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Adollfo Sanchez AeA a TN TIPAR DUN DORN erruow A moral e outras formas de comportamento humano 4. DIVERSIDADE DO COMPORTAMENTO HUMANO Adiferenca do animal, o homem se encontra numa variedade de rela- gdes com 0 mundo exterior (transforma-o materialmente, conhece-o, contempla-o esteticamente etc.). Seu comportamento variado e diver- so corresponde, por sua vez, a variedade ¢ diversidade das suas neces- sidades especificamente humanas. O animal vive as suas relagdes com o mundo exterior segundo um repertério tinico e imutavel; o homem, entretanto, ainda que nas fases mais inferiores do seu desenvolvimen- to social comece com uma relagao pobre e indiferengada, na qual se confundem trabalho, arte, conhecimento e religiao, enriquece aos poucos a sua conduta com varios modos de comportamento que, com © tempo, adquirem feigGes proprias € especificas. Assim, constitui-se um comportamento pratico-utilitario, gragas ao qual o homem trans- forma praticamente a natureza com © scu trabalho para produzir objetos titeis; pode-se também distinguir uma relagdo teérico-cognos- citiva, que desde as suas origens esta em fungao das exigéncias dessa transformagdo prdtica e pela qual o homem capta o que as coisas sao; temos também um comportamento estético quando o homem se ¢xpressa, exterioriza ou se reconhece a si mesmo, Ora na natureza que existe independentemente dele, ora nas obras de arte que sao suas criagdes, Deve-se salientar também um comportamento religioso, no qual o homem se relaciona indiretamente com o mundo através de sua vin- culacao (ou religagao) com um ser transcendente, sobrenatural ou Deus. Esta diversidade de relagdes do homem com 0 mundo acarreta 87 A MORAL E OUTRAS FORMAS DE COMPORTAMENTO HUMano também uma diversidade de relagGes dos homens entre si: econémi. cas, politicas, juridicas, morais etc. Por isso, podemos falar também em diversos tipos de comportamento humano que se evidenciam na economia, na politica, no direito, no trato social e na moral. Todas estas diversas formas de comportamento — tanto com ° mundo exterior quanto entre os proprios homens — supdem um mes- mo sujeito: o homem real, que diversifica assim o seu comportamen- to de acordo com o objeto com o qual entra em contato (a natureza, as obras de arte, Deus, os outros homens etc.) e de acordo também com 0 tipo de necessidade humana que procura satisfazer (produzir, conhecer, expressar-se ¢ comunicar-se, transformar ou manter uma ordem social determinada etc.). Porque sao préprias de um mesmo sujeito — que cria material e espiritualmente —, as formas menciona- das de comportamento esto relacionadas entre si, mas as formas con- cretas assumidas pela sua relacdo — entre a arte e a religiao, entre a moral € a economia ou entre o direito e a politica, por exemplo —, dependem das condigées histéricas concretas. Estas condigies deter- minam qual 0 tipo de comportamento humano dominante nesta ou naquela sociedade ou numa época determinada; quer dizer, se é a reli- gido, a politica etc., embora o que sempre domine, em diltima instan- cia, seja o comportamento humano exigido pela necessidade vital € inadidvel de produzir os bens necessdrios para subsistir, ou seja, a estrutura econdmica. Nao se pode, pois, estranhar que devido as peculiaridades de uma sociedade ou de uma €poca determinada, a arte Se relacione mais com a religio, com a politica ou com a moral. Ou que @ moral esteja em mais estreita relagdo com a politica, como foi na Antigiiidade 0 caso de Atenas; a politica com a religiao, como acontecia na Idade Média; ou que a moral suplante a economia como acontece na sociedade burguesa, na qual as virtudes econémicas s¢ transformam em virtudes morais. ome oa concreto das diferentes formas de comporta- © seu desenvolvimento hist6rico relativamente auto no! is fm? assim como nas suas relagées com a estrutura social, na qual ° integra : 3 ™, pode-nos dizer como ¢ por que circulam entre si as divers4> trica formas de conduta humana e como e por que uma delas desempenha, numa determinada fase, o papel principal, No momento, cabe-nos somente examinar, em termos gerais, qual a distingao, nesse quadro geral de relagdes matuas, entre 0 com- | portamento moral e outras formas fundamentais do comportamento humano, como 0 religioso, 0 politico, o juridico ou legal, o trato social €0 tedrico-cognoscitivo ou cientifico. Vejamos, por conseguinte, sepa- radamente, as relagdes entre a moral e a religido, a moral ea politica, amoral ¢ 0 direito, a moral € 0 trato social e a moral ¢ a ciéncia. 2. MORAL E RELIGIAO Num sentido amplo, pode-se entender por religido a fé ou a crenga na existéncia de forcas sobrenaturais ou num ser transcendente e sobre- humano, todo-poderoso (ou Deus), com o qual o homem esta em rela- ao ou esta religado. Do ponto de vista das relagGes entre 0 homem e adivindade, a religidio se caracteriza: a ) pelo sentimento de dependén- cia do homem com respeito a Deus; b) pela garantia de salvagdo dos males terrenos que a religido oferece ao homem no outro mundo. Esta caracterizacao aplicada, sobretudo, ao cristianismo, significa: 1) a afirmagao de Deus como verdadeiro sujeito e a conseqiiente negacao da autonomia do homem; 2) a transposigao da verdadeira libertagao do homem para um mundo transcendente, ultraterreno, que somente se pode alcangar depois da morte. Sea religido oferece num além a salvacao dos males deste mundo, significa que reconhece a existéncia real desses males, isto é, a existén- cia de uma limitagdo ao pleno desenvolvimento do homem e, neste sentido, é “a expressio da miséria real”. Por outro lado, prometendo este desenvolvimento na outra vida, significa que, também nesta for- Mma, a religido nao se resigna com os males deste mundo ¢ thes dé uma Solugao, ainda que num mundo ultraterreno, colocado além do mun- do real: neste sentido, a religido é “o protesto contra a miséria real”. A MORAL E OUTRAS FORMAS DE COMPORTAMENTO Hyy,, jo Quando se perde de vista que inclui um protesto contra o m a religiao se transforma num instrumento de conformism, do ou conservadorismo: isto é, de reniincia a luta para transforma, realmente este mundo terreno. E tal € a funcao que a teligiao = penhou historicamente durante séculos, colocando-se, como ideale. gia, a servico da classe dominante. Mas nio foi assim nas suas ofj- gens, quando nasceu como religiao dos oprimidos — dos escravos ¢ dos libertos — em Roma. E, em nossos dias, esta adquirindo forca dentro do cristianismo uma tendéncia que remonta até suas origens ¢ se afasta da tradigao conformista que, durante séculos, forneceu um fundamento teoldgico aos sistemas econémico-sociais dominantes (escravidao, feudalismo e capitalismo), para solidarizar-se com as for- gas que lutam por uma transformacao efetiva do mundo humano real, Quando se fala de relagdes entre a moral e a religiao, é preciso lembrar as consideragGes anteriores. Tendo-as presentes, podemos sublinhar que a relagdo entre ambas as formas de comportamento humano ocorre na medida em que: a) a religido inclui certa forma de regulamentacdo das relagdes entre os homens, ou seja, certa moral. No cristianismo os mandamentos de Deus sao, também, preceitos ou imperativos morais; b) a religido se apresenta como garantia do fun- damento absoluto (Deus) dos valores morais, assim como da sua rea- lizagao no mundo. Sem religido, portanto, nao ha moral. A primeira tese — a religiao inclui certa moral — é confirmada historicamente tanto pelo comportamento religioso dos homens cone Pelo seu comportamento moral. Uma moral de inspiragao religios existiu e continua a existir, embora de acordo com as formas efetivas que a religiao — e, em particular, o cristianismo — adotou seja Pre So reconhecer que a moral que se apresentava como crista era cassis ta, isto é, a servico dos interesses e valores da classe social dominant No que diz respeito a segunda tese — Deus como garantia © moral — pode-se afirmar que, segundo ela, a falta deste fun i Soe pesuctetia a impossibilidade da moral. Nas | 8 a eres Tusso Dostoievski, inumeras : lamente esta posigao: “Se Deus nat undo real 0, Tesigna.

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