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ESTUDO A RECUSA DE ASSINATURA DO RELATORIO ANUAL NAS SOCIEDADES ANONIMAS Pelo Dr. José Carlos Soares Machado 1. O Relatério de Gestdo e Contas relativos ao exercicio anual é habitualmente submetido a deliberagao do Conselho de Administragao, nas sociedades anénimas, e sujeito a aprovagao deste érgio. Pode acontecer, porém, que algum ou alguns dos administra- dores discordem do teor destes documentos e, por isso, votem ven- cidos na respectiva deliberagao. Aquele ou aqueles administradores que nao tenham votado favoravelmente, poderao fazer nesse momento as suas declaragdes de voto ou apresentd-las dentro do prazo legal, para constarem em acta da respectiva reuniao do conselho de administracao. Uma vez aprovado, neste caso por maioria, 0 Relatério deve ser remetido pelo Conselho de Administragao ao Conselho Fiscal, nos termos e para os legais efeitos, eventualmente nao assinado pelo ou pelos administradores vencidos na deliberagao. Coloca-se desde logo a questo de saber se as declaragdes de voto que os administradores vencidos na deliberagao do Conselho de Administraco que aprove o Relatério e Contas tenham feito ou pretendam fazer, dentro do prazo que lhes é conferido pelo artigo 72.°, n.° 2 do C.S.C., devem constar dos préprios documen- tos j4 aprovados, ou se é ilfcita tal inclusao. 936 JOSE CARLOS SOARES MACHADO Por outro lado, em caso de recusa de assinatura dos documen- tos em questo pelos administradores vencidos, podera igualmente discutir-se se a justificagdo respectiva, prevista no artigo 65.°, n.° 3, «2." parte» do Cédigo das Sociedades Comerciais, deve ser feita imediatamente no préprio documento, ou se ainda poderia vir a ser acrescentada ao Relatério j4 depois da aprovacdo, assinatura e envio deste documento ao érgio de fiscalizagao da sociedade. 2. Determina 0 artigo 65.°, n.° 1 do Cédigo das Sociedades Comerciais que os membros da administragao devem elaborar e submeter aos 6rgdos competentes da sociedade 0 relatério de ges- to, as contas do exercicio e os demais documentos de prestagao de contas previstos na lei ('). Por outro lado, estipula o n.° 3 do mesmo artigo, que o rela- tério e as contas devem ser assinados por todos os administra- dores (?). () Aquele que administra bens ou interesses de outrém estd geralmente obrigado 4 prestar contas da sua administragdo a0. titular desses bens ou rendimentos (ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, 1-303). E um principio omnipresent no nosso direito, sempre que alguém tem o poder, ou ainda que apenas o use (V.g. a gestao de negécios sem © consentimento do titular dos interesses), de concluir negécios jurfdicos em nome de ‘outrém. Corresponde, por outro lado, ao direito de informagao dos sécios a inteirar-se da situagdo da sociedade, bem como da sua evolucao € as suas perspectivas futuras, e consti- tui um daqueles casos em que a importincia do seu exercicio € reconhecida por lei de tal modo que, perante a sua omissio, prevé diversos mecanismos processuais, designada- mente judiciais, para impor o respectivo cumprimento, bem como consequéncias sancio- nat6rias que podem levar, nomeadamente, & destituigdo com justa causa. O préprio Cédigo Civil — regulando em princfpio relag6es juridicas de natureza ndo comercial —, no seu artigo 988.°, estabelece que nenhum s6cio pode ser privado do direito de exigir a presta- io de contas. @) 0 relat6rio de gestdo «destina-se a dar aos interessados informagies sobre a situago e marcha da empresa (...), descrevendo alguns elementos fundamentais para a compreensio da situagdo econémico-financeira da empresa» (GONCALVES DA SILVA, Contabilidade das Sociedades, 1987, 311). O relatdrio da gestdo deve ser assinado por todos os administradores, gerentes ou directores, ¢ destina-se a descrever, com referéncia as contas apresentadas, 0 estado ¢ evoluco dos negécios sociais, apresentando uma apre- ciao clara e correcta da situago econémica e financeira e da rendibilidade alcangada, concluindo pela previstio fundamentada do desenvolvimento futuro da actividade social ¢ suas linhas de orientago (PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades, 2.* ed., 281). O relatério deve, fundamentaimente, ser elucidativo para os accionistas € para 0 A RECUSA DE ASSINATURA DO RELATORIO ANUAL 937 O Relatério de Gestao e as Contas so documentos que a lei atribui & autoria dos membros da administragao, tendo eles, por- tanto individualmente (*), a obrigagdo de os elaborar e de os assinar. Com efeito, considera-os a lei como os préprios autores dos documentos (independentemente de a autoria material poder ser apenas de um ou de alguns deles), documentos que, assim, ndo resultam em primeira mao da vontade do érgao colectivo a que pertencem os seus autores ¢ respons4veis, mas antes das vontades individualmente consideradas dos varios administradores (*). Bem expressivamente, alids, diz a lei que a elaboragdo do telat6rio e contas € uma obrigacdo dos membros da administracao, € nao do 6rgao conselho de administracio. Tal expressio faz todo o sentido conjugada com a obrigagao imposta também aos membros da administragao de assinarem o relat6rio e contas, e posta em confronto com a assinatura da acta quando se trate de actos do érgdo. Trata-se de documentos auté- nomos relativamente aos produzidos pelo Conselho de Adminis- trago, e de natureza diversa das comuns deliberacdes do mesmo. Nestas, o objecto de certa deliberagdo, expressio da vontade do 6rgao colectivo, nao tem sequer autonomia fisica relativamente a acta em que fica registado (podendo apenas extratar-se). E, por publico em geral, vd. ALBERTO PIMENTA, (A prestacdo das contas do exercicio nas sociedades comerciais, BMJ 201/209, 202-8, talvez o mais completo estudo até hoje publi- cado em Portugal acerca desta matéria). Quanto a estrutura do relatério, cfr. ob. cit. 207- -13 e ss., ¢ actualizadamente cfr. art. 46.° da IV Directiva da CEE. ALBERTO PIMENTA, fazendo, & época, 0 contraponto das suas teses com 0 direito constituido alemdo, afirmava que 0 érgio administrativo ndo tinha de aprovar as contas anuais, competindo-lhe apenas elabord-las e submet#-las, para aprovagdo, a0 con- selho fiscal (ibidem, 207 — nota 603). ()_ No sentido, que defendemos, de que se trata de um dever que ¢ imputado pes- soalmente aos administradores, vd. MIGUEL PUPPO CORREIA, Direito Comercial, 3.+ed., 488. (‘) So os membros da administragdo que devem elaborar e submeter aos rgiios ‘competentes da sociedade o relat6rio de gestdo, e para sublinhar o dever individual, a par do dever do éredo, impbe-se que o relat6rio de gestio e as contas do exercicio sejam assi- nados por todos os membros da administragso, vd. IL{DIO DUARTE RODRIGUES, A administracdo das sociedades por quotas e andnimas, 1990, 205. 938 JOSE CARLOS SOARES MACHADO idénticos motivos, ndo € objecto de assinatura aut6noma por parte dos membros da administrag4o. De facto, é bastante, no caso das delibera¢des comuns do 6rgo colectivo a assinatura da acta onde ficam registadas. Nesse caso, a lei ndo exige nem a existéncia fisica da deliberagao em documento fora da acta, do qual deva constar o teor da prépria deli- beracdo aprovada, nem obviamente a respectiva assinatura auté- noma da que os membros do érgao apdem na propria acta. O relatério constitui sem divida portanto um documento com «vida» prépria independente (*) da existéncia ou nao de uma deli- beragdo formal de aprovacao do seu contetido. Facto a que, sem dtivida, nao serd estranha a natureza de documento destinado 4 informagao dos sécios ou mesmo do ptiblico em geral. Naquele, os individuos que séo membros da administragao de uma sociedade s&o os tinicos e directos respons4veis quer pela sua autoria quer pela sua assinatura, nao existindo nestes actos ou na sua recusa qualquer manifestagdo de vontade do érgao de que fazem parte. Nesta, nao é a vontade individual de cada membro da administrago que se exprime, mas a vontade colectiva do 6rgao. O érgio delibera de acordo com as regras previstas na lei € 0 resul- tado do cumprimento destas regras (que fixam 0 modo € 0 processo de formagao da vontade) é a prépria deliberagao. 3. Do mesmo modo que sao diferentes a natureza, 0 processo de formagio ou elaboracao e os requisitos de forma, naturalmente que se exprimem também de maneira diversa as discordancias que possam existir no tocante as duas realidades que vimos analisando. O dever de relatar a gestdo, sendo como vimos uma obrigagao que impende individualmente sobre todos ¢ cada um dos adminis- tradores, tem por eles de ser cumprido, anualmente, independente- mente do cumprimento das suas restantes obrigagdes como mem- bros do érgao de gestao. O dever de relatar a gesto é um dever de natureza distinta dos deveres normais de gestao (°). O dever de gerir, durante 0 exercicio, é do 6rgao de gestao. O dever de relatar a gest4o é dos membros desse 6rgao. ©) Cf. ALBERTO PIMENTA, ob. cit. nota 602. (®) Cfr. ILIDIO DUARTE RODRIGUES, ob. cit., 204 € ss. A RECUSA DE ASSINATURA DO RELATORIO ANUAL 939 E bem se compreende a distingao e as diferengas de natureza e de regime. Relatar a gestio, ndo , stricto sensu, gerir. Ao 6rgao colectivo compete gerir, aos membros do 6rgao competird relatar (descrever, expor, narrar) como decorreu a gestao (7). No ambito do processo de formago da vontade do érgiio de gest4o, tém os membros desse érgdo a faculdade de manifestar a discordancia antes, durante e depois de tomada a deliberagao. Antes de tomada a deliberag’o, durante a fase de discussio que precede necessariamente a votacdo, podem, querendo, manifestar verbalmente as razes da discordancia com a proposta que ird ser submetida & votagao. Durante a tomada de deliberagao, podem manifestar a discor- dancia, tenham-no ou nao feito verbalmente antes, votando contra 4 proposta, e exercendo por essa via o direito de oposigao (cfr. art. 72.°, n.° 3 do CSC). Depois de tomada a deliberagao, caso tenham votado vencidos, voltam a poder manifestar a sua discor- dancia, fazendo lavrar as suas declaragées de voto, de onde cons- tem os motivos da oposi¢ao. Por outro lado, para afastar a eventual responsabilidade civil pelos danos que a sociedade possa sofrer em consequéncia da deli- berago em que tenha participado (*), 0 administrador que partici- Pou na reuniao em que tenha sido tomada a deliberacdo tem obri- gatoriamente de ter votado desfavoravelmente 4 mesma. E, tendo-o feito, tem a faculdade, como se disse, de fazer lavrar a sua declaracao de voto. Mas nao é obrigado a fazé-lo. F4- -lo-4 apenas se entender necessério, por qualquer raz4o que nem sequer tem de explicitar. () Vd. Anélise te6rica dos tipos de administragdo (administragdo conjunta versus administragdo disjunta), de PINTO FURTADO (Cédigo Comercial Anotado, vol, I, t. 1, 63/64). Quanto aos tipos de estruturas de administrago de sociedades, analisando exaus- tivamente segundo a composicao e modo de funcionamento, vd. RAUL VENTURA € BRITO CORREIA, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades andnimas ¢ dos gerentes de sociedades por quotas, BMS 192/195, 192-30 e ss.). ©) Quando a deliberagdo deva ser tomada em reunido do conselho, os administra- dores que néio estejam presentes na reunitio ndo participam na deliberagdo (RAUL VEN- TURA e BRITO CORREIA, ob. cit., 195-36). 940 JOSE CARLOS SOARES MACHADO Se nao tiver participado na deliberagao colegial (©), isto é, se nao estava presente no momento da votagao, nao ter4 entéo qual- quer responsabilidade pelos danos que da mesma possam advir para a sociedade. E, neste caso, nao poder4 também fazer lavrar qualquer declaragao de voto (cfr. art. 72.°,n.° 1 e 2 do CSC). Nem de outro modo poderia ser: pois se nao votou contra a deliberagao tomada, nZo exercendo portanto o seu direito de oposigao a mesma, no pode ter 0 direito de efectuar uma declaracao que, por definigao, é uma explicacdo das razées do sentido do voto expresso (°). 4. No caso do relatério de gestdo, é diferente a forma como se manifesta a discordancia do administrador relativamente ao seu teor. Neste caso, tudo se passa de modo substancialmente diverso do que se descreveu para as comuns deliberagées colegi Os membros da administragio tém o dever de assinar o rela- tério de gestdo, dever que cede apenas perante o superior dever de defender os interesses da sociedade ('"). Assim, se 0 administrador entende que o relato, ou seja, a descri¢do, daquilo que foi a gestéo (°) Contudo, desde que autorizada pelo contrato de sociedade, é Iicita a repre- sentagdio de um administrador na reunido do conselho de administragdo. Porém, dentro de apertado condicionalismo, visto que ter de o fazer por escrito € s6 pode ser represen- tado por outro administrador. Acresce que a carta de representaco s6 pode ser conferida para uma reunido, pelo que s6 pode ser usada uma vez (RAUL VENTURA, Estudos vérios..., $44). () Estando o administrador presente na reunio do conselho, no ambito de um processo de votagHo s6 tem trés alternativas para que se considere que ndo votou no sen- tido que fez vencimento: ou nfo emite qualquer voto (siléncio ou abstengao técita), ov declara que se abstém de votar (abstengo expressa), ou vota declaradamente contra; $6 a auséncia ou 0 expresso voto vencido sio de considerar para efeitos de exclusto de res- ponsabilidade (neste sentido, vd. RAUL VENTURA e BRITO CORREIA, ob. cit., 195-37); cfr. ainda RAUL VENTURA, Estudos vdrios sobre sociedades andnimas — Comentério ao Cédigo das Sociedades Comerciais, 1992, 564). Resulta, portanto, inequivocamente claro que a declaraglo de voto de vencido nio 4 permitida ao administrador ausente ou ao abstencionista. Também no sentido de que ape- nas ao administrador que participou na reunisio ¢ lcito apresentar declarago de voto de vencido, vd. IL{DIO DUARTE RODRIGUES, ob. cit., 210. No mesmo sentido PINTO FURTADO, Cédigo Comercial Anotado, Vol. I t. I, 405. (*) Designadamente cumprindo o dever de vigiléncia relativamente ao actos pra- ticados quer pelo Grgfo a que pertencem, quer pelos restantes membros do mesmo. A RECUSA DE ASSINATURA DO RELATORIO ANUAL 941 no exercicio findo, ou as respectivas contas, nao correspondem in totum a verdade ou A realidade, conforme a vé, deve manifestar a sua discordancia pela nica forma prevista na lei: recusa a assina- tura desses documentos (cfr. art. 65.°, n.° 3 do CSC). Recusando a assinatura do relat6rio ou das contas (!2), o admi- nistrador tem entao o dever de justificar 0 seu acto. Dever para com os s6cios que o elegeram para exercer as fungGes de adminis- trador para que defendesse os interesses sociais. Por isso Ihe exige a lei que ele préprio explique perante a Assembleia Geral, aos sécios, perante quem tem a obrigagio de prestar contas, os motivos que o levaram a tao drdstica atitude (Cfr. art. cit., in fine; jana vigéncia da lei anterior, cfr. art. 33.° do Decreto-Lei n.° 49 381, de 15 de Novembro de 1969). A lei actual criou ainda a obrigagao para o administrador que Tecuse a assinatura desses documentos, de justificar nos préprios documentos tal recusa. Ou seja, o administrador deve, nesse caso, tomar duas atitudes: primeiro, justificar no préprio documento e, depois, explicar aos sécios, manifestando por estas formas expres- samente a sua discordancia com o constante do documento rejei tado. Estas formas de manifestar a discordancia com a posigao assumida pelos outros, no que toca ao relatério, so corresponden- tes 4 declaragao de voto para 0 caso da discordancia no tocante as deliberaces do 6rgio colegial. Em suma, a discordancia do membro da administragio com 0 sentido da deliberacao j4 tomada (acto de gestao) exprime-se pelo voto contra e explicita-se pela declaragdo de voto; a discordancia com 0 teor do relatério de gestdo exprime-se pela recusa de assi- natura e explicita-se pela justificagdo no préprio documento. Assim como os actos — de relatar e de gerir — em si mesmos sao distintos, também o meio de exercer 0 direito de oposigo, em cada um deles, é diferente ("°). (2) Sobre a recusa de assinatura do relat6rio, ndo existe —doutrina conhecida que desenvolva ¢ analise a questo, nem tio pouco jurisprudéncia, (9) Nao existe qualquer choque entre as duas situagdes. Uma vez que compete a0 conselho de administragao deliberar sobre relat6rios ¢ contas anuais, 0 administrador que discorde do relatério elaborado para ser submetido ao redo competente, deve votar ven- cido na deliberagdo desse redo, podendo entZo lavrar a sua declara¢o de voto. Porém, se a sua discordancia tiver que ver com a fidelidade do relatério ou das contas, deverd 942 JOSE CARLOS SOARES MACHADO 5. Também quanto & forma, em sentido técnico-juridico, de explicitar as razées da discordancia, o regime legal é distinto. Assim, se para a justificagdo da recusa a lei nao estipulou qualquer forma especial, o mesmo nao acontece para a declaragao de voto. Aquela deve ser dada no proprio documento e deve cons- tituir, como decorre alids, da propria designacao legal, uma simples justificagdo, breve e sintética, cujo unico intuito é 0 de fazer cons- tar no documento uma chamada de atengao para a tomada de posi- a0 do administrador discordante bem como para a motivagao genérica da discordancia. No Ambito de uma simples justificagdo, 0 desenvolvimento da motivagdo e a sua pormenorizag4o nao tém cabimento algum. A existéncia desta no préprio documento tem apenas 0 objectivo de chamar a atengo dos sécios, reservando-se 0 desenvolvimento, aconcretizacao e a pormenorizacao para o lugar adequado: a expli- cago pelo préprio na assembleia geral. Por isso a lei criou esta dupla forma de explicitar a discor- dancia, em duas fases, primeiro uma simples justificagao escrita no documento e depois uma mais desenvolvida explicagdo que, embora pessoal, ficaré também escrita, mas na acta da assembleia geral. No caso da declaragdo de voto, tudo se passa de modo subs- tancialmente diferente. Depois da explicitagao escrita na acta mais nenhuma explicagéo complementar esta prevista, pelo que se revela essencial que a explicitagdo feita seja completa, e com todo © desenvolvimento necessdrio & total compreensdo imediata da motivagao da oposigao. Nesta declarag’o de voto tem de ficar a constar tudo o que 0 administrador queira dizer para justificar 0 sentido do seu voto, j4 que nao se prevé mais nenhuma explicacao posterior. Por outro lado, quanto 4 forma propriamente dita, poderd o administrador optar por trés possibilidades em alternativa: ou a faz lavrar no préprio livro de actas, situaco mais comum, ou através ainda o administrador discordante, nesse caso, recusar a sua assinatura, justificando a recusa no documento a que respeita e, depois, explicar a sua atitude perante a assembleia geral; neste sentido, vd. ILEDIO DUARTE RODRIGUES (0b. cit, 205). A RECUSA DE ASSINATURA DO RELATORIO ANUAL 943 de instrumento notarial adequado, ou a dirige por escrito ao Orgéo de fiscalizagao. 6. _E, finalmente, também é divergente o regime legal da jus- tificagao/explicagao da recusa e o da declaragdo de voto no tocante ao momento da respectiva explicitagao. Aquelas sdo necessariamente imediatas, isto é, devem ser Produzidas no momento. A justificagio no momento da recusa da assinatura, e a explicagdo na altura em que, na assembleia geral, estiver a ser discutido o documento. Para esta — a declaragdo de voto — confere a lei um prazo (que se conta seguidamente, nos termos do direito civil substantivo) de cinco dias. Bem se compreende, igualmente neste ponto, a diferenga de regimes. E que, como jé acima tivémos ocasiao de afirmar, enquanto a justificagdo € breve e genérica e susceptivel de ser desenvolvida e pormenorizada na posterior explicagdo aos sécios, a declaragao de voto tem de ser feita de uma s6 vez e deve portanto ser redigida com o maior cuidado e ponderagao. A declaragao de voto nao é necessariamente seguida de qual- quer explicagdo em assembleia geral, isto é, 0 administrador nao é obrigado a ir pessoalmente explicd-la aos sécios, ao contrério do que acontece com a recusa de assinatura, em que o administrador € obrigado a fazé-lo. E que a lei considera sem divida muito mais grave a recusa de assinatura do que o simples voto desfavordvel. 7. Referidas as diferengas principais entre as duas figuras em questao, importa confrontar a interpretacdo resultante das nor- mas legais citadas, e aplicaveis As sociedades em geral, com as nor- mas préprias das sociedades anénimas. Nenhuma dificuldade de maior parece oferecer tal confronto. Na verdade, nada hd nas normas préprias do Cédigo das Socieda- des Comerciais aplicavel especificadamente as sociedades anéni- mas que ponha em causa 0 que acima ficou dito. Deter-nos-emos, contudo, muito brevemente na interpretagao do art. 406.°, cuja alf- nea d) pode parecer, numa primeira leitura, contrariar, ou melhor, desviar-se do acima defendido. 944 JOSE CARLOS SOARES MACHADO De facto, sob a epigrafe «Poderes de gestio», diz-nos o referido artigo que ao conselho de administragao compete «deliberar sobre qualquer assunto de administragao da sociedade». A redac¢do nao é certamente a mais feliz, j4 pela redundancia resultante da utilizagao do mesmo termo («administracio») que designa o drgao, e que simultaneamente delimita 0 ambito da competéncia, quer até pela quase inutilidade (referimo-nos ao corpo do artigo) de estabelecer um comando que no limita nem acrescenta a competéncia do 6rgao. Em todo o caso, dele resulta certamente que o conselho tem os mais amplos poderes de gestao da sociedade. Mas também a epigrafe nao pode ser isenta de critica, pois que na enumeraco, expressamente exemplificativa, se inclufram assuntos que ndo sdo abrangfveis por um conceito rigoroso de ges- tao de empresa. Neste nao podem indiscutivelmente ser incluidos, como actos de gestao de uma empresa, por exemplo a «escolha do seu presidente», ou a «cooptagio de administradores», e certa- mente também nao «o pedido de convocacio de assembleias gerais». Isto para j4 nao falar da incluséo numa enumeracao de car4cter exemplificativo do poder de deliberar (cfr. al. n)) sobre qualquer outro assunto... Assim, a expressao usada na epfgrafe tem de ser interpretada amplo sensu, com um significado no rigoroso do ponto de vista técnico e abarcando tudo o que diga respeito 4 vida da empresa € nao seja da competéncia de qualquer outro érgao. Assim sendo, nao se pode estranhar que entre a referida enu- meragao conste o poder de deliberar sobre «relatérios e contas anuais» (al. d)). Tal quer apenas significar que, no caso especifico das sociedades anénimas (uma vez que idéntico preceito se nao encontra na lei para qualquer outra forma de sociedade), sobre o relatério de gestéo — nao obstante feito sempre em obediéncia ao estipulado no artigo 65.° — elaborado pelos administradores, deverd recair deliberagdo do conselho ('*). (Esta questo ¢ também tratada por IL{DIO DUARTE RODRIGUES (0b. cit. 204 e ss.), embora com muito menor desenvolvimento do que fazemos no presente estudo (cfr. notas 4, 6, 11 € 13 supra), mas de forma idéntica & que seguimos e com bastante cla- reza. A deliberaco sobre o relatério e as contas anuais integra a competéncia indelegavel do conselho de administrago, (no mesmo sentido cfr. NOGUEIRA SERENS, Sociedades ‘Andnimas, Dir. Emp., INA, 1990, 524). Embora se trate de uma fungdo do conselho de A RECUSA DE ASSINATURA DO RELATORIO ANUAL 945 Tal determinagdo, conjugada com os referidos artigos 65.° 72.°, entre outros, em nada afecta o que acima defendemos rela- tivamente a interpretacao destes dois artigos. Relatério e delibera- 4o sao independentes e tém os seus regimes préprios que, no caso das sociedades anénimas, nao se excluem nem se contrariam, antes se aplicando cumulativamente, sempre sem prejuizo das respecti- vas especificidades. Assim, nas sociedades andnimas, elaborados que so 0 relaté- Tio de gestdo e as contas anuais, devem esses documentos ser sub- metidos a deliberagao do conselho de administragao, e os adminis- tradores que participem na deliberagdo e votem desfavoravelmente poderao, nesse momento ou dentro do prazo legal, fazer lavrar as suas declaragées de voto. Os documentos em questo sdo assinados pelos respectivos membros do conselho, e devem ser remetidos de imediato ao con- selho fiscal para obtengao do respectivo parecer e posterior sujei- ¢ao a apreciagdo da assembleia geral, nos termos da lei aplic4vel. Qualquer dos administradores que tenha votado desfavoravel- mente poderd entdo recusar a assinatura dos documentos. Nao é porém forcoso que o faga, pois, tratando-se de decisdes indepen- dentes, as razGes para votar desfavoravelmente o relatério podem nao ser bastantes para justificar uma recusa de assinatura do mesmo. Esta é uma atitude mais radical, que ter de ter motivagdes de maior gravidade do que um simples voto contra ("‘). Por exem- plo, a deficiente indicagao, na opiniao de um administrador, de algum dos elementos enumerados no artigo 66.°, n.° 2 do CSC pode ser motivo para votar desfavoravelmente o relatério, mas nao sera justificacao bastante para uma recusa de assinatura. administragao enquanto érgio colegial, anda de par com poderes, deveres e fungdes indi- viduais dos administradores. Assim, se a colegialidade € de facto exigida para o exercicio das fungGes normais de gestfo, é manifesto que, no que se refere ao relatério de gestio € contas do exercicio, sobre os administradores individualmente considerados recaem com particular intensidade os deveres de fiscalizagao, de intervengao de oposigao, relativa- mente as deliberagdes do érgao colegial e & actuago dos restantes administradores. Cada administrador tem 0 dever individual de tudo fazer para garantir a fidelidade ¢ a clareza exigidas no relatério (ibidem, 204). () Como, por hipstese, a jé referida (nota 13 supra) falta de fidelidade do relaté- rio, ou seja, a insergdo no mesmo de informagées ou dados que niio correspondam a reali- dade. 946 JOSE CARLOS SOARES MACHADO Admitimos contudo que, na maior parte dos casos, os admi- nistradores que votem contra o relatério recusem também a assi- natura do mesmo. Neste caso, como deix4mos referido, o administrador deveré justificar logo no momento a sua recusa, tendo mesmo a obrigagao de o fazer. Mas uma vez completado o processo de elaboragao, aprovacio e assinatura, fica perfeito, juridicamente, o documento, devendo ser enviado aos outros 6rgios, e nao sendo licito a nenhum administra- dor nele introduzir qualquer alteragdo ou modificagao, designada- mente retirando ou acrescentando 0 que quer que seja. 8. Vejamos, agora, em que medida 0 nado cumprimento da obrigacao de justificar e explicitar os motivos da recusa de assina- tura pode constituir violacao de outros deveres dos administradores. Nao existe na lei nenhuma enumeragao ou mesmo simples classificagio dos deveres ou obrigacées que impendem sobre os administradores das sociedades (!©). Nem seria provavelmente pos- s{vel conseguir enumerd-los exaustivamente até ao mais infimo, j4 que a diversidade e a amplitude das préprias fungdes dos adminis- tradores 0 tornaria tarefa impossivel ('7). Sob 0 ponto de vista das fontes, hi obrigagdes que decorrem da lei, obrigagdes que decorrem do contrato social, das delibera- (5) Jéna vigencia do C.Com. no existia qualquer enumeragdo nem mesmo clas- sificagdo das obrigagdes dos administradores e gerentes das sociedades comerciais. RAUL VENTURA e€ BRITO CORREIA (Responsabilidade Civil dos Administradores, BM) 192/209, 103 e ss.) fazem uma classificago, por fonte, sujeito activo € conteddo, e uma ‘enumeragéo das principais obrigacbes dos administradores com base nas referéncias legais directas ¢ indirectas. Para uma enumeracdo resumida das obrigagdes dos administradores, classificadas segundo resultam da sua dupla fungdo de mandatérios ou de Srgios da sociedade, vd. ASSIS TAVARES, As Sociedades Anénimas, vol. 1, 204/205. () No sentido de que ni seria possivel existirem disposigdes enumerando exaus- tivamente os deveres dos administradores, dado que 0 objecto social, a vontade ¢ a imagi- ago dos sécios que aprovam os estatutos ¢ deliberagdes sociais e outras diversas circuns- tncias condicionam a existéncia e os caracteres de muitos desses deveres, vd. RAUL VENTURA ¢ BRITO CORREIA, Responsabilidade civil dos administradores, 192-104. Estes autores fazem uma enumeraco exemplificativa, identificando trinta deveres para 05 administradores das sociedades anénimas, quer expressamente estabelecidos nas leis & data vigentes, quer indirectamente definidos através das infracgdes previstas como constitutivas

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