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EM TORNO DO TERMO MARRA Por José Marques Resumé Dans cette note de recherche, auteur démontre que le mot «marra» dans la documentation concernant le paiement de rentes ou d'autres droits, ne signifie pas pore vivant, mais jambon. Tem havido algumas posigées discordantes em torno do sentido a dar ao termo marr, quando surge na documentagao medieval, a propésito do pagamento de rendas ou outros débitos, pagamentos, em geral, feitos a prazo certo, podendo-se mesmo ouvir, com alguma frequéncia, que o termo em questo € sinénimo de leitdo /leitoa ou, se estiver no plural, de leitdes ou porcos pequenos, bem como dos respectivos femininos. O diciondrio da Porto Editora regista trés significados do termo marra: — «bacora que j4 deixou de mamar; toucinho fresco»; e também © de provincianismo para significar «corcunda». Para ocaso em discussao, interessam apenas os dois primeiros, mas € preciso adequd-los convenientemente aos textos em que se integram. Temos defendidoe ensinado que, quando se trata de pagamentos de rendas ou foros, o termo marrd tem de se interpretar no sentido de «carne de porco» —conceito que, & frente, serd mais especificado — e no no de leitées ou porcos pequenos. Repetimos que, embora admitindo a possibilidade de o termo marrd(s), temos ensinado que nos pagamentos de foros e rendas, no se deve tomar como sinénimo de porco vivo —a no ser que isso esteja claramente expresso, como acontece em diversos 250 REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS forais medievos, que empregam a palavra porco — pois, no caso em estudo, do que na realidade se trata é simplesmente de carne de porco fumada, correspondendo ao que vulgarmente se designa pelo termo presunto. Do até aqui exposto decorre, como primeira conclusdo, que nao se pode tomar 0 termo marré em sentido univoco, como sinénimo de leitéo ou pequeno porco vivo. Obviamente, nao se exclui a possibilidade de usos regionais, ainda vigentes, por exemplo, em certas localidades das Beiras, onde o termo marrd se aplica para designar 0 porco cevado, que, oportunamente, sera abatido para consumo doméstico. Nao € destes Ultimos casos que se trata quando a documentagiio refere as marrdis, a propésito dos pagamentos de foros e rendas, como, alias, acima referimos. Mas, como a légica mais elementar ensina, nado basta afirmar, é necessdrio fundamentar a validade das afirmagoes. Ora a documentagao régia confirma o conceito que sempre temos defendido, isto 6, que o termo marra, nos pagamentos de foros, rendas ou outros direitos, por exemplo, devidos ao Rei, é sinénimo de carne de porco e, mais concretamente, de presunto. Por isso, no encabegamento de certos quadros destinados a fazer a apresentagio de rendas, com frequéncia, temos introduzido e aconselhado a introdugao do termo marrds para designar um tipo de pagamentos, que poderemos considerar como uma verdadeira «diferenga especffica» da seguinte rubrica ou, se preferirmos, «género préximo»,enunciado como pagamentosem «animais e seus derivados». Assim, no foral manuelino, de Vieira do Minho, de 1514, a propésito do pagamento das marris ou seu equivalente em numerdrio, é por demais evidente que se trata de carne de porco, mais concretamente, do que se costuma designar pelo termo presunto, isto é, da pé ou perna traseira. Mas vejamos 0 teordo documento: — «E pollas marrdas na dita maneira' emtregando se segundo as outras da terra. Nam thas querendo receber que paguem por cada hia cento vinte raaes a razam de quorenta arratees a marré e a trees reaes o arratell, com decraragam que posto que a dita marraa nam chegue aos ditos quorenta arratees todavya se receba como chegar a trinta e dii pera cima. E por cada arratel que fallecer paguem os ditos tres reaaes atee comprimento dos ditos cento vinte reaaes. E se pasar dos R" arra-(f1.9)tees tornem ho mais aos ' Isto é que se paguem tal como imediatamente atrés ficava determinado quanto aos carneiros, mais concretamente, que nao querendo os senhorios recebé-Ios, «que paguem por cada hum setenta reaaes a dinheiro». Neste contexto, a expresso «na dita maneira» equivale a dizer que paguem a dinheiro, como a seguir se vera. EM TORNO DO TERMO MARRA. 251 foreyros ou em carne ou em dinheiro qual mais 0 senhorio quiser ou Ihe deem conhecimento do sobejo pera 0 anno que vem”. Face a forma realista e alternativa como se podia devolver aos foreiros 0 excesso do peso superior aos quarenta arrateis: «ou em carne», que, obviamente, seria aparada ou cortada da propria marra ou presunto, «ou em dinheiro» ou, ainda, dando-Ihe 0 que poderemos classificar de uma «nota de crédito» comprovativa de que tinham entregado a mais determinado ntimero de arrateis, a descontar no ano seguinte, face a esta forma, dizfamos, é indiscutivel que marr corresponde a carne de porco, isto é, presunto, e nao a um leitio ou porco pequeno. A mesma conclusao se chega pela leitura do disposto no foral manuelino de S. Martinho e de Beiral do Lima, datado de 1 de Maio de 1514, aotratardo «preco das carnes e aves», nafl.21,que transcrevemos na parte atinente ao tema em questao: — «E as aves e carnes no dito foral decraradas mandamos que fique em escolha dos foreyros de as pagarem assy como vaam nomeadas semdo de receber per alvidro dos juizes da terra ou pellos precos seguintes qual mais amte quiserem os pagadores, convém a saber, por marrda cento trynta reaaes levando a marraa em quorenta cinquo arratees a respeyto de tres reaaes o arratel com Iymitagam que como ha marrda foor de trinta arratees logo se recebae pello comprimento dos XLV arratees se paguem por cada arratel tres reaaes e se mais pesarem que os ditos XLV arratees fique em escolha do pagador levara mais carne pera cassa ou levar conhecimento do sobejo pera ho anno que vem quall amte quiseer>?. Por sua vez, o foral manuelino de Mongio, de 1512, corrobora, de forma muito explicita, as conclusdes que deixamos documentadas, dis- tinguindo meridianamente os conceitos. Assim, quando menciona a tri- butacio que incidia sobre a compra e venda dos gados, ao referir-se a0 que podemos designar gado mitido, na fl. 9, af se Ié: — «E de cordeiros borrecos (sic) cabritos ou leitdoes nam pagaram portagem salvo se cada hia das ditas cousas se comprarem ou venderem juntamente de quatro cabecas pera cima das quaaes pagaram por cada hiia das ditas cousas se comprarem ou venderem juntamente de quatro cabegas peracima das quaaes pagaram por cada hia huum ceitil. E por cada porco ou porca dous ceitiis por cabega». Para 0 assunto em andlise, interessa parti- cularmente o que se encontra sob a rubrica carne: — «E da carne que se 2 Camara Municipal de Vieira do Minho, Farol manuelino, Cofre , fls. 9-9v. (Wer fig. 1). * Biblioteca Municipal de Ponte de Lima, Foral manuelino da Terra de S. Martinho, Cofre, fl. 21. (Ver fig. 2). 252 REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS comprar de talho ou emxerqua nam se pagara ninhuum direito, E do toucinho ou marré inteiros por cada huum huum ceitil e dos emcetados senam pagaranada>*. Anos mais tarde, em 1517, estapassagem aparece textualmente reproduzida na fl. 9 do foral concedido por D. Manuel 1a vila de Guimaraes, do mesmo modo, como bem se compreende, sob a rubrica ou titulo da carne: — «E da carne que se comprar de talho ou emxerqua nom se pagara nenhuum direito. E do toucinho ou marra inteyros por cada hiua huum ceptil. E dos emcetados se nom pagara nada»*. Em nosso entender, esta passagem repetida nos forais manuelinos de Mongao e de Guimaraes, relativa a taxagzio da came é importante, Porque nos ajuda a clarificar 0 conceito de marré como sinénimo de presunto. Com efeito, estabelece uma distincao absoluta, nao sé entre «leitéoes» ¢ «porco ou porca» adultos, diferenga, alias, patente nos valores a pagar, quando a isso houvesse lugar, mas também entre carne Fresca ou verde — quer adquirida no talho, quer na enxerca®, isto é, fora do talho, vendida de portaem porta, podendo, eventualmente, tratar-sede carne de salmoura, que ja nao era inteiramente fresca —, € a carne fumada, designagioem que, ao uso da terrae do tempo—tal como ainda hoje acontece —, se inclufam o toucinho e o presunto ou marra, de que, conservando-se inteiros, se pagaria Pingroeags2y oMathgy Turlir bing pubis pruput vayirns, og. bit n3 sa uy weupi . poe tt Je rmanbntse mefinbamy sw SS * 2 “wabsali®essdord soypdnornamstint MORTEM AdqayA AM AUTIS THILO _ y, mrngomara[f~uaEdnd orargartal soy nyaypunonbyonb commun one PQA ULQOUL DIILIDD = oqo" ~ TOAD ses u eee 3110 3s. vA Don minarey pera yrreadvriliy Fig. 2— Biblioteca Municipal de Ponte de Lima, Foral manuelino da Terra de S. Martinho, Cofre, fl. 21. 0° civ cikeereae est Croke w2teccey/ cabritec, onlertocts, a pagnza fing! Saluc fecada Inia pasos coufyz, fecprart ouVeRDE Juntamence Dequatys: teakecas peta gma Dae qudder pagniany “FO? cada za ta bo mt ephe| re Spr as at cet _ On posea Douc, ecitiic, poe cabcca Teer Sanne ine que fe eSp2a2 —talhe on emyczgna na” fepeg gata ayabti vit Srormnembs ouma’ erat Jneciras, fe? cata but butt ect ae emce faites, fend pagnia nam. oo. Fig. 3— C.M. de Mongo, Foral manuelino da Vila de Moncao, Cofre, fl. 9. \ do por catubiitia Bint ccpnl@Goca | St Porc ou porcsr Doug Septye, Porca 1 ae EAU carne qucse compart GG: | talbo ou cinvezgiia! ho IO fe pugeina Tie ne i. Je REE tans ouma, : u TOs Jer aaiTU tithe butt ee SOEs, CicentDo., ENO pugura nia Wide - Fig. 4 — 0 foral de Guimaraes de 1517, Guimaries, Ed. da Sociedade Martins Sarmento (fac- -simile), 1989, fl. 9. . o- > OMe fy a? vee - , weve . “a . Ogee oe ao : ; 7 = ; a awd aeleftyy at 3 We ay hig = oy ou bade ~ YF 4 lays] val - ewoduspreow AG SA aebS Fig. 5 — Arquivo Distritral de Braga (U.M.), Colecgdo cronologica, pasta 43, doc. 1.385.

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