You are on page 1of 22
Livros & Temas TEMAS DE DIREITO MARITIMO Pelo Bastondrio Mario Raposo AS RESERVAS AO CONHECIMENTO EM DIREITO MARITIMO I. Ideia geral 1. Em fins do século XVIII comegou a ser frequente aporem os armadores, nos conhecimentos de carga, quando do embarque de mercadorias, mengGes que lhes faziam desvanecer todo 0 seu valor probatério. Alude Valin a “/'usage assez commun, ott sont les capitaines de navires, d’ajouter a leur signature, au pied des con- naissements, ces mots, sans approuver ou que dit étre” (!). Coma generalizagao dos conhecimentos impressos, no século XIX, a () Comm., L. Il, Tit, Hl, art. 4." Cit. por Rodiére no Traité Gén. de Droit Mari- time, “Affrétements et transports”, II, 1968, p. 77. Curiosamente, Rodiére, que sempre repudiou, como regra, as reservas said to contain, justificava inteiramente tal prética. Com efeito a sua razio de ser estaria na circunstancia de as escalas nos portos serem breves, a fim de permitir a répida rotago dos navios, condiggo essencial para a sua rentabilidade. Acresce, segundo Rodiére, que os carregadores colocam as suas mereadorias nos portos & liltima hora e que estes so, nao raras vezes, deficientemente equipados. “Les clauses étai- ent indiscutablement valables”. Realmente, nao se pode forgar um capitio a assinar um conhecimento que contenha dados que nao Ihe tinha sido dado verificar e que resultaram apenas das declaragies dos carregadores. 568 MARIO RAPOSO aposigao de reservas tornou-se usual, neles figurando mesmo antes da sua emissao caso por caso. E na maioria dos paises maritimos 0 valor de tais reservas (‘“‘de estilo”) era reconhecido pelos tribunais; “estes decidiam que, em presenga de tais reservas, 0 transportador no era responsdvel pelo peso e pela quantidade das mercadorias constantes do conhecimento” (*). Nada havia, no entanto, legislado. Foi nos Estados-Unidos que pela primeira vez tal aconteceu. O Pomerene Act de 1916 atri- buiu eficdcia as reservas: o transportador poderia fazer constar dos conhecimentos mengées como “shipper’s weight, load, and count” ou outras equivalentes. Constituiu a Convengdo de Bruxelas de 1 924 sobre conheci- mentos de carga um evidente “volte-face”. Nao se faz nela qualquer alusao a reservas. Apenas na parte final do n.° 3 do art. 3.° se dispoe que: . nenhum armador, capitao ou agente do armador sera obrigado a declarar ou mencionar, no conhecimento, marcas, nimero, quantidade ou peso que, por motivos sérios, suspeite ndo representarem exactamente as mercadorias.” No tocante as Regras de Hamburgo de 1978 prevé-se espres- samente, no n.° 1 do art.16.": “Se o conhecimento de carga contiver dados relativos a natureza geral, as marcas principais, ao niimero de volumes ou unidades, ao peso ou quantidade das mercadorias e 0 transportador ou a pessoa que emitir 0 conhecimento em seu nome sabe ou tem motivos razodveis para suspeitar que esses dados nao representam com exactidao as mercadorias que efectivamente tomou a seu cargo ou, na hipoétese de haver sido emitido um conhecimento de carga “embarcado”, as mercadorias que efectivamente carregou, ou se ndo dispuser de meios razodveis para verificar esses dados, 0 transporta- dor ou essa pessoa incluird no conhecimento uma reserva na qual se especifiquem as inexactid6es, os motivos de suspeita ou a falta de meios razodveis para venficar tais dados”. ©) Pierre Bonassies, Le Connaissement ~ Observations Générales no Colloquium on Bills of Lading, do CMI, Veneza, 1983, p. 1 e segs.. TEMAS DE DIREITO MARITIMO 3569 2. Por seu turno, o Decreto-Lei n.° 352/86, de 21 de Outu- bro, que em Portugal regulou o contrato de transporte de mercado- rias por mar, estatui no art. 25.° que: “I. As reservas apostas pelo transportador no conheci- mento de carga devem ser claras, precisas e susceptiveis de motivacdo. 2. O transportador pode ndo incluir no conhecimento os elementos a que se referem as als. b) ec) don.° 1 do artigo 4.° se, pela pratica usual no tipo de transporte considerado e face as especificas condigdes da mercadoria e aos meios técnicos das operagées de carga, as declaragées prestadas pelo carre- gador nao forem verificdveis, em termos de razoabilidade”. 3. Daqui se mostra que o teor do conhecimento assenta, quanto a tais mengGes (e ainda quanto as previstas na alfnea a) do mesmo n.” | do art. 4.°) nas declaragdes do carregador — que, além do mais, “responde perante o transportador pelos danos resultantes das omissdes ou incorrecgdes de qualquer elemento da declaragio de carga” (n.° 2 do art. 4.°). Do conhecimento deverd constar ainda “o acondicionamento eo estado aparente da mercadoria” (al. b) do n.° | art. 5.°), sendo certo que a declaragao de carga prevista no n.° | do art. 4.” (feita pelo carregador) deverd, ela mesma, fazer referéncia ao tipo de embalagem e ao acondicionamento da mercadoria. II. Desenvolvimento 4. Em nosso entender as reservas sobre 0 estado e 0 acondi- cionamento aparentes das mercadorias nao sao verdadeiras reser- vas, mas “contra-indicagdes”, de sentido diverso ao referido pelo carregador (?). Constituem dados observ4veis por um sumério exame externo do transportador, séo dotadas de uma verificabili- dade in re ipsa. (@) Rodiére, ob. cit., p. 86, que fala em “contre-indications”. 570 MARIO RAPOSO Neste sentido diz peremptoriamente Andres Recalde Castells que “a aposigao de reservas no documento sofre uma dupla restri- ¢4o; por um lado somente é admissivel quanto as mengGes do conhecimento de carga respeitantes 4s marcas de identificagdo ou ao numero, quantidade e peso das mercadorias, mas nao quanto ao estado e condicdo aparente; por outro lado, a aposi¢ao de reservas somente se admite quando 0 transportador tiver motivos para indi- ciar a falsidade das declaragdes do carregador ou carecer de meios suficientes para comprovar a sua veracidade” (*). 5. Como é sabido no sistema da Convengao de Bruxelas advem do conhecimento de carga a presuncio, ilidfvel, de que as mercadorias foram recebidas pelo transportador em conformidade com as indicagées nele contidas (n.° 4 do art. 3.°). Pelo Protocolo de Visby, que nao obteve nem a ratificagdo nem a adeso de Por- tugal, a presungio tornou-se inilidivel em relagao a terceiros: “(...) a prova em contrario nao é admitida quando 0 conhecimento tiver sido transferido para um terceiro”. Trata-se de uma alteracao essencial, que se mantem, com nao relevantes alteragdes de forma, nas Regras de Hamburgo (al. b) do n.° 3 do art. 16.°). 6. Qual a eficdcia das reservas? Jaé em 1984 nos pronunciamos sobre a questao. Desde logo, e ao invés do que fora alvitrado, as reservas nao correspondem a cléusulas de exoneragiio de responsabilidade, que, alias, seriam nulas face ao regime da Convengao de Bruxelas. Nao se tratard, sequer, de uma inversdo do énus da prova sobre 0 momento em que as avarias na carga ocorrerem. “A sua fungdo ttil sera a de (@) El conocimiento de embarque y otros documentos de transporte, Madrid, 1992, p. 301. Cfr. ainda Sanchez Calero, El contrato de transporte maritimo de mercado- rias, Roma-Madrid, 1957, p. 87, que observa que o “estado e condigo aparente” no pode reservar-se (“reservarse”) uma vez que se trataré de uma declaragao ultima ratio atribut- vel ao transportador. Ant6nio Pavone Rosa, em Studi sulla polizza di carico (Millio, 1958, p. 199) conclui em termos andlogos: “le indicazioni relative agli clementi suindicate non possono, pertanto, essere omesse, ne essere accompagnate da riserve”. Na doutrina alema, referida por Andres Recalde (loc. cit.), admite-se, entretanto, a possibilidade de se inclui- rem reservas quanto ao estado e condicdo aparentes das mercadorias (assim, Wiistendor- fer e Schlegelberger/Liesecke). TEMAS DE DIREITO MARITIMO. 5s7t excluir que as meng6es se presumam controladas pelo transporta- dor, ou mesmo por ele suscitadas” (5). Neste sentido decidiu 0 Cour d’Appel d’ Aix-en-Provence, em 26 de Outubro de 1993: “des réserves valides n'ont pas pour effet de renverser la charge de la preuve” (°). Pavone de la Rosa é também de opinido que as reservas nao correspondem a clausulas de inversdéo do 6nus da prova. Apenas tornam este mais gravoso (“ma solo rende quest’ultimo pit gra- voso”); isto é, tornam mais dificil para o carregador fazer a prova da veracidade das meng6es que resultam da sua declaragdo de carga (’). Parece, no entanto, de precisar que a doutrina mais cor- rente, designadamente em Franga, é a de que as reservas invertem o 6nus da prova (°). 7, Nao estd o transportador vinculado a apér reservas no conhecimento. Como dizia Rodiére, fé-lo no seu interesse. Tem sido esta, inalteradamente, a posigao majoritéria na doutrina e na jurisprudéncia continentais. A falta de reservas, em casos em que deveriam ter sido feitas, nao priva o transportador, designada- mente, de invocar qualquer das causas legais de exoneragao da sua responsabilidade (°). (©) Mario Raposo, Fretamento e Transporte Maritimo. Algumas questées, no Bol. Ministério da Justiga, n.” 340, Nov. de 1984, p. 17 e segs., maxime p. 52. (©) Em Le droit maritime francais (DMF), n.° 537, Abril de 1994, p. 282. () Pavone de la Rosa (ob. cit., p. 212) entende que o énus da prova sobre a veri- ficabilidade das mengdes do conhecimento cabe ao transportador, se as reservas nao forem motivadas quanto a esse aspecto (“ove le riserve non siano accompagnate dall’indicazione dei motivi che hanno justificato Nomissione dei controlo, incomba al vettore dimostrare che la verifica delle indicazioni, per le quali sono stato inserite le riserve, era impossibile 0 notevolmente difficoltosa”). (*) “Les réserves font tomber la présomption suivant laquelle le transporteur a regu les marchandises en bon état” (Martine Remond-Oouilloud, Droit Maririme, 2.* ed., 1993, p. 354). ©) Yves Tassel, Les réformes apportées par les Regles d'Hambourg au regime juridique du connaissement, em Il Diritto Maritimo, 1993, p. 285 ¢ segs., maxime p. 298. Refere-se Yves Tassel & doutrina francesa vasada sobre a Convengdo de 1924 e & lei interna de 1966, anotando que a evolugZo da jurisprudéncia transitou de uma posigao nega- tiva para uma posigdo favordvel (4 omissio), porque hoje d4 primazia a uma légica de transporte, e nao do contrato de venda ou do crédito documentirio a ele associado. Os dois contratos (0 de venda € 0 de transporte) tém nexos temporais e espaciais mas so realida- des juridicas diversas. 572 MARIO RAPOSO Decidiu a Cour de Cassation (francesa) em 24.5.94 que “ape- sar da falta de reservas 0 transportador liberta-se da obrigacao de resultado que nela recaia fazendo a prova de que a causa da avaria the foi totalmente estranha ('°). Noutro plano, ndo tem o carregador que aceitar as reservas apostas no conhecimento. E, no entanto, dbvio que se as reservas assumem um relevo essencial (designadamente afectando a nego- ciabilidade do conhecimento ou fazendo surgir a necessidade de medidas cautelares face a um precedente transportador) deverd 0 transportador (ou quem 0 substitua na emissao do conhecimento) por o carregador em condigdes de conhecer as reservas ¢ de even- tualmente as controlar ou contestar. O que acontece é que, em regra, os conhecimentos sao apenas entregues ao carregador depois de a viagem se ter iniciado, ou seja, num momento em que a reac- go do carregador nao serd ja vidvel (''). As reservas sao, pois, por natureza, unilaterais. Situam-se no Ambito da administragdo da prova e respondem, em regra quase que no derrogavel, a interesses do transportador ('*). Ill. A reserva “said to contain” 8. Express4mos a ideia de que, ao invés do que usualmente se pressupde, as mencdes contidas no conhecimento, quando refe- rentes ao estado e acondicionamento aparentes, ou seja, exteriores e verificdveis sem qualquer dificuldade pelo transportador (ou por quem o represente), nao podem ser qualificadas, pelo menos em sentido mediamente rigoroso, como reservas. () DMF, n° 543, Nov. de 1994, p. 704. Em anotagio, Yves Tassel recomenda que “il ne faut pas sacraliser les réserves, ni leur existence, ni leur absence” () Anotagio de Raymond Achard ao aresto da Cour d’Appel de Paris de 17.1.1986, em DMF, n.° 472, Maio de 1988, maxime p. 317. (2) Chao Wu, Contenu, validité et effects des réserves du transport, no Bulletin des Transports (et de la logistique), 1993 p. 910. Repare-se que as reservas que no pre- sente estudo esto em causa so as apostas no conhecimento quando da emissio deste, € no as reservas a chegada, ou seja, aquelas que o destinatério pode formular quando recebe a mercadoria, Cfr. nota (30). TEMAS DE DIREITO MARITIMO. 573 Trata-se, alias, de uma ideia que tem acolhimento na mais qua- lificada doutrina estrangeira. Além da j4 apontada, serd caso para citar Ferrarini-Righetti ('°), até porque se apoiam explicitamente na Convengao de 1924 e no Cédigo da Navegagio (italiano) de 1942: “Tanto il Cod. Nav. (art. 463.° 2.° comma) quanto la Convenzione (art. III n.* 3 ultimo comma) non prevedono la possibilita di inserire in polizza riserve circa lo stato appa- rente delle merci e de gli imballagi, e cid perche si tratta sem- pre di dati controllabili a semplice vista”. 9. A nosso ver as mais caracteristicas reservas serio aquelas pelas quais o transportador, por ndo poder exercer 0 seu dever ('*) de verificagao das indicagdes fornecidas pelo carregador, apde as reservas que, por exemplo, Ferrarini-Righetti elenca: “dice essere” (“quantidade desconhecida”, “peso desconhecido”, “marcas e volumes desconhecidos”) ou outras similares. 10. Designadamente (ou melhor, principalmente) no tocante a carga contentorizada a “ma vontade” existente na doutrina e na jurisprudéncia contra as reservas de “desconhecimento” (“dice essere”, “que dit étre”, “said to contain”) nao tem razdo de ser quando elas sejam justificadamente apostas, como acontece, ten- dencialmente na carga contentorizada. Dizfamos em 1984 ('5) que, nesta, “a supremacia contratual nao pertence ja ao transportador, mas ao carregador”, “A prova da falsa declaracao da mercadoria, que a Con- vengdo configura como uma pena privada imposta ao carre- gador, serd, em circunstdncias previstveis, praticamente (®) Diritto .ivlla Navigazione (Diritto Maritrimo), Parte Speciale, 1.-I contratti di utilizzazione della nave, Tarim, 1991. p. 111. (4) Esse, sim, serd um dever do transportador. Quanto ao de apér as consequentes eservas, reiteramos 0 que atrés ponderdmos. Mas no sentido de que constituira um dever, para salvaguarda de legitimos interesses de terceiros (seguradores, bancos, etc.) cff., por ex., Juan Herniindez Marti, Contrato de transporte maritimo de mercancias, Valencia, 1984, P. 73. Por regra, muito dos conhecimentos limpos (“clean”), isto é, sem as reservas que deve- iam ter sido feitas resultam da emissdio de cartas de garantia, a que adiante nos referiremos. (9) Mario Raposo, Fretamento e Transporte Maritimo cit., p. 52. E de salientar que na versio de 1983 (CCI 400) das Regras e usos uniformes relativos aos créditos docu- 574 MARIO RAPOSO imposstvel de fazer pelo transportador. Com a reserva estrei- tar-se-G, pois, o horizonte das fraudes que geralmente prospe- ram (e que Rodiére estimava em 30% do transporte realizado em contentores. Cfr. La protection du transporteur maritime contre les fausses déclarations de la nature de la marchandise en conteneurs, no Bulletin des Transports, 1979, p. 486). A tinica mengao que, salvo razées concretas em contrario, nao deverd ser objecto de reserva seré a relativa ao peso global da carga contentorizada, jd que, quanto a ela, a verificabilidade resultard vidvel (cfr. a decisdo do Tribunal de Apelagdo Fede- ral de Nova lorque de 18 de Margo de 1982, em American Mari- time Cases, 1982, p. 1640. E de sublinhar, no entanto, que a jurisprudéncia norte-americana se tem revelado contraria, em geral, a validade da cldusula said to contain)” ('). 11. A doutrina por nés sustentada em 1984, favordvel a vali- dagdo das reservas said to contain, foi, como € natural, acolhida no Decreto-Lei n.° 352/86, de 21 de Outubro, sobre 0 contrato de transporte de mercadorias por mar. N6s mesmos dissemos no preambulo do diploma que elas serao de validar “naqueles casos concretos em que as declaragGes do carre- gador nao sejam controldveis”. Acrescentando: “A situagdo, pers- pectivada jd no n.° 3 do artigo 3.° da Convengao de 1924, passou a assumir especial relevo com a utilizagdo dos contentores. Realmente, sob pena de desorganizar por completo a sequéncia do transporte, eliminando as vantagens que advém da contentorizagao, ndo sera dado ao transportador, muitas vezes, verificar 0 conteudo dos con- tentores; terd de aceitar as indicagées prestadas pelo carregador ou por quem o substitua. A validade da reserva dependerd, no entanto, da verificabilidade de tais indicagdes, em termos de razoabilidade”. E 0 que esta preceituado, univocamente, no n.° 2 do art. Zaire Alidés, como mais tarde viria a explicitar, dele advem que a nado inclusdo no conhecimento das mengées transmitidas pelo carrega- mentérios esté previsto que, salvo estipulagdo em contrério no contrato de abertura de cré- dito, os bancos aceitardo as clausulas said to contain, shipper's load and count e similares nos conhecimentos que Ihes forem presentes. (°°) Cfr. 0 nosso estudo cit. na nota anterior, id. p. 52. TEMAS DE DIREITO MARITIMO 575 dor constitui, ela propria, uma reserva. Claro esté que para ser ope- rante a reserva de recusa deve precisar as inexactiddes e a razio das suspeitas ou da falta de meios de controlo suficientes. “Trata- -se, em sintese, de uma reserva que, como as restantes, deve ser clara, precisa e motivada (n.° 1 do mesmo art. 25.°)” ("’), Um dos primeiros autores que com lucidez tratou da proble- miatica decorrente da cldusula said to contain foi Barthélemy Mer- cadal ('8). Pensava ele ser defeituoso 0 entendimento que geralmente era dado a um aresto da Cour de Cassation de 29.1.1980 que julgou que tal reserva era insuficientemente motivada, mesmo no caso dos contentores terem sido entregues selados aos transportadores. Mercadal entende que a solugdo dada a um caso especifico nao podera ser generalizada. Realmente, e como regra, tal modali- dade de transporte inviabiliza a verificagéo pelo transportador dos contentores que tenha recebido, “sous peine de désorganiser tota- lement la chaine du transport et de supprimer les avantages atten- dus de l'emploi du conteneur”. 12, Estamos em supor que haverd, antes de mais, de distin- guir entre a hipotese de um contentor FCL (full container load), ou seja, de um contentor arrumado pelo carregador e entregue ao transportador j4 fechado, justificativo de cldusulas genéricas como “shipper’s load and count”, ou “said by shipper to contain”, e a hip6tese de um contentor LCL (less than fuil container load), em que a estiva é nele feita pelo préprio transportador, relativamente ao qual € possivel a verificagio por este do estado e condigdes apa- rentes da mercadoria. 13. Relativamente ao peso da mercadoria carregada no con- tentor jd ter alguma razdo de ser a rejeigéo da clausula ('°), na () Mério Raposo, Sobre 0 contrato de transporte de mercadorias por mar, no Bol. do Ministério da Justica, n.” 376, Maio de 1988, p. 5 e segs., maxime p. 36. () Regards sur le droit des transports, em Etudes offertes a René Rodiére, 1981, P. 423 e segs., maxime p. 434. Mercadal tinha ja publicado, anos antes, um estudo sobre 0 tema (Valeur juridique de la formule “said to contain”, no Bulletin Maritime du Havre, 48.1977, n° 31). 576 MARIO RAPOSO medida em que ele pode ser considerado como verificdvel. Tudo dependerd, entretanto, da avaliagao do caso concreto, como tem sido, designadamente, entendido na Bélgica (*). O que em qualquer caso ser de rejeitar sao as cléusulas tipo, “invaridveis”, de “estilo” — as clausulas “passepartout”, como Ihes chamava Rodiére ('). “Signalons que la clause de style n'est pas opérante méme dans le cas de transport par conteneur. Il n'y a pas en effet impossibilité de vérifier un conteneur. La jurisprudence rappele souvent au transporteur qu‘il n’est pas tenu par les indications du chargeur et qu’il lui est loisible de verifier le contenu, poids et nature de la marchandise” (*). 14. E compreens{vel, como dissemos, a tendéncia de rejeitar a eficdcia das reservas said to contain no tocante ao peso das mer- cadorias embarcadas. Como tem sido entendido em Itdlia, quer na jurisprudéncia, quer na doutrina, essa mengao é controlavel e a tal nao obstaré o facto de o contentor vir fechado: o transportador nao fica impedido de o pesar e de comparar 0 resultado obtido com 0 declarado pelo carregador (**). Nao 6, no entanto, justificdvel fulminar em bloco qualquer reserva deste tipo, apenas pelo seu cardcter genérico. No entanto, designadamente em Franga, a posigao prevalente continua a ser essa, pelo menos tendencialmente (4). E um ponto maximo tera sido, por certo, alcangado pela Cour d’Appel de Rudo, em 8.9.1994, que decidiu que ndo aproveitar4 ao transportador a cir- (!°) Cour de Cassation, 22.2.1983, em DMF, n.° 423, Marco de 1984, p. 137. (®) Cfr. Léo Delwaide, Les grandes lignes de la jurisprudence maritime de la Cour d’Appel d'Anvers..., em DMEF, n.” 448, Abril de 1986, maxime p. 246 ("Validité des clauses d’ignorance”). () Léo Delwaide, Chronique de Droit Maritime Belge, II, em DMF, n.” 489, Dez. de 1989, p. 734 e segs., maxime p. 743. (®) Hassania Cherkaoui, L’apport des Régles de Hambourg..., em DMF, n.” 572, Junho de 1997, p. 629 e segs., maxime p. 636. ®) Por ex., Corte di Cassazione, 22.3.1991 e Giorgia M. Boi, I! trasporto marit- timo a mezzo contenitori..., em Il Diritto Marittimo, 1994, p. 734. C*) Pierre Bonassies, Le droit positive francais em 1991, em DMF, n.° 513, Feve- reiro de 1992, p. 104. TEMAS DE DIREITO MARITIMO 377 cunstancia de os selos estarem intactos quando da entrega, uma vez que é um dado assente que “les plombs ne sont pas une garantie d’inviolabilité du conteneur” (*5). Por nés mantemos a posicao hd largos anos assumida. O que releva é que a cldusula de “ignorancia” seja motivada, sobretudo pela falta de meios de verificagdo do transportador, cada vez mais agudizada pela progressiva computorizacao das operagdes de carga. Claro esta que a solugao 6ptima, embora nem sempre praticd- vel, seria a de a reserva ser aceite, pelo menos implicitamente, pelo carregador. Este o alvitre feito num estudo recente por Pierre-Yves Nicho- las (°°). IV . Cartas de garantia 15. A insercao de reservas vdlidas e motivadas pelo trans- portador afectam, naturalmente, a forga probatéria do conheci- mento e a sua eficdcia econdémica, quer nas relagdes de crédito, quer nas de seguro, quer nas de compra e venda das mercadorias. Dai que, para obter um conhecimento limpo (“‘clean”) 0 car- regador garanta ao transportador que assumir a responsabilidade decorrente de a mercadoria nao chegar ao destino com as caracte- risticas constantes do conhecimento. O certo é que estas cartas de garantia, se nao séo necessaria- mente determinadas por um animo de defraudar terceiros, porta- dores do conhecimento, so forgosamente suspeitas e contrarias 4 moral dos negocios (“8 la morale des affaires”) e 4 boa £6; destinar- -se-do, volens, nolens, a “enganar” terceiros (”’). Trata-se de uma contre-lettre; dai que na terminologia anglo- -sax6nica sejam qualificadas como “letters of indemnity” ou como “Jetters of guaranty” ou como “counter-letters” (*). ©) DMF, n.* 555, Dez. de 1995, p. 883. @) Point de vue hérétique sur les réserves “said to contain” en droit maritime francais, em DMEF, n." 564, Out. de 1996, p. 883. @) Antoine Vialard, Droit Maritime, 1997, p. 382. Cfr. Mario Raposo, As cartas de garantia e o seguro maritimo, na Scientia Juridica, 1971, p. 504 e segs. @) William Tetley, Marine Cargo Claims, Montreal, 3.* ed., 1988, p. 821. 578 MARIO RAPOSO Destinam-se a que o conhecimento Jimpo crie uma falsa ideia no destinatdrio, que é um terceiro e em outros terceiros, como os bancos e os seguradores. “Cette lettre fausse le connaissement et trompe les tiers oi I'indemnité qui serait versée au destinataire pour le manquant constaté 4 | ’arrivée est limité au plafond légal alors que le dommage reléve de la responsabilité de droit commun de la vente” (””). No art. 17.° das Regras de Hamburgo, faz-se uma tentativa de estabelecer um regime mais preciso para as cartas de garantia (°°). Como refere Tetley (*!), o regime desse art. 17.° ndo prima pela clareza nem pela pertinéncia. No tocante ao n.” 2 estard certo o pre- ceituar-se que as cartas de garantia nao serao vadlidas, em caso algum, perante terceiros. Respeita 0 n.° 3 as relagdes entre o trans- portador e 0 carregador: as cartas de garantias serao entre eles vali- das, a menos que o transportador tenha a intengao de prejudicar um terceiro que actue com base na descrigao da mercadoria que figurar no conhecimento; neste caso, se a reserva omitida incidir em dados fornecidos pelo carregador para incluséo no conhecimento de embarque, ndo terd o transportador direito a ser indemnizado pelo carregador. Para além da complexidade do regime, a prova da inten- Gao de prejudicar um terceiro serd necessariamente dificil, 0 que, ao invés do que se pretende, incentivara a praticas fraudulentas. On.° 4 do art. 17.°, finalmente, dispde que no caso de ocor- rer uma fraude intencional, o transportador fica, perante terceiros, inibido de limitar a responsabilidade, nos termos genericamente previstos nas Regras. Entende Tetley que esta disposigao é lamentdvel, pois o trans- portador, ao emitir uma carta de garantia, nao terd a intengao de (®) Hassania Cherkaoui, est. cit, p. 636. (°) Ha que distinguir entre cartas de garantia & partida (ou a quando do carrega- mento) e cartas de garantia & chegada (ou a quando da entrega ao destinatério). Sao as pri- meiras, com a descrita fisionomia, que agora esto em causa. As segundas so emitidas pelo destinatério, & chegada do navio, quando ainda nio tiver recebido o conhecimento (0 que frequentes vezes acontece), mediante o qual poderia reclamar a mercadoria. Fazendo- -lhe entrega da mercadoria o transportador passa a correr o risco de outras pessoas se arro- garem no direito de a vir a reclamar. Para além da carta de garantia emitida pelo efectivo recebedor da mercadoria, como pretenso destinatério € hoje uso os transportadores recla- marem uma carta de garantia bancdria. C}) Ob. € loc. cits. e, sobretudo, Contre-lettres d’indemnité et lettres de garantie, em DMF, n.” 471, Abril de 1988, p. 258 e segs., maxime p. 273. TEMAS DE DIREITO MARITIMO 579 prejudicar terceiros; “deseja, muito simplesmente, dar satisfacao (a um pedido) do seu cliente, 0 carregador”. Parece, no entanto, ser esta posigdo excessivamente benévola, pois, como é dbvio, ao dar satisfag’o ao pedido do carregador no sentido de emitir um conhecimento limpo, o transportador poderd estar — e estar4 por certo ndo raramente ~ a cooperar numa activi- dade fraudulenta. A solugao dada no citado Decreto-Lei n.° 252/86, relativa ao contrato de transporte de mercadorias por mar, sera mais clara e adequada. Estabelece, com efeito, 0 seu art. 26.°, subordinado a epigrafe “cartas de garantia”: “I. As cartas (de garantia...) nado sdo oponiveis a ter- ceiros, designadamente ao destinatdrio e ao segurador, mas estes podem prevalecer-se delas contra 0 carregador. 2. No caso de as reservas omitidas se referirem a defei- tos da mercadoria que o transportador conhecia ou devia conhecer no momento da assinatura do conhecimento de carga, o transportador nao pode prevalecer-se de tais defei- tos para exoneragdo ou limitagdo da sua responsabilidade”. 16. Realmente, e como sempre sustentémos, uma carta de garan- tia é fraudulenta quando destinada a criar em terceiros uma posigdo errada quanto ao estado da mercadoria, Alids, como referfamos no alu- dido estudo de 1971, a solugo decisiva do problema estar “na subs- tituigo do tradicional conceito de conhecimentos limpos pelo de conhecimentos comercialmente negocidveis, nos quais se possam ins- crever cl4usulas marginais que, afectando a sua natureza formalmente limpa. nao impegam, entretanto, a sua negociabilidade, designada- mente para efeitos de concessao de crédito documentério” (*). Entretanto, e contrariamente 4 opinido expendida por Tetley, apenas em hipéteses que se contarao pelos dedos deixarao as car- tas de garantia de ser determinadas por um intuito enganatério. ou seja, de criar em terceiros uma falsa aparéncia quanto 4 natureza ou ao estado da mercadoria embarcada. @) Mario Raposo, As cartas de garantia..., p. 512. 580 MARIO RAPOSO V. Os sucedaneos dos conhecimentos 17. Fala-se hoje, cada vez com maior insisténcia, numa crise dos conhecimentos de carga. Alude-se a lentidao a que dao causa no ritmo das operagées de transporte. Sao documentos pesados — € a complexidade documental é, pelo menos tendencialmente, propi- cia ao surgimento de praticas fraudulentas. Dé-se ainda 0 caso de frequentes vezes as mercadorias chega- rem ao destino antes dos conhecimentos, 0 que obriga 4 emissao das j4 referidas cartas de garantia (na entrega). Ora 0 Direito Maritimo, sendo um direito tradicionalista ¢ secular, € de igual modo um direito imaginativo e criativo. E dai a utilizagio de documentos substitutivos ou “sucedaneos” dos conhecimentos. Primeiro, 0 mate’s receipt, que é um recibo provi- sorio nao negociavel (**). Depois, e pondo agora outros de remissa, os seawaybills (**). 18. Justifica o crescente relevo destes tiltimos documentos uma especial refer€ncia, no tocante ao tema agora em causa. Sao os seawaybills (“guias de transito maritimo”, “cartas de porte maritimo”, “lettres de voiture maritime”) documentos nao negociaveis, de algum modo equivalentes aos straight bills of lading norteamericanos (*°). Daf que havendo comegado a ser sis- tematicamente tratados na doutrina em meados dos anos 70, desde logo tenham sido acolhidos com grande receptividade (**). (°) Mario Raposo, Sobre 0 contrato de transporte de mercadorias por mar cit., p. 30, Jan Ramberg, The vanishing bill of lading, no American Journal of Comparative Law, n.° 27, 1979, p. 391, antevé a supressio, a médio prazo, dos conhecimentos de carga, designadamente nos transportes de carga geral em linhas regulares. Informa, alids, Selvig (An Introduction to the Hamburg Rules 1978, na revista Trasporti, n.° 18, 1978, p. 13) que apenas 10 a 20% das cargas transportadas no Atlantico Norte sio documentadas por conhecimentos. (*) Cfr. est. cit. na nota anterior. () _J& previstos no Pomerene Act (“Federal Bills of Lading Act 1916") que os definia como aqueles que faziam a prova de que uma certa mercadoria era destinada ou consignada “to a specific person”. Cfr. Tetley, Marine Cargo Claims cit., p. 950. (%) Georgios Zekos ¢ Jo Carby-Hall, Sea Waybills: a new marketable name for straight bills of lading, em Il Diritto Marittimo, 1994, p. 714 e segs. TEMAS DE DIREITO MARITIMO 581 19. No tocante aos seawaybills a sua fungao essencial é a de recibo da mercadoria entregue ao transportador, comprovando a existéncia do contrato de transporte. Mas nao representam a mer- cadoria nem podem ser transmitidos por endosso ou por outro tipo de cessao (7). Nao representando a mercadoria, a sua posse nao é necessdria para o exercicio dos direitos do seu titular. “Agiliza”, pois, a entrega das mercadorias no destino, uma vez que tal entrega pode ser feita sem a sua exibi¢ao. 20. Entretanto, nao obstante a simplificagao de processos que comportam, nao deixam, obviamente, os seawaybills de conter a descrigZo das mercadorias embarcadas. Dai que nas Regras Uniformes que 0 CMI preparou e aprovou na Conferéncia de Paris de 1990 esteja expressamente prevista a aposic4o de reservas (n.° 5). O problema tem sido encarado e resolvido, mesmo na dou- trina, pela afirmativa; realmente, as regras do CMI nao sao vincu- lativas e o que nelas se contem podera ser questionado, pelo menos como principio. Assim, por ex., Giorgia M. Boi (**), que, no entanto, lembra que nao constituindo os seawaybills titulos de crédito representati- vos da mercadoria, nao sera necessdrio que eles sejam “cleans” para fins de negociagao bancaria. Daf que, neles, as reservas sejam menos frequentes. Mas, mesmo assim, resultarao pertinentes. E que, além do mais, conferirao um mais rigoroso e fidvel signifi- cado a descrig&o das mercadorias. E nao ser4 também em absoluto de excluir 0 recurso as cartas de garantia, embora pondo de parte a sua principal determinante, que é a obtengao de um seawaybill limpo para fins de negociagao bancdria. Continuarao, designadamente, a ser titeis na obtencao de seguros em condigdes mais vantajosas. () Raul Bravo Vocos, La carta de porte maritimo... no Anuario de Derecho Maritimo, vol.VII, 1989, p. 199 € segs, maxime p. 236. 7" if ©) La lettera di trasporto marittimo. ‘Studi per una disciplina uniforme, Milao, 1995, p. 80. 582 MARIO RAPOSO. ptf MANTER-SE-A EM VIGOR O ARTIGO 21.° DO DECRETO-LEI N.° 349/86 SOBRE O CONTRATO DE CRUZEIRO MARITIMO? 1. Embora aflorado, sobretudo na doutrina, noutros sistemas juridicos (') foi em Franga que o contrato de cruzeiro maritimo, tipificado como tal, teve uma consagragao legislativa especifica. A lei de 18.6.1966 ¢ 0 decreto regulamentar correspondente, deter- minados a comedir os eventuais abusos dos organizadores de cru- zeiros (O.C.M.), estabelecem um regime relativamente detalhado. Em sintese, devem os O.C.M. entregar a cada passageiro ou grupo de passageiros, sob pena de nulidade do contrato, um fitulo de cruzeiro. Mas somente o passageiro pode invocar esta nulidade. O incumprimento de qualquer das obrigagdes inscritas no titulo de cruzeiro torna respons4vel o O.C.M., salvo se este provar que aquilo que est4 em causa é a execucdo do contrato de trans- porte propriamente dito. De qualquer modo, 0 O.C.M. € pessoal- mente responsdvel pelos danos causados aos passageiros e as res- pectivas bagagens. Se o dano resultar da execugdo do contrato de transporte maritimo, é 0 O.C.M. responsdvel nos mesmos termos do transportador maritimo. Ao titulo de cruzeiro corresponde o bilhete de cruzeiro e 0 carnet de cruzeiro. Aquele formaliza 0 con- trato de passagem; este contem os cupdes correspondentes aos ser- vigos a prestar em terra em cada escala. Est4 apenas em causa a responsabilidade do O.C.M. e nao a das agéncias de viagens que, por regra, so as empresas com as quais os utentes dos cruzeiros (os consumidores) contactam. Assim tem sido quase sempre entendido pela jurisprudéncia francesa; é de ()_ Assim, por exemplo, em Itélia (Spasiano, CONTRATTO DI CROCIERA TURISTICA na Rev. Dirirto della Navigazione, 1962, 1, p. 64 e Ferrarini, IL CHARTER PER TRASPORTO DI PERSONE, na Riv. Diritto Commerciale, 1965, 1, p. 3). Consi- dera-se em Itdlia que embora se justifique uma visdo unitéria intermodal (transporte mari- timo, terrestre ¢ aéreo), “le fattispecie, peraltro, vanno distinte, in relazione a diverse ipo- tesi” (Ferrarini - Righetti, APPUNTI DI DIRITTO DELLA NAVIGAZIONE. Parte Speciale, 1.1 Contratti di utilizzazione della nave, 1991, p. 53). Realmente, no cruzeiro maritimo 0 segmento dominante da prestagdo € 0 transporte por mar de pessoas. TEMAS DE DIREITO MARITIMO 583 apontar, designadamente, 0 recente acordio da Cour d’Appel de Paris de 7.2.1997 que expressamente decidiu que a agéncia de via- gens nao poderia ser responsabilizada pelos danos causados a pas- sageiros no decurso de um cruzciro maritimo, uma vez que nao era ela 0 O.C.M. (?). 2. Sobretudo numa perspectiva de tutela de interesses dos consumidores de cruzeiros, foi sublinhado no acto de posse da Comissdo de revisao do Direito Maritimo (5.2.1986) que ao enca- rar o regime do contrato de transporte de mercadorias por mar se deveria ter em conta o contrato de cruzeiro maritimo (*). Ao propésito foi dada resposta no art. 21.° do Decreto-Lei n.° 349/86. E na letra do preceito esta implicita a boa ideia de na realidade dele decorrente (na vida real) o transportador nao ser uma entidade mitica, nao responsabilizével, até porque muito difi- cilmente identificdvel. Claro est4 que tudo funcionaré do melhor modo se 0 O.C.M., ele préprio, for uma entidade idénea e no uma sociedade fantasma com sede nas Caraibas ou em qualquer outra zona fluida e inapreensfvel. Realmente, 0 O.C.M. pode ser um armador conhecido e com patriménio a vista. Mas se assim nao for comegarao a surgir as dificuldades, que poderao culminar num desfecho totalmente negativo para o consumidor. Alias, como se passard a justificar, 0 Decreto-Lei n.° 349/86, nao obstante o bom cuidado certamente posto na sua elaboragao, é um diploma tecnicamente insuficientemente conseguido, ao qual ©) Le Droit Maritime Francais (D.M.F.), 578, Jan. de 1998, p. 17. 0 aresto é ano- tado por Philippe Delebecque, que apoia expressamente esta solugdo, na medida em que nenhuma falta poderé ser imputada & agéncia de viagens. “Cette (...) solution est trs juste, méme depuis entrée en vigueur de la loi du 13 juillet 1992 qui est venue renforcer la res- ponsabilité des agents de voyages. Si ces demniers sont de simples intermédiaires, ils ne sont tenus que de leurs fautes. Da mesma opinido nao parecem ser Rodiére-Emmanuel du Pontavice, DROIT MARITIME, 12+ ed., 1997, p. 410. Mas 0 texto ndo ¢ muito claro € fica-se sem saber se a agéncia de viagens é responsabiliz4vel como tal, ou se apenas quando actua como O.C.M.. “Si c’est une agence de voyages, non propriétaire, ni affréteur de navires, le cli- ent pourra néanmoins s'adresser 3 elle, sauf son recours contre le transporter”. Ora, nesta légica, o direito de regresso deveria ser exercido contra 0 O.C.M., face, desde logo, ao que dispde o art. 49.° da lei de 1966. ©) Mério Raposo, A revisdo do Direito Comercial Marttimo, no Bol. Ministério da Justiga, n.’ 353, maxime p. 9.

You might also like