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moral matrimonial O MATRIMONIO ENTENDIDO E VIVIDO COMO VOCACAO Entre os enfoques com que se pode visua- lizar 0 matriménio iremos salientar este: 0 matriménio como vocacao. Nos cursos de noi Vos que nossas pardquias promovem em_pre- parac&o ao casamento, temas diversos sio a- bordados, como: “amor e didlogo”, “fisiologia do aparetho reprodutor masculino ¢ feminino”, “psicologia do homem e da mulher”, “harmonia sexual”, “economia do lar”, “aspectos juridicos do casamento”, ‘‘vivéncia’ do sacramento do matriménio". Esses e cutros assuntos sdo, de fato, muito bons e mesmo indispensdveis para @ vida dos casais. Porém nem sempre aparece, nesses cursos, 0 enfoque da Vocacao, a qual em todo casamento, destinado a durar enquan- to viverem os cOnjuges, precisa ser discernida, assumida e cultivada. No desenvolvimento que vamos dar ao nos- so tema, comecaremos procurando mostrar al- guns aspectos com que aparece, na linguagem comum e na linguagem da Igreja, a palavra “yocagdo”. A seguir, nos deteremos em refletir sobre 0 proprio contetido do matriménio en- quanto ¢ entendido como vocacdo, vendo tam- bém que este contetido nao estd isolado de outros aspectos da vocagao do homem. Final- mente, procuraremos fazer sentir a forca da vocapao que exige e dinamiza a missdo no ma- triménio. I. © QUE £ VOCACAO © termo vocacao tem multiplos empregos. Eis alguns exemplos. Usam-no os psicélogos na orientagéo de jovens para a escolha de uma profissdo. A Igreja fala de vocacéo para 0 sa- cerdécio ministerial e para a vida religiosa co- mo vocacées especificas dentro da vocacao cris- ta. E comum referirse & vocacéo de todo ser humano a realizarse como pessoa. A prépria Teologia trata da vocagdo transcendental do homem. 1.1, Vocacao na perspectiva da escolha de profissao Na perspectiva da orientacdo para a esco- Iha de profissio, 0 psicdlogo Paulo Rosas de- fine a vocacio como uma “imperiosa atracao ‘que as pessoas sentem por determinada ativi- dade profissional e que corresponde ao quadro basico de suas aptiddes” !. Na estrutura social estdtica da Idade Média, as profissdes eram ti- Pe. José Maria Fructuoso Braga das como “vocacées” no sentido de chamamen- tos divinos. Conforme tal mentalidade, Deus chamaria os filhos a seguirem a profissdo dos pais, con- servando cada qual o lugar que a Providéncia Divina thes teria reservado dentro da soci dade. Hoje, com uma agucada consciéncia his- torica e critica, o homem sabe que as estrutu- ras sociais precisam ser transformadas por ele mesmo e que o lugar de cada um vai ser con- quistado & medida que os préprios homens criarem condigdes para a livre escolha da pro- pria profissao, respeitando as aptidées © capa- cidades de cada um e as exigéncias do bem comum, Por isso, na perspectiva da orientacéo para a escolha de profiss6es, a vocacdo vai d pender do discernimento das aptidées e capaci- dades de cada pessoa, porém dentro de uma sociedade organizada na justica, em que exis- tam iguais oportunidades para todos, Somente se poder falar de chamamento divino com relacdo A profissdo, enquanto Deus se manifes- ta dentro e através das realidades histéricas, querendo o homem “muito humano”, no dese1 volvimento harmonioso das préprias potencial dades, em favor de toda a comunidade. 1.2. Vocagao na_perspectiva eclesial Na Igreja costuma-se denominar vocacdo especifica & descoberta que um jovem faz de que sua realizacdo crista se verificaré. torn dose ele disponivel para assumir o ministério presbiterial ou discerne que seu “jeito de amar” s6 deslanchara plenamente se ele se fizer reli- gioso ou um leigo consagrado. A Igreja tem Consciéncia de que Deus chama a todos a vive- rem a “novidade” do Evangelho e este chama- mento constitui_a vocagao cristé (Ef 4,1). E que, na edificagdo do. Corpo de Cristo (Ef 4, 12), existem dons diferentes (1Cor 12,4) e fun- goes diversas (Ef 4,11). As vocagdes especificas se inserem entre tais dons e fungoes, tendo o Espirito Santo como fonte (1Cor 12.14; Ef 4, 711), supondo porém — para a avaliacdo con- creta da vocacdo — aptidoes e capacidades pe- soais. A graca divina, os dons de Deus, se ex: perimentam dentro da propria histéria dos ho- mens? ‘Na pastoral vocacional que se promove a- tualmente, em geral se coloca a vocagdo ao ma- triménio ao lado da vocacao ao ministério pres- biteral e da vocaco & vida consagrada: séo VIDA PASTORAL — JULHO-AGOSTO DE 1980 — 25 vocaces entendidas como opedes de estado de vida na comunidade eclesial. Examinaremos, logo mais, 0 matrimonio como vocacao. 1.3. Vocagao a ser pessoa A vocacio a ser pessoa consiste na desti- nagao de cada ser humano a descobrir e viver @ sua prépria identidade. A psicologia profunda ajuda a efetivar esta descoberta quando abre pistas para o individuo atingir, através de uma caminhada muitas vezes dolorosa, a totalidade do proprio ser. Na experiéncia da propria identidade esta 0 ponto de partida para a res- posta & vocacdo a ser pessoa, atuando cada um as proprias ‘potencialidades e integrando os varios niveis de sua personalidade. Entretanto, esta descoberta da identidade e 0 desenvolvi- mento da pessoa acontecem através dos rela- cionamentos interpessoais. E hoje se tem cons- ciéncia da interado que se verifica constante- mente entre pessoa, comunidade e estruturas da sociedade. A, resposta & vocacao a ser pessoa se realiza mediante esta interacao. 1.4. Vocagdo transcendental A vocacio transcendental do homem est4 na sua destinacdo para Deus como aquele que criou 0 mundo'e 0 homem, e para o qual con- verge toda a criacao. O homem tem a experién- cia de que Deus é 0 sentido radical da huma- nidade e da histéria que os homens constroem € 0 sentido ultimo de toda a criagao. Ao mes- mo tempo percebe que ele, “imagem de Deus” (Gn 1,27), € chamado a dominar o mundo (Gn 1,28) e a ser irmao de todos os outros homens; tudo isto, porém, dentro da convergéncia de toda a criacéo para Deus, do qual ele é cha- mado a ser filho (Mt 6,9). E no contexto da vocacéo transcendental do homem, da convergéncia para um sentido radical, que se situa a vocaco a ser pessoa, a vocacao cristé (Ap 21,6) — na qual estado in- seridas as vocacdes.especiais da _comunidade eclesial —, a vocacdo relativa as opgdes pro- fissionais. © matriménio como vocacao, — que a se- guir passaremos a tratar —, também participa da vocacdo transcendental do homem, No ma- triménio também se revela a vocacao a ser pessoa. A prépria vocacéo em ordem & profis- sdo poderé ser contactada com o matriménio. II. © MATRIMONIO £ UMA VOCACAO 2.1. Duas formas de realizar a vocacdo crista ‘A experiéncia histérica mostra que onde existem comunidades cristas auténticas, af es- to presentes a “virgindade” livremente assu- mida como “vocacio” e, 0 “matriménio” igual- mente vivido como “vocacéo” (1Cor 7,7). Em todos os tempos, homens e mulheres optaram pela consagracdo de sua virgindade ao Senhor (iCor 7,32:34) por causa do Reino de Deus (Mt 19,12) se doaram inteiramente ao servi G0 dos irmaos. Hoje, muitos religiosos e reli- giosas, assim como muitos leigos consagrados, Consomem suas energias no setvico dos mais pobres, por causa da justica (Mt 5,6.10). Tam- bém numerosos casdis cristdos, através dos tempos, testemunharam o amor de Cristo pela Igreja (Ef 5,25) vivendo profundamente o amor familiar. E quantos deles que hoje inte- gram nossas comunidades cristas como espo- sos e pais, a partir da vivéncia do Evangelho no lar, se fazem soliddrios na uta pela cons- trucdo de uma sociedade justa. Quando um homem e uma mulher que se amam — e, por serem cristéos, amam-se “no Senhor” (Ci 3,18) — chegam A conclusao pré- tica de que, para eles, a vida sé tera sentido se constitufrem uma comunidade de amor, 0 matriménio entdo aparece como uma maneira de viver a vocagao crista. E 0 seu amor con- jugal torna-se a visibilizacio do amor com que Cristo ama a sua Igreja (Ef 5,25). O préprio atrativo que leva um jovem e uma jovem ao namoro e a0 casamento, poderd pois, em de- terminadas condicdes, ser interpretado como “sinal” de uma vocagdo matrimonial. 2.2. © matriménio é vocacao ao amor © matriménio, sempre que firmado sobre © amor verdadeiro, possui uma dimensao trans- cendental, que supera as pessoas concretas dos esposos. "O homem suspira por um amor eter- no e profundo, Na verdade, 0 que ele ama nao é tanto a outra pessoa, mas o mistério da pes- soa que nela se revela e se encarna nela, mas PROJETAMOS - FUNDIMOS - INSTALAMOS - SINOS E CARRILHOES <> FORNECEMOS ESTRUTURAS - CO- MANDOS ELETRICOS - RELOGIOS PROGRAMADORES Fundigao Artistica de Sinos CRESPI Ltda. 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Esta dimensdo de um amor conjugal que atinge 0 mistério da pessoa revela 0 matrimd- nio como vocacdo, qual uma forma de viver a participacdo no amor que € Deus (1Jo 4,8) ¢, para os cristo, qual uma maneira de realizar a vocacao crista, que sempre é uma vocacao para 0 amor: pois Cristo resume no manda- mento do amor o modo de ser seu discipulo (Jo 13,3435; 15,12-17). 2.3. O matriménio € vocacao a reciprocidade O matriménio tem uma dimensdo pessoal. Retine um homem concreto e uma mulher con- creta. Supde que ele ¢ ela se apresentem ao casamento numa etapa de “personificacdo” que os tenha tornado capazes de uma opgao defini tiva para a vida conjugal. Por isso o matrimé- nio, enquanto vocagao, tem suas raizes na vo- cacao a ser pessoa. Supe: que o homem e a mulher candidatos ao casamento tenham des- coberto cada qual a propria identidade, nos varios niveis da personalidade, inclusive no nf- vel da sexualidade. Exige que cada um tenha assumido e esteja integrando progressivamen- te, em amor, a sua prépria masculinidade ou a sua feminilidade no todo da pessoa A identidade de cada pessoa, porém, é ex perimentada e aprofundada através. dos rela- cionamentos interpessoais. De maneira particu- lar, a identidade masculina e a feminina se descobrem e aprofundam no relacionamento entre os dois sexos. Deste modo a vocacao a ser pessoa — € pessoa de determinado sexo — se atua nos relacionamentos interpessoais. Nao basta, porém, o assumir cada um a sua propria personalidade, também no nivel da sexualidade, através da convivéncia humana, Para que ai esteja presente a vocagio matri- monial. Esta se manifesta tao somente quando um homem e uma mulher, além de se amarem experimentarem um miituo atrativo, desco- brem que a identidade de cada um deles pre- cisa da comunhao de vida e de amor do outro para seu pleno desabrochar. Esta reciprocidade que 0 conhecimento progressivo e o amor em progressivo amadurecimento chegam a discer- mir, constitui um sinal bastante seguro de que um e outro poderao assumir o matriménio co- mo sua vocagao. E mesmo sem ter encontrado definitivamente a pessoa reciproca, podera al- guém discernir que sua vocacao é 0 matrimé- nio, quando percebe que s6 poder realizar-se, plenamente, na total comunhao de vida e de amor com uma pessoa de outro sexo. O matriménio como vocacao, portanto, tem suas raizes na vocago a ser pessoa. Liga-se & experiéncia — que alguém vai tendo e amadu- recendo — da necessidade de uma pessoa re- ciproca para com ela comungar em todas as dimensdes da existéncia. 2.4. Amor Pluridimensional © amor conjugal é pluridimensional. Ma- nifesta-se como “filia” ou amizade, que une os espiritos do esposo e da esposa. Traduzse como “libido”, que busca a satisfagao dos sen- tidos no prazer. Tem uma dimensao mistica, enquanto impulsiona para o bem e 0 belo den‘ tro da vida conjugal. E “dgape”, enquanto “amor de doacdo”, que participa do amor que € 0 proprio Deus. Todas essas dimensées so necessdrias ao amor conjugal, porém todas es- sas formas de amor precisam estar integradas no todo da pessoa de cada um dos cénjuges e na globalidade dos relacionamentos entre o marido e a mulher. Um desses niveis de amor poderé sobressair em determinadas situacées, porém nenhum deles devera faltar. O “agape”, penetrando as outras formas de amor no todo da pessoa, atua como critério da autenticidade e garante a harmonia entre os varios niveis do amor. De fato, 0 amor “é de origem divina e € também humano como nada existe assim humano. E ‘ao divino que nenhum CONRADO SORGENICHT FILHO Conrado Vitrais e Cristais Ltda. Al. Santos, 1.222 — 18 Apto. 186 — CEP 01418 SAO PAULO — SP — FONES: 287-5174 287-3733 Vitrais e Vias-Sacras. Especialistas em restauragao de vitrais antigos. TRADICAO EM ARTE SACRA DESDE 1888 Restaurador dos vitrais da Basilica Abacial de So Bento, em Sao Paulo ¢ das Catedrals de Ribeiraio Preto e Fortaleza. PECA ORCAMENTOS E DESENHOS VIDA PASTORAL — JULHO-AGOSTO DE 1980 — 27 homem, por si mesmo, seria capaz disso; e to- davia 120 humano que nenhum homem pode ser mais humano, mais afavel e gentil do que por este amor divino. 0 amor (4gape) nao redi- me 0 eros destruindo-o, Abre ap eros sensual, © verdadeiro valor da pessoa amada. & muitas Yezes um processo muito doloroso e duro; por- que entre 0 amor de que o homem naturalmen- te é capaz e a forca do amor vinda de Deus, estd a cruz, esta o sacrificio. A transformacao, s6 acontece a este preco. Deve-se pensar bem em tudo isto, se se quer compreender os re- quisitos que 0 amor coloca nas relagées hu- manas” * O matriménio seré entendido e vivido co- mo vocacao & medida que nele se realizar a co- munhao dos esposos em todos esses niveis do amor, dentro das contradigées da vida coti- diana. Quando os esposos assumem as tarefas didrias e quando na alegria celebram uma fes- ta familiar. Quando geram e educam os filhos, ou quando se situam dentro dos acontecimen- tos sociais e participam do compromisso de transformar a sociedade. 2.5. A resposta & vocacto Na resposta & vocacdo matrimonial os es- posos concretizam sua resposta & vocacdo a se~ Tem pesscas, pois a vida, assumida com serie- dade no amor reciproco, aperfeigoa a originali- dade de cada um deles. Esta resposta, quando for.dada na totalidade das exigencias do ma- triménio, € um modo de viver a vocagao crist Se for tomada na perspectiva da misso exigi- da pelo proprio matriménio como vocagao, le- vara ao exercicio responsdvel também da pro- fissdio, tanto em vista da propria familia como em vista do testemunho cristao no ambiente do trabalho. Ill. VOCACAO E MISSAO Toda vocacdo inclui uma missdo. “Missao” significa ser enviado para realizar determinado objetivo. © matrimonio entendido como vo- cago se dinamiza como missao. 3.1, Missao no lar A partir do Concilio Vaticano II, o préprio magistério da Igreja abandonow a distingdo que se costumava fazer entre fins primdrios e fins secunddrios do matrimonio: os primeiros com- preendiam a geracdo e educacdo da prole e en- tre os segundos se colocavam a ajuda reciproca dos esposos e 0 casamento como “remédio a concuriscéncia” *. O Concflio Vaticano, II as- sumiu a visdo personalista com a qual tedlogos, ja no século XIX, entendiam o matriménio, ¢ se referiu a ele nestes termos: “a intima co- munhdo de vida e de amcr conjugal que 0 Cria- dor fundou dotou com suas leis” (Gaudium et Spes n. 48/350). Dentro desta concepeao personalista, a mis- so dos esposos, no lar, € viver intensamente esta comunhao de vida e de amor em todas as suas dimensées, tanto no cotidiano como. em situagées extraordindrias. A partir desta vivéncia do amor os esposos, em resposta a sua vocagao matrimonial, sentem-se responsé- veis por gerar os filhos que a realidade deles, ada sua familia ¢ a da sociedade permitem mesmo exigem venham a ter. Os filhos serao, pois, “frutos do amor" responsdvel ¢, por isso mesmo, serao acolhidos com amor. E neste cli- ma de amor responsdvel a vida sera sempre respeitada, mesmo quando sobreviesse uma gravidez nao programada. Os pais, se tém a missdo de gerar, tém — em continuidade — a missao de educar os Thos. Educagao que vai exigir presenca e didlo- go dos esposos no lar e muita abertura para conhecer e compreender os “sinais dos tem- pos” a fim de nao éducar fora da realidade, No processo de educacéo dos filhos é que mui- tas vezes os pais se reeducam. Aos pais cristdos compete a missao de se- rem os primeiros educadores dos filhos na fé, da qual eles mesmos precisam ser testemunhas junto aos filhos. © Concilio Vaticano II declarou explicita- mente: “Os filhos s40 0 dom mais excelente do matriménio e constituem um beneffcio maxi- mo para os proprios pais” (GS n. 50/357). Os esposos, “no oficio de transmitir a vida e de educar — que deve ser considerado missao prépria deles — sao cooperadores do amor di Deus Criador e como que seus intérprete: (GS n. 50/358). 3.2. Missao na sociedade © matrimdnio, entendido como vocacdo, tem uma miso a exercer na sociedade. Seria ingénuo pensar hoje na familia como “célula da sociedade” se ‘se pretendesse dar a esta expresso 0 mesmo sentido que tinha quando aestrutura econdmica da sociedade se baseava nas familias como unidades econdmicas. Sabe- mos que é principalmente a estrutura da so- ciedade que determina os tipos de familia de hoje. Basta pensar numa familia de classe mé- dia alta, preocupada com 0 “status” e despreo- cupada com o didlogo familiar, ou no modo de ser de uma familia pobre, cujos marido e mu- Iher precisam passar 0 dia todo fora de cas: trabalhando como. operarios, para que os Ihos tenham comida e roupa. Dizemos, porém, que apesar disso.ou, antes, por isso mesmo, a familia — a partir do matriménio entendido e vivido como vocacio — tem uma missdo a exer- cer na sociedade, ‘A misso de educar os filhos exige dos pais uma consciéncia critica que naturalmente in- flui na_visdo de realidade que vao tendo os filhos. Sobretudo quando os pais so trabalh: dores do mundo operario, entao a consciéncia critica e 0 espirito de solidariedade que tive- rem para com os outros trabalhadores, reper- cutirdo beneficamente em toda.a familia, a qual dara apoio as justas reivindicagdes sociais em que as classes trabalhadoras estiverem empe- nhadas. Os movimentos populares sadios cons- tituem um campo propicio para o engajamento familiar como temos observado ultimamente: certos Clubes de Maes que se conscientizam 28 — VIDA PASTORAL — JULHO-AGOSTO DE 1980 € tomam posicdes em favor da comunidade de bairro, 0 movimento contra 0 alto custo de vida, que reine donas de casa, jovens e chefes de familia 3.3. Missao na Igreja Esta missdo é peculiar ao matrimonio cris- to. Como “batizados” e pelo sacramento do matriménio, os esposos cristaéos que, vivendo “no Senhor” o amor familiar, geram e educam 0s filhos no espirito de fé, constituem — com toda sua familia — uma “espécie de IGREJA DOMESTICA” (constituicdo. LUMEN GEN- TIUM n. 11/30): Esta “Igreja Doméstica” é considerada pe- la 3: Conferéncia Geral do Episcopado Latino- “Americano, em Puebla, como um “centro de comunhao e participagao” com a missdo de evangelizar. Em primeiro lugar a familia h de sé auto-evangelizar, educando ou reeducando na fé todos os seus membros. Nesta auto-evan- gelizacdo situa-se a consciéncia eclesial que pre- isa possuir toda a familia. As conclusdes de Puebla dividem em trés_unidades principais 0 contetido da evangelizacao: a verdade sobre Je- sus Cristo, a verdade sobre a Igreja ¢ a ver- dade sobre 0 homem. E lembram que a evan- gelizacdo se realiza quando leva a opgSes con- cretas. A consciéncia eclesial existe na familia se esta chega as mesmas opedes preferenciais que a Tgreja Latino-americana fez: a opedo prefe- rencial pelos pobres ¢ a opedo preferencial pe- los jovens, cuja maioria, na América Latina, € pobre e eles, os jovens, representam a forea capaz de transformar nossa sociedade, de in- justa em uma sociedade justa. A “mentalidade” de uma familia e seu estilo de vida é que vao atestar a autenticidade de suas opgdes prefe- renciais. ‘A missio do matrimOnio na Igreja se es- tende & participacdo consciente dos membros de uma familia na comunidade eclesial. Nao se trata apenas de uma presenca para receber os sacramentos ou para a catequese dos filhos na paréquia. Trata-se principalmente de os mem- bros da familia assumirem o seu lugar na co- munidade eclesial de acordo com os dons re- cebidos de Deus (1Cor 12,46) ¢ as necessidades do servigo do povo (1Cor 12,7). E necessério distinguir entre a simples participacao em al- guns movimentos que satisfazem a certo tipo de consciéncia cristé enquanto ajudam o rela- cionamento conjugal, mas nao levam a um compromisso em ordem a opgao preferencial pelos pobres, e a participacao ativa crista, por exemplo, numa Comunidade Eclesial de Base, comprometida com a vida do povo. ‘A missao do matriménio cristéo, em nome: da propria missao eclesial, vai compreender, pois, a propria missdo dentro da sociedade. E a familia crista, cultivando valores humanos auténticos, poder sustentar tomadas de posi- 0 em ordem social e politica que iréo desen- cadear um proceso de mudancas profundas na sociedade, Evidentemente, essas tomadas de posicéo néo sao especificas da familia, mas po- dem e devem encontrar nela apoio. Por isso, fa- zem parte da misso da familia crista, como re- sultado da compreensio do préprio sentido do matriménio como vocagao. 3.4. Vocacio, missio e realidade ‘A vivéncia da vocacio matrimonial se ava- lia pela vitalidade com que se assume e¢ se realiza a missio no lar, na sociedade e na Igreja. A realidade é sempre diferente da teo- ria. Por isso, 0 estudo do matriménio como vocagao precisa estar atento A realidade de ca- da familia assim como: de cada pessoa que se prepara ao casamento. O matriménio nao sera assumido como vocacdo nem esta se concreti- zaré em missdo, sea realidade concreta das pessoas e das familias dentro da sociedade e da Igreja ndo for o ponto de partida para 0 estudo e para a pastoral em relagio ao ma- triménio. CONCLUSAO Muito freqiientemente o matriménio néo é entendido nem vivido como vocacdo. A. pastoral vocacional poder contribuir bastante para des- pertar a atencao dos jovens sobre a dimensdo vecacional do matrimonio. E se tiver 0 cuidado de relacionar vocacdo e missdo no matriménio, estar despertando a juventude para a com: preens&o dos servigos e ministérios a serem criados ¢ assumidos nas comunidades eclesiais. Realmente, a missdo dos esposos e de toda a familia, na Igreja, como vimos, ndo é apenas a freqiiéncia para’ receber os servicos da Igre- ja: € sobretudo para exercer os servigos em favor da comunidade. ‘Na preparaco ao casamento, que nao pode limitarse a cursos de noivos, também o en- foque vocagdo-missdo precisa ser colocado ¢ acentuado, a fim de que o proprio sentido sa- cramental’ do matrimonio nao fique reduzido ao ambito do lar. 0 sacramento é sinal princi- palmente na comunidade eclesial e na socieda- de, em que vivem as familias cristas: 0 sinal € observado pelas atitudes concretas dos ca- sais e de todos os membros das familias cris- tas. A pastoral familiar, que s6 alcanca eficién- cia plena quando inserida numa pastoral de conjunto, terd presente de modo particular a interacdo familia-sociedade e, por isso, com- preendendo o matriménio como vocagao, preci- sara rever a orientacdo que os movimentos fa- ‘miliares de Igreja dao aos casais. Nao basta que a vida interna do casal va bem. Importa que esses movimentos levem os casais a assu- mir sua missdo na sociedade, a qual tem ne- cessidade de testemunho cristo e de pessoas comprometidas com a justiga social. ' Pauto Rosas, Vocagdo ¢ Profissdo, Editora Vozes, Petrépolis, 1977, p. 117. S'Leoxano Borr, A Grara Libertadora, Editora Vozes. Petropolis, 1976, -p. 51. 3 Ferepa Forpizam, Introduedo a Psicologia de Jung, Editora Verbo/EDUSP,, Sao Paulo, pp. 6374. ¥ Leoxarpo Borr, O Destino do Homem ¢ do Mundo, Editora Vozes, Petropolis, 1973, p. 130. 5 Franz BORKLE, Rapporti Prematrimoniali, 2+ |, Queriniana, Brescia, {tdlia, 1969, p. 17. © Cédigo de Direito’ Canénico, c. 1018 § 1. VIDA PASTORAL — JULHO-AGOSTO DE 1980 — 29

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