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OS MEIOS DE IMPUGNACAO DE DECISOES PROFERIDAS EM ARBITRAGEM VOLUNTARIA NO DIREITO INTERNO PORTUGUES (') Paula Costa e Silva A meméria do Dr. Anselmo da Costa Freitas a quem devo, entre outras coisas, 0 ensinamento de que o Direito é uma Ante, cujas manifestagdes se alcangam com humildade e seriedade. Introducgéo 1. Em termos evolutivos, pode afirmar-se que a matéria que nos cabe tratar se inscreve entre aquelas em que mais se mudou na disciplina da arbitragem voluntaria. Desde 0 Cédigo de Processo Civil de 1876 até ao Cédigo de Processo Civil de 1961/67, o legislador, partindo de um — a equi- paracio total entre as decisdes arbitrais e as decisdes judiciais, sub- metia aquelas ao sistema de impugnagao que gizara para estas. Esta situacdo normativa vem a alterar-se na sequéncia do Decreto- -Lei n.° 243/84, de 17 de Julho, que consagra pela primeira vez um sistema proprio de vias de impugnagao de decisdes proferidas em arbitragem voluntdria. Este diploma foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em 1986 (). () 0 texto que se publica corresponde, com sensfveis alteragdes, & intervencdo proferida no Seminério subordinado ao tema “Arbitragem — uma opgdo a considerar”, organizado pelo Centro de Arbitragens Voluntarias da Ordem dos Advogados, pelo Colé- gio de Abogados de Madrid e pela Cour Europeénne d’ Arbitrage, que teve lugar em Lis- boa no dia 22 de Marco de 1996. ©) Cir. Ac: n.° 230/86, Acérdios do Tribunal Constitucional, 8.° vol., pag. 115 180 PAULA COSTA E SILVA A Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, continuou, em sede de vias de impugnagao da decisao arbitral, o caminho tragado pelo anterior Decreto-Lei n.° 243/84, aperfeigoando de algum modo as solucdes neste contidas. Pode seguramente afirmar-se que o sistema de vias de impug- nagao de decisées arbitrais concebido pelo legislador ordindrio é 0 teste ultimo a que o intérprete deve sujeitar o instituto da arbitra- gem voluntdria, de modo a aperceber-se da autonomia efectiva- mente atribufda a esta forma de resolugao de conflitos. Um sistema de vias de impugnaco que permita 0 controlo da legalidade, no apenas formal mas também substancial, das deci- s6es proferidas em arbitragem voluntéria potenciaré a substituigao do julgamento arbitral pelo julgamento judicial em sede de recurso. A autonomia do tribunal arbitral, que seja eventualmente afirmada para a instancia arbitral, € apagada em sede de controlo da decisao proferida pelos drbitros. Ao invés, um sistema que apenas admita um controlo da lega- lidade formal da decisdo proferida por drbitros obstard a que os tri- bunais judiciais se substituam ao tribunal arbitral, solugdo que con- fere a este ultimo uma margem razodvel de autonomia. Quando as partes recorrem a arbitragem, questionam-se certa- mente sobre as vantagens que este tipo de jurisdicao oferece quando comparada com a jurisdigao dos tribunais judiciais. Entre estas van- tagens contam-se a celeridade e a confidencialidade do processo arbitral e a especializacdo técnica dos drbitros. Porém, e apesar destes beneficios, as partes oferecem alguma resisténcia a que 0 jul- gamento por via arbitral seja definitivo no que respeita ao juizo de mérito. Raramente se conformam com a inexisténcia de duplo grau de jurisdi¢ao. S6 que este duplo grau, que pode ser assegurado mediante a criago de um sistema de recursos, levard A perda das trés vantagens anteriormente apontadas A arbitragem voluntaéria. O legislador nacional optou, no 4mbito da arbitragem interna, por um sistema tripartido de vias de impugnago de decisées arbi- trais. Prevé-se que a decisao arbitral seja controldvel através de acgao de anulagao, mediante recurso e ainda em sede de embargos de executado. E curioso observar que se trata de solugao pratica- mente Unica nos pafses europeus, que na generalidade nao admi- tem a revisdo de mérito das decisdes proferidas em arbitragem OS MEIOS DE IMPUGNACAO DE DECISOES. 181 voluntdria. Mas 0 legislador portugués terd porventura consagrado a solugao que melhor reflecte o equilibrio a que hd que chegar em sede de arbitragem voluntéria no espaco nacional. 2. Procederemos a uma anilise das vias de impugnagao de decisdes arbitrais no ambito da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto. Excluiremos da nossa intervencdo tanto 0 controlo a exercer sobre decisdes proferidas em arbitragem internacional (*) (na medida em que existe uma interveng&o auténoma sobre este tema), como 0 controlo a exercer sobre decisdes proferidas em arbitragem institu- cionalizada (*). Ficam também fora do objecto da presente inter- vencdo tanto os instrumentos internacionais, quanto determinadas jurisdigdes que, eventualmente por razdes de natureza constitucio- nal, terao sido designadas de arbitragens voluntérias. 3. A intervengao serd repartida por quatro pardgrafos. Os trés primeiros serao destinados a um estudo, necessariamente breve, de cada um dos meios de impugnagio de decisées arbi- trais previstos pela Lei n.° 31/86. O quarto pardgrafo terd por objecto a articulagao dos diferentes meios de impugnagao. 4. Antes da andlise dos varios meios de impugnagao deve desde ja, sob reserva de demonstragio ulterior, sublinhar-se que a ©) Nao deixando este campo totalmente em aberto, pode dizer-se que & arbitra- gem internacional, que nao deve ser confundida com a arbitragem estrangeira, se aplicam as consideragdes que tecermos a propésito da acgao de anulagdo e dos embargos de exe- cutado. Porém, e ao invés do que acontece no ambito da arbitragem interna, a regra é a da irrecorribilidade (art.° 34 da Lei n.° 31/86). No entanto, se as partes optarem pela revi bilidade da decisao, deverao prever expressamente o regime aplicdvel aos recursos. Sobre © conceito de arbitragem internacional, Dario Moura Vicente, Da arbitragem comercial internacional, Coimbra Editora, Coimbra, 1990, pag. 38 e segs.. Quanto distingdo entre a arbitragem internacional e arbitragem estrabgeira, Isabel Magalhes Collaco, L’arbi- trage international dans la recente loi portugaise sur !?arbitrage volontaire, Separata “Droit Intemational et Droit Communautaire”, Fundagao Caloute Gulbenkian, Paris, 1990, aigs. 55-66 (58). () _Nestas situagdes haverd que consultar o regulamento de arbitragem aplicdvel, a fim de se poder tragar o regime concreto das vias de impugnagao da decisio proferida pelos érbitros. Em regra, as decisdes proferidas em arbitrage institucionalizada sdo irre- corriveis, sendo passiveis de anulagao. Cfr. Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, n.° 22.VII. 182 PAULA COSTA E SILVA. Lei n.° 31/86 sujeitou esta matéria ao principio da equiparagdo da decisdo arbitral & decisao judicial. Esta equiparagao resulta clara- mente do disposto no art. 26.° da Lei n.° 31/86 (°). § 1. A acco de anulacao de decisdes arbitrais 5. Os fundamentos de anulagio Os fundamentos de anulagao de decisées arbitrais constam do n.° | do art.° 27 da Lei n.° 31/86. De acordo com a alinea a), a decisdo arbitral é anuldvel sem- pre que a litigio seja insusceptivel de julgamento por via arbitral. Saber em que casos 0 litigio nao pode ser dirimido através de arbi- tragem voluntdria resulta directamente do art. 1.°/1: submissao imperativa a tribunal judicial ou arbitral necessdrio e indisponibi- lidade do objecto (°). Se as duas primeiras causas de inarbitrabilidade nao oferecem diividas, 0 mesmo se nao poderd afirmar quanto a indisponibili- dade do objecto. Na verdade, e fazendo apelo directo 4 opiniao de Raut VENTURA (’), ndo pode equiparar-se ou confundir-se a indis- ponibilidade dos efeitos substantivos com a indisponibilidade do modo de produgdo desses efeitos. Em casos de indisponibilidade do direito a preservacao dos interesses de ordem ptblica inerentes a situagao juridica litigada bastar-se-ia com a proibigdo de as par- tes atribuirem aos drbitros a faculdade de julgarem de acordo com a equidade, afastando a lei. Em segundo lugar, sera anuldvel uma decisio arbitral profe- rida por tribunal incompetente ou irregularmente constituido. A incompeténcia do tribunal arbitral decorre da invalidade da con- vengao de arbitragem. A irregularidade resulta da violagio de regras respeitantes 4 composi¢ao do tribunal arbitral, tanto no que respeita 4 respectiva constituig&o quanto no que se refere a sua composi¢ado durante o decurso da instancia arbitral. ©) Magalhdes Collago, L’Arbitrage cit., pig. 56. ©) Quando o litfgio ndo for susceptivel de julgamento por via arbitral, o tribunal da execugio deverd indeferir liminarmente o pedido. Cfr. art.° 814/2 do Cédigo de Pro- cesso Civil. () “Convengao de Arbitragem”, nesta Revista, 1986, Il, pag. 294.

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