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“Hoje sabemos que a, igualdade formal dos direitos e 2 liberdade politi- ca mascaram relagdes de farya, em vez ce suprimi-las, E, assim, 0 proble- ma politico consiste em instituir estru- turas saciais @ relagoes reais entre os. homens tais que a liberdade, a jgualda- dee o direlto tormem-se efetivos. A fra- queza do pensamento democraitics re side no fate de ser menos uma politica € mais uma moral, visto que nav colo~ ca qualquer problema de estrutura so- cial @ considera as condigdes do exer- cicio da liberdade como dadas com a humanidade,” M, MERLEAU-PONTY: Em lore do snaexismo (Sens et Non-Sens) UNO hé dialética sem opasigio 6 sem liberdadie; nda hd por muito tem. pe oponicio ¢ iberdade em uma evo: lucio, A degeneracio de todas as revo. lucdes conhecidas nia é fruto do ac so: Como regime institurda nunca po. em ser 0 que foram como movimento ue, justamente, por ter sido um suces- 50, chegou 9 insiituigda; 9 movimento historico [4 nao 6 mais ele mesmo, fa- zendosse, ‘trai-se’ e ‘desfigurase’. As revalugdes sio verdadeiras como movie Mentos ¢ falsas conio regimes.” M, MERLEAU-PONTY: As aventuras ei diatética “Uma filosefta concreta nda & uma filosofia feliz. E preciso que se mantenha perto da experiéncia ¢, no entanto, nao se limita a0 empltica, res: titua em cada experitncia a cifra onto- ldgica Cam que esta marcada interior mente. Por mais dificil que seja, nes- sep condigdes, imaginar o futuro da fie losafia, duas coisas parecem seguras: nunca encontrard a convicgao de de- [ef, COM seus Conceitas, as chaves da natureza e da historia, © nao renuncia- ria seu radicalism, a investigacdo dos pressupastas ¢ dos fundamentas, que produziu as grandes filasofias.’” M. MERLEAU-PONTY: Em foda © ent Aenhume parte (Signes) Os Pensadorés CIP-Brasil, Catalogacio-na-Publieagao Chmara Brasilein do Livro, SP Merieau-Ponty, Mutirice, 1908-1961, Textos cscolhidos / Maurice Merleau-Ponty ; selegio de textos de Marilena de Souza Chau ; tradugdes e notay de Marlena de Souza Chaui, Nelson Alfredo Aguilar, Pedro de Souza Morees, — 2. cd. — ‘Sao Paulo; Abrit Cultural, 1984. (Qs pensadores) Inelui vida © obra de Merlenu-Ponty. Bibliografia. 1, Ane ofia 2. Exteoturalismo 3, Fenomenologia 4. Filosofia frances §. Linguagem - Filosofia 6. Omologia 7 . Politia Filosofia I. Chaul, Marites de Sousa, U1, Titolo, Hl, Serie, COD- 15, ~OULA2 “a A827 320.91 indices pura catdloge sistemdtico: 1, Ante : Filosofia 701 2, Estruturalisme : Metodologit 001.42 3. Fenomenologia ; Filosofia 162.7 4. Filosofia francesa 194 3. Linguagem : Filosofia 401 6. Ontologia : Filosofia 11 7, Politica ; Filosofia 321,01 MAURICE MERLEAU-PONTY TEXTOS SELECIONADOS Selegliv de tentos Uy Maritena de Souze Chaui Tradugoes © notas de Nelson Alfredo Aguilar (A divida de Céanr Pedro de Souza Meraes (A linguagen indireta ¢ as yozes do siléncio) Be 1984 EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Tittlos originais: “Auioar da Mansisme” “Le Doute de Cézanne" ¢ "Le Métaphysigue dans |'Homne'', de Sem et Now Sens. “La Crise de Fnvensioment’” = "Les Aventures de li Diilectique (epiloges)', de Les Aventures de ler Dialeciigne. ~'Sur In Phénomdnolagie dh Langage”, “Le Langa Indirect et les Voix du Silence", “De Mauss 4 Claude LavisStrauss'", “Paout et Nuile Pat", € “Le Phikosapine et som Ombre, de Signes L-Oeit er L'Exprit © Copyright AbWitS.A. Cultura, Siu Pubs, 1980, = 2 edigao, 1984. “Texqos publirados sob licenga de Les ditions Nagel, Pars (“Em Tommi do Marxisaio™, "Davida de Cézanne" © “0 Metafsico 29 Homem". de Sens ¢ Nao Sen); tle Baltions Gallina, Paris (A Crise do Ehtendianwo" © Ax Aventuens do Dislsisn cep, de As Avennuras de Dialética: "Sobre Penomenaogia de {inpusgen" "A Linugem Indes eas Wore da Sie De Mauss # Cue L6vi- Stra "Toda ecm Nentarn Pat, 70 Filsole Sun Sermbra’", de Signo 0 OMe eo Expiriv) rauiuyau publicics oul |ivenye Ue Crary Datans Barre, ‘ie de aneito (2 tha ea Eggi viata oxclusivos sabre a& denis tridupties deste vulurme, ‘Abnl S.A. Cultural, Sig Pauls Dios eastusiys wn: Merk Pomis — Vida ¢ Oba", Abni S.A. Culurl, S80 Papi. MERLEAU-PONTY VIDA E OBRA Consultovia: Maritena de Souza Chaut Mists: Merleau-Panty nasceu a4 de marco de 1908 em Ro- chefort-sur-Mer. Fez 0 curso secundario nos ficeus parision- ses Janson-le-Sally @ Louis-le-Grand. De 1926 a 1930 foi aluno da Ecole Normale Supérieure, ocasiaa em que conheceu aqueles que com ele formariam a “'geracao existencialisia’’ dos anos 40 e 50. De 1930 a 1935, Morleau-Ponty Iecionou no curso secundariv. Acabou sua tese complementar, La Structure du Comportement (A. Es trutura do Compartamentoi, em 1938. Entre 1939-1940 foi mobi do como oficial do 5." Regimemo de Infamtaria, De 1940 a 1945, par- ticipando da Resisténcia, volta a lecionar no secundario, Em 1945 ab- tém o titulo de dautor em filasofia, apés a defesa de sua “tese de Esta- do”, Phénoménologie de li Perception (Fenomenolagia da Percep= gfo). Ce 1948 turna-se jarelessor da Universidade de Lyon, Nessa epoca, divide com Sartre a diregdn da revista Les Temps Madermes, criada logo apés a Libertagio, De |949 a 1952 ecupa v cargo de pro- fessor-titular da cadeira de Psicologia Infantil, na Sorbonne. Em 1952 € eleito para a catedra de Filosofia do Collage de France, pronuncian- do como aula inaugural 0 ensaio loge de la Philosophie (Elogio da Fi- losafia), Nessa ocasido a amizade com Sartre e com Simone de Beau- voir passa por uma crise, ocasionada pela anilise da posigdo de Sar- tre como “ultrabolchevista” en Les Aventures de la Dialectique (As Aventuras da Dialética,, A andlise de Merleay-Ponty provocou uma polémica que nao cessou até a morte da fildsate, ocorrida subitamens tea 3. de maiv de 1961, vitima de embolia. © retorno as origens da reflexio Ao mesmo tempo que se dedicava ao ensino da filosolia, Mer leau-Ponty publicava livros de ensaios. Humanisaw e¢ Terreur (Huma- nismo e Terror] cantém a andlise dos processos. de Moscau, o coniron- to entre stalinismo ¢ trotskismo, a critica da guerra-fria ¢ de suas impli- cagdes, Les Aventures de fa Dialectique faz 0 balance critica das dife- rentes linhas leéricas € politicas assumidas pelo marxismo apds a re- valugio de 1917; confronta Weber e& Luckacs; analisa as posicces de Moscou expressas através de Pravda; critica 6 voluntarismo de Sartre; problematiza a propasta de Trdtski da necessidade de uma revolucio permanente, O livia, em tlima instancia, coloca os problemas tedri- Vill MERLEAU-PUNTY cos para a constituigac de uma filosofia 4 Juz dos problemas praticos da politica, Sens et Nan-Sens (Sentido © Nao-Sentide) é uma ¢olet- nea de ensaios sobre arte (romance, cinema, pintura e literatura); so- bre as ciéncias humanas (significado da nogao de estrutura come pos sibilidade de uma revolucao cientifica que destrua a pasitivisme cien- tificistal: sobre as relaches entre a filosofia existencialista, o hegelia- nisme 2 o marxismo; e, por fim, alguns ensaios politicos sobre 0 pds guerra, analisande a posicao dos faeces franceses, da igreja e dos herdis de guerra. Signes (Sinais) é a obra que marca a passagem gra sual do filgsoio de uma perspectiva fenomenoldgica para uma investi- gacdo omoldgica. £ também uma coletinea de ensaios sobre a arte, a histéria da filosofia, a nova vpistemotagia, que reflete sobre a cantri- buigao do esteuturalisme nas ciéncias € sobre a “crise da razao” de- corrente da teoria da relatividade. © live contém ainda ensaios mo- nggraficos sobre Husserl, Bergson @ Maquiavel, um conjunto de pro- pos sobre a atualidade politica européia. © prefécio de Signes pode ser lida como uma autebiagratia inte- lectual © politica, come verdadeiro balango que o filésofo apresenta de seu itinerdria toric e pratico. Aparece af a afirmagao de que a fi- losofia precisa recuperar alguns truismos fundamentais, como: 0 olha olha, a fala fala eo pensamento pensa. Essa afirmagaa marca o inicia de nova trajetoria do. pensamento de Merleau-Ponty. Suas prieiciras obras estavam nitidamente vinculadas a fenomenologia husserliana, embora procurasse a cada passo minimizar o papel constituinte dé consciéncia © outorgar 4 relagao Corpo sensivel-munde. sensivel 0 po- der doader de significades que Husserl atribuira ao Sujeite Transeen- dental. A partir de Signes, Merleau-Ponty encaminha-se para a ontolo- gia como regido pré-reflexiva, selvagem e bruta, de onde emergem as Categorias reflexivas. A filasofia — reflexio — deve voltar as origons da prépria reflexdo ¢ descobrir seu salo anterior a atividade reflexiva € responsdvel por ela. Essa regio é 0 “logos do mundo estético”, isto &, do mundo sensivel, unidade indivisa do corpa e tas coisas, unida- de que desconhece a ruptura reflexiva entre sujeito e objeta, Por ou- tro lado, as reflexdes nascidas na rogida origindria da aesthesis pos- suem dinamismo e simbolismo préprios, que se desenvolvem histeri- camente, Constituindy a regida do “logos do mundo cultural’”, isto 6, da pratica inter-humana mediada pela trabalho e, portanto, pelas rela- GGeS sociais.¢ pelas cofsas af produzidas. Merleau-Ponty, Sartre, Nizam © prefacio de. Signes segue também outra vertente: a da posigho politica dos filésofos. Merleau-Ponty acusa a “mania politica dos fild~ sofos", uma certa maneira de fazer filosafia ¢ de pensar a politic: que € mi filosofia © mé politica. Essa “mania” 6 a expressdo da conscién- cia infeliz filoséfica, que obriga o filésofe a assumir 0 papel insignifi- cante de “politico honordrio” por honra da firma & para o bem da causa humana. © que acontece entao ¢ que a filosofia se dugmatiza © a politica se voluntariza: consequencias desastrosas para ambas, acattelantio a impossibilidade real de uma filocofia da histéria e de uma pritica politica eletiva, No percursa autobiogrélico Merleau- VIDAEOBRA = IX Ponty preocupa-se com o problema da “rebeldia’’, atitude juvenil que pode ser um motor histdrica, mas freqdentemente se transforma em obstéculo politico. Essa andlise é fcita como pano de funda de uma rememorizagao cujo centro & a figura de Paul Nizam, amigo co- mum de Sartre ¢ de Merleau-Ponty. A morte prematura de Nizam uniu 0s dois sobreviventes auma amizade fortificada pelos anos de Re- ncia e dilacerada, afinal, pela divergéncia profunda quanto aos principios filoséficos concementes ao hamem ¢ a historia, © que mais importa nessa reaproximacdo de Merleau-Ponty ¢ Sartre através do amigo morto é a redescoberta de um ponte de canta- to que ambos supunham perdido: o reconhecimento de que a idéia de uma juventude revoltade ¢ uma quimera porque a revolta nao po- de permanecer indelinidamente como revolta, e nao pode, também, chegar 3 revolugdo, E ainda © amigo perdido que leva os dois sobrevi- ventes a medlitacaa sobre a morte e sobre a fragilidade humana, en- carnadas nos dois gestos fundamentais de Nizam: a ruptura do filho com a familia e, mais tarde, a ruptura do militante com o partido. Por ocasido de sua morte, Merleau-Ponty preparava um fivra sa- bre a ontologia pré-reflexiva, mundo do ser brulo ou selvagem. © li- vro inicialmente deveria intitular-se L’Origine de la Verit (A Origem da Verdade), Nos manuscritos, porém, comecou a surgir um navo ti- tulo, Le Visible et I'Invisible (O Visivel e 0 Invisivel). Sera com este nome que o amigo de Merleau-Fonty, Claude Lefart, prepararé a edi- ¢o péstuma, contendo capitulos semi-acabados © as notas de traba- the, Tambarn se deve a Lefort a publicagdo pastuma dos Résmes de Cours, ministrados na Sorbonne @ na Collége de France, @ La Prose dy Monde (A Prose do Mundo), coletinea de ensaios sobre prable- mas de linguagem. 0 pensamento de sobrevéo Em suas linhas gerais, a filosofia de Merleau-Ponty earacteriza-se pela critica radical do humanisme, Este tem origem na mumento em que 0 pensamento reflexive, colocads diante dos enigmas do realis- mo ingénuo — presente na sensagio © na percepgio —, procura re~ solver os paradoxos perceptivos recorrendo 2 separagdo entre a cons- ciéncia e o mundo, e reduzindo © real 4 dicotomia sujeito-objeto, A consciéncia, res cogitans, sujoito transcendental ou espirita, é& defini- da pela interioridade absoluta © pela identidade absoluta consigo mes: ma. A coisa, res extensa ou objeto, é definida pela exterioridade abso- luta @ pela impossibilidade de deter em sie por sia identidade consi- go mesma, @ Mao ser que se COnvera numa representagdo, numa idéia. © pensamento ocidental, “pensamento de sobrevio", procura dominar e controlar totalmente a si mesmo e estender a dominacdo & ‘controle 4 realidate exterior. A dicotomia sujéito-objero, inaugura- da pela metafisica idealista de Descartes, criou @ espaco no qual é possivel definir ¢ determinar 0 ato do conhecimento e © contedda des- Se alo. Ese espaco poe © respeita a cisio Consciéncia-mundo, cisio que funda os dots enganos complementares que canstituem aquile que Merleau-Ponty denomina humanismoa: osubjetivismo filosdfico eo abjetivisma cientifico. Em outros termas: dada a cisao, a filosofia ou x MERLEAU-PONTY torga oo sujeite cognoseente o poder de se apropriar da realidade ex: terior e heterogénea a ele, As coisas se convertem em representagoes constituidas pelo sujeito. O pensamento sobrevoa o mundo, transfor, mando-o em idéia ou conceito do munde, No péle opasta, a ciéncia Quiorga ao objeto o poder de recriar a relagao com & sujeito, exercen- do sobre este Gltimo uma influéncia de tipo causal, cujo resultado 6 a presenga do exterior na consciéncia por melo das sensagoes. O subje- tivisma encaminha a filsofia para a idealismo: pouco a pouca as cai. sas_exteriores. vido se convertendo em realidades cada vey menos reais, vo se tornando sombras da verdadelra realidade, © esta se te duz; finalmente, a realidade clo sujeito cognoscente ¢ de suas opera- Gées, O objetivismo cientifico, por sua vez, scguinds 9 caminhe ine verso, wai reduzinde a consciéncia a uma realidade cada vez mais fu- Baz, até que se converta num mera epifendmeno de acontecimentos fisico-fisioldgices abservaveis © objetivos. O pensamento de sobrevio ha filesofia converte o munda em representacao do mundo. O. pensa- mento de sobrevdo na cidncia converte a consciéncia num resultado aparente de “fendmenos na terceita pessoa’, sto é, de acontecimen- tos que perience a esfera dos objetos naturais, Seria erréneo, cantuda, julgar que a tendéncia idealista se confi- na & filosofia ¢ que tendéncia empitista se confina a ciéncia. Essa primeira diregao, examinada por Merleau-Ponty em sua obra ta Struc ture du Comportement, encontra uma contrapartida inversa © recipro- cat idealism cigntifico ¢ empitismo filosifico. Essa contrapartida é examinada na Phénoménologie de la Perception, ande o problema da relacao consciéncia-mundo é analisado primeira do ponte de vista do empirismo cientitice, mas, em seauida, também deo ponto de vista do intelectualismo cientifico. Além dessas duas abordagens, Merleau- Ponty apresenta ainda as duas restantes: © empirismo © 0 idealismo fi- loséficos. Assim, subjetivismo ¢ objetivismy, idealisma e empirismo, Melafisica @ pasitivismo S80 dicotomias cjue possuem a mesma fonte: 8 scparagdo sujeito-objeto, considerados come realidades heteroge- neas, distinias © agambarcedoras, que wenden a reduzir seu oposte a uma aparéncia ilusoria, As dicotomias sao, partanta, as faces comple mentares cle um engand comum e origindrio, O corpo: 0 visivel que se ve A separacao sujeito-objeto, origem da filosofia eda cincia mo- dernas, desemboca na necessidade de reunir os dois termos, © a rede nid Operada consistirs sempre em tornar os dois termos absalutamen- te coextensivos pela redugao de um deles ao ovtre: ou tudo & cons- citncia, ou tudo é 0 objeto — ¢ a consciéneia se reduz entdo a um epifendmeno de acontecimentos objetivas. A grande preocupagio de Merleau-Ponty consiste em oxigir que a ciéncia ¢ a filosofia s¢ questionem, questionando seus conceitos fun- damentais (sujeito-objeto, fato-esséncia. ser-consciéncia, real-aparén- ¢ia), Conceitos usadas sem que se perceba que jd carregam uma inter- pretacdo da realidade, da experiéncia © do sentido, F preciso interro- ger a ciéncia e@ 2 filosofia @ propor-lhes um nova panto de partida: a compreensiio de suas origens. Isso significa, sobretudo, revelar que a VIDA EOBRA xt vida representativa da consciéncia nao € primeira, nem Gnica, iste 6, n3o é fundante nem definidora do que sejam a consciéncia & o mun- do. Essa revelaco, porém, segue uma trajetéria peculiar no pensa- mento de Merleau-Ponty. No capitulo final de La Structure du Com- Portement, apds ter te © critica do objetivisme behaviorsta e a do realismo gestaltista, o fildsofo indaga qual a relacdo entre a consci¢n- cia percepliva a conscitncia representativa, e se a segunda nao ten- de @ anular a primeira. A resposta encontrada 6 a de que a conscién- cia perceptiva é fundante com relagao 4 representativa, de sorte que esta continua, no nivel puramente intelectual, um conhecimente arigi- nado no nivel sensivel, Essa resposta é desenvolvida na Phénoménolo gic de la Perception, desembocando pouco a pouce na nacdo de uma consciéncia perceptiva soliddria cam o corpo, enquanto, como. pedprio ou vivido, maneira pela qual nos instalamos no mundo, ga- nhando e doando ‘significagdo. A partir de Signes, porém, a nogdo de consciéncia perceptiva comeca a aparecer como “um rei em sua ilha deserta”’, uma “semiverdade" que passa a ser substituida pola de cor- po, de carne, iste &, por uma interioridade que ndo se reduz a imanén- cia da consciéncia, mas que nao se explica pela exterioridade de mocanismas fisico-fisioligicos. © corpo apresenta aquila que scmpre foi © apandgio da consciéneia: a reflexividade, Mas apresenta lam~ bém aquilo que sempre foi apanagio do objeto: a visibilidade. O cor- pa 6 o visivel que se vé, um tocado que se toca, um sentido que se sente, Quando a mao direita toca a mao esquerda, ha um aconteci- mento observivel cuja peculiaridade a ambigtidade: cama determi- nar quem toca e quem ¢ tocado? Como colocar uma das maos como sujeito € a Gutra Como abjeto? A descoberta do corpo reflexive e ab< servavel leva Merleau-Ponty a mostrar que a experiéncia inicial do ‘corpo consigo mesmo ¢ uma experiencia em propayagde © que se re- pete na felagao com as coisas e na relacdo com os outros, A ciéncia & a filosofia nao podem dar conta da relagao peculiar de sujeito com o mundo sem destruir um dos termos; a mesma incapacidade surge tam- ‘bém no wocante a felagao com os outros. A intersubjetividade @ impos sivel para a filosotia da conscidncia porque nesta a propria subjetivi- dade é descartada, de moda que a relaggo inter-humana pode ser ex- plicada apenas em rermos de convencao, de candicionamento e de arbitrariedade. Ao tomar a experi¢neia corporal como origindria, Mor- leau-Ponty redescobre a unidade fundamental do munde come aun do sensivel. © logos do mundo estético “Eis o enigma: meu corpo ¢ simulaneamente vidente © visivel. Ele, que olha todas as coisas, também pade olhar-se e reconhecer na- que entio vé o ‘outro lade’ de sua poténcia vidente, Ele se ve vendo, ele se toca tocando, é visivel @ sensivel para si mesmo. £ um si’ do por transparencia, coma © pensamento, que pensa tudo assi- milando-0, constituinde-e em pensamento — mas um ‘si’ por canfu- 589, narcisismo, ineréncia daquele que vé naquilo que ve, daquele que toca naquilo que toca, daquele que sente naquilo que é sentido (2.1. Esse primeire paradoxo nao cessaré de produzir outros. Visivel e

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