AMARTYA SEN
Desenvolvimento como
liberdade
7 Trade
Laura Teixeira Motta
Revist inica
Ricardo Doninelli Mendes
puso, 2 roe
Compania Das Lerras‘uma falta de interesse pelas liberdades das pessoas envolvidas. Busca-se uma
visio adequadamente ampla do desenvolvimento com 0 intuito de enfocar 0
exame avaliatorio de coisas que de fato importam e,em particular, de evitar que
sejam negligenciados assuntos decisivamente importantes, Embora possa ser
conveniente pensar que considerar as varidveis relevantes automaticamente
levard pessoas diferentes a chegar As mesmas conclus6es sobre como fazer um
ranking de cenétiosalternativos,a abordagem no requeressa unanimidade. De
fato, os debates sobre essas questdes, que podem conduzir a importantes dis-
«eussdes poiticas, podem ser parte do processo de participagdo democritica que
caracteriza o desenvolvimento. Haveré ocasiao, mais adiante neste livro, de
examinar a questdo substancial da participacao como parte do processo de
desenvolvimento.
50
2. Os fins e os meios do desenvolvimento
‘Comecatei este capitulo fazendo uma distincdo entre duasatitudes gerais
arespeito do processo de desenvolvimento que podem ser encontradas tantona
analise econmica profissional como em discussdes e debates piblicos.' Uma
visio considera o desenvolvimento um processo “feroz”, com muito “sangue,
suor ¢ ligrimas” — ini tiindo no qual sabedoria requer dureza, Requer, em
particular, que calculadamente se negligenciem vérias preocupagbes que so
vistas como “frouxas” (mesmo que, em geral, os crticos sejam demasiado poli-
dos para qualificé-las com esse adjetivo). Dependendo de qual seja 0 veneno
favorito doautor.as tentacdesa que se deve resst-podem inchuira existéncia de
redes de seguranca social para proteger 0s muito pobres,ofornecimento de ser-
vvigos sociais para a popul
o, 0 afastamento de diretrizes institucionais infle-
resposta a dificuldades identificadas e o favorecimento —“cedo
de dizeitos politics ¢ civis eo “Iuxo” da democracia. Essas coisas,
adverte-se com pose austera, podem vir aserfavorecidas posteriormente, quan-
doo processo de desenvolvimento houver produzido frutos suficientes: oneces-
sirioaqui eagora “dureza e disciplina” As diferentes teorias que compartilham
essa perspectiva geral divergem entre sina indicagdo das éreasdistintas de frou-
xidSo que devem ser particularmente evitadas,variando da frouxidao financei-ra. distensdo politica, de abundantes gastos sociais 8 complacente ajuda aos
pobres.
Essa atitude empedernida contrasta com uma perspectiva alternativa que
vé 0 desenvolvimento essencialmente como um processo “amigavel” De-
pendendo da versio especifica dessa atitude, considera-se que a aprazibilidade
do processo ¢ exemplificada por coisas como trocas mutuamente benéficas
(sobre as quais Adam Smith discorreu com elogiiéncia), pela atuagao de redes
de seguranca social, de liberdades politicas ou de desenv
por alguma combinagdo dessasatividades sustentadoras.
mento social —ou
0 PAPEIS CONSTITUTIVO E INSTRUMENTAL DA LIBERDADE
A abordagem deste livro é muito mais compativel com a segunda dessas
pperspectivas do que com a primeira. E principalmente uma tentativa de ver 0
desenvolvimento como um processo de expansio das liberdades reais que as
pessoas desfrutam, Nesta abordagem, a expansio da liberdade é considerada (1)
2 firn primordial e (2) o principal meio do desenvolvimento. Podemos chamé-
iberdade substantiva no enriquecimento da vida humana, As liberdades subs-
tantivas incluem capacidades elementares como por exemplo ter condicdes de
evita riage como a fome asubnatrgdoamorbdez evitivel ea morte pre
‘matura, bem como asliberdades associadas a saber le fazer célculos art
Retomo agora um comple que foi brevemente mencionado naintrodu-
so (e que envolve uma questao freqentementelevantada na literatura sobre 0
desenvolvimento), para ilustrar como o reconhecimento do papel
vo” da liberdade pode alterar a anslise do desenvolvimento. Nas visOes mais
estreitas de desenvolvimento (baseadas, por exemplo,no crescimento do PNB ou
da industrializagio), € comum indagar sea liberdade de participagio e dissen-
2
s0 politica € ou néo “conducente ao desenvolvimento” A luz da visio funda
mental do desenvolvimento como liberdade, essa questo pareceria mal formu-
Jada, pois ndo considera a compreensio crucial de quea pa
sio politica séo partes constitutivasdo pr6prio desenvolvimento. Mesmo uma
pessoa muito rica que rementeoude participar
de debates e decisses piblicas esté sendo privada de algo que ela tem motivos
para valorizar.O processo de desenvolvimento, quando julgado pela ampliagao
dalliberdade humana, prec cdo dessa pessoa.
fesmo iberdade de expressio
1 de participagao, ainda assim seria uma privacio de suas liberdades se ela ndo
adesse ter escolha nessas questdes.O desenvolvimento como liherdade nip.
urdelevaremcontaessasprivagBesJArelevincia da privagao deliber,
cas ou direitos civis basicos para uma compreensio adequada do
| retaa outrascaracteristicas do desenvolvimento (como o crescimento do PNB of
| a promogio da industrializacio). Essa liberdades séo parte integrante do ent
\ ayesimento do proceso de desenvolvimento
ssa consideragéo fundamental édistinta do argumento“instrumental” de
que essas liberdades e direitos também podem contri
para progresso econ6mico, Essa elagao instrumental éigualmenteimportan-
te (e serd discutida em especial nos capi |, mas a relevancia do papel
instrumental da liberdade politica como um meio para o desenvolvimento de
‘modo nenhum reduz a importancia avaliatoria da liberdade como um fim do
desenvolvimento,
Alimportincia intrinseca da liberdade humana como o objetivo preemi-
nente do desenvolvimento precisa ser distinguida da eficécia instrumental da
liberdade de diferentes tipos na promogao da liberdade humana, Como 0 enfo-
que do capftulo anterior deu-se principalmente sobre importancia intrinseca
daliberdade, agora concentraremosmaisaanélise naeficécia daliberdade como
‘meio —e no apenas como fim. O papel instrumental da liberdade concerneao
‘modo como diferentes tipos de direitos, oportunidadeseintitulamentos* [ent-
ir muito eficazmente
3tlements] contribuem para a expansdo da liberdade humana em geral e, assim,
para a promogio do desenvolvimento, Nao se trata aqui meramente da dbvia
inferéncia de que a expansio de cada tipo de liberdade tem de contribuir para o
desenvolvimento, uma vez que ele proprio pode ser visto como um processo de
crescimento da liberdade humana em geral. H4 muito mais na relacio instru-
‘mental do que esse encadeamento constitutivo. A eficécia da liberdade como
trumento reside no fato de que diferentes tipos de iberdade apresentam
tet-relagao entresi,e um tipo de iberdade pode contribuirimensamente para
promover liberdades de outros tipos. Portanto, os dois papéis esti ligados por
relagoes empiricas, que asociam um tipo de liberdade a outros,
LIBERDADES INSTRUMENTAIS
Ao apresentar estudos empiricos nes terei a oportunidade de dis-
correr sobre varias iberdades instrumentais que contribuem, direta ou indie-
tamente, paraaliberdade global que as pessoas tém para viver como desejariam,
Grande éa diversidade dos instrumentos envolvidos. Mas alve7 seja convenien-
te identificar cinco tipos distintos de liberdade que particularmente merecem
¢nfase nessa perspectiva instrumental. Nao é, de modo algum, uma lista com-
itadoclaramente em seu iva exctito ern co-antoria
ger and public action (1989):"O entitlement de uma pessoa érepresentado
pelo conjunto de pacotesalternativos de bens que podem ser adquitidos mediante o uso dos
Virioscanais gas deaquisigo facultadosa.essa peston,Em umn economiade mercado com pro-
priedadeprivada,o conjunto do entiementde uma pesioaédeterminado pelo pacoteoriginal de
bbens que ela possi (denominado dotas to
‘uit, comegando com cada dota nical, por meio de comet
Seu ‘enitlementde toc’). Uma pesoa passa fome quanda su entitlement no nel, no conjun-
to [que formado pelos pacoes al debens que ela pode ad
‘bens que contenha uma quantidadeadequada de alimento’
No conterto da anise da fore, termo entitlement usado distintivamente:“A nogdo de
tet neste contesto no deve ser confundids com idias normativas sobre quem poderia
alent ter odireito (be ‘morally entitled a qu. A referencia di respeito, ist sim, aqullo
«quea le garanteeapeia"(N.T)
pelos viriospacotes
nenhum pacote de
|
|
|
|
|
| Wberdades poltcas, }pmplamente concebidas
pleta, mas pode ajudat a salientaralgumas questdes de politicas especificas que
requerem uma atengio especial nesta casio, ———
Considerareiem particular os seguntes tipos dei iberdadesinstrumentat
¢ rdades politicas, (2) facilidades econémicas,(3) oportunidades soci, (4)
{garantias de transparénciae (5) seguranca protetora.Essasliberdades instrumen-
tais tendema contribuir paraacapacidade geral dea pessoa viver mais livremen-
te,mas também tém o feito de complementar umas as outras. Embora aandli-
sedo desenvolvimento deva, por um lado, ocupar-se dos objetivos ¢anseios que
tornam essas liberdades instrumentais conseqUencialmente importantes, deve
ainda levar em contaos encadeamentos empiticos que vinculamostipos distin-
tos de liberdade um a0 outro, reforgando sua importincia conjunta. De fato,
cessas elagbes sfo essenciais para uma compreensio mais plena do papel instru-
erdade. O argumento de que a liberdade ndo € apenas 0 objetivo
primordial do desenvolvimento, mas também seu principal meio, relaciona-se
latmente a esses encadeamentos.
‘omentemos brevemente cada uma dessas liberdades instrumentais. As
iluindo o que se denominam
“TiveitOs CVI) referem-se as oportunidades: ‘que as pessoas tém paradeterminar
«quem deve governarecom base em que principio além de inclurema possbi-
lidade de scalizarecriticar as autoridades, de terliberdade de expressio poli
Gee uma imprenst sem censura, de ter aliberdade de escolher entre diferentes
|
As failidadesecondmicassio as oportunidades que os individuos tém para
utilizar recursos econdmicos com propésitos de consumo, producto ou troca.
Osintitulamentos econdmicos que uma pessoa tem dependerso dos seusrecur-
403 disponiveis, bem como das condig6es de troca, como os pre¢osrelativos eo
fancionamento dos mercados. A medida que o processo de desenvolvimento
econémico aumenta a renda ea riqueza de um pals, esta se refletern no corres-
pondente aumento de intitulamentos econdmicos da populacdo. Deve ser