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Legislagao Ambiental Brasileira: Evolugao Histérica do Direito Ambientalx Aws HELEN Waren, SUMARIO 1. Introduedo. 2. Legislacdo portuguesa vigente 4 época do descobrimento do Brasil: As Ordenacdes Afonsinas (1e 5). 3. Brasil-Colnia. 4. As Ordenagbes Manueli- nas. 5, As Ordenacées Fittpinas, 6. Legislacéo abun- dante ¢ ineficaz. 7. Regimento sobre 0 pau-brasit e a legislacéo complementar. 8. Doméinto holandés no Nor- deste brasileiro e a legislagéo ambtental. 9. Medidas contra @ monoculture: a questdo da jome no Brasil- Colénia. 10. Legistagéo madetretra: causes da ineficd- cia de sua aplicacéo. 11. Legislagdo ambiental apds a Independéncia do Brasil. 12. Concluséo. 1. Introdugao As discusses de temas como a escassez de recursos naturais, a polui- go das dguas, o dano ambiental, a exploragdo ¢ 0 povoamento do solo se intensificaram a passos largos as vésperas da Rio-92. Contudo, esses assuntos nfo sio inéditos. Basta estudar com mais acuidade a partir, inclusive, da Biblia, para verificarmos a atualidade do trato dado, no passado, as quesiges ambientais. Na verdade, novo € 0 tra- tamento global com que essas matérias passam a ser discutidas. Em outubro de 1991, foi realizada a Conferéncia Internacional de Direito Ambiental *, sob a organizagéo do Superintendente do Meio Am- biente do Municipio do Rio de Janeiro, Fernando Walcacer. De notar-se, * Este texto € um resumo do lvro “Legislacéo Ambiental Brasilelra: Sub- sidlos para a Histéria do Direlto Ambiental”, publicado pela Editora Forense. A continuidade dos estudos sobre a origem das normas amblentais, pela autora, s6 foi possivel gracas as pesquisas realizadas nas bibliotecas do Environ- mental Law Institute e da Loyola Law School. 1 © Professor Alexandre Kiss, Presidente do Conselho Europeu de Direito Ambiental, defende em seu trabalho sobre a “Protegio internacional de camada de asénio" spresentado ns referida Conteréncia que: “a etapa mais recente no desenvolvimento do Direito Internacional do Melo Ambiente € globalizagéio dos problemas”. R. Inf, lesisl. Brasilia a, 30 nm. 118 abr./jun, 1993 19 entre tanfos outros aspectos, a necessidade constatada de um tratamento que extrapole até limites continentais, de forma a alcangar dimensdes mun- diais. Nesse sentido, o cientista Jacques Cousteau? recentemente rogou a todos os povos que assinem uma petigfo apoiando a emenda & Carta das Nagies Unidas, a fim de introduzir uma Lei de Direitos Ambientais: “‘pro- teger o meio ambiente 6 um problema mundial que tem de ser enfrentedo no pelas 166 nagdes, mas por um conjunto de leis”. Sem duvida, o Direito Ambiental é um novo ramo da Ciéncia do Di- reito®, Entretanto, a protegio da natureza através das leis ambientais jé existe h4 varios séculos, testemunhando a Histéria que o maior numero de leis era produzido nos periodos em que ocorriam ameagas ao sbaste- cimento de géneros alimenticios. Podemos afirmar que a evolugio das leis ambientais no Brasil comega em Portugal ¢ em sua rica legislagao, jé que fomos colénia até o inicio do século XIX. Portanto, em primeiro lugar, objetiva este eStudo um exame simul- taneo da histéria e das normas juridicas portuguesas, de modo a produzir um concreto entendimento da legislagio ambiental que aqui vigorou a par- tir do periodo colonial. Essas normas visavam a proteger as riquezas bra- sileiras que supriam a metrdpole, sobretudo em madeiras empregadas para impulsionar a marinha mercante. 2. Legislagéo portuguesa vigente & época do descobrimento do Brasil: as Ordenagdes Afonsinas (* © 5) Ao tempo em que o Brasil foi descoberto, vigoravam em Portugal as Ordenagdes Afonsinas, primeiro Cédigo legal europeu, cujo trabalho de compilagio foi concluido no ano de 1446. 2 Jornal do Brasil, de 19 de novembro de 1991. 3 © Professor Michel Prieur, em seu livro Droit de Venvironnement, Dalloz, 1084, péginas 14 a 16, justifica @ autonomia do Diteito Ambiental por ser um. amo que sta de guerins propria tal one 0 edo de impecto embewt Ordenagtes Afonsines, edi¢so Calouste Gulbenkian, pp. 224, 229 e 231. ata edioho, de 1972, 6 ume teprodugho fan-stmde da realanda vals peel imprest da Universidade de Coimbra. & Recomendamos o livro Ensaios sobre @ Histéria do Governo e da levislagéo de Portugal para servir de Introducdo ao Estudo do Direito Pétrio, de Manuel Antonio Coelho da Rocha, 3* edicSo, Coimbra, 1861, que reallzou uma pesquisa profunda sobre ss Ordenag6es Afonsinas, bem como sobre as Ordenagbes Manoe- Anas. 92 R. inf, legiel, Brosilia a. 30 m. 110 obr./pm, 1993 Para a confecsdo dessas Ordenagdes, cujo nome homenageia o rei que ocupava 0 trono, D, Afonso V, seus compiladores tiveram como fonte basica 0 Direito Romano € 0 Canénico. A legislagéo ambiental portuguesa, naquela época, era muito evoluida. A preocupacéo com a falta de alimentos, principalmente de cereais, data de 13 de julho de 1311, quando D. Afonso III determinava que 0 pao e a farinha no poderiam ser transpottados para fora do reino. Pata 0 caso de descumprimento da norma juridice, a pena era “dos corpos e dos averes”, Em relagio aos animais, a preocupagéo com as aves originou uma previsdo institufda pelo rei D. Diniz, em 9 de novembro de 1326%, que equiparava o furto das aves, para efeitos criminais, a qualquer outra espécie de furto. Registre-se também o pioneirismo desta norma legal, que previa o pagamento de uma quantia pelo infrator, a fim de reparar mate- rialmente 0 proprietério pela perda de seu animal. Ainda nela se estimava, de modo explicito, valores distintos para as aves, tais como: 0 gaviéo e 0 falcao. Diante da escassez de géneros alimenticios em Portugal ***, foram criadas as sesmarias, através da lei de 26 de junho de 1375, no reinado de D, Fernando J, visando com esta medida a incrementar o cultivo do maior némero de terras, © texto inicial do ordenamento se assemelha a uma exposigéio de motivos de uma lei atual. Sua redaco comega por relatat a falta de mantimentos oriundos do trigo ¢ da cevada, para determinar a todos os que tenham terra que as lavrem e semeem, sob pena de perder a dita terra. Caso 0 proprietério da terra “por alguma tidima razom” ndo pudesse lavré-la, a lei ordenava que fosse dada ou aforada a pessoa “certa”, de modo a possibilitar 0 cultivo de toda sua extensdo. 6 A norma “que non tevem pam, nem farinha pera fora do regno, per mar nem per terra”, foi codificada no Livro V, sob o Titwo XLVI, das Ordens- ges Afonsinas. 7 A lel que tipificou o furto de aves como crime fei compllada no Livro V, sob 0 Titulo LIV, das Ordenagées Afonsinas. 3 Pata o estudo das sesmarias, recomendamos o livro Subsidioe para a Histéria do Direito Patrio, de J. Gomes Bezerra Camara, volume 2, Livraria Brasiliana, Rip de Janelro, 1973, p. 68, 9 Veja-se também os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, 3° edicho, Edltora Globo, Porto Alegre, 1976, pp. 123 8 125. De outra parte, as sesmarias estio codificadas nas Ordenagées Afonsinas, ‘Manuelinas ¢ Filipinas, respectivamente, da seguinte forma: — Livro IV, titulo LIOCXT; — Livro 1V, titulo LXVII e, — Livro TV, titulo XLII. R. Inf, legit. Brosilio . 30m. 118 abr./jun, 1993 193, Posteriormente, nas Ordenacdes Manuelinas ¢ Filipinas, as sesmaria: ganham um sentido de povoamento, dada a necessidade de manter a uni- dade e defesa do territério contra os ataques estrangeiros. Apenas para fazer um paralelo, hoje, a Lei n° 4.504, de 1964, que dispde sobre o Estatuto da Terra, traz em seu texto o sentido da fungdo social da terra (principio consagrado no artigo 186 da Constituigéo Fede~ ral). A propriedade rural fica vinculada & sua fungao social. O Poder Pé- blico pode desapropriar a terra, quando seus proprietétios nfo ponham em prdtica normas de conservacdo de recursos naturais. Ja em relagio 3 propriedade urbena, o artigo 44 da Lei n.° 6.766, de 1979, faculta ao Estado, ao Distrito Federal e ao Municipio expropriar éreas urbanas ov de expansio urbana, para reloteamento, demoligao e incorporacio. Ainda, um dispositive ambiental bastante evoluido, até mesmo nos dias atuais, era a proibigio do corte deliberado de drvores frutiferss "9. Interessante notar que a lei ordenada por D. Afonso V tipifica 0 corte de drvores de fruto como crime de injtiria ao rei, tamanha a preocupagao com as madeiras. Aliés, tal crime era previsto na Biblia, Deuterondmio 20:19, que proibia o corte de Arvores frutiferas durante um assédio, pu: nindo os infratores com pena de agoite. E sob a dtica desse quadro legislative gue reflete, de forma nitida, © déficit alimenticio de Portugal e sua politica expansionista ultramarina que a terra do Brasil é descoberta. 3. Brasil-Colénia O nome de nossa Pétria 6, em si, ecoldgico. Foi o pau-brasil a primeita viqueza permutével, geradora do primeito contrato de arrendamento entre a Coroa Portuguesa e um consércio de crist&ias-novos. No entanto, 2 margem do lucro decorrente da extragdo dessa madeira ficava bastante aquém do que a Metrépole auferia com a exploragio e o comércio de produtos advindos do litoral africano e das Indias. Assim apenas esse atrativo néo foi suficiente para motivar o Rei Dom Manuel a determinar o povoamento regular da nova terra descoberta, habitada até entio exclusivamente por grupos tribais. 4, As Ordenagdes Manuelinas Alids, estava o Rei preocupado, entre outras coisas, em perpetuar seu nome numa compilagéo. Por essa razio, ordenou fosse realizeda tal em. 10 © corte deliberado de arvores frutiferas foi prolbide através de lei editsda os 12 de marco de 1393, tendo sido posteriormente compllada no Livro V, Titulo LIX das Ordenapées Afonsinas. 194 118 obe./iun, 1993 preitada, cujo término oficial ocorreu em 11 de margo de 1521, sob a denominagao de Ordenagdes do Senhor Rey Dom Manoel. As leis extra: vagantes decretadas, no perfodo entre 1446 (término da compilagao das Ordenagdes Afonsinas) e¢ 1521, foram em grande maioria incorporadas &s novas Ordenagdes. A estrutura —- permanece a compilacdo em cinco livros — e a ordem na sistemética adotadas no novo Cédigo em quase nada diferem das Orde- nagdes Afonsinas. Mas no tocante, & legislagdo ambiental, houve uma pro tecao mais detalhada e moderna. A tal ponto que foi proibida a caca de determinados animais'' com instrumentos capazes de causarShes a morte com dor ¢ sofrimento. De notar, abrindo parénteses, nesse mesmo ordenamento, uma intro- dugdo do conceito de zoneamento ambiental. A caga era liberada em de- terminados locais e vedada em outros, tal qual disposto na Lei n° 6.938 de 1981 (art. 9.°, incisos I] e VI), que define a Politica Nacional do Meio Ambiente, ¢ na Lei n.” 6.902, de 1981, que regula a criagdo de dreas de protegio ambiental, alteradas pela Lei n2 7.804, de 1989. Ressalte-se 0 cardter inovador da referida Lei n.° 6.902, de 1981, que permite aa Poder Public criar dreas especialmente protegidas, sem retiré-las da pro- priedade do particular. Além disso, outro ordenamento protege a vida de certos animais ® punindo com severidade o infrator da norma. Entretanto, ao lado deste avango normativo, encontramos uma Justiga classista, a ponto de prever distintas penalidades fisicas a serem aplicadas conforme a posigdo social do infrator; se fosse pedo, era agoitado, ¢ se fosse pessoa a quem nio cabia acoites, era degredado pelo periodo de dois anos. Hoje em dia, apesar de termos a Lei n.° 7.653, de 1988, que dispée serem os crimes cometidos contra a fauna inafiancdveis, ¢ a Lei n° 7.804, de 1989, que pune com reclusio o poluidor que cause dano irreversivel a fauna, ndo temos noticia da aplicagio irrestrita destas normas a qualquer cidadao, sim t8o-somente contra uns poucos miseraveis cagadores . .. Ainda nas Ordenagdes Mancelinas, em relagfo a0 corte de Arvores frutiferas, a teoria da reparasio do dano apresenta nova evolugao. Séo atribuidas severas penalidades e pagamento de distintas multas, de acordo com o valor clas arvores abatidas "*. 11_A caca de perdizes, lebres © coethos era protbida no Livro V, Titule ‘LXXXIV, das Ordenagdes Manoelinas. 32 A protecdo das abelhas, colbindo a comercializagio de suas colméias pelos vendedores que néo houvessem preservado a vida destes insetos, esta prevista no Titulo XCVII, do Livro V, das Ordenagbes Mancelinas. 13 A lei que profbe o corte de Arvores frutiferas fol compilada no Livro V, ‘Titulo C, das Ordenagdes Manoelinas. R. inf, legisi. Brosilia 0, 30. nm, 118 obr./jun. 1993 195 Essas normas concernentes & questio do meio ambiente, extrafdas das referidas Ordenagées, vio vigorar em Portugal ¢ no Brasil-Colénia apenas até 0 inicio do século XVIL. A partir de 1580, o Brasil passa para o dom{- nio espanol sob Filipe II, que comegou a reinar em Portugal sob 0 nome de Filipe 1. 5. As Ordenacoes Filipinas Em junho de 1595, 0 monarca espanhol expede um alvaré mandand. compilar todas as leis de Portugal. Pouco antes do término das novas Or- denacées, falece o rei, tendo sido seu sucessor o seu filho de igual nome que, em janeiro de 1603, expedia a lei pela qual ficavam aprovadas as Ordenagées Filipinas. Esta codificagdo tornow-se obrigatéria no Reino e nas colinias portuguesas, tendo vigorado em parte no Brasil, até o advento do Cédigo Civil. Dos dispositivos relatives A matéria ambiental, inclusive quanto a questées urbanisticas, destacamos os seguintes: — determinagdo de programas de obras piblicas para construgio de calgadas, pontes, chefarizes, pocos, bem como o incentivo do plantio de Arvates em terrenos baldios ". Da mesma forma, nos dias atuais, a exemplo do passado, em nivel federal, dispomos do Programa Nacional de Arbo- rizaso Urbana, instituido pela Let n.° 7.563, de 1986, e, no nivel mu- nicipal, temos o plano ditetor; — a tipificagao do corte de drvores de fruto, como crime, é mantida, prevendo a lei para o infrator o cumprimento de pena de degredo definitivo pata o Brasil **; — proteco a determinados animais'*, cuja morte “por malicia” também acarreiava ao infrator cumprimento de uma pena de degredo para sempre no Brasil...; — protego aos olivais e pomares do dano causado pelo pasto de animais de vizinhos, estabelecendo multas © penas que variavam desde © acoite (para os individuos escravos a lei cra ainda mais dura, sendo a pena de “dez agoites ao pé do Pelourinho”) ao pagamento de multas e perda dos animais. 1A A determinagio para construg&io de pontes, calcadas, fontes, esta reguiads: no Livro I, Titulo LVI (parégrafos 42, 43 e 48) combinado com o Titulo LXVI (parégrafoa 24, 25 © 26) das Ordenagées Filipinas. 15 A tipiticactio do corte de Arvores de fruto como crime, nas Ordenagbes esta contida no Livro V, Titulo LXV. 18 A protecko da vida de certos animals foi compilada nas Ordenagées Fili- pinas, no Livro V, Titulo LXXVII. 196 R, Inf, legist, Brosilia o. 30 nm. 118 obr./ium. 1993 Durante o perfodo colonial, j4 se aplicava a teoria da responsabilidade subjetiva pelo dano causado “com malicia” por animais a pomares vizinhos, expressa no alvaré de 2 de outubro de 1607, reiterado pela lei de 12 de setembro de 1750, sobre 0 mesmo objeto. A contrario sensu, a lei de 24 de maio de 1608 expressa a teoria da responsabilidade objetiva para os danos causados pelo gado nos olivais vizinhos, sem culpa do dono ou de seu empregado "*. Da mesma maneira, tais nogdes eram conhecidas e postas em pratica pela Biblia, no Livro Exodo 22:4, que regulava os prejufzos causados Por um animal durante as colheitas. © conceito de poluigdo também estava de forma precursora previsto nessas Ordenagdes "*. A determinacao era de proibir a qualquer pessoa que jogasse material que pudesse matar os peixes e sua criagdo ou sujasse as Aguas dos rios e das lagoas. No presente, algumas leis tratam da poluigao de um mode geral, ©, especificamente, da poluigéo das éguas. Séo elas: — Decreto n.* 50.877, de 1961 — dispée sobre o langamento de residuos tdxicos ou oleosos nas dguas interiores ou litorineas do Pais; — Decreto-Lei n’ 221, de 1967 — dispoe sobre a protegdo de esti- mulo & pesca; —— Decreto-Lei_n.° 1.413, de 1975 — dispde sobre o controle da poluigéo do meio ambiente provocada por atividades industriais; — Decreto n° 79.437, de 1977 — promulga a Convengéo Inter- nacional sobre a responsabilidade civil em danos causados por poluicéo por éleo; — Lei n° 6.938, de 1981 — institui a Politica Nacional do Meio Ambiente, acrescentando a0 coneeito de poluigéo as degradacdes da quali- dade ambiental resultantes de atividades que, direta ou indiretamente, afetem as condigdes estéticas ou sanitarias do meio ambiente (esta Lei foi regulamentada pelo Decreto n.° 99.274, de 1990). Ademais, as Ordenacées Filipinas proibiam a pesca com determinados instrumentos © em certos locais estipulados, de modo semelhante & proi- bigdo da pesca em espécie, contida na Lei n.° 7.679, de 1988", 17 As leis citadas podem ser estudadas no tndice Civil, Criminal, das leis, alvaris, decretos, cartas-régias, compilado por Domingos Alves Barreto, em 1? de agosto de 1814. 18 © conceito de poluigéo esté inserido no Livro V, Titulo LXXXVIIT, pard- grafo sétimo, das Ordenagées Filipinas, 19 A proibigéo da pesca em determinadas épocas € com certos instrumentos foi_proibida na lei compilada nas Ordenagées Filipinas, no Livro V, Titulo LXXXVUI, pardgrafo sexto. R. F. Wegitl, Brovilia 4, 30m. 118 abe./jun. 1993 197 Vale registrar que intimeras normas previam uma recompensa para quem delatasse scu infrator, de modo a estimular o povo a cuidar do patriménio piblico portugués. Da mesma forma, infelizmente, ndo estavam enraizados 0 conceito eo valor de bem puiblico no espitito e na vide prética do homem que nes tertas brasileiras se estabelecia. © Padre AntOnio Vieira, em seu Sermdes, apresentava essa denincia, quando avisava ao rei que seus proprios ministros néo vinham para as ferras brasileiras buscar 0 bem, e sim, os bens. Anteriormente, da mesma forma, Duarte Coelho, a quem coube a Capitania de Pernambuco, em carta datada de dezembro de 1546, rogava ao rei que o livrasse dos de- gredados, que “nenhum fruto nem bem fazem na terra...”. O Capitio no teve seu pedido atendido e os degredados néo foram daqui afestados. Em conseqiiéneia, chegaram, em nossas terras, grandes contingentes hu- manos de baixa qualidade intelectual e moral que se aventuravam a vir para cé trabalhar e se estabelecer. 6. Legislagao abundante e ineficaz Apesar do grande nimero de normas juridicas ambientais, nfo se tem evidéncia de sua aplicagio. Um dos motivos pode ser a centralizagéo dos documentos pela Metrépole lusa, muitos dos quais foram destrufdos no incéndio de 1.° de novembro de 1755. Na Espanha, encontra-se a maioria dos documentos pertinentes ao periodo de dominagio espanhola, chamado de Unido Peninsular. Em poder dos holandeses est toda a documentagao legal © adminis- trativa vigente durante 0 periodo de “conquista” do Nordeste brasileiro, 7. Regimento sobre o pau-brasil ¢ a legislacdo complementar Em 12 de dezembro de 1605, foi editada a pris lei protecionista florestal brasileira, o “Regimento sobre o pau-brasil” ®°, que continha penas severissimas pera aqueles que cortassem a madeira sem expressa licenga real. A partir dai, a preocupagéo com o desmatamento é uma constante e foi inserida no Regimento da Relacéo e Casa do Brasil, de marco de 1609”, sendo esse o primeiro Tribunal instalado na cidade de Salvador, com jurisdicéo em toda a Colénia. De notar que os legisladores portugueses sempre langaram mio de regimentos para proteger 2s madeiras, como fizeram com o “Regimento 20 © original do “Regimento sobre o pau-brasil” pode ser encontrado no livro de Registro de Regimentos e Alvaris n° 541, volume primeiro, do Arquivo Nacional. 21 In Boletim do Consetho Ultramarino, volume I, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 102 a 203. 198 R. inf, tagist, Bresitio o, 30m, 118 obr./jun, 1999 novo das madeiras para a Ilha da Madeira”, de agosto de 15627. Obser- ve-se o caréter precursor dessa legislacao, ao justificar, no inicio do texto, a necessidade de sua publicagdo, alegando serem as madeiras “be commu” dos moradores da ilha, tal qual exposto no artigo 225 da Constituigao Federal brasileira. Nesse, 0 meio ambiente é considerado “bem de uso comum do povo” e essencial & sadia qualidade de vida. Por outro lado, para proteger 2 exploragdio e regulamentar o comércio das riquezas naturais e 0 trabalho da mio-deobra escrava de indios negros no Brasil-Coldnia, foram sendo editadas leis suplementutes, conhe- cidas por legislagio extravagante, as Ordenagdes Filipinas e aos forais. Nela destacavamsse, além dos regimentos, as cartas de leis, alvards, cargas régias, provisdes © avisos reais, As cartas de leis, ow simplesmente leis, eram de cardter_geral, por tempo indeterminado, muitas vezes confundidas com os alvards, que de- veriam ter eficdcia por um ano, Entretanto, tal regra legislativa nem sempre era observada ¢ um alvaré muitas vezes tinha o mesmo valor de uma carta de lei. Nesse sentido, localizamos o de 2 de outubro de 1607, atribuindo a responsabilidade ao dono do animal que causasse dano 20 pasto de propriedade vizinha, reiterado por uma lei de 12 de setembro de 1780. De outra forma, € interessante frisar a estreita complementago de uma norma contida em uma carta de lei e em um alvaré. A lei de 6 de junho de 1755, que restituiu aos indios do Grao-Paré e Maranhdo a liber- dade das suas pessoas, bens ¢ comércio, foi estendida, através de alvard de 28 de maio de 1758, a todos os indios que habitavam o continente do Brasil. Em relago & legislagao florestal, em maio de 1773, 6 através de uma carta-régia, que D. Maria { ordena ao Vice-Rei do Brasil protegao pata as madeiras nas matas. Esse ordenamento ¢ reiterado de forma ampla, em marco de 1797, quando expediu a0 Capitio do Rio Grande de Sao Pedro outra preciosa carta, para que se redobrasse 0 cuidado na con- servagéo das matas e arvoredos, especialmente naquelas que tivessem Arvores de pau-brasil ©, Assinale-se que atualmemte no Brasil, a Lei n.° 4.771, conhecida como © Cédigo Florestal, através de seu art, 2", letra c, protege as florestas e as demais formas de vegetacio situadas nas nascentes, ainda que intermitentes, ea Lei n° 7.754, de 1989, estabelece medidas para protecao das florestas existentes nas nascentes dos rics. 22 Historia das Ithas do Porto-Sancto, Madeiras, Desertas e Selvagens, ano- tada por Alvaro Rodrigues de Azevedo, Typ. Funchalense, 1878, p. 464. 23 Suplemento & Colegdo da Legisiagdo Portuguesa, pelo Desembargador Anto- nio Delgado da Silva, Typografia de Luiz Correia da Cunha, Lisboa, 1847, pp. 127-128. A. inf. fegitl. Brositic o. 30m. 118 abr./jun. 1993 199 8. Dominio holandés no Nordeste brasileiro e a legistagéo ambiental Nao foram apenas os nossos colonizadores que produziram uma legis: lado dessa natureza bastante avancada, mesmo que com o objetivo dé proteger a sua fonte de géneros tropicals de grande valor econdmico. Também os holandeses, no curto periodo de conquista® das terras brasileiras, editaram uma das legislagdes mais ricas daquela época. Proibiram o abate do cajueiro, determinaram 0 cuidado com a polui- gio das dguas ¢ obrigaram os senhores de terras ¢ lavradores de canaviais £ plantarem rocas de mandioca proporcionalmente a0 nimero de seus escravos, Atesta Eérgio Buarque de Holanda* que, em 5 de margo de 1642, os holandeses ngo permitiam o lancamento do bagago de cana nos rios ¢ agudes, a fim de proteger as populagdes pobres que se alimentavam dos peixes de agua doce. Aliés, esta norma € semelhante & precursora proteco portuguesa, constante do pardgrafo sétimo do Titulo LXXXVIIL do Livro V das Ordenagées Filipinas, que assim rezava: “(pessoa alguma nao lance nos rios ¢ lagoas, em qualquer tempo do anno... cocca, cal, nem outro algum material, com que fe o peixe mata”. Na atualidade, 0 Decreto-Lei n° 221, de 1967, através do art. 35, proibe & pesca com o emprego de explosivos e de substincias tOxicas, estabe- lecendo a Lei n.° 7.679, de 1988, a punigaéo para os infratores. No tocante as terras®, 0 Governo holandés deliberou que aquelas sem proprietério, ou que estivessem desertas ¢ incultas, seriam dadas a colonos que as cultivariam e ficariam com seus frutos. Essa deliberacéo é bastante parecida com a contida no pargrafo terceiro, Titulo XLII, das Orenagdes Filipinas, que regulamenta as sesmarias, instituidas no territrio brasileiro, com grandes adaptagdes de seu texto original, Como estudamos, o objetivo precipuo das sesmarias em Portugal era o cultivo da terra, ao passo que no Brasil visava-se, essen- cialmente, & povongdo das grandes extensdes territoriais. Também a caca ganhou especial cuidado das autoridades. holandesas, que a permitiam, desde que as espécies nio fossem “exterminades” por uma perseguigdo excessiva”"; ¢ mais: apoiaram a conservecio das espécies 24 Bobre esse perfodo, veja-se 0 livro Fontes para a Historia do Brasil Holandés, José Antonio Gongslves de Mello, Fundsglio Nacional Pré-Meméria, Recife, 1085. 28 A £poce Colonial, tomo I ,1° volume, 5* edigho, Difel, 860 Paulo, 1076, 36 Revista do Instituto Archeolégico, Histérico ¢ Geogréfico, volume 5, 1886, ns 30-32, 27 Revista do Instituto Archeolégico, Histérico ¢ Geogréjico, volume 5, n% 1. 200 R. Inf, lagiel. Grosiiig ©, 30m, 118 abr./jon, 1993 existentes, introduzindo outras que ainda nio haviam na regiéo e que nela podiam ser aclimatadas. ‘A exemplo do passado, em nossa época, o sentido da diversidade bio- Iégica assume uma dimens&o necessariamente mundial. Na referida Con- feréncia Internacional de Direito Ambiental, em que se reuniram seiscen- tas pessoas oriundas de 31 paises, em torno deste assunto, concluiu-se que: a) & necesséria uma relacao de reciprocidade entre os Estados zadores ¢ 0s Estados onde se encontram recursos bioldgicos. Neste sentido, respeitando a soberania dos Estados, deve-se desenvolvet uma cooperagao mundial, de modo a estabelecer responsabilidades na conservagao da diver- sidade biolbgica; b) deve-se promover © reconhecimento de zonas de maior importin- cia para o pattiménio bioldgico mundial; ¢) € preciso criar um Fundo Internacional de Conservagao da Diversi- dade Biolégica. Assim sendo, com o simples cotejo entre as disposigdes governameptais holandesas daquela época e as normas juridicas de hoje, através do estuio ¢ do confront de nossa Histéria, € que devemos refletir sobre a riqueza de Vigdes que podemos extrair do passado para instruir as posturas das gera- gdes presentes ¢ futuras. 9. Medidas contra a monocultura: a questdo da fome no Brasil-Colénia A falta de viveres era um dos ptoblemas enfrentados pelos holandeses, que tanto combateram a monocultura no Nordeste brasileiro. Em “‘atteng3o a0 bem piiblico”, vérias normas impunham o plantio de mandioca. Diante de uma situagao de “‘calamidade péblica” ocasionada pela fome, especialmente dos negtos escravos da layoura canavicira, orde- navase aos donos dos engenhos que tomassem uma atitude para a solugao desse problema. Apés a expulsio dos holandeses, nossos colonizadores prosseguiram com 0 combate & fome e & monocultura. Os reis editavam normas obrigan- do & plantacio de milho, feijio ¢ mandioca, Entretanto, os senhores de engenho, revelia do rei, continuaram destinando sues melhores terras para as rendosas plantagdes de cana-de-agticar. No presente, preocupados com a questo da falta de alimentos das classes menos favorecidas, no Municlpio do Rio de Janeiro existem projetos de plantagdo de horas comunitérias na Zona Oeste da Cidade, de modo a tentar reverter © quadro de fome dessas camadas da populacao. Ainda no periodo colonial, de modo a impedir 0 “demno ao bem piibli- co”, foi expressa uma determinago para que as terras novas, a maior parte R. Inf, fegisl. Bresilia oc, 30, 118 obr./jun. 1993 ‘201 muito fértil, fossem tomadas dos proprietérios que nfo as lavrassem*. B interessante perceber que a expresséo “utilizada” consta da doutrina ¢ le- gislagio brasileira, no § 1.° do art. 14 da Lei n° 6.938, de 1981, ¢ na Lei n’ 7.347, de 1985. Com efeito, a Lei n.° 6.938, que regula a Politica Nacional do Meio Ambiente, prevé a obrigatoriedade da reparacéo do dano causado ao meia ambiente pelo poluidor, sendo que a segunda lei citada disciplina a ago civil pablica de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente € bens de valor artistico, hist6rico, turistico € paisagistico (os grifos so ‘nossos).. 10. Legislagdo madeireira: causas da ineficdcia de sua aplicagao Sempre houve uma preocupago com a escassez das madeiras, tanto na Metropole lusa quanto no Brasil-Colénia. Especialmente para cumpri- mento em nosso Pais, as primeiras regulamentagdes estavam contidas nas cartas de doagéo € nos forais, ao tempo das Capitanias Hereditérias. Depois, no Regimento do Governador-Geral Thomé de Scuza, de 1548, para, em ‘um documento tinico, ganhar a protecao no “Regimento sobre o pau-brasil”, datado de 1605, que foi a primeira lei brasileira exclusivamente florestal. Devido & grande extensfo das terras, dificil era a veiculagio e eficécia do Regimento, até porque este protegia apenas a madeira do pau-brasil. Sendo assim, varias normas foram sendo editadas, esparsamente, ao longo do século XVIII, para proteger as outras espécies de madeira. Através da provisio ao Goyernador do Rio de Janeiro, em 7 de agosto de 1738, nao se podia exportar madeira tapinhod para fora do porto da Capitania, & excegdo apenas das fabricas de navios de guerra. O motivo desta expedisao residia no grande consumo da madeira que “em poucos anos faltaria para nossa Armada”, Nova provisao foi editada em maio de 1743, para a Capitania do Rio de Janeiro, quando proibiu-se o corte de mangue vermelho, que deveria ser utilizado somente nas construgdes de edificios. Em outubro de 1751, foi institufda a Relagio do Rio de Janeiro, ampliando-se a jurisdicio até entéo restrita & Bahia, O regimento deste Tribunal, cuja érea de atuago compreendia desde a Capitania do Espirito Santo & de Séo Pedro do Rio Grande, continha precursora norma ambiental. Determinava ao Goevrnador que tivesse especial cuidado com as queimadas das lenhas e com os cortes de madeiras. 28 Exempliticando, a ordenegéo para cultivo da terre esté contida no Regi- mento de Roque Barreto, transcrito na Revista Trimestral de Historia e Geografia, 3 edicSo, tomo I, Typogratia de Jofo Ignacio da Silva, Rio de Janeiro, 1463, p. $23, 29 Regimento para o Capitio-Geral dos estados do Brasil, compilado por Antonio Telles, de 1642 a 1759. 202 R. Int, legist, Brasilia @. 30m. 118 abe./jun. 1993 Tais ordenamentos foram sucedidos por incontaveis alvarés e provi- vis6es, que visavam a reerguer a Cidude de Lisboa, arruinada pelo terremoto de 1755, Assim 6 que, no ano de 1756, de modo a revitalizar a cidade destruda, varios alvarés foram baixados, isentando de impostos os postugueses de Lisboa que importassem madeiras para utilizagio na construgao de embar- cages € casas. A exposigéo de seus motivos possibilita o entendimento da creseente preocupasio com 2s matas brasileiras, donde se extraiam as madeiras para abastecer 0 carente mercado portugues, depauperado pelo terremoto. E uma enxurtada de leis ineficazes foram editadas. .. © alvard de outubro de 1795 proibiu as sesmarias nas terras litorfineas aos mares ¢ tios, onde ainda havia madeiras de construgao. A Coroa por- tuguesa caberiam as referidas terras que ainda ndo tivessem proprictétios. No ano de 1797, durante o reinado de D. Maria I (cognominada “a Jouca”, no Brasil, embora em Portugal fosse conhecida como piedosa), varias cartas-régias foram expedidas aos Governadores das Capitanias. Todas ordenavam que se protegessem, por meio de severa fiscalizacio, as matas © 08 arvoredos localizados perto dos mares ou nas margens dos ios, ‘Mesmo apés a Independéncia do Brasil, as leis que visavam & conser- vagao das florestas de nada valiam. Nao existia uma conscientizacao coleti- va, no sentido de respeité-las, fazendo com que fossem cumpridas- O. pro- blema era bilateral, pois estava tanto na falta de civismo do corpo admi- nistrativo, quanto na falta de civilidade por parte da populagao. 11. Legislago ambiental aps a Independéncia do Brasil Em 25 de margo de 1824, foi outorgada a Constituigéo Imperial do Brasil®. Por ela detetmina-se a elaboragaio de um Cédigo Civil ¢ Crimi- nal (artigo XVIII, pois as Ordenagées Filipinas continuavam a vigorar por faita de Cédigos préprios. Por esse motivo, em 1.° de janeiro de 1916, foi promulgado 0 Cédigo Civil, tendo sido revogadas expressamente as Ordenacdes, alvards, leis, decretos, resolugSes, usos ¢ costumes concernentes As matérias de direito civil nefes reguladas. 30 Enciclopédia Mirador Internacional, Cia. Methoramentos de Sio Paulo, 8, Paulo, 1975, 31 As Cartas-Régias de D. Maria I esto transcritas no Suplemento & Coleco da Legislagio Portuguesa, do Des. Antonio Delgado da Cunha, 1847, 32 Constitwigéo do Brasil, de Adriano Campanbole e Hilton Campanhole, 9* edigho, Ed. Atlas, So Paulo, 1987, R. Inf. legisl, Brasilia a, 30m, 118 abs./jun, 1993 203 © Cédigo Civil, até pela data de sua edicéo, quando a expressiio “ecologia” — criada por E, HAECKEL, em 1866 — tinha apenas algumas décadas, ndo trata de forma expressa as questdes ambientais, Contudo, os arts. 554 e 555, na secéo relativa aos Dieitos de Vizinhanga, reprimem © uso nocivo da propriedade. O proprietério ou inquilino de um prédio pode impedir que o mau aso da prepriedade vizinha prejudique a seguranca, © sossego € a sade, Também € assegurado ao proprietério, através do art, 555, 0 direito de exigir do dono do prédio vizinho a demoligio ou repa- ragdio necessdria, quando a construgdo estiver ameagada de ruir. Cumpre notar o entendimento de AGUIAR DIAS*, que defende essa limitagdo posta pela lei na proximidade de prédios como de interesse social puiblico, tendo em vista a harmonia das relagées e interesses de proprietérios vizinhos. No tocante a protecio das 4guas, o Cédigo Civil vai ser complemen- tado pelo art, 109 do Cédigo de Aguas, de 1934, que classifica como ato ilicito a contaminagao deliberada da agua. Hoje, a Lei n° 8.072, de 1990, avanca ainda mais nessa protegéo, prevendo duras penalidades para o crime de envenenamento de Agua potdvel. Foi o Cédigo Civil editado ap6s a promulgagdo da primeira Consti- tuigéo Republicana brasileira, no ano de 1891, que era omissa em relagio a protegao dos bens publicos naturais, artificiais e culturais, posteriormente amparados pelo Decreto-Lei n® 25, de 1937, pela Constituigdo Federal de 1988. Sendo a norma juridica o reflexo das aspiragdes e dos ideais de uma sociedade, foi certamente com a Proclamacao da Reptblica que, lentamente, © sentido de valorizagio do bem piblico se exacerbou. Quando repensamos um modelo econémico ligado a valores ¢ propostas de preservacio do meio ambiente nacional, estamos, com toda certeza, protegidos por uma das legis- lagdes mais avangadas do mundo. Além da aco civit piblica disciplinada pela Lei n° 7.347, de 1985, © art. 5°, inciso LXXIH, da Constituicéo Federal, possibilita a qualquer cidadio propor em Juizo ago popular que vise a anular ato lesivo 20 meio ambiente. Essa ditima aco, que jé havia sido regulamentada pela Lei n’ 4.717, de 1965, nas palavras de SEABRA FAGUNDES ™, permite que “qualquer cidadio possa ingressar na lide como litisconsorte ou assis- tente do autor. Com isto se objetiva facilitar a soma de esforcos para a defesa da legalidade ¢ moralidade dos atos relacionados com a adminis- 88 Jost de Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, vol. 11, 1 edigho, Bd. Fo- vense, Rio de Janeiro, 1968, p. 514. 4 Meus! Seubra Fagundes, © Controle ds Admintetragdo pelo Poder SuAt- ctérlo, 6 edigio, Ed. Saraiva, RJ, 1984, p. 204 R. inf, fagiat. Brasilia ©, 30m. 118 obe./jue, 1993 trago e 0 patriménio piiblicos, ou com atos de pessoas de direito pri- vado equiparados, por motivos diversos, aos atos administrativos”. Na Carta Magna o tema meio ambiente ganhou uma previsio ampla sob diversos modos. Destaco 0 sseguintes aspectos *: Foi contemplado no Capitulo VI — Do Meio Ambiente —, do Titu- Jo VILL — Da Ordem Social. O art. 225 assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando-o como bem essencial de vida, concedendo ao Poder Publico e a coletividade o dever de defesa ¢ preservagio para evitar a escassez dos recursos naturais, Também estabelece no § 1.°, inciso 4.°, do referido artigo, o poder de policia da Unido, Estados ¢ Municipios no controle da produgdo, co- mércio e fiscalizagao de produtos agrot6xicos, posteriormente regulado pela tei ne? 7.802, de 1989 (esta lei foi regulamentada pelo Decreto n.° 98.816. 1990). O estudo de impacto ambiental determinado pela Lei n° 6.803, de 1980, € regulamentado pela Resolugao n° 1, de 1986, do Conselho Nacio- nal do Meio Ambiente, encontra-se regido no § 1., inciso 4°. Ressalte-se 0 mérito da SOBRADIMA * que, através de seu sécio fundador, PAULO AFFONSO LEME MACHADO, em 1980, solicitou a Deputados Federais e Senadores que apresentassem emendas inserindo o estudo de impacto ambiental no projeto de lei que dispunha sobre o zoneamento industrial nas areas eriticas de poluigao. Por conseguinte, toda a obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradagio do meio ambiente deve ser precedida de um estudo prévio de impacto ambiental *”. Vale notar a importancia atribufda 8 educagio ambiental até entio prevista na Lei n© 6.938, de 1981, que recebe tratamento no inciso VE do dispositivo constitucional referido. Finalmente, merece destaque a funciio institucional do Ministério Pu. blico, legitimado para promover o inguérito civil e a agdo civil pablica para a protecio do meio ambiente (art. 129 da Constituicéo Federal 38 Para um detalhado estudo sobre os aspectos ambientais na Constituiclo ‘Federal, veja-se o artigo nesta apostils de Francisco José Marques Sampaio. V. também Luis Roberto Barroso, “A protesio do meio ambiente na Consti- tuiglio Federal”, Revista Forense n? 317, Ed. Forense, 1993. 36 A Sociedade Brasileira do Direlto do Melo Ambiente ¢ uma associago civil criada em Piractcabe, Séo Paulo. 37 Veja-se, sobre essa matéria, Antonio Herman V. Benjamin, “Os princ{pios do estudo de impacto ambiental como limites da disericionariedade administrative”, Revista Forense n9 317, Ed. Forense, 1992. R inf. logis! Grosilia a, 30m. 118 abr./jun. 1999 205 combinado com a Lei n’ 7.347, de 1985). De acordo com essa tiltima norma juridica, 0 juiz pode determinar, em mandado liminar, com ou sem justificativa prévia, a cessagao de atividade nociva ao meio ambiente. Importante notar que, pata a propositura da ago civil piiblica, néo hé adiantamento de custas, emolumentos, honordrios periciais ¢ quaisquer outras despesas. 12. Conclus@o Ao final deste estudo, apresentamos o levantamento da evoluggo das leis ambientais brasileiras. Com efeito, essas leis nao consolidadas dificul- tam uma répida aplicaco e sclugdo da lei, sobretudo na rea penal. En- tretanto, néo acreditamos que a resposta para essas questées esteja apenas em um Cédigo Nacional do Meio Ambiente. Ao longo desta pesquisa, verificowse que em determinadas épocas existiam dispositivos ambientais muito avangados. Contudo, esses ordena- mentos eram ineficazes, pois a populasdo nao tinha um sentimento de amor e valorizagio da coisa pablica nacional. A Historia nos mostra que ha varios séculos j4 havia a nocdo do bem piiblico de uso comum do povo. No entanto, o individualismo e a gandncia de certos segmentos da so- ciedade se sobrepuseram ao interesse coletivo. A vista disso, torna-se necessério promover a educaéo ambiental, nao somente nas bases, mas também em nivel de escolaridade obrigatéria. Pa- talelamente, impée-se uma maior veiculagdo nos instrumentos preventivos € repressivos existentes na legislacio constitucional ¢ ordinéria em defesa do meio ambiente **. A Carta Magna especifica que qualquer cidadao é parte legitima para propor acao popular que vise anular ato lesivo ao meio ambiente. Para que cada vez mais possamos dar eficécia a esse mandamento legal, € bisico o conhecimento da fei. Isso posto, fazendo uma anelogia ao artigo do Desem- bargador MIRANDA ROSA, que téo bem se aplica ao estudo, transcrevo dele um pequeno trecho que se intitula “A lei, esse mistério”™: “O conhecimento bésico da linguagem, da matemética e das normas sociais, das quais as jur{dicas so o tipo mais exigente, é algo que se impoe. So urgentes uma reflexdo a propésito ¢ a tomada de medidas préticas com esse objetivo. A lei nao deve continuar um mistério.” 38 Na Conferéncia de Limoges, realizada em novembro de 1990, conclulu-se que o deseonhecimento das regras J4 existentes em matéria de melo ambiente constitu! uma das catsas ds falta de eficécia do Direlto Ambiental, de 1p, Taupe Auausto de Miranda Rose, im Jornal do raat, de 4 de janeiro

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