puiblicos poe como prioridade a reapropriagao para a cena digital de marcos fundantes da aco comunicativa. Tomando por base o tema do Congresso Abrapcorp 2019, “Comunicagao, opinigo publica e organizagées",e a atual cena digitalizada, proponho re~ fletir sobre trés desses temas em ressignificacio: piblicos e opiniéo publi- a; tedes sociais e suas plataformas dominantes; e consumo informativo. Também proponho, a partir destas ressignificagdes, considerar algumas das implicagoes decorrentes que afetam a atuagéo do comunicador. PUBLICOS E OPINIAO PUBLICA Esses conceitos, chaves para qualquer atividade do campo da comunicagao, podem ser entendidos a partir de diferentes vis6es autorais que circulam desde um formalismo ortodoxo até proposicées mais focadas no pluralis- mo social. De toda forma, ao vincularmos publicos e opinido publica & cena digital, hd necessidade de releitura desses conceitos. Autores do quilate de Arendt, Habermas, Bourdieu, Delleuze, Tarde, Canclini e Barbero, todos bas- tante anteriores & digitalizacao generalizada dos processos comunicativos, 4 anteviam transformacées e necessérias adequacées, Anteviam que a in- terconexao de diferentes ordens entre agdes de comunicagao poderia pro- duzir novos cédigos de comportamento social de alcance generalizado. Os dispositivos das tecnologias digitais de informacao e comunicacao apenas aceleraram ainda mais tal processo. Tais autores propuseram reflexdes importantes acerca das esferas sociais ~ piiblica, privada, Estado, mercado. Esferas que, se olhadas pelas lentes das plataformas sociais digitais hoje dominantes, esto diluidas e remixadas Com isso, a ideia de opinido publica também se enquadra nesse cenatio. Parece-me evidente que, até aqui, seja inadequado centrar-se em conceitos formais e totalizantes acerca de pliblico e opiniéo publica, uma vez que, dada a multiplicidade da digitalizacao, temos que assumir configuragdes 156 Gg A PLATAFORMIZAGAO DAS RELAGOES SOCIAIS: REFLEXOES SOBRE A RESSIGNIFICACAO DA ATIVIDADE COMUNICATIVA conceituais também miltiplas: piblico audiéncia, comunidade, massa, multidao, grupos, entre outros; e também assumir que a formagao de opi- niido dessas configuracées é singular e vinculada & ambiéncia onde a mes- ma se constréi; mais ainda, ter a clareza de que o dito ptiblico no digital coloca individuos em miltiplos e simultaneos papéis em conformidade & ambiéncia que atua © que temos como fato decorrente do digital é que “piblicos" e “opiniao piiblica” citculam simultaneamente por ambiéncias segmentadas, desterri- torializadas e controladas (mediadas, tendenciadas e midiatizadas) por pla- taformas sociais digitais que definem, por meio da modulacao das relagoes, todo um comportamento social e comunicativo do coletivo. Consequente € naturalmente, as instancias institucionais e econémicas atuam no mesmo diapasao, todos num processo de meta e retroalimentacao de dados sobre si. A partir disso, falar de puiblico e opiniao publica sob o ponto de vista dos processos comunicativos, exige uma vinculagao a cena das plataformas so- . 158 Gg A PLATAFORMIZAGAO DAS RELAGOES SOCIAIS: REFLEXOES SOBRE A RESSIGNIFICACAO DA ATIVIDADE COMUNICATIVA A cena digital tem um espectro mais amplo, com o consumo envolvendo atividades de criagdo de valor mensuradas por qualquer representagao de moeda: escambo, dinheiro, atengao, dados, contetido, publicidade, valor de uso. £ possivel, ainda, ampliar tal visio a partir das propostas de Pierre Bourdieu, ¢ os capitais que emergem das relagdes sociais: as redes sociais, ancoradas nas plataformas disputam e tensionam capitais sociais, simbéli- 0s, econdmicos e culturais. As plataformas, por sua vez, acionam, por meio de algoritmos ¢ affordances, a conexao entre os capitais, promovendo uma multiplicidade de “consumos" de valor agregado. Com isso, consumo deve ser entendido como um processo de relaciona- mento, interagao e transacao que atua também na imaterialidade, incluin- do acesso e consumo de cultura, de entretenimento, de conhecimento e aprendizagem, de relacées diversas, de colaboracao e compartilhamento, entre outras possibilidades. Enfatizo aqui a relacao do consumo comunicativo-informacional ao concet- to de modulacao algoritmica como gestor do processo, recorrendo as pro- postas do professor Sergio Amadeu da Silveira e de seu grupo de pesquisa, inspirados em Gilles Delleuze e Gilbert Simondon. Uma relagéo que envol- ve disputas de poder e controle hoje dominados pelas plataformas sociais digitais, 0s big five mais diretamente, conforme indiquei anteriormente. Se 0 consumo na modernidade decorre do tensionamento das estruturas de poder e do controle social em poder de entes das esferas puiblica e pri- vada, no contemporaneo digitalizado o consumo passa a ser mediado pela atuagao dos controladores de tais estruturas: as plataformas. Os processos de consumo em tempos pré-plataformas tinham por ancora um sistema linear de governanga dos mercados, acesso aos desejos eas ne- cessidades dos consumidores e a produgao de bens e servicos para suprir as necessidades. Os famosos sistemas de informacées de marketing (Sim), pesquisas de mercado, planejamento de bens e servicos, distribuicao, pu- blicizagao e posterior avaliacao do proceso eram engendrados pratica- mente marca a marca com o auxilio de acées de relacées puiblicas, agéncias de publicidade e propaganda, empresas de pesquisa, dentre outros agen- 58 Gg OPINIAO PUBLICA, COMUNICACAO E ORGANIZACOES convergénciase perspectvascontemporineas tes. Todo um sistema que respeitava a linearidade do tempo de acdo da cadeia de valor e de suas respostas posteriores. Ao saltarmos para a cena do consumo pés-digitalizagéo ha que se conside- rar o basico: compressio de tempos, desterritorializacao, imediatismo de desejos ¢ necessidades e migragéo do processo de escolha e fidelizagao para os consumidores que atuam como prosumers. Com a consolidagao dos ambientes de plataformas sociais digitais 0 basico se amplia ao rotular como "consumo" todo tipo de atividade interativa em rede e, principalmen- te, ao colocar nas mos das plataformas toda a gestio da cadeia de valor, agora agregado. Essa gestao, em beneficio da plataforma como um negé- cio privado, ocorre por meio de um processo de modulagao algoritmica; ‘em beneficio de retorno para 0 consumidor todas as facilidades ofertadas pelas tecnologias digitais de informacao e comunicacao. A moeda de troca refere-se ao gigantesco e continuo processo de alimentacdo de bases de dados globais - 0 big data. Por consequéncia, 0 profissional de comunicacéo necesita compreender e atuar nessa cadeia de relacionamentos plataformizada e algoritmicamente modulada para alcangar seu ptiblico e cumprir com sua mensagem. ‘A modulacéo algoritmica exercida pelas plataformas sociais digitais "6 um proceso de controle da visualizacao de contetidos, sejam discursos, ima- gens e sons. Elas nao criam discursos, mas possuem sistemas algoritmicos que distribuem os discursos criados pelos usuérios, sejam corporagées se- Jam pessoas" (SILVEIRA, 2018, p. 38, in SOUSA, Joyce, AVELINO, Rodolfo e SILVEIRA, Sergio Amadeu). Para o autor, a modulagao encurta a realidade a multiplicidade dos discursos a servico do marketing e da comunicagao de seus clientes, acelerando a relagao, por exemplo, entre marca e consumidor, criando vinculos de afeto e fidelidade entre eles a partir de funcionalidades como “like” ou “comente’, possibilitando a absorgéo mais eficaz do discurso de marca e potencializando algum tipo de transagao. Portanto, ao considerarmos que a construcao de piiblico e de opiniéo pir blica no contemporaneo digital decorre da acao performada pelas platafor- mas sociais digitais para conectar discursos e redes, hé que seressignificar 0 160 Gg A PLATAFORMIZAGAO DAS RELAGOES SOCIAIS REFLEXOES SOBRE A RESSIGNIFICACAO DA ATIVIDADE COMUNICATIVA papel do profissional de comunicagao nesse cenério. f desejavel uma atua- ‘20 ativa, interveniente e estratégica, de forma a equalizar a dupla media- ‘540 entre publico (consumidor ou nao) - discurso de marca e de imagem ~ modulacao da plataforma CONSIDERAGOES FINAIS Iniciamos nossas consideragées apontando as implicagdes que emergem para os campos da comunicagao organizacional e das relacdes publicas com a proposicao de ressignificagao de conceitos-chave para atuagio nas ambiéncias digitais. Comunicar na sociedade digitalizada passaa ser central nna equalizacao dos tensionamentos resultantes de discursos e modulacées que circulam pelas ambiéncias digitais mediados por diferentes sistemas plataformizados. Alcangar a multiplicidade de piblicos e contribuir para a formacao de uma opiniao coletiva (ainda que mediada e segmentada) ¢ estratégico para a atividade do comunicador. A abrangéncia das relagdes que se estabelecem em rede passa necessaria- mente por algum tipo de a¢ao ou proceso comunicativo. A pesquisa TIC 2018, ja citada, detecta que os 70% de conectados no pais tém atividade intensa em rede e, todas, refletindo um processo comunicativo: ligagéo telefonica pessoa a pessoa, processos de busca de interesse, uso de pla- taformas de entretenimento como o Netflix, ouvir e compartilhar musicas, Jogar, tirar fotos, acionar 0 e-mail, acionar sites, realizar compras de bens e servicos, usar nuvens e, fundamentalmente, participar de redes sociais. Nao sao apenas ages de comunicagao, mas muitas delas implicam alguma forma de consumo, fechando, assim, o ciclo de um amplo processo que im- pacta a estrutura social contemporanea. Com isso, entendo que a atuacéo do profissional de comunicacao em ambientes plataformizados necessita de abrangéncia e de um olhar sistémico para o entendimento e a atuacdo num ecossistema muito maior que o daquele diretamente ligado ao seu produto, servigo ou organizagao, A discussao sobre 0 consumo informacional-comunicativo abre todo um conjunto de propostas que ultrapassam o objeto deste texto, mas que in- 61 Gg OPINIAO PUBLICA, COMUNICACAO E ORGANIZACOES Eto convergéaciase perspectvascontemporineas G dico aqui como importantes para essa compreensao mais sistémica, Falo das ideias de biopolitica e biopoder de pensadores como Michel Foucault, Antonio Negri, Michael Hardt, Gilles Delleuze e, mais recentemente, Mauri= Zio Lazzarato em torno de uma sociedade de controle, agora direcionada também pela modulacdo algoritmica e, por consequéncia, impactando os processos de consumo, relacionamentos e formagao de opiniao. Assim, € oportuna uma releitura das atividades do profissional de comu- nicagao, que precisa estruturar suas estratégias, objetivos, metas e acdes a partir de um cenério de“normalidades’ até hé poucos anos nao considera da: a ativagao de um prosumer plataformizado (antes cliente, consumidor e puiblicos, disciplinados) que define sua relagéo com marcas e organizacoes, por meio das plataformas sociais digitais, que expressa suas opinides sem restrigées. Um verdadeiro protagonismo com a ampliac3o planetéria e au- ténoma desses prosumers por meio das redes transferindo para si uma boa parte dos direcionamentos discursivos que anteriormente eram emitidos e controlados pelas organizagées. Apresenta-se, entéo, para o comunicador todo um conjunto de entes so- Cais, atores do ecossistema, que devem estar incluidos em qualquer pla- nejamento de comunicacao e valorados com relagao ao impacto na marca. Novamente, o detalhamento de cada um desses entes ultrapassa 0 objeto, deste texto, mas a indicago dos principais é proposta a seguir: + adesinformagao generalizada que circula pelas redes (essencialmente pelas plataformas) e acaba por viralizar a partir de um uso estratégico da modulagao algoritmica acionado por multiplos piblicos; +o questionamento da legitimidade e da credibilidade seja das institui- ‘$6 tradicionais, seja de marcas e individuos em particular; + a atuaao mercantilizada de influenciadores, muitas vezes, de forma descaracterizada com relacao ao objeto da comunicagio; + opeso decisério atribuido aos grupos de referéncia no consumo; + a. acdo de sistemas de robés que falseiam interesses e engajamentos apenas para marcar uma meta quantitativa inatingivel na realidade; + as questdes regulatérias envolvendo desde o uso de imagens até as- pectos de assédio e difamacao; 182 A PLATAFORMIZAGAO DAS RELAGOES SOCIAIS: REFLEXOES SOBRE A RESSIGNIFICACAO DA ATIVIDADE COMUNICATIVA + acultura da propagabilidade; + amobilidade conectada dos piblicos, e por consequéncia da opiniao, pelo uso de dispositivos cada vez mais atrativos; e + 08 processos de midiatizagéo nao controlados presentes no cotidiano conectado. Temos, como sempre, muito trabalho pela frente, com uma ampliago das atengées dos profissionais para a digitalizagéo, Considero que uma cons- tante ressignificagéo pode valorizar a ado do comunicador e manter seu protagonismo central no contemporaneo digital REFERENCIAS COULDRY, Nick; YU, Jun. Deconstructing datafication’s brave new world. New media & Society, 2.20, n. 2, p. 1-19, 2018. Disponivel em: , ERCAN, Seles et a. Public deliberation in an era of communicative plenty, Policy & Politics, v.47, 0.1, p. 19-36, January 2019. SAAD, Elizabeth. Visibiidade e consume da informacdo nas redes socials. Sao Paulo, SP: Ed, Midia XXV/Fapesp, 2017. SILVEIRA, Sergio Amadeu. A nogio de modulacio e os sistemas algoritmicos. in SOUZA, Joyce; AVELINO, Rodolfo; SILVEIRA, Sergio Amadeu (Orgs). A sociedade de controle: manipulacao e modulacso nas redes digitais. $40 Paulo, SP: Hedra, 2018. SOUZA, Joyce; AVELINO, Rodolfo; SILVEIRA, Sergio Amadeu (Orgs). A sociedade de controle: manipulacao e modulacao nas redes digitais. Sao Paulo, SP: Hedra, 2018. VAN DUCK, José et al. The platform society: public values in a connective world. Ox- ford: Oxford University Press, 2018, VAN DUCK, José. Datafication, dataism and dataveillance: big data between scien- tic paradigm and ideology. Surveillance & Society, a. 12, n.2,p. 197-208, 2014. Dis- ponivel em: 6 Gg

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