Jurisprudéncia
Critica
A IRRECORRIBILIDADE DA ABSTENCAO DE
PRONUNCIA POR INSUFICIENCIA
DA MATERIA DE FACTO
Anotagao ao Assento do Supremo Tribunal de Justica
n.° 10/94, de 13 de Abril de 1994
Acordao, em tribunal pleno, no Supremo Tribunal de Justica:
1 — Por Ac6rdao deste Supremo Tribunal de 16 de Dezem-
bro de 1987, proferido nos autos de agravo vindos do Tribunal da
Relagao de Lisboa, registados sob 0 n.° 75 476/87, da 2.* Seccao,
em que sao agravante Banco Fonsecas & Burnay e agravados José
Manuel Aguas Nunes e Fernandes & Pedrosa, L.“*, todos com os.
sinais dos autos, foi julgada improcedente a questdo prévia levan-
tada pelo agravado Nunes do nao conhecimento do recurso e foi
acordado conhecer do recurso do acérdao da Relagao de Lisboa
que, revogando a decisio da 1.* instancia que julgara a acco pro-
cedente no despacho saneador, mandou que os autos prosseguis-
sem com elaboragao da especificagdo e questiondrio.
2 — Deste acérdio vem o presente recurso para o tribunal
pleno deste Supremo Tribunal, interposto pelo agravado José
Manuel Aguas Nunes, no qual é recorrido o jé referido Banco Fon-
secas & Burnay, E. P..
Inovoca o recorrente a existéncia de oposigao relevante entre
0 acérdao recorrido e o Acérdao deste Supremo Tribunal de 21 de
Julho de 1987, proferido no recurso n.° 75 505, da 1.* Secgao, tran-64 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA
sitado em julgado e fotocopiado a fls. 10 e 11, que concedeu pro-
vimento a questo prévia, levantada pelo recorrido, do nao conhe-
cimento do recurso, por considerar irrecorrivel o acérdao da Rela-
¢4o que ordenou 0 prosseguimento dos autos, com elaboragao da
especificagao e questiondrio na 1.* instancia, onde se julgara, em
saneador-sentenca, a acco improcedente.
3 — Admitido liminarmente o presente recurso, foi decidido
por Ac6rdao da Secgao de 2 de Fevereiro de 1989, proferido a
fls. 19 e 20, haver oposi¢ao entre o acérdao recorrido e 0 acérdao
fundamento, nos termos do artigo 763.° do Cédigo de Processo
Civil.
4 — Nas suas alegagées, formula 0 recorrente as seguintes
conclusdes:
1.2. Nao cabe recurso ordindrio do acérdio da Relagao que,
revogando 0 saneador-sentenga, ordena o seguimento
dos autos com elaboracgio da especificag’o e questio-
nario;
2.". Decidindo em contrério, 0 ac6rdio recorrido violou o
artigo 510.°, n.° 5, do Cédigo de Processo Civil, pelo que
deve ser revogado;
3.2 Eo conflito de jurisprudéncia deve ser resolvido, por
assento, no sentido constante da conclusao 1.*.
5 — O ilustre representante do Ministério Puiblico junto deste
Supremo Tribunal formula no seu douto parecer as seguintes con-
clusGes:
1." O Acérdao recorrido deve ser revogado, por contrario &
interpretago correcta da lei, contida no Ac6rdao de 21
de Julho de 1987 deste Supremo Tribunal;
2.2 Deve solucionar-se o conflito de jurisprudéncia,
lavrando-se 0 respectivo assento, para o qual se propde a
seguinte formulagao:
E irrecorrivel 0 acérdao da Relacao que, revogando o
saneador-sentenca, mandou elaborar especificagéo ¢
questionério.ASSENTO DE 13 DE ABRIL DE 1994 625
6 — Apés os vistos legais, cumpre decidir.
7 — A oposigao entre 0 acérdao recorrido e 0 acérdéo funda-
mento, nos termos do artigo 763.° do Cédigo de Processo Civil, é
patente.
Nao existe, assim, motivo para rever 0 acérdao da Seccgio
atrds referido, nos termos do artigo 766.°, n.° 3, do Cédigo de Pro-
cesso Civil.
8 — A disposigao legal com base na qual se verifica 0 con-
flito de jurisprudéncia em causa é a do artigo 510.°, n.° 5, combi-
nado com 0 artigo 511.°, n.° 5, do Cédigo de Processo Civil, na
tedac¢o que Ihe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 242/85, de 9 de
Julho.
Dispe o artigo 510.°, n.° 5, do Cédigo de Processo Civil:
Nao cabe recurso do despacho saneador que, por falta de
elementos, relegue para a sentenga o conhecimento das maté-
tias de que lhe cumpre conhecer, nos termos das alfneas aja
c) do n.° 1.
Dispie 0 artigo 511.°, n.° 5, do Cédigo de Processo Civil:
As reclamagoes sao decididas findo 0 prazo das respos-
tas, e do despacho que sobre elas for proferido nao ha recurso,
embora a solucio do despacho possa ser impugnada no
recurso que se interpuser da decisdo final.
9 —O conflito de jurisprudéncia em causa coloca-nos a
seguinte questao:
E ou nao admissfvel recurso para este Supremo Tribunal do
acérdao da Relagéo que, revogando o saneador-sentenga que
conhecera do mérito da causa, ordena o prosseguimento do pro-
cesso, com elaboracao de especificagdo e questiondrio?
10 — Duas teses estao em confronto: a do acérdao recorrido,
que considera admissivel o recurso e a do acérdao fundamento (e626 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA
que é também a sufragada pelo recorrente € pelo ilustre represen-
tante do Ministério Puiblico) que considera inadmissivel o recurso.
Perante este radicalismo de posigdes, nao vamos examinar em
pormenor ambas as teses, brevitatis causa, mas apenas expor
as raz6es que nos poderao levar 4 solugdo que nos pareca mais
adequada.
Comecemos por tentar determinar a ratio legis do ar-
tigo 510.°, n.° 5, do Codigo de Processo Civil, o que melhor se des-
cortinard se o fizermos em conjunto com 0 artigo 511.°, n.° 5, do
Cédigo de Processo Civil, na redacg’o que a ambos estes preceitos
foi dada pelo Decreto-Lei n.° 242/85, de 9 de Julho.
Como se vé do relatério do decreto, nomeadamente do seu
n.° 5, a razo das disposigées em causa nao foi a de subtrair a apre-
ciagdo da matéria de facto a este Supremo Tribunal, mas sim a de
simplificar os termos processuais e de obter maior celeridade para
a marcha do processo.
De resto j4 Anselmo de Castro, Direito Processual Civil
Declarat6rio, vol. Il, Almedina, 1982, indicava, a pp. 279 e 280,
esta razdo, quanto a impossibilidade de recurso para o Supremo do
ac6rdio da Relaco proferido sobre reclamagao contra a especifi-
cago e questiondrio, nos termos do artigo 511.°, n.° 4, do Cédigo
de Processo Civil, na sua anterior redac¢4o, equivalente ao ar-
tigo [5] 15.°, § 3.°, do Cédigo de Processo Civil de 1939.
Igual orientagdo era defendida por A. Varela e outros, Manual
de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pp. 410 a 411.
A jurisprudéncia deste Supremo Tribunal tem-se orientado no
sentido de que est4 vedado a este Supremo Tribunal censurar o
ac6rdao da Relag&o que tenha decidido haver necessidade de ela-
boracgio de especificagao e questionario — cf. Acérdaos de 7 de
Janeiro de 1941, Revista de Legislagao e Jurisprudéncia, ano 74.°,
p. 302, e de 25 de Fevereiro de 1981, Boletim do Ministério da Jus-
tiga, 304, p. 379, nomeadamente.
Por outro lado, mesmo considerando excepcional a norma
contida no actual n.° 5 do artigo 510.° do Cédigo de Processo
Civil, ela é susceptivel de interpretago extensiva, nos termos do
artigo 11.° do Cédigo Civil — cf. Ferrara, Interpretagdo e Aplica-
¢Go das Leis, 2.* ed., 1963, pp. 150 e 162, e Oliveira Ascensdo,
O Direito — Introdugdo e Teoria Geral, 2.* ed., pp. 378 e 394.ASSENTO DE 13 DE ABRIL DE 1994 627
Ora, nao faria sentido que nao se pudesse recorrer para a Rela-
g40 do despacho saneador que, por falta de elementos, relegasse
Para a sentenga 0 conhecimento das matérias referidas nas alf-
neas a), b) e c) do n.° 1 do artigo 510.° do Cédigo de Processo
Civil e que se pudesse recorrer para 0 Supremo do acérdio da
Relago que relegasse para a sentenga o conhecimento das mesmas
matérias.
Tanto mais que da deciso sobre reclamagées contra a especi-
ficagao e questiondrio nao ha recurso, nos termos do artigo 511.°,
n.° 5, do Cédigo de Processo Civil.
De onde se conclui que a norma contida no n.° 5 do ar-
tigo 510.° do Cédigo de Processo Civil se nao refere apenas ao
despacho saneador mas também ao acérdao da Relagdo que verse
sobre as matérias ai referidas.
Em resumo: onde a lei diz «despacho saneador» deve
entender-se «decisdo».
11 — Nestes termos, concede-se provimento ao recurso, pelo
que se revoga 0 acérdao recorrido e se julga procedente a questo
prévia levantada pelo agravado do nao conhecimento do recurso
nos autos de agravo n.° 75 476/87, da 2." Secgdo, com custas pelo
agravante e ora recorrido.
12 — E, consequentemente, formula-se 0 seguinte assento:
Nao é admissivel recurso para o Supremo Tribunal de
Justiga do acérdao da Relagao que, revogando o saneador-
~senten¢ga que conhecera do mérito da causa, ordena o prosse-
guimento do processo, com elaboragao da especificacdo e
questionario.
Lisboa, 13 de Abril de 1994 — Rogério Correia de Sousa —
Mario Sereno Cura Mariano — Alberto Carlos Antunes Ferreira
da Silva — Pedro de Lemos e Sousa Macedo — Fernando Faria
Pimentel Lopes de Melo — José Henriques Ferreira Vidigal —
Manuel da Rosa Ferreira Dias — Miguel de Mendonca e Silva
Montenegro — Joao Augusto Gomes Figueiredo de Sousa — José
Joaquim Martins da Fonseca — Mario Horacio Gomes de Noro-6B SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA
nha — Fernando Adelino Fabido — Antonio César Marques —
Bernardo Guimaraes Fisher de S4 Nogueira — José Maria Sam-
paio da Silva — Roger Bennett da Cunha Lopes — Ramiro Luis
d'Herbe Vidigal — José Santos Monteiro — José Correia de Oli-
veira Abranches Martins — Francisco Rosa da Costa Raposo —
José Martins da Costa — Antonio Pais de Sousa — José Miranda
Gusmao de Medeiros — Mdrio de Magalhdes Araujo Ribeiro —
Raul Domingos Mateus da Silva — Antonio Manuel Guimaraes de
Sé Couto Mateus da Silva — Antonio Manuel Guimaraes de Sa
Couto — Fernando Dias Simao — Anténio de Sousa Guedes —
Zeferino David Faria — Carlos da Silva Caldas — Joao José
Sequeira de Faria Sousa — Adriano Francisco Pereira Cardigos
— Francisco José Galréo de Sousa Chichorro Rodrigues —
Manuel Luis Pinto de Sd Ferreira — Antonio Alves Teixeira do
Carmo — Augusto José Mendes Calixto Pires — Fernando
Machado Soares — Jaime Octavio Cardona Ferreira — Hum-
berto Carlos Amado Gomes — José Sarmento da Silva Reis —
José Joaquim de Oliveira Branquinho — Geldsio Rocha — Mario
Fernandes da Silva Cancela — Fernando Jorge Castanheira da
Costa — Anténio Joaquim Coelho Ventura.ANOTAGAO
Pelo Prof. Doutor Miguel Teixeira de Sousa
I — Durante os primeiros cinco meses de 1994 foram publi-
cados no jornal oficial dez assentos do Supremo Tribunal de
Justiga, dos quais apenas dois foram proferidos por esse 6rgao
ainda em 1993. Aquele numero (no qual nao se contabilizam os
acérdaos com forga obrigatéria em matéria penal e processual
penal) excede a média habitual: recorde-se que, por exemplo,
durante todo o ano de 1992 o Supremo proferiu onze assentos,
numero que curiosamente foi igualado em 1993. Para essa impor-
tante producao jurisprudencial talvez tenha contribufdo a circuns-
tancia de a solugéo propugnada no acérdao n.° 810/93 do Tribunal
Constitucional (1.* Secgao), de 7/12/1993 (publicado no Didrio da
Reptiblica (= DR), II Série, de 2/3/1994), sobre a inconstituciona-
lidade dos assentos permitir, afinal, manter as suas caracteristicas
essenciais como jurisprudéncia obrigatéria, dado que, apesar da
negagao da competéncia dos tribunais para fixarem doutrina com
forga obrigatéria geral, nao € questionada a vinculatividade dos
assentos do Supremo Tribunal de Justiga para os demais tribunais
judiciais.
Com efeito, no referido acérddo do Tribunal Constitucional,
proferido num processo de fiscalizag4o concreta e, portanto, sem
eficacia erga omnes, decidiu-se «julgar inconstitucional a norma
do artigo 2.° do Cédigo Civil na parte em que atribui aos tribunais
competéncia para fizar doutrina com forga obrigatéria geral, por
violagdéo do disposto no artigo 115.°, n.° 5, da Constituigao».630 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA
Ainda que esta orientag4o venha a ser confirmada pelo préprio Tri-
bunal Constitucional apés o julgamento conforme de trés casos
concretos e, consequentemente, lhe venha a ser atribuida eficdcia
obrigatéria geral (segundo o art. 281.°, n.° 3, da Constituigéo da
Repiblica Portuguesa e 0 art. 82.° da Lei do Tribunal Constitucio-
nal, Lei n.° 28/82, de 15/11, alterada pela Lei n.° 85/89, de 7/9),
pode concluir-se da posicao defendida nesse acérdao que, apesar
de os assentos perderem o seu cardcter vinculativo geral, nao dei-
xam de ser vinculativos para os tribunais integrados na ordem dos
tribunais judiciais, com excepgao do préprio Supremo, que os pode
alterar ou modificar.
Interessante é também a circunstancia de o maior numero dos
referidos ntos publicados nos primeiros meses de 1994 respei-
tar a matérias relativas ou préximas do processo civil. Essencial-
mente com a finalidade de favorecer a sua divulgagao,
transcrevem-se a seguir, respeitando a sua ordem cronolégica mas
excluindo o assento em comentério, os assentos referidos a essas
matérias:
— Assento n.° 2/94, de 25/11/1993 (DR, I-A, de 8/2/1994):
«Quando o devedor de crédito penhorado nao tiver pres-
tado, no acto da notificagao da penhora, declaragdes sobre
a existéncia do crédito, as garantias que o acompnham, a
data de vencimento e outras circunstancias que interessem
& execucdo, deve fazé-lo no prazo geral de cinco dias, sob
a cominacao de se haver como reconhecida a existéncia da
obrigacdo nos termos em que 0 crédito foi nomeado a
penhora»;
— Assento n.° 5/94, de 26/1/1994 (DR, I-A, de 24/3/1994):
«No Ambito e para efeitos do n.° 1 do artigo 1779.° do
Cédigo Civil, 0 autor tem énus da prova de culpa do cén-
juge infractor do dever conjugal de coabitagdo»;
— Assento n.° 6/94, de 17/2/1994 (DR, I-A, de 30/3/1994):
«Invocado um contrato de seguro celebrado em Portugal,
no Ambito de causa complexa do pedido, ainda que tam-
bém decorrente de ma estiva ou mau manuseamento de
mercadorias nao ocorridas em territério portugués, aquele
facto desencadeia a competéncia internacional do foro por-ANOTACAO DE 13 DE ABRIL DE 1994 631
tugués, face ao disposto no artigo 65.°, n.° 1, al. b), do
Cédigo de Processo Civil»:
— Assento n.° 8/94, de 2/3/1994 (DR, I-A, de 3/5/1994): «A
suspensfo dos prazos judiciais, estabelecida no art. 144.°,
n.° 3, do Cédigo de Processo Civil, nao é aplicdével ao
prazo judicial de propositura de accdo previsto no artigo
382.°, n.° 1, alinea a), do mesmo Cédigo»:
— Assento n.° 9/94, de 2/3/1994 (DR, I-A, de 20/5/1994):
«Na vigéncia do artigo 1174.°, n.° 1. alfnea a), do Cédigo
de Processo Civil, na redacgao anterior ao Decreto-Lei
n.° 177/86, de 2 de Julho, a cessagao de pagamentos pelo
devedor s6 justifica a declaragio da faléncia desde que
suficientemente significativa de incapacidade financeira».
Sobre as orientagdes fixadas nos assentos transcritos muito
poderia ser apreciado e discutido, quer quanto as premissas que as
fundamentam, quer quanto as consequéncias que delas podem ser
retiradas. No entanto, o presente comentdrio incide apenas sobre 0
teferido Assento n.° 10/94, de 13/4/1994 (DR, I-A, de 26/5/1994),
que, como acima se transcreveu, definiu a seguinte doutrina:
«Nao € admissivel recurso para 0 Supremo Tribunal de
Justiga do acérddo da Relagdo que, revogando o saneador-
-sentenca que conhecera do mérito da causa, ordena 0 prosse-
guimento do processo, com elaboragao da especificagio e
questiondrio»,
II—a. Procurando delimitar a eventualidade a que se
reporta 0 assento em anotacdo, convém comegar por referir que a
doutrina nele defendida nao é aplic4vel a todos os casos em que a
Relacao é chamada a pronunciar-se, por via de recurso, sobre um
despacho saneador que pds termo ao processo (recorde-se, a pro-
posito, que para determinar a espécie desse recurso pode ser neces-
sario utilizar o critério definido no art. 691.°, n.° 2, do Cédigo de
Processo Civil (= CPC) quanto ao ambito de aplicagdo da apela-
¢40). Conforme resulta do enunciado desse assento, a orientagio
por ele imposta s6 é aplicavel quando a RelagZo revogar um des-
pacho saneador. Admita-se, por exemplo, que o tribunal de pri-632 SUPREMO ‘TRIBUNAL DE JUSTICA
meira instincia conheceu directamente do mérito da causa no des-
pacho saneador (art. 510.°, n.° I, al. c), CPC) e condenou o réu no
pedido formulado pelo autor, 0 demandado interpés recurso de
apelagdo para a Relagao (art. 691.° CPC), mas esta confirmou a
decisdo da primeira instancia; dado que a doutrina do assento em
comentario sé é aplicdvel a hipétese de revogacao daquele despa-
cho, o acérdao da Relagdo € passivel de recurso, nos termos gerais,
para o Supremo Tribunal de Justica.
Para melhor se compreender a problematica a que se refere 0
assento e 0 seu verdadeiro ambito de aplicagao, considere-se um
outro exemplo: suponha-se que o tribunal de primeira instancia,
utilizando a faculdade concedida pelo art. 510.°, n.° 1, al. b), CPC,
absolve o réu do pedido com fundamento na excepgao de paga-
mento da quantia pretendida pelo demandante (art. 493.°, n.° 3,
CPC); o autor, considerando que nao se verifica a referida excep-
Ho, apela desse despacho saneador (art. 691.° CPC); a Relacao,
dando provimento ao recurso interposto, revoga o despacho sane-
ador e manda que o processo baixe a primeira instancia para serem
elaborados a especificagio e 0 questionario.
O problema que se coloca € o de saber se a doutrina do
assento se aplica sempre que a Relagdo revogue um despacho sane-
ador que findou um proceso, isto €, se 0 recurso para 0 Supremo
esté impedido sempre que 0 acérdao da Relagao revogue um des-
pacho saneador final. A letra do assento parece comegar por impor
uma distingdo entre os casos em que 0 despacho saneador conhece
do mérito da causa, ou seja, aprecia uma excep¢ao peremptéria ou
conhece directamente do pedido (art. 510.°, n.° 1, als. 5) € c),
CPC), e aqueles outros em que ndo se chega a apreciar o fundo da
causa, nomeadamente porque € proferida uma absolvi¢ao da ins-
tancia. com fundamento numa excepcdo _dilatéria
(art. 510.°, n.° 1, al. a), CPC). A determinagao do ambito e a justi-
ficago daquela restrigao literal feita no assento serao analisadas
posteriormente (infra, III.), pelo que, por agora, aprecia-se apenas
se a orientacio definida nesse assento obsta 4 interposi¢ao de
recurso para 0 Supremo sempre que 0 acérdao da Relago revogue
um despacho saneador que tenha conhecido, directa ou indirecta-
mente, do mérito da causa.