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46.° ANIVERSARIO_ DA ASSINATURA DA DECLARACAO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM Ordem dos Advogados, em 12 de Dezembro de 1994 Tem 0 Bastonério a honra de iniciar a sesso comemorativa do 46.° aniversério da Declaragio Universal dos Direitos do Homem, onde o costume impés, que se celebrasse na Ordem dos Advogados em colaboragdo com a Secgao Portuguesa da Comis- so Internacional de Juristas. E uma honra, mas é também uma obrigacao e um orgulho, imposto a quem tem por missio interpretar a tradig&o dos Advo- gados portugueses no combate quotidiano pela construgao do Estado de Direito e pela consolidacio e aperfeigoamento dos direitos e garantias individuais. O tempo que estamos a viver é um tempo opaco, e os cami- nhos da Histéria sao varidveis, porque a Histéria do Homem é plural, e por vezes erratica, desmentindo a nossa convicgao de que existe um designio para o seu aperfeigoamento. Os valores morais que inscrevemos nas nossas leis, como inaliandveis da pessoa humana, correm o risco de ser derrogados, Porque os direitos humanos sao mais facilmente violados que res- peitados. Angustiamo-nos ao pressentir que a tentacdo totalitdria, agora que formidaveis meios técnicos informaticos e sistemas de multimédia esto postos 4 disposic¢ao de quem tem o poder, ja coexiste novamente entre nds. 1030 JOLIO DE CASTRO CALDAS Mas nao inscrevemos em 1948, na Declaragdo Universal, que ninguém sofreria intromissdes arbitrarias na sua vida privada, na sua familia, no seu domicilio ou na correspondéncia, nem ata- ques a sua honra e reputacio, e que contra tais intromissGes ou ataques toda a pessoa teria direito 4 protecgao da lei? Nao inscrevemos também que toda a pessoa sujeita a perse- guicdo, teria o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros paises? E que toda a pessoa acusada de um acto delituoso se presu- miria inocente, até que a sua culpabilidade ficasse legalmente pro- vada, no decurso de um processo puiblico, em que todas as garan- tias de defesa lhe seriam asseguradas? E que todo o individuo teria 0 direito a liberdade de opi de expressdo, o que implicaria o direito de nado ser inquietado pelas suas opinides e de que poderia receber e difundir sem consi- deragao de fronteiras, informagées e ideias por qualquer meio de expressao? E nao impée a nossa Lei n.° 29/78, em conformidade com os princfpios enunciados na Declarag4o Universal, que qualquer pes- soa acusada de uma infracgao penal, ter4 o direito a dispor de tempo e das facilidades necessdrias para a preparagao da sua defesa e a comunicar com um advogado da sua escolha, e a ser julgada sem demora excessiva, e a nao ser forgada a testemunhar contra si propria ou confessar-se culpada? Todos estes principios foram por nés reconhecidos e aceites na ordem juridica. Mas de forma incidiosa e paulatina, em nome de valores da seguranca da vida em sociedade, e do poder inter- ventor do Estado, estamos em via de consentir avassaladoras der- Togagdes. Por enquanto, nao nos damos conta, de que a totalidade dos valores fundamentias contidos na Declarag&o, cairao como um castelo de cartas, se em nome da eficdcia e da intervencdo tutelar do Estado, se violarem as garantias de protecgao da vida privada, se nao se garantir o sigilo das comunicagées, se se recolher prova incriminatéria por meios ilegais ou eticamente censurdveis, se se devassar a comunicagao do arguido com o seu defensor, se se inverter 0 princfpio da inocéncia do acusado, se nao se respeitar 0 seu direito ao siléncio e 4 nao autoinculpagao, se nao se conceder DECLARACAO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM 1031 ao arguido prazo e meios idéneos para organizar a sua defesa, se se limitar 0 direito a informacao. Sem embargo do sentido da responsabilidade nas afirmagées, que a necesséria prudéncia e moderacao impdem ao Bastondrio da Ordem dos Advogados Portugueses, sinto-me forgado a pedir a vossa solidariedade para este alerta. J hé entre nds situagées limite, que nao podem ser ultrapas- sadas, € projectos que poem em causa os valores que hoje preten- demos comemorar. Em nome da construgao da eficdcia dos meios de Protecgao dos valores de seguranga da sociedade, nao podemos abdicar de preservar os valores da liberdade individual de informar e de ser informado e de respeitar os principios ético-juridicos que cons- truimos constitucionalmente da Verdade, da Igualdade, da Leal- dade e da Proporcionalidade, princfpios que regem a nossa vida em comunidade. Nao podemos consentir na instalacao de sistemas preversos de devassa administrativa da vida de cada um, de incentivagao na cria- ¢4o de instrumentos de delacgdo, construidos concretamente sobre uma duplicidade de cardcter legalmente protegida e de dentincia vigilante e desresponsabilizada, que subverte e destréi o clima de confianga nas relages entre os homens, que aniquila a Fraternidade ea consciéncia da intrinseca e individual dignidade humana. Recuperando a doutrina do Supremo Tribunal Federal Ame- ricano, se comermos estes frutos «Of the poisonous tree», estare- mos todos envenenados, e a contribuir afinal para destruir os valo- res da vida em comunidade, que pretensamente se desejavam proteger. Ao conceptualizar normas como as que se prefilam no hori- zonte em matérias como sejam o Estatuto dos Servicos de Infor- magdo da Republica, os mecanismos limitadores e dissuasores da liberdade de informar, a derrogago das garantias dos segredos profissionais, a introdugdo de sistemas permissivos de intromissio devassa da vida privada, em nome do direito do Estado a fiscali- zar obrigacées tributdrias, reforgando poderes de discricionarie- dade administrativa, estaremos na prética a demolir quotidiana- mente as fronteiras dos Direitos consagrados na Carta de 1948. 1032 JOLIO DE CASTRO CALDAS Julgamos, portanto, necessdrio combater este estado de espi- Tito do nosso tempo, que cria uma dinamica de compreensao pela derrogacdo dos limites dos sistemas de garantias individuais. Estado de espirito que nao é exclusivamente Portugués, mas Europeu, Anglo-Sax6nico, Germanico e Latino, que silencia a voz da Equidade, do Equilfbrio, da Prudéncia e da Consciéncia, acerca da dignidade humana e opta por um totalitarismo do Estado, invo- cando como argumento legitimador, tnica e exclusivamente a legitimacao da soberania popular. Mas a soberania popular nao é absoluta, nem € norma exclu- siva em Democracia. E necessério compreender ¢ saber, que o absolutismo do Estado péde nao poucas vezes afirmar-se na Histéria da Europa e por vezes, de formas bem radicais, como expressao do Libera- lismo. Herdeiros de Cicero, neste momento que é afinal o lugar comum dos Advogados, ao comemorarmos a data que foi o momento mais belo de sintese do Século Vinte, repetimos que esta Lei € «non scripta sed nata Lex», onde nenhuma modificacao pode ser consentida, e nem o Senado, nem 0 Povo, se pode dis- pensar de Ihe obedecer. E imperiosa, portanto, a introdugdo de critérios prudenciais na acco polftica, pelo que pedimos a todos, Governantes, Diri- gentes Politicos, Lideres Sociais, Magistrados, Juristas, que nos ajudem a contrariar a tendéncia claudicante, que hoje somos for- gados a denunciar. Lisboa, 12 de Dezembro de 1994 Jtilio de Castro Caldas Bastonério

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