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PROBLEMATICA INTERNACIONAL DO DIREITO DE AUTOR (') Pelo Dr. Anténio Maria Pereira 1 — As obras literdrias e artfsticas tém vocacao para a uni- versalidade: uma vez criadas, 0 seu destino nao conhece fronteiras. Com o desenvolvimento espectacular e a universalizagao dos «media» essa vocagao das obras intelectuais para a internacionali- zaco aumentou em termos exponenciais. Dai que a projec¢ao internacional das obras literdrias e artisticas — e também das pres- tages dos artistas intérpretes ou executantes, dos direitos dos pro- dutores de fonogramas e videogramas e dos organismos de radio- fuséio —— seja um dos aspectos mais importantes da problematica do direito de autor. A questo aqui posta é a de saber como regular juridicamente uma relagao juridica de direito de autor ou de direitos conexos quando algum ou alguns dos seus elementos ocorrem no estran- geiro; ou, por outras palavras, qual é a lei aplicdvel quando algum ou alguns dos elementos dessa relagSo juridica est4 em conexéo com ordens juridicas diferentes. Se um livro publicado num pais é também editado noutro, se uma emissdo de televisio é recebida, via satélite, noutros paises — quais as ordens juridicas com com- peténcia para regular as relagGes juridicas assim estabelecidas atra- vés de fronteiras? () Conferéncia proferida no II Congresso Ibero-Americano do Direito de Autor € Direitos conexos realizada em Lisboa em Novembro de 1994 568 ANTONIO MARIA PEREIRA Estamos aqui no campo do direito internacional privado o qual, tradicionalmente, e no que respeita as fontes, se desenvolve em dois planos: 0 internacional, em que a fonte principal sao os tratados, e o nacional, constitufdo por normas nacionais de confli- tos de leis, que determinam qual a lei aplicdvel em cada caso con- creto tendo em conta as conexées existentes entre as diferentes leis e os factos ocorridos. Para desbravar caminho convém excluir desde j4 este segundo plano porquanto, como veremos — e salvo casos pontuais como relativamente a duragao do direito de autor e a radiodifusdo por satélite — nao h4, no campo da propriedade literdria e artistica, regras de conflito nacionais remetendo para diferentes ordens juri- dicas segundo os elementos de conexao. Com efeito, dado que, como veremos, a lei nacional € a Unica lei exclusivamente compe- tente 0 tinico problema que aqui se poe é o do dmbito desta com- peténcia. TRATADOS INTERNACIONAIS 2 — A necessidade de regular por via supranacional as rela- gGes do direito de autor em contacto com varias ordens juridicas nacionais conduziu, desde os finais do século passado, a assinatura de tratados que, inicialmente, eram apenas bilaterais até que pas- saram a surgir os multilaterais. Como exemplo do primeiro pode citar-se 0 acordo com 0 Brasil de 9 de Setembro de 1889 determi- nando que «os autores de cada pais gozassem no outro do mesmo direito de propriedade que as leis af vigentes concedem ou conce- derem aos autores nacionais». Como exemplo dos tratados multi- laterais surge, 4 cabeca, dada a sua proeminente importancia, a Convengao de Berna para a Proteccao das Obras Literdrias e Artis- ticas (Convengao de Berna) a que adiante nos referiremos mais de espaco. No campo das convengées multilaterais importa ainda fazer referéncia A Convengio Universal sobre o Direito de Autor, assi- nada em Genebra a 6 de Setembro de 1952 e revista em Paris em 1971, a que Portugal aderiu pelo Decreto n.° 140-A/79 de 26 de Dezembro. PROBLEMATICA INTERNACIONAL DO DIREITO DE AUTOR 569 Mas para além destes dois tratados, Portugal ratificou ainda, pelo Decreto 9/75 de 14 de Janeiro, a Convengao que instituiu a Organizagao Mundial da Propriedade Intelectual, assinada em Estocolmo aos 14 de Julho de 1967 e também o Acordo Europeu para a repressao das emissées de radiodifusdo efectuadas fora dos territérios nacionais, assinada em Estrasburgo aos 22 de Janeiro de 1965. Varias outras convengées multilaterais existem que Portugal nao subscreveu (ou ainda nao subscreveu), designadamente as seguintes: a Convencao de Roma sobre a proteccao dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores dos fonogramas e dos organismos de radiodifusao, de 26 de Outubro de 1961; a Conven- g4o para protecco dos produtores de fonogramas contra a repro- dugao nao autorizada dos seus fonogramas, assinada em Genebra a 29 de Outubro de 1961; a Convengio respeitante a distribuicdo de sinais portadores de programas transmitidos por satélites, assinada em Bruxelas a 21 de Maio de 1974; e a Convencao tendente a evi- tar a dupla tributagdo em matéria de direitos de autor, assinada em Madrid a 13 de Dezembro de 1971. Por ultimo ha que referir as convengées do sistema inter-ame- Ticano, que s4o sobretudo as seguintes: o primeiro Tratado de Mon- tevideo, de 11 de Janeiro de 1889, a Convengao do México de 27 de Janeiro de 1902, a Convengao do Rio de Janeiro de 23 de Agosto de 1906, a Convengio de Buenos Aires de 11 de Agosto de 1910, 0 Acordo de Caracas de 17 de Julho de 1911, a Convengao de Havana de 18 de Fevereiro de 1928, o Segundo Tratado de Montevideo de 4 de Agosto de 1939, e por tiltimo a Convengao de Washington de 22 de Junho de 1946. Quanto as trés primeiras convengGes ratificadas por Portugal, importa aqui recordar que, nos termos do Art. 8.°, n.° 2, da Cons- tituig&io da Republica, os seus preceitos vigoram na ordem interna portuguesa e portanto vinculam internacionalmente o Estado Por- tugués. 570 ANTONIO MARIA PEREIRA A CONVENCAO DE BERNA 3 — Como acima se referiu, de todos os tratados multilaterais acabados de citar, o mais importante é sem duvida a Convengao de Berna em relagao a qual de Sanctis escreveu que «ela foi indubita- velmente um dos actos da ordem internacional mais importantes do Século IXX». A Convengao de Berna é 0 tratado multilateral mais antigo e que assegura o maior nivel de protec¢do ao direito de autor. Assi- nada aos 9 de Outubro de 1886, foi revista numerosas vezes, a tiltima das quais em 1971 em Paris. Esta Convengao foi um factor decisivo de uniformizagao das legislagdes nacionais e fonte directa das leis de proteccdo do direito de autor em numerosos paises. Desde 0 seu inicio ela mar- cou a sua vocagao universal ao declarar-se aberta a adesao de todos os Estados, sem quaisquer discriminagées politicas ou ideoldgicas. Actualmente sio nela parte 105 Estados, incluindo, desde 1989, os Estados Unidos. A estrutura da Convengiio de Berna assenta em quatro princi- pios fundamentais e na enunciagio de um direito convencional constitutdo por um mtnimo de protecgdo. Estes principios funda- mentais foram transpostos para a ordem juridica portuguesa, atra- vés do Cédigo do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDA) pelo que, a propésito de cada um deles, indicaremos os artigos deste Cédigo que os acolhem. O primeiro principio fundamental é 0 do tratamento nacional ou da assimilacdo do unionista ao nacional (também designado por princfpio da territorialidade ou de exclusividade da proteccao) consagrado no Art. 5.° alfnea 1) (e no Art. 63.° do CDA) segundo 0 qual as obras de autores nacionais de um Estado da Unido, ou as nele publicadas pela primeira vez, beneficiam, nos outros Esta- dos da Unido, de protecgdo identica 4 que aqueles Estados conce- dem as obras dos seus nacionais. O segundo princfpio é 0 da protec¢ao automdtica, consagrado no Art. 5.°, n.° 2 (Art. 12.° do CDA) segundo o qual 0 gozo € exer- cicio dos direitos de autor nao estao subordinados a qualquer for- malidade. Significa isto que, num pais que seja parte na Conven- Gao de Berna, nao é licito fazer depender a protecco dos direitos PROBLEMATICA INTERNACIONAL DO DIREITO DE AUTOR sm de qualquer formalidade como seja o depésito de. um exemplar da obra, 0 seu registo numa reparticao ptiblica ou em qualquer depar- tamento administrativo, 0 pagamento de taxas de inscrigéo ou qualquer outra formalidade. O terceiro principio é 0 da independéncia da protecgao, pre- vista na segunda parte do Art. 5.°, alfnea 2) (Art. 64.° do CDA) segundo o qual o gozo e o exercicio dos direitos de autor sdo inde- pendentes da protec¢ao no pats da origem da obra, razio por que aextens&o da protec¢ado, bem como os meios de recurso garantidos ao autor para salvaguardar os seus direitos, se regulam exclusiva- mente pela legislacao do pais onde a protecgdo € reclamada. Esta regra admite, no entanto, algumas excepgdes, a mais importante das quais é a de que no pais onde a proteccdo é recla- mada, a duragdo dessa protecgao nao deverd exceder a duracao fixada no pais da origem da obra. O quarto principio é o da protecgdo no pats de origem da obra, previsto no Art. 5.°, alfnea 3 (CDA Arts. 65.° e 66.°), segundo o qual quando o autor nao é nacional do pafs de origem da obra pela qual é protegido pela presente Convengio terd, nesse pais, os mesmos direitos que os autores nacionais. PA{S DE ORIGEM DA OBRA 4— A enunciagdo dos quatro princfpios acabados de referir em que se alude a pais de origem da obra impoe a necessidade de definigao deste conceito, constante do Art. 5.°, alinea 4 (Art. 65.° do CDA) segundo o qual é considerado como pais de origem: — para as obras publicadas pela primeira vez num dos pafses da Unido, este Ultimo pais; — para as obras publicadas simultaneamente num pais estra- nho & Unido e num pais da Uniao, este ultimo pais; — para as obras nao publicadas ou para as obras publicadas pela primeira vez num pais estranho 4 Unido, o pais da Unido de que o autor é nacional; ——relativamente as obras cinematogrdficas cujo produtor tenha a sua sede ou residéncia habitual num pais da Unido, 0 pais de origem seré este ultimo pafs; $72 ANTONIO MARIA PEREIRA — quanto as obras de arquitectura edificadas num pais da Unido ou as obras das artes grdficas e plasticas integradas num imével situado num pais da Unido, o pafs de origem ser4 este ultimo pais. O MfNIMO DE PROTECCAO 5 — Mas para além destes quatro princfpios fundamentais a Convengio de Berna estabelece também um minimo de protec¢do, constitufdo fundamentalmente, pelo seguinte: — uma enumeragdo das obras protegidas (Art. 2.°, alinea 1); — a atribuigao de direitos patrimoniais aos autores, consis- tentes em beneficios pecunidrios resultantes do monopélio da exploragao, incluindo o direito de tradugao (Art. 8.°); No minimo de protecg&o esté também abrangido o direito exclusivo que compete ao autor de autorizar a radiodifusao, (pela r4dio ou pela televisdo) a transmissao e a recepgdo ptiblica das emissdes (Art. 11 bis). O mfnimo de protecg&o convencional compreende também a duragdo dos direitos patrimoniais e esté regulamentada na Con- vencao de Berna, no Art. 7.°, segundo o qual ela compreende a vida do autor e 50 anos depois da morte, sendo no entanto possi- vel aos paises da Unido fixar uma duragao superior a esta. Aste respeito o Art. 7.°, pardgrafo 8.° contém uma das raras normas de conflitos da Convengao de Berna ao estabelecer que em regra a duracdo ser4 regulada pela lei do pais onde a protecgao é reclamada mas, no caso de a legislacao deste ultimo pafs decidir em termos diferentes, essa duragao nao poderd exceder a fixada no pais de origem da obra. No minimo de protec¢ao da Convengao de Berna esté também contemplado 0 direito moral, ao estabelecer, no seu Art. 6 bis § 1.° que o autor goza do direito de «reinvidicar a paternidade da obra e de se op6r a qualquer deformagio, mutilagao ou outra modificagéo dessa obra ou a qualquer atentado 4 mesma obra que possam pre- judicar a sua honra ou a sua reputacao». PROBLEMATICA INTERNACIONAL DO DIREITO DE AUTOR 573 Est&o aqui previstas duas prerrogativas atribufdas ao autor, a saber, antes de mais 0 direito de reivindicar a paternidade da sua obra, quer dizer, o direito para o autor, de afirmar que € 0 criador da obra; a segunda prerrogativa € de se opér a qualquer deforma- ¢40, mutilag&o ou outra modificagdo da obra ou a qualquer aten- tado 4 mesma que possam prejudicar a sua honra ou reputagiio. Eo chamado «direito ao respeito». A CONVENCAO UNIVERSAL SOBRE O DIREITO DE AUTOR 6 — A Convengao Universal nasceu de duas ordens de consi- deragées: por um lado, a Convengao de Berna sempre foi conside- rada muito protectora do direito de autor, pelo que, sobretudo ini- cialmente, mereceu criticas dos pafses em desenvolvimento, os quais, ao contrario dos pafses mais ricos, so sobretudo importa- dores de obras literdrias e artisticas, razZo por que uma protecgdo excessiva € susceptivel de os prejudicar na medida em que terao que pagar aos pafses ricos direitos de autor em maior quantidade. Por outro lado, a existéncia simultanea da Convengdo de Berna e das convengées inter-americanas, fez sentir a convenién- cia da promulgagao de uma convengo intermédia entre as posi- ges de umas e de outras, que contivesse apenas alguns dos princf- pios comuns a ambos os sistemas e fosse por isso suscepivel de ser ratificada por pafses refract4rios a alguns dos princfpios da Con- vengao de Berna. Assim, sob a égide da UNESCO, foi finalmente promulgada em Genebra, em 6 de Setembro de 1953, a Convengao Universal, a qual conseguiu realizar o seu objectivo de harmonizagio das pre- cedentes convengées em ordem a alcancar a meta da universaliza- ¢4o da protecgao internacional do direito de autor. Dois dos aspectos importantes contemplados nesta Conven- ¢ao foram o da duragdo da protecgao e a questdo do registo. Quando a primeira questo a duraco foi fixada em 25 anos apés a morte do autor, o que representa portanto um prazo equiva- lente a metade do previsto na Convencao de Berna. 514 ANTONIO MARIA PEREIRA Quanto A questdo do registo ou outra formalidade como con- digo da proteccio — inadmissfvel, como vimos, para a ‘Conven- 40 de Berna, mas exigida noutros pafses como os Estados Unidos — 0 problema foi ultrapassado através do disposto no Art. 3.° da Convencio segundo o qual «qualquer Estado contratante cuja legislagdo interna exija como condi¢ao para a protec¢ao dos direi- tos dos autores o cumprimento de formalidades deve considerar satisfeitas tais exigencias relativamente a qualquer obra protegida pela presente Convengio e publicada pela primeira vez fora do ter- rit6rio desse pais, cujo autor nao seja seu nacional, se, desde a pri- meira publicagao da referida obra, todos os seus exemplares publicados com a autorizagao do Autor tiverem aposto o simbolo C, acompanhado do nome do titular do direito de autor e da indi- cagéo do ano da sua primeira publicagdo; 0 preceito acrescenta que «o simbolo, 0 nome e o ano devem colocar-se de modo e em lugar tais que mostrem claramente que 0 direito de autor est4 reser- vado». Mas, dparte estas diferengas fundamentais em relagao 4 Con- vengio de Berna, o certo é que a Convengao Universal acolheu muitos dos conceitos daquela, designadamente o da assimilagao do autor estrangeiro ao nacional, o da assimilagao quanto as obras nao publicadas de autores estrangeiros e o da assimilagao quanto as obras publicadas dos nacionais de um pafs nao vinculado pela Con- vengao. J4, porém, quanto ao critério de «publicagao» a Convengao Universal adoptou um critério mais limitado que 0 da Convengao de Berna, na medida em que o Art. 6.° define publicagéo como «a reprodugiio sob uma forma material e a colocacao a disposigéo do ptiblico de exemplares da obra que permitam lé-la ou tomar dela conhecimento visual». Por exemplo, uma gravagdo fonografica que, para a Convencao de Berna pode ser considerada publicagao, j& n&o o poderé para a Convengdo Universal na medida em que € impossfvel ler ou tornar conhecimento visual das estrias de um disco. Do mesmo modo as regras de direito convencional, assegu- rando o minimo de protec¢fo, sfio menos numerosas na Conven¢ao Universal do que na Convengio de Berna. PROBLEMATICA INTERNACIONAL DO DIREITO DE AUTOR 575 A CONDICAO DA RECIPROCIDADE 6 — A regra da reciprocidade segundo a qual, como se 1é no Art. 14.°, n.° 2 do Cédigo Civil Portugués, nao so reconhecidos aos estrangeiros os direitos que, sendo «atribufdos pelo respectivo Estado aos seus nacionais, 0 nao sejam aos portugueses em igual- dade de circunstancia», é um principio importante do direito inter- nacional privado e est4 consagrado na generalidade das legisla- Ges. Este principio — que se opde ao da universidade dos direi- tos, fundado na igualdade entre nacionais e estrangeiros, consa- grado pela primeira vez na Assembleia Constituinte da Revolugao Francesa, — acabou por ser adaptado pela generalidade dos Esta- dos por forga do nacionalismo excessivo que caracterizou o Sé- culo IXX. A Convengao de Berna, confirmando a sua natureza univer- salista, nao admite, como regra, a subordinagdo do tratamento nacional (ou a assimilagao do autor estrangeiro ao nacional) a con- dicgao da reciprocidade, salvo em quatro casos excepcionais expressamente previstos: o das obras das artes aplicadas quando no pais de origem s6 estejam protegidas pela legislacao especial sobre desenhos e modelos industriais (Art. 2.° pardgrafo 7.°); quando a legislagao do pais onde se reclama a protecgdo estabeleca prazos superiores aos mfnimos convencionais, caso em que a duragao nao exceder4 0 prazo fixado no pafs da origem da obra (Art. 7.° paré- grafo 8.°); no caso de direito de sequela (Art. 14.° Ter, paré- grafo 2.°) e ainda relativamente aos pafses desenvolvidos que nio fagam parte da Uniao e que ao aderirem 4 Convengao declarem que adoptam o regime chamado de «10 anos» em matéria do direito exclusivo de tradugao. A exclusao, como regra, da condigdo de reciprocidade pela Convengao de Berna suscita em Portugal uma questdo resultante de este principio estar consagrado no Art. 64.° do CDA ao estabe- lecer que «as criagGes literarias ou artisticas estrangeiras ou que tiverem como pafs de origem um pais estrangeiro beneficiam da protec¢ao conferida pela lei portuguesa sob reserva de reciproci- dade, salvo convengio internacional em contrério a que o Estado portugués esteja vinculado». 516 ANTONIO MARIA PEREIRA O Prof. Oliveira Ascengdo considera que a regra de reciproci- dade prevista neste artigo prevalece sobre o disposto na Conven- go de Berna. Permito-me discordar deste entendimento, por duas razdes principais: a primeira € a de que as convengoes internacionais aprovadas e ratificadas por Portugal prevalecem sobre as leis inter- nas; a segunda é a que o préprio Art. 64.° ressalva as convengdes internacionais em contrério a que o Estado portugués esteja vincu- lado. Ora é isto, precisamente, o que acontece relativamente 4 Con- vengao de Berna. Por isso a conclusao ser4 a de que a exigéncia da reciproci- dade s6 ser4 valida relativamente a autores ou a obras literarias ou artisticas situadas fora do Ambito da protecgio da Convengao de Berna. O TRATADO DE ROMA 8 — O Tratado de Roma embora se nao refira expressamente ao direito de autor, coloca varios problemas de direito internacio- nal, na sua vertente de direito europeu. A primeira questao é de saber se o tratado se aplica ou nao direito de autor. Depois de um perfodo de indecisao a doutrina, a jurisprudén- cia e a prdtica comunitérias orientaram-se decisivamente em sen- tido afirmativo. A partir daf o Conselho, dando execugao ao principio da aproximagio das legislages previsto no Art. 100.° do Tratado, ini- ciou a publicagdo de Directivas que os Estados membros tém a obrigagao de transpér para as suas legislacdes nacionais. Até a data foram emitidas quatro directivas, a que em seguida nos iremos referir. A — Directiva 91/250/CEE de 14 de Maio de 1991 sobre a protecgdo juridica dos programas de computador. O objectivo desta directiva é o de assegurar um nfvel de pro- tecgo adequado aos programas de computador, considerados como obras literdrias, determinar quem so os seus beneficiérios e PROBLEMATICA INTERNACIONAL DO DIREITO DE AUTOR 377 qual o objecto da protecgdo, reforcar e uniformizar a proteccaio existente e eliminar qualquer disparidade susceptfvel de afectar 0 funcionamento do mercado comum. Pelo que respeita ao direito exclusivo do autor de proibir a pratica de certos actos em relagdo a uma cépia da sua obra, clari- fica-se a posig&o do adquirente legal dessa cépia, permitindo-se que este realize actos de reproducao de programa a fim de o poder carregar e passar no computador de uma maneira conforme ao seu destino. Esta Directiva foi transporta para a ordem jurfdica portu- guesa pelo Dec. Lei n.° 252/94, de 20 de Outubro. B — Directiva de 19 de Novembro de 1922 relativa ao direito de aluguer e de empréstimo Esta Directiva contempla o direito exclusivo de aluguer e de empréstimo em beneficio dos autores e dos titulares dos direitos vizinhos, reforgando consideravelmente o regime de protecgio destes tiltimos, uma vez que as legislagdes nacionais em vigér na: Unido Europeia ou nao reconhecem o direito de aluguer e de empréstimo ou, reconhecendo-os, reduzem-nos a simples direitos 4 remuneragao fundados em licenga legal ou obrigatéria. O objectivo ultimo desta Directiva é incentivar a criatividade cultural no desenvolvimento do sector das indtstrias culturais e na difusao de cultura — isto em face da necessidade de adopgio de uma estratégia comunitéria que permita 4 Unido Europeia respon- der aos desafios tecnolégicos e econémicos que ameagam a sua posi¢gdo na cena mundial. Por isso no Art. 1.° da Directiva ficou consagrado o direito de autorizar ou proibir o aluguer e o empréstimo de originais e de c6pias de obras e prestagdes protegidas. C — Directiva de 27 de Setembro de 1993 sobre o direito de autor e direitos conexos na radiodifusao por satelite e distribuigdo por cabo Nos termos desta Directiva a radiodifusao por satélite é tra- tada de acordo com os principios da protecg4o do direito de autor, que reservam aos autores certos actos de exploragdo-de suas obras, acrescentando-se no entanto disposigGes que lhe permitam o con- 578 ANTONIO MARIA PEREIRA trolo juridico sobre as realidades fisicas resultantes de tais actos, que os princfpios da protecgao classica nao prevém. Concretamente em relagao a radiodifusdo, a possibilidade de receber um programa difundido é o resultado fisico de um acto pré- vio — a emissao de sinais portadores de programas por intermédio de antenas de emissio — resultado esse que, por enquanto, est4 fora do controlo do autor. Dado que o acto de radiodifusdo tem lugar no satélite, isto é no espago, havia que escolher um critério de conexao que ligasse esse acto a um pais determinado permitindo ao autor um efectivo controlo sobre ele. A Directiva escolheu como critério de conexao mais apropriado 0 acto de emissdo do sinal portador de programas para o satélite. Assim, tendo o acto de radiodifusao por satélite tido lugar num determinado pais, é ele regido pela legislagao sobre 0 direito de autor desse mesmo pais. Consequentemente, apenas uma legislagéo € aplicdvel ao acto de radiodifusdo por satélite — a legislagao do pais onde esse acto teve lugar. A Directiva introduz também um nivel minimo de protecgao dos direitos conexos, obrigatério para todos os Estados membros e que essencialmente prevé: a) 0 direito exclusivo para os artistas de autorizar ou proibir a radiodifusao por satélite das suas execugdes em directo; b) © direito dos artistas e dos produtores de fonogramas de receberem uma remuneracdo equitativa tinica pela difusao por satélite de fonogramas; c) 0 direito exclusivo para os organismos de radiodifusio de autorizar ou proibir a retransmissAo das suas emissdes por satélite. D) — Directiva de 29 de Outubro de 1993 sobre a harmoni- za¢ao da duragdo da protec¢do do direito de autor e de certos direitos vizinhos Por esta Directiva a duragdo geral do direito de autor é ampliada para 70 anos post mortem auctoris, razéo por que nove pafses da Unido europeia, entre os quais Portugal, serao obrigados a aumentar a duragdo da protecgao actual para todas as obras. PROBLEMATICA INTERNACIONAL DO DIREITO DE AUTOR 579 Por outro Jado ainda a duragao da protecgao dos direitos cone- xos é alargada para 50 anos e a da protecgao das obras audio-visu- ais para 70 anos a partir da morte do ultimo sobrevivente. A Directiva estabelece ainda que o realizador principal de uma obra audio-visual deve ser considerado como um dos seus autores, sendo os Estados membros livres de designar outros co- autores. CONFLITOS POTENCIAIS ENTRE O DIREITO DE AUTOR E O DIREITO COMUNITARIO O primeiro conflito possivel entre estes dois direitos respeita & aparente contradig&o entre o principio da livre circulagdo de mercadorias, consagrado nos Artigos 3.°, alinea a) e 30.° e seguin- tes do Tratado de Roma e a limitagao geogrdfica do direito de autor, resultante do principio do tratamento nacional consagrado na Convengao de Berna. Concretamente pergunta-se se dado o conflito entre a limitago geografica dos direitos consagrados em cada legislagdo nacional e o principio da livre circulagio de mer- cadorias seré ou nao permitido ao autor titular de direitos sobre a sua obra num pais da Unido Europeia opér-se 4 introdugao nesse mesmo pais de exemplares dessa obra. A solugao tem variado conforme os casos concretos. Nao h4, neste momento, tempo para desenvolver este tema mas pode no entanto afirmar-se, como conclusio, que a doutrina e a jurisprudéncia se tém orientado no sentido de fazer trinfar o prin- cipio da territorialidade do direito de autor, afastando o principio da livre circulagéo de mercadorias. Uma outra questo € a da aparente oposigao entre as regras do Tratado de Roma sobre a livre prestago de servigos e o principio do tratamento nacional cnsagrado quanto ao direito de autor. Também aqui os Tribunais de Justiga das Comunidades tém feito prevalecer o principio do tratamento nacional sobre as regras da livre prestagdo de servigos, sob reserva, bem entendido, da exis- téncia de discriminacgdes que o direito comunitério no possa admitir. 580 ANTONIO MARIA PEREIRA Um outro problema resulta do disposto na alinea um do Artigo 85.° do Tratado de Roma que proibe os acordos («enten- tes») através dos quais se torne poss{vel reconstituir compartimen- tages que se quizeram banir através do principio da livre circula- go de mercadorias, pessoas, servigos e capitais. A questo que se pie € a de saber se, por exemplo, a conces- sao de uma licenga exclusiva de representacfo de um filme nao cai no Ambito do referido Art. 85.° do Tratado de Roma. A doutrina e jurisprudéncia tém-se inclinado em sentido nega- tivo, entendendo que o estabelecimento de contratos de represen- tagdo recfprocos, em vez de impedir 0 jogo normal da concorrén- cia, caso em que se traduziram em acordos ilfcitos, corresponde, nao A preocupacdo de assegurar um exclusivo, mas a necessidade de proceder a um controlo e a uma cobranga de direitos de autor mais fécil e portanto menos onerosa. Em conclusao, € hoje em dia indiscutfvel que o Tratado de Roma se aplica nao sé & protecgao da propriedade industrial e comercial, como estabelece 0 seu Art. 36.°, mas também aos direi- tos de autor e direitos conexos. Est4 assim a nascer, lentamente, mas de forma consistente, uma regulamentagao unionista do direito de autor, destinada a ter cada vez maior relevancia nos paf- ses da Unido Europeia, e compativel com as regras da Convencao de Berna.

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