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LETRAS CLASSICAS,n. 5p. 11-28, 200. HOMERO: A TRANSICAO DA ORALIDADE A ESCRITA MARTIN LITSCHFIELD WEST! Alll Souls College University of Oxford RESUMO: Esce artigo trata do problema da transigdo da poesia pica agrega arcaica da oralidade a escrita: quando, como e por que motivo esses oemas, originalmente oris, foram escritos? Essas e outras questdes s20 examinadas@ lux da evidéncia companatva de outras cultura. PALAVRAS-CHAVE: poesia oral; escrita; Homero. Sabemos que até certo perfodo a tradico épica grega deve ter sido inteira- rence oral. Que as suas origetis weuwistaut pelo sens a epoca dos micenios evi- Kirk, em artigo publicado no mesmo ano da afirmagéo supracitada, desa- fiow a suposigao de Lord segundo o qual Homero deveria ter participado no pro- ceesso da escrita, se no como escritor,entdo como aquele que ditou o texto. Kirk acreditava, ¢ continua a sugerit em publicagées recentes, que houve um intervalo de tempo consicerdvel entre a composicio dos poemas homéricos ea produce de tum texto eserito completo, Ele mantém que pelo menos a liada foi composta no oitavo século a. C., mas que o primeiro texto completo foi escrito apenas no sexto -13- WEST. Marin Lishfel lmero: transi da oralidade seit século em Atenas. Para identificar 0 poema do oitavo século com 0 poema que chegou até nés, ele deve supor que, apés a sua composicéo, o poema foi tio admi- ado que os rapsodos 0 aprenderam de cor e o preservaram, com apenas modifica: {g6es triviais, durante uns duzentos anos até que fosse finalmente escrito. Essa é uma ceoriaexc&ntrica, baseada em premissas que néo foram adequa- damente demonstradas, Néo hi nenhum motivo para datar a redagio tio tari mente no sexto século, mesmo que o texto tenha sido submetido a algumas modi ficagbes naquele tempo. Pelo contritio, como jé mencionei, hé evidéncias de que hhavia um texto fixo da Iiada no final do sétimo século ¢ no temos razio para duvidar de que se tratasse de um texto escrito, Nem ha razdes suficientes para situar a composigio dos poemas antes do sétimo século, O intervalo de tempo postulado por Kirk entre composiglo e redagao nfo é, com certeza, exigido por nenhuma evidéncia que se obtenha dos proprios poemnas ou de outras fontes. Tra- ta-se de uma teoria inerentemente implausivel porque sabemos que as tradicGes orais sio essencialmentefluidas. Quando existe um texto escrito, alguns cantores podem memorisé-lo ¢ reprodusi-lo com maior ou menor exatidao. Lord esereveu sobre o crescimento dessa pritica neste século na Iugoslévia,®€ € iss0 0 que os rapsodos gregot do quinto século em diante fizeram. Mas, eniquanto a tradigéo oral floresce em seu estado natural, nao hé duas recitagdes que sejam idénticas. Cada poeta cria uma nova versio # cada performance, Quando Milman Parry pedi a um cantor que repetisse uma cancio com as mesmas palaveas, © homem concordou em fazé-lo mas, na verdade, produziu algo diferente. ‘Autoridades em tradigSes épicasrussas, como em cara-quirgus, entre outras, asceguram-nos que nelas a mesma situagio prevalece, Outros tipos de canes, as ‘estrdficas, as de trabalho ou as rituals, podem ser preservadas fielmente durante ‘geragées por meios orais, mas esse nfo € o caso das cangbes épicas.” © contraste pode ser ilustrado de modo mais nitido na india. A poesia sagrada dos Veda foi preservada verbatim durante exés mil anos pela tradiclo oral, com o emprego de ‘écnicas mnem@nicas especiais para proteger o texto de corrupséo. Ele sofreu algu- ‘mas mudangas fonéticas desde seu estado original, masa formulagio parece ter sido preservada com espantosa fdelidade. Por outro lado, existe uma tradigio épica em hindi, pesquisada nos tlkimos ans por Shyam Manohar Pandey, na qual, assim como em toda parte, cada rectagio cria uma nova forma do texto. Mudangas bastante radicais ocorrem até quando o mesmo cantor reconta @ mesma histéria apés um intervalo de poucos dias; e€ possivel que ele altere nfo s6 as palavras, mas também fos metros, as descrigBes de eventos ¢ até 0s nomes de personagens.* -14-

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