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Uittews © a estética da mercadoria se tornam compreensiveis como formas da falsa superagio da instituigio arte, Na sociedade do capitalisme tardio, intengdes dos movimentos histéricos de vanguard sio realizadas com sinaisinvertidos. A partir da cexperiéncia da falsa superagio da autonomia, seré necessério perguntar se, afinal, uma superagdo do status de autonomia pode ser mesmo desejével; se @ distincia’que separa a arte da praxis vital, antes de mais nada, ndo garante a margem de liberdade dentro da qual alternativas para o existente passem a ser pensiveis, IIL. A OURA DE ARTE DE VANGUARDA 1, SOBRE A PROSLEMATICA DA CATEGORIA DE OMRA, Nio deixa de ser problemitica a aplicacio do conceito de ol de arte aos produtos da vanguarda, Alguém poderia objetar que a crise do conceito de obra desencadeada pelos movim tos de vanguarda estaria sendo ocultada; que a discussio, por- tanto, parta de falsas premissas, A dissolucia da unidladle tradicional da obra pode ser compre: vada de maneiza bastante formal como caracteristica comim <éa modernidade, Coeréncia e independéncia da abra sio conscientemente colocada maticamente destruidas." sm questio ou mesmo progra- A constatagio de Bubner merece assentimento; pergunta-se, contudo, se dela € possivel tirar a conclusio de que a esté- ~ tica, hoje, deva renunciar ao conceito de Bubner fundamenta seu retorno estética de Karit como @ linica estética atual.” Antes de mais nada, deve-se perguntar o qué, afinal, entrou em crise: a categoria de obra o uma determinada acepgio histérica dessa categoria? “As cas obras que contam, ho} cobras.”' A frase enigmatica de Adorno utiliza 0 conceito: de obra com dupto si geral (c, nele, mesmo @ arte moderna possui ainda caréter de obra); por outro lado, no sentido de obra de arte orginica (Adorno fala em “obra redonda”), ¢ esse conceito restrito de obra é, com efeito, destruido pela vanguarda. Vale, portanto, distinguir entre um significado geral do conceito de obra ¢ suas virias acepgées histéricas. Em sentido geral, a obra de arte pode ser definida como unidade do geral ¢ do particular. Mas esta unidade, sem a qual no se pode pensar algo como sdo aquelas que no sio mais sentido ficado: por um lado, uma obra de arte, foi realizada das maneiras as mais diversas. nas varias épocas do desenvolvimento da arte. Na obra de arte orginica (simbélica), a unidade do geral e do particular é estabelecida sera mediagio; na obra no-orginica (alegori- ca), a0 contrério ~ é 0 caso das obras de vanguarda ~, trata- se de uma unidade mediada. Aqui, o momento da unidade é, por assim dizer, afastado para infinitamente longe; em caso extremo, nao é produzido, afinal, sendo pelo receptor, Com razio, Adorno enfatiza: “Ainda onde a arte [...], em sua cons. tituicio, chega ao extremo em termos de desacordo & de ele- mentos dissonantes, seus momentos so, a0 mesmo tempo, de unidade; sem esta, eles nem sequer seriam dissonantes A obra de vanguarda née nega a unidade conto ta} (poy mais que os dadaistas tenbam intencionado coisa semelhante), mas um determinado tipo de unidade, a relagio entre a parte ¢ 0 todo que caracteriza a obra de arte orginica. Ora, certos tedricos que, contrariando a argumentagio aqui apresentada, tomam a categoria de obra como definitt vamente obsoleta, chamariam a atengio para o fato de que nos movimentos histéricoside vanguarda foram desenvolvidas formas de idade que nio podem mais ser aclequadamente ‘compreendidas sob a categoria d as mani festagdes dadaistas, que faziam da provocagio do piblica sew objetivo declarado, Em tais manifestagdes, no entanto, trata- se de mi ais do que a liquidagio da categoria de obr saber, da liquidagao da arte como atividade dissociada da praxis vital. Sobre isso pode-se constatar: mesmo em mais extre- ‘mas manifestages, & de forma negativa que os movimentos de vanguarda se relacionam com a categoria de obra. Os re0- dy-made de Duchamp, por exemplo, produzem sentido ape- nas em relagio & categoria de obra de arte. Quando Duchamp 10 qualquer, produzido em serie, € 0 ensia a exposigSes de arte, esta provocagio pressupe in conceito do que seja a arte, O faro de Duchamp assinar os ready-made guar- da uma clara referéncia & categoria de obra. A assinacura, que legitima a obra como individual ¢ irrepetivel, é agui impress diretamente sobre um produto em série. Desta forma, a idéia da natureza da arte, assim como ela se formou desde 0 Renas- cimento — como criagio individual de obras cas ~, é ques- tionada em tom de provacagio; o proprio ato da provocacio assume o lugar da obra. Mas com isso no se torna obsoleta a categoria de obra? A provocagio de Duchamy a instituisio social da arte como tal; na mi de arte per te para ela ituigdo, esse ataque vale igualmen- co, entretanto, que também depois dos movimentos de vanguarda obras de arte c ser produzidas, e que resistente 20 ataque vanguardista, Assim como ums estética atual no pode negligen: transformagées incisivas produzidas na esfera da arte pelos movimentos histéricos cle vanguarda, tampouco ela pode ighorar que ha muito a arte ja tenha ent vanguardista, Esta fase pode ser caracteri rado a categoria cle obra e pela fato de serem utilizados, ma fase pés- por ter-se res- 8, procedimentos inventados pela vanguar~ da, Isso no deve ser tomado como “tralcio” aos objetivos dos ‘movimentos de vanguarda (superasio da instituigio arte, unido dearte ¢ vida), mas como resultado de um processo histérico. malogrado o ataque dos movi 10s de vanguarda & instituigdo arte, on seja, nfo tendo sido a arte transposta para tuigdo dissociada da praxis vi que cla passasse a:ser reconhecida como in; (relativa) auséncia de conseqiiéncia da arte na sociedade bur- _guesa passasse a ser reconhecida como seu principio. Na socie- dade burguesa, toda arte posterior aos movimentos histéricos le vanguarda deve ter diante de si este fato, podendo ou resignar-se romover manifestagées para romper com ele, mas nio pode simplesmente ~ sem renunciar A pretensio de verdade da arte — nega o status de autonomia, supor a possibilidade de efeito imediato, Quanto d categoria de obra, depois do fracasso da inten- fo vanguardista de recondusSo da arte & préxis vital, ela nfo 36 é restaurada, como chega a ser ampliada. O objet oud, a coist que, justamente, nio é 0 resultado de um processo indi vidaal de produgio, mas um achado ocasional no qual se mate- rializava a intengio vanguardista de ligagdo entre arte e préxis vital, ¢ hoje reconhecido como obra de arte. Com isso, ele perde seu cariter antiartistico, tornando-se obra auténoma, a0 lado das outras, no museu. Arrestauragiio da institufgio arte e: stauragio da categoria cle obra remetem ao fato de a vanguarda j ser histriea, Logt- camente, hi também tentativas de dar prosseguimento, hoje, 4 tradigio dos movimentos de vanguarda (que se possa assentar esse conceito por escrito, sem que 0 oximoro se torne vislvel, ‘mostra, uma vez mais, quea vanguarda se tomnou istérica). Mas, {ais tentativas, como, por exemplo, os heppenings ~ poderlamos cham: oval dc neovanguardistas —, no conseguem mais atingir de protesto das manifestagdes dadatstas, ¢ isso inde- pendentemente de poderem ser planejados ¢ até conduzi- dos com mais perfei¢o do que aquelas.* Isso se explica, em parte, pelo fato de, nesse meio-tempo, terem perdido uma parte considerivel do seu efeito de choqué os meios de que 198 vanguardistas se utilizavam. Mais decisivo deveria ser, con ‘tudo, constatar a nio-realizagio efetiva da superacio da arte pretendida pelos vanguardistas ~ seu retorno A praxis vital ‘A retomada das inteneSes vanguardistas com os 1 guardismo no pode mais, num contexto m aleancar o efeito limitado das vanguardas historicas. Dado que, com o tempo, os meios com os quais os vanguardistas espera. vam produzir a superagio da arte tenham adquirido o status de obra de arte — sua utilizagio ndo pode mais, de modo le ‘mo, Ser associada & pretensio de uma renovagio da praxis vital. Pormenorizando: a neovanguarda institucionaliza a vanguanda como arte € nega, corn isso, as genninas intengBes vanguardis- tas, Isto € verdade, independentemente da consciéncia que 6 artista possui do seu fazer ¢ da possibilidade dessa consciéncia ser vanguardista,” Quanto ao efeito social das obras, el deter nado pela consciéncia que os artistas associam a0 seu fazer, mas pelo status de seus produtos. A arte neovang € arté auténoma no verdadeiro sentido da palavra, 0 que si de uma recondugdo da arte a fica negara intengio vanguari préxis vital. Também os esforgos no sentido de uma superagio dda arte acabam se transformando em manifestagies artisticas que, independentemente das intengées de seus produtores, unem caréter de obra Falar de uma restauragéo da categoria.de obra depois do, fracass0 dos movimentos historicos de v ser problemético, Podleria dar a impressdo de que, para o desen: volvimento posterior da arte na sociedade burguesa, 08 moxi »guarde no tenham tido Ocorre, porém, justzinente 0 contrério, Enquanto as intengdes politicas dos movimentos de vanguarda (veorganizagio da praxis vital através da arte) fica eslera da arte quase por cumpr nao se pode superestimar seu efeito, nela a vanguarda produz de fato um efeito ceito tradicional de obra de arte orginica e colo volucionério, sobretudo ao destruir 0 con- em sen lugar uum outro conceito, que trataremos de aprender a seguir.” 2.0 NOVO A Teoria éstética de Adorno nio foi, em absoluto, concebi- da como teoria da vanguarda, mas sim aliméntando @ pre- tensdo de maior universalidade, Adorno parte, contudo, da intuig2o de que a arte do passado s6 & passivel de compre- ensio & luz da arte moderna, A partir daf, é natural que se examine 0 importante capitulo sobre o modernismo,” para avaliar se as categorias nele utilizadas sio iiteis para uma compreensio da obra de arte cle vanguarda. No centro da teoria de arte moderna de Adorno encon- tra-se a categoria do “novo”. Adorno conta, é légica, com as possiveis objegdes 4 utilizagio dessa categoria e antecipada- mente procura atenvé-la: "Numa sociedade essencialmente nio-tradicionalista (como a burguesa), a tradicio estética & a prior duvidosa. A attorida de do novo & ado historicamente inevitive [..|. Ele (0 con- cxito de modernismo) nio nega, porém, as priticas artisticas precedentes, como o faziam os est 8, mas a tradicSo como tal; nessa medida, ele antes ratifica o principio burgués na canter de menea- arte, Set eardter abstrato esta acop doria da arte." my Adorno deduz 0 novo, como categoria da arte moderna, a partir da renovag3o dos temas, motivos © procedimentos artisticos, que também marcarsm6 desenvolvimento da arte antes do aparecimento do modernismo. E 0 faz por ver essa categoria fundada na hostilidade ~ que caracteriza a sociedade capitalista-burguesa ~ & tradigia, O que a se subentendle desenvolvido por Adorno numa outra passager: sa se edifca sob a lei da al Troca é, de acordo com sua propria natureza, algo de ater poral, assim como a prépria rato [...- 80, porém, no diz menos do que: a recordagi0, 0 tempo, memérla [...] 0 iquidadas como uma espécie de resto irracion Com 0 auxilio de exemplos, tentemos, primeiramente, eh dar as iéfas de Adorno, Novidade, enquanto categ: jf existia muito tempo antes do modernismo, e mesmo, efeti estética, vamente, como programa. O trovador cortesio [Minnesdinger| surge com a pretensio de cantar um “novo Lied”. Os autores da tragicomédia francesa declaram estar satisfazendo wma Em ambos os jovidade da arte jo apenas necessidade do piiblico no sentido da nouseaur casos, trata-se de algo diverso da pretensio di moderna, No caso do “novo Lied” do poeta corte 1 temética amorosa [inne], mas também um sem-ntimero de Jdduais sio alegados; novidade quer dizer, aqui, 6 fixada, na verdade, mas si «que faz da guinada repentina dlo enredo (exemplo: aquele que era tido por morto se manifesta como cataléptico) uma carac- teristica do género. Na tragicomédia, que se aproxima do que inais tarde viria a se chamar literatura de entretenimento, a exi- agncia do pablico, de efeitos semelhantes 20 chogite [surprise], é correspondida ja no nivel do esquema estrutural do género; a novidade é calculada e fixada como efeito. Finalmente, deve ser mencionado ainda um terceiro tipo de novidade, aquela que 08 formalistas russos, como se sabe, queriam alcar & lei de desenvolvimento d ‘ratura: a renovasio dos procedimentos i. O procedimento ‘nitomatizado”, isto é, no mais percebido como forma, e que, ceririos dentro de uma dada série liter ppor isso mesmo, tampouco transmite mais alguma nova visio da realidade, é substituido por um novo procedimento capaz de fazé-to até ele proprio tornar-se igualmente “automatizado” eter de ser substituido,"* Nos trés casos, 0 que é designado como conceito de novie dade se distingue fundamentalmente do significado desse con- ceito para a caracterizagao do modernismo em Adorno. Nio se trata, aqui, nem cle variagio dentio dos limites estreitos de um _género (exemplo:“o novo Lied"); nem de um esquema proprio de um género, que assegura um efeito-surpresa (exemplo: a ‘tragicomédia); ¢ nem da renovagio de procedimentos dentro de uma sévie literdria. No se trata da continuidade do desen- volvimento, mas da ruptura de uma tradis3o, No modernismo, co. que distingue a categoria do novo das utilizages anteriores absolutarnente legitimas da mesina categoria é a radicalidade da nn ruptura com o que até entdo foi vigente. Nao so mais neyados 08 procedimentos artisticos e principios est possuidores de validade, mas toda a tradigSo da arte. Exatamente este ¢ 0 ponto a ser criticado na utilizagio, adorniana da categoria do novo. Adorno tende a transformar, pois, a ruptura cor histéricos de vanguarda, ruptura historicamente nica, em até entio alada pelos movimeatos principio de desenvolvimento da arte moderna, A aceleracio na mudanga cle programas estéticns ¢ tendéncins We 0 fillsteu ironiza como excrescéncia da mo partir da coered0 constante ¢ eres tendo sido Valéry 0 primeiro a percebé-o. ‘Adorno, naturalmente, sabe também que a novidade &a marca sob a qual sempre os mesmios bens dle consumo sio os ao comprador."* Sua argumentagio se torna problematica ‘opr 30 proclamar que a arte se " da marca dos bens de ‘9 mercado, para ela heterdnomo, gragas 3 assix ma. agerie sce 4 sua autonomia, Motlernismo & arte pela mimese do petrificado e do alienado."” Ja neste ponto, Adorno paga por ndo tentar histor dade de consumo, Uma vex que esta sh pade s bm sejam vendidos os bens que produ, thz-se seduzir constantemente 0 comprador com 0 atrativo da novi dade do produto. A arte se submete também a esta cocrsio, de acordo com Adorno, que > aum volteio ico ~ pretende reconhecer a resisténcia contra a sociedade na propria lei que a domina. Mas devemos considerar que, ma sociedade de consu- ‘mo, @ categoria do novo no é nenhuma categoria substanci ‘mas uma cate aparente. © que ela desereve nio é a natu- reza das mercadorias, mas a forma exterior impressa artifi cialmente nelas (o novo nas mercadorias é a embalagem). Se a arte se ajusta 20 mais superficial da sociedade de consumo, fica il compreender como consegue, exatamente através des- se recurso, oferecer resisténcia a essa mesma sociedade. Ser praticarnente impossivel local r essa resistencia que Adorno pensa des navarte como subordinada 4 compulsio pela renovagio, Ela continua sendo uma atvibuigio do sujcito cri- tico, que ~ por forga do pensamento dialético — no negativo consegue perceber a positividade, Fm contraposigio a isso, constatamnos que onde ela de fato se submete & coergio que Ihe ¢ imposta pela sociedade de consumo, no sentido da inova- cio da moda, desta a arte praticamente néo mais se distingue Aquilo que Adorno chama de “mimese do petrificado e do alienado” poderia ter sido alcangado por Warhol: a reprodu- fo de com latas Campbell 6 i dade de consumo para quem nelas queira ver tal resisténcia. ‘A neovanguarda, que torna a encenar @ ruptura vanguardista resist@ncia contra a socie~ ‘coma tradicio, transforma-sc em manifestagio vazia de sentido, 4 permitir qualquer possivel atribnicio de sentido. Para fazer justiga & posigio de Adorno, é preciso observar que “mimese do petrilicado” nao significa para ele mera adequago, mas uma mostra daqutlo que & 0 caso; com 6 que, & reprodugio nao. deformada pelo conceito, ele associa a esperanga de que cla possa tornar reconhedivel algo que, de contr permane- ceria nio-reconhecido, © fato de Adorno ter divisado a apo- 1a qual a arte se encontra ¢ confirmado pel ‘enh julgemento'geral pode ser feito se alguém ~ que de toda expresso faz cabula rasa ~ & porta-voz de uma consci reificada, ou se, desprovido de linguagem, expresso que denuncia essa consciéncia”."* Com isso, mostram-se os categoria do novo para a compreensio dos movimentas his- ‘téricos de vanguarda, Se se tratasse da compreensio de uma transformagio dos meios artisticos de representacio, a cate- movimentos histéricos de vanguarda provocam uma ruptura a tradicio, gracas a qual se chega « macio do sistema de representagio,” a catego descrigio do estado das coisas, Menos ciéncia de que os movimentos histéricos de vanguarda nio apenas pretendiam uma ruptura com o sistema tradicional de representagio, como também a superagio da propria insti que esse “novo” é qualitativamente tanto dos procedimentos artisticos de representag sistema de representagio. Nao é filso, na verdade, 0 conceito além do esperado, mas, sobretudo, por nio fornecer possi dade alguma de distingio entre a inovagio da moda ( ) novacio historicamente necesséria. © ponto de vista de Adorno, segundo 0 qual 4 mudanga cada vez mais aéelerada dis tendéncias da arte corresponde uma necessidad ncia a ela, passa ao largo do problema da irritante concor- dincin entre moda de consumo e 0 que na verdade nos vemos forcados a chamar de modas artistas, A partir deste ponto, um outro teorema de Adorno se torna igualmente reconhe rel em sua condigio histérica: © ponto de vista de que apenas a arte situada na esteira das vanguardas con volvimento das téenicas art muito seriamente se a ntos histdricos de v | do tornou supérfluo © discurso do estado histérico das técnicas artisticas em relacio ao presente. A disponibilidade dos procedimentos vel determinar um esta dos procedimentos artisticos. Com os movimentos de vin _guarda, a sucessio histérica dos procedimentos e estilos foi transformada numa contemporaneidade do radicalmente ne diverso. Conseqiientemente, nenhum movimento artistico ode, hoje, de modo legitimo, alimentar mais a pretensio de, como arte, achar-se historicamente mi avangado que outros movimentos. Que a neovanguarda, que surge com essa pretensio, consiga ao menos resgati-la, jé foi assunto tratado no capitulo anterior. Contra a utilizagio de téeni- 2s realistas, huje nfo se pode mais argumentar com base no estado histérico das técnicas artisticas. Na medida em que © faz, 0 proprio Adorno, como tebrico, demonstra sua culaglo 20 periodo dos movimentos histéricos de vanguar da, Pode-se tirar a mesma conclusio do fito de ele ter visto os movimentos de vanguarda néo como histéricos, mas sim ainda vivos no presente, 3. © ACASO Em seu esbogo de uma histéria do isto 6, das interpretagSes que 0 acaso experimentou na literatura desde o romance cortesio da Idade Média, Kahler dedica urn extenso capitulo a literatura do séeulo xx. © devotamento entusiéstico ao material ¢ sua resisténcia, produtora de acasos, desde os poemas de pedacos de papel de Tristan Teara ‘o mais moderno dos happenings, nfo € causa, mas canseqiiéncia de um estado da sociedade, na qual tio. somente 0 que se manifesta por meio do acsso & poupado da {alsa conscitacia, live de ideologia, nio éstigmatizado pela total reificago das condigées humanas de vida, a Com acerto, Kahler eponta para esse jab sntregar-se-a0-ma como caracteristica tanto da arte vanguardista como da arte neovanguardista, No entanto, a pos lade de aceitarmos essa sua interpretagio do fendmeno ~ que faz lembrar Adorno ~ me parece questionivel. No exemplo do haserd abjecif(acaso objet vo) surrealista, nfo apenas se podem mostrar que esperangas os rovimentos de vanguarda associavam a0 acaso, come também, justamente por causa dessas esperanas, qual a ideologizacio pretendida com essa categoria, No comego de Nadja (1928), uma série de estranhos acon tecimentos é narrada por Breton, Deles claramente se depreende ‘0 que 0s surrealistas entendiam por “acaso objerivo". Os aconte: cimentos seguemn um padrao bisico: dois incidentes, por apresen tarem tum ou tnais sinais coincidentes, so colocados em relacio lum com o outro, Um exemplo: no Marché aux Puce, 20 folhear um volume de Rimband, Breton e seus amigos descobrem ma jovem vendedora, que nfo apenas escreve poesia, ela propria, como tambérn leu © Componts de Paris de Aragon. O segundo “aconte- cimento? nio é aqui expressamente comentado, por ser tambem conhecido dos leitores de Breton: os surrealistas sio poets, um deles & Aragon, O acaso objetivo baseia-se na selogio Uc elemen tes (aq tos seminticos con, joeta € Aragon) em aconteci- tos independentes um do outro, A congruéncia é conseatada pelos surrealistas; ela aponta para um sentido impossivel de ser compreendido, O acaso, na verdade, comparece ‘Mas € necessiria uma disposigfo prévia por parte dos surrealistas, ue Ihes permita observar, em razio da congruéncia de elementos do outro.” seménticos, contecimentos indepen Valéty, certa vex, corretamente ob fou que se pode produzir o acaso, Basta fechar os olbos durante a escolha de um objeto em meio a uma quantidade de objetos semelhantes para fazer do resultado dessa escolha um resultado ocasional. Ora, os surrealistas de fato nio produzem 0 acaso, mas cles dedicam uma atengio redobrada a tudo o que se encontra fora da expectativa provivel. Dessa forma, eles conseguem regis trar “acasos” que, por sua trivialidade (isto 6, sua nio-con- gruéncia em relagio as idéias dominantes do individuo em ‘questio), escapam aos demais, Partindo da experincia de que uma sociedade ordenada segundo a racionalidade-valtada-para- (0 fins limita cada ver mais as possbilidades de desdobramento do individu imprevisivel na vida cotidiana, Sua atengo, por conseguinte, 0s survealistas procuram descobrir momentos do se dirige para os fenémenos que nio tém lugar num mundo ordenado segundo essa racionalidade-voltada-para-os-fins. A descoberta do maravilhoso no catidiano divida, um enriquecimento das possibilidades de experién- cia do “homem-urbano”; mas ela se acha ligada a um tipo de yresenta, sem. comportamento que renuncia @ toda e qualquer plenificagéo em favor de uma cept entanto, as surrealistas nfo se dio por satisfeitos — eles bus- inados dade integral as impresses. No ‘cam provocar o extraordinirio, A fixagio em deter lugares (Liewx secrés) € 0 esforgo em torno de uma mythologie moderne dicam que, para eles, se trata de dominar o acaso, tornar repetivel o extraordindrio, 0 ideolégico da interpretagdo surrealista do acaso no repousa na tentativa de dominar 0 extraord io, mas na tendéncia a querer reconhecer, no acaso, algo como um scn- tido objetivamente dado. A atribuicio de se obra de individuos e de grupos; um sentido separado do con- texto humano da comunicagao no existe. Para os surrealistas, porém, o sentido esté contido nas constelagSes ocasionais de coisas ou de vivencias, que eles registra como “acaso obje- tivo”. Que o sentido escape & fixagio, isso no altera em nada 4 expectativa surrealiste de que ele possa ser encontrado na realidade. Nisso, com efeito, sera preciso ver uma abilicagio do individuo (burgués). Achando-se 0 momento ativo da con: formagio da realidade pelo homem, por assim dizer, ocupado pela sociedade da racionalidade-voltada-para-os-fi viduo que protesta contra a sociedade nio resta senio aban- don: fe a uma experiéncia com caracteristica e valor que cconsistem na falta de compromisso para com est de que 0 sentido buscado no acaso deva permanecey sempre incompreensivel tem como fundamento a constatagio de que, sendo determinado, imediatamente tornaria a se dissolver em idade-voltada-para-os relagdes ligadas 8 raci com isso o seu valor de protesta. A regressio a uma pos tura passiva de expectativa deve ser compreendida, portanto, Por conhecerem que um deter cio reza torna indispensivel a organizagio social, os sur realistas correm o perigo de apresentar 0 seu pratesto contra © perde- a partir de uma oposigio total & sociedade estabel Ps ado estaclo da dor a sociedade burguesa num nivel em que este se transforma em protesto contra a socializago enquanto tal. Nio esté sendo ariticado 0 objetivo determinada, o lu enquanto p que domina a sociedade capitalista-burguesa, mas a raciona- lidade-voltada-para-os-fins. Paradoxalmente, o acaso ~ que submete © homem aquilo que Ihe é totalmente heterénomo — pode aparecer como simbolo da liberdade. Uma teoria da vanguarda ndo pode simplesmente absor- © conceito do acaso tal como ele foi desenvolvide pelos tebricos da vanguarda, por se tratar de uma categoria ideold- igea: a produgio de sentido, que & uma produgio do sujeito humano, aparece como produto da natureza, que sé precisa ser decifrado, Nao é arbitrévia essa recondugdo, 4 natureza, do sentido produzide em processos comunicativos, achando-se associada & postuira abstrata de protesto, caracteristica da fase injcial do movimento surrealista, A teovia da vanguarda nfo pode, no entarito, renunciar inteiramente & categoria do aca- so, mesmo porque, para a autocompreensio do movimento surrealista 20 menos, ela possui um significado decisivo. Pas- saremos a considerd-la, portanto, no sentido a ela ateibuido pelos surrealistas, como categoria ideolégica que permite a0 pesquisador compreender a intengio do movimento, mas que Jgualmente poe diante dele a tarefa de c Da utilizagio da categoria do acaso até aqui examinada deve-se distinguir urna outra, na qual o momento do ocasional tem o seu lugar na obra de arte c nio na realidade, e na qual se trata de um acaso produzido e nfo de um acaso percebide Ora, para se produzir 0 acaso hi procedimentos muito diversos, Poderiamos estabelecer uma distinglo entre produce direta € produgdo indireta do acaso. A primeira ¢ representa- ‘da, na pintura, pelos movimentos que se tornaram conhecidos a6 durante os anos 1950 sob 2 denominacio dle tachismo, action pointing € outros. A tela € respingada ou aspergida com o pin- cel, A realidade nao é mais reproduzida e interpretada; renun teiramente 4 conformagio intencional da totalidade clase do quadro em favor de um desdobramento da espontancida- de que, em medida considersvel, entrega 20 acaso 0 ato da conformagio pictérica, O sujeito, que se libertou de todas as ccoergdes ¢ regras da criagao, afinal se acha langado de volta a una subjetividade vazia. N3o podenda mais se exaurir em algo preestabelecido, tanto pelo material como pela tarefa, 0 resultado, no mau sentido da palavra, fica sendo casual, arbi- jo. O protesto total contra duro sujeito nfo A liberdade da Esta, quando muito, pode ser interpretada 4 post cexpressdo individu: Deve-se destacar desse panorama a producio diveta do acaso. Esta nfo & resultado de wana espontineidade cega no tra 18s, a0 contrario, provém do mais exato ulo, porém, compreende unicamente os to com o materi dos cdlculos, O melos, permanecendo o resultado consideravelmente imprevi- sivel."O progresso da arte como ido da tendéngia 3 no-intencion: assim conclui Adorno, idade abso- de yom “acompan Tata, (..] Ci arte tecnicamente integral, inteiramente feita, com o absoluta scatou a convergén: Adorno como reacio 4 perda de poder do individuo burgués “A perda dle poder advinda da tecnologia por ele gerada, uma vez incorporada erigin em progra 5 erpretagio com o qual ma®."' Repete-se, aqui, um tipo de jf nos deparamos quando da disc sivel de resisténcia contra ela prépr aqui também as observagdes feitas ante: E evidente a suposigio de que a tes¢ adorniana da pre~ Ihe permanece exterior é algo que s6 se torna possivel nesse momento, porque 08 conteiios semanticos da literatura se \¢40 de uma legalida- possui um lugar diferente tir no fato de que, na literatura, a demeramente imposta a0 mater da aj cagio de um principio semelhante de construcio na em radio da genuina diversidade dos meios. 4. © CONCENTO BENJAMINIANO DE ALEGORIA desenvolvimento de wm conceito de obra de arte néo-orgi- nica é tarefa central para uina teoria da vanguarda, Seu ponto de partida pode ser 0 conceito benjaminiano de alegoria, que uma categoria articulada de modo especialmente smos, € que se mostra apropriado também para 2 compreensio de aspectos ligados tanto & prod, feito estético da obra de vanguard desenvolveu 0 conceito de alegoriaa partir da <3," embora se possa dizer que este conceit s6 vai encontrar seu objeto adequado na obra de vanguarda, Numa outra formu- hg guards é que possi ‘como sua aplicagio a experincia de Benjamin no trato com as obras da |bémn aqui o desdabramento do objeto no presente determina a Interpretagdo das etapas preliminares no passada, Nada hé de forgado na tentativa de ler o conceito benjaminiano de alego ca); nfo € preciso dizer que, la, n3o podem ser presumidos ‘os momentos que se deduzem da odo barroco.” No de como pade ser explicadoo su ipo de obra de arte (no caso, o alegérico) em periodos tio distintos na sua estrutura social. Toma wr afinidades hist questo como pre- texto para intes, embora devam o sea surgimento determinado, as formas artisticas ndo se situ- aloga a esse contexto, pode textos sociais, assumir outras fungées. Nao s sentido das possiveis ingue.”® 2. O ategor os fragmentos da realidade assim isolados e, ccess0, cria sentido, Este &, a alegsrico sob o olhar da melancolia, ela © priva de sua vida, a cols jaz como se estivesse morta, mas segura por toda a eternidade, entregue incondicionalmente a0 alegorista, exposta a seu bel-prazer. Vale dizer, 0 objeto é incapaz, a partir desse momento, de ter uma signficagio © irradiar um sentido; ele sé dispe cle uma sign the & atribuida pelo alegorisea.” © trato do alegorista com as coisas esti sujcito a uma con- tlnua alternéncia de envolvimento cf fascinagio do enfermo com o pormenor isolade e microscépico cede lugar a decepgio com que ele contempla o emblema esvaziado”.” 4-Tambémm a esfera da recepgio é considerada por Benjamin. A alegoria, que pela sua natureza é fragmento, apresenta a histd- ia como decadéncia: “a alegoria mostra ao obser vador a faces hippocretica da histéria como protopaisagem petrificada”." Independentemente de se perguntar se todos os quatro elementos do conceito de alegoria aqui apresentados podem ser aplicados & anise de obras vanguardistas, podle-se consta- tar que se trata de uma categoria complexa, e que, por conse. guinte, estd determinada a ocupar uma posigio especialmente elevada na hierarquia das categorias que servem a descrigio da obral E que esca categoria une dois conceitos relatives & esté- tice & produce — dos qu respeito & manipulagio do ‘material (0 arrancar os elementos a um contexto); 0 outro, & constituiggo da obra (aglutinacio de fragmentos ¢ atribuigio de sentido) — a uma interprétagio do processo de produsio € de recepgio (melancolia do produtor, apreensio pessimista Pe da historia por parte do receptor) \Por permitir separ plano da andlise, aspectos ligados & procusao e ao efeito estéti- jos como unidade, 0 0, a0 mesmo tempo qute permite pens conceito benjaminiano de alegoria deve: penhar a fungo de categori star apto a desem- de reconhecer, de pronto, que a u ica da categoria se cencontra principalmente no imbito da estética da produ No Ambito do efeito estético, ao contrério, complementagdes se fizem necessérias Se confrontarmos obra de arte orginica ¢ nio-org: (vanguardista), do ponto de vista da estética da produgdo, vamos encontr diverh os dois p alegoria com o que se pode entender por montager como ponto de-referéncia exsencial, o fato de eoinci- ‘0s elementos do conceito benjar que produz uma obra orginica (passaremos a denomins sico”, set querer com isso introdu come algo vivo, cuja sign ele vespeita. Para arte clissica) manipula sew mat cacio, advinda de situagbes c © vanguardista, a0 conte al & apenas material, Sua 8 Wo consiste seno em matar a "vida" do mate- we empresta significado. Onde o clissico, no ce € respeita 0 portador de wn significado, o vanguardista vé tGo-somente 0 signo vazio, 20 toralidade, enquento 0 vanguar dista arranca o seu a totalidade da vida, isola-o, fragments-o, Assim como & distinta a postura frente a0 mate 3}, a.cons- tituigao da abra também o é. O clissico produz sua obra com a intengdo de oferecer uma’ 1agem vive da totalidade, Mesmo lo da realidade & reproducio de uma fugaz disposigao-de énimo, ‘ele persegue tal intengao. O a0 restringir o recorte © vanguardista, 20 contrério, junta fragmentos com a intengo da atribuigdo de sentido (onde o sentido pode muito bem sera indicaco de que nfo existe mais nenhurn sentido). A obra no € mais criada como um todo orginico, mas montada a partir de fragmentos (disso trataremos no pardgrafo seguinte) Dos aspectos até aqui diseatidas do canceito de alegoria, que descrevem um determinado procedimento, devemos distin guir agueles nos quais se efetua a tentativa de w dos procedimentos. f este 0 caso q) nterpretogdo lo Benjamin caracteriza como melanodlico o comportamento do alegorista, Tal inter- pretagio nao pode ser transposta incondicionalmente do barro- co pare a vanguarda porque, com isso, estarlamos atribuindo ao, procedimento um significado fixo e, conseqiientemente, neg gentiando o fato de, ao longo ds historia de sua aplicagio, um procedimento poder assumir significados muito diversos."" No caso do procedimento alegérico, porém, parece possivel infe- rir um tipo de atitude do produtor que o vanguardista tem em comum com o alegorista barroco, O que Benjamin designa aqui como melancol é uma fixagio gular, que tem de perma- necer insatisfatéria porque no the corresponde nenburn dos conceitos gerais de conformagio da realidade. O devotamento 20 sempre singular é destituido de esperanga porque esté vincw- realidade 2 ser conformada. £ natural que se veja, no concite benjaminiano de melancolia, a descrigio de uma postura inte- Tecenal do vangua , como antes dele o esteticsta, transfigurar a prépria caréncia de fungéo social. © conceito sarvealista do nsuficientemente tra- lista, que nfo consegue m: duzido para 0 alemio por “Langeweile”[chato, fastio}) poderia sustentar tal exegese." A segunda interpretagao (relativa 8 estética da recepcio) gue Benja ria como histaria natural [Norugeschichte}, 0 que quer dize! como historia fatal da decadéncia) também parece permitir in oferece da alegoria (ela representa a histé- uma transposigio para a arte da vanguarda. Se tomarmos a ipo da avitudle vanguar- aida a natureza,"* O Eu surrealista procura restaurar 2 original atitude do Eu surrealista como prot sociedade é red dista, podemos constatar que, nel ural © mundo dade da experiéncia, estabelecendo como produzido pelo homem. Com isso, no entanto, social fica protegida contra a idéia de uma possivel mudange real ‘A histéria feita pelo homem nao é transformada em histé- ficada e) ria-da-natureza [Notur-geschichte}, mas petri natural [Natuzbild]. A metrépole é vivenciada como natureza nna verdadeira natureza: em busca de um sentido que deve poder ser encontrado naquilo que é dado, Em vez de submer- gir nos segredas da produgio dessa segunda natureza pelo sentido ao Fe homem, acredita poder extr tal. A mudanca de fan roco é, sem dlivida alguma, consideravel. Na vanguarda, 4 us depreciagio barroca deste em favor do outro mundo contra: pe-se uma quase entusiéstica afirmagio do mundo. Mas esta, se mais aproximada das procedimentos artisticos, se mostra frdgil, expressio do medo diante de uma técnica que se tornou onipotente ¢ de ums organizagio social que iduo. reduz a0 extremo as possbilidades de ago do in Os esbogos de interpretagio do procedimento alegéri- co no podem, no entanto, reivindicar o mesmo lugar dos conceitos que explicam © préprio procedimento, ¢ isso exatamente porque ~ como interpretagdes — pertencem jé Aquela esfera.em que a anslise individual de obras é essencial Por isso, no que se segue, tentaremos levar adiante 0 con fronto de obrade arte orgénica e nio-organica, sem introdu- ir, de imediato, categorias de interpretagio, A ‘obra de arte orginica aparece como obra da natureza: “a bela arte deve ser contemplada como natureza, ainda que, na verdade, dela se esteja consciente como arte”, escreve Kant. F Georg Lukcs vé a tarefa do realista (em oposigio ao vanguardista) como um duple trabalho: [..-] saber, primeiramente, a descobetta intelectual e 8 con- ica dessas conexbes (isto &, as conexdes da formagio 3 realidade social); poréim, em segundo lugar ~ ‘4 =, 0 acobertamento das conexdes elaboradas a insepard- vel da prim pela abstracio, a superacio da abstragio, * © que Lukics designa como o “encobrimento” nio é senio a produgio da aparéncia de natureza. A obra de arte organica 4s procura tornar irreconhegivel seu cardter de objeto pro: duzido. O contrario vale para a obra de arte vanguardista, que se oferece como produto artificial, a ser reconhecida como artefato, Nessa medida, a montagem pode ser con- siderada como 0 principio basico da arte vanguardista. A obra “montada” aponta para o fato de ter sido composta a partir de fragmentos 4: réncia de totalidade. Assim, a intengio vanguardista de des truicfo da instituigio arte, paradoxalmente, é re dade. Ela rompe com a apa- prépria obra de arte. Do intencionado revoluci da vida através da recondugio da arte & prixis vital, resulta \um revolucionamento da arte Adil diferente de recepsio, que é estabelecido pelos pri de construgio dos diferentes tipos de obra (¢ evidente por nga aludida aqui corresponde também um modo cada caso nd vidual). A obra orgénica intenciona uma impressio unitiria icado em relagdo individualmen- si sé que esse modo de recep nio preci estar de acordo com 0 modo real de recep¢io Na medida em que apenas possuen si ‘ao todo da obra, seus momentos individu te percebidos, apontam sempre para esse todo, Na obra van- guardista, 20 contrério, os momentos individuais possuem um grau muito mais elevado de autonomia ¢ podem, por {sso, ser lidos e interpretados também indiv nte ou ‘em grupos, sem que 6 todo da obra tenha de ser apreendido. Na obra vanguardista, apenas em sentido restrito se pode falar ainda de um “t de sentido possivel. 5. MONTAGEM E importante ter claro, descle que, com 0 con- ceito de montagem, nao se vai introduzir uma nova catego- ria em substituigdo ao conceit de alegoria. Trata se, antes, de uma categoria que permite determinar, com mais exa- tido, um aspecto do conceite de alegoria. A montagem pressupde.a fragmentacio da realidade e descreve a fase da constituigZo da obra. Uma vez que 0 conceito desempenha ‘um papel no apenas nas artes pl jeratura, mas também no cinema, 2 primeira questio a ser esclarecida & sobre 0 que esse conceito designa, respectivamente, nos varios meios. © cinema, como se sabe, baseia-se na justaposi¢ao de imagens fotogréficas que, em razio da velocidade com que desflam perante olho, provocam no espectador a impres- sfo de movimento, A montagem de imagens é, no cinema, 0 procedimento téenico fundamental, Trata-se nao de uma técnica artistica especitica, mas de uma técnica inerente ao préprio meio. No entanto, poderdo ser constatadas diferengas na sua utilizagio. Nao é a mesma coisa fotografar seqiiéncias natu- rais de movimentos ou prodwzir, através do corte, seqiién- cias artificiais de movimentos (ex plo: o leao que salta no Encouragado Pocemkin, editado a partir de um lefo de marmo- re que dorme, de um outro que desperta e de um terceiro que se levanta). E verdade que, no primeiro caso, as ima- gens individuais io também “montadas”, pressio produzida pelo filme reproduz, de modo ilusionista, apenas, 4 seqiiéncia natural dos movimentos; no seguado caso, 20 contriio, a impressio de movimento s6 se produz através da montagem de imagens.” Portanto, enquanto, no cinema, a montagem é um pro- cedimento téenico, um dado inerente ao préprio meio, na intra, ela passui o status cle um p artistico, Nao € por acaso que a montagem ~ com excegio des “precurso- res", a serem descobertos sempre post festum ~ aparece his toricamente primeiro no contexto do cubismy ~ na pintura cia, destrdi moderna, o movimento que, com maior cons: 6 sistema de representagio vigente desde 0 Renascimento. Nos papiers collés de Picasso ¢ Braque, produzidos nos anos anteriores § Pris ‘ra Guerra Mundial esta sempre em jogo o téenicas: 0 “ilusionismo” dos fragmentos contraste entre du de realidade colados (um pedaco de um cesto de vime, um papel de parede) e a “abstracio” da técnica cubista com que sio tratados os objetos exibidos, E possivel inf que essa oposigao se constitai em interesse dominante para ambos os artistas, uma vez que cla é visivel em quadros da mesma épo cca que dispensam a técnica da montagem.™ Ao tentar determinar as i engdes de efeito estético observaveis nas primeitas telas onde aparece a montagem, deve-se proceder com extrema cautela, © ato de colar um pedago de jornal mura tela &, sem diivid provocagio. Contudo, seré melhor nao supervalori no todo, os Fragmentos de realidade continuam int te submetidos a uma composicio imagética que se esforca por criar um ¢¢ bem definide imida. claro que se trata da destruigio da obra lestinada & reprodugio da realidade, mas nada tem cores ete.). Esta intengo poderia ser como orgini 4 ver com um questionamento da arte em si mesme, como nos movimentos histéricos de vanguarda, Trata-se, antes, da intencio de prod: um objeto est de julgamento. ico que escapa As regras 0 bastante ns de Hei inda nao esth perdida a ccha!" Foi o que a democratas’ ~ 6, a decidiram: os socialistas serZo fuzllados [ ADOLF- DER UBERMENSCH SCHLUCKT G OLD UND REDET BLECH também porque, nos dois casos, a montagem em si é tornada irreconhecivel, ou a0 menos de dificil reconhecimento, Des se modo, a fotomontagem se di da montagem dos cubistas ou da utilizada por Schwitters. E ligico que as observagies tam a pretensi jores nem de longe alimen- fe conta de seu objeto (a colagem cubistae a foromontag Trata-se, de circunscrever 0 alcance do si re a na medida de materiais que Desta forma, é destruida a wt marcado em todas as suas partes pela subj de vime que Picasso c pio de que o nujei- na reprodugio da realidade, isto €, no p stivo deve aperar a transposicio da realidade. E verdade toa que 0s cubistas nao se contentam com mostrar meramente um pedaco de realidade, como Duchamp um pouco mais tarde; cles se recusam a total conformagio do espago sendo um continuum." Se nao quisermos nos dar por satisfeitos ao redurir esse \cipio — que coloca em questio uma técnica de eviagdo pic térica aceita durante séculos ~ a dimensio de uma economia de esforgo supérflno," podemos tomar, sobretudo, as consi- deragées de Adorno sobre o significado da montagem para a arte moderna, as quais se constituem em pontos de referencia importantes para a compreensio do fendmeno, Adorno aponta © cardter revolucionério do novo procedimento (aqui, a meti- fora exageradamente forgada se mostra oportuna): © britho [Schein] da arte — esteja esta, gragos & estruturagio da.emy nna medida em que 2 obra admite em si mesma a entrada de ia heterogénea, reconcliada com aquele ~ deve rulr, escombros literals, escombros da empiria destituidos de bri. Iho, e nos quais ela reconhece a ruptura éa refuncionaliza em efeito extético A obra de arte orginica, que ~ confeccionada por mos huma- nas ~ simula, na verdade, ser equivalente & natureza, projeta wma imagem da reconciliagio entre homem e natureza, Segun- do Adorno, 0 trago caracteristico da obra nfo-orginica, que trabalha com o principio da montagern, € no prod 4 de reconciliagdo, Poder-se-4, também, a Je Adorno, mesmo nio podendo compartihar em todos 0 seus pontos da filosofia que se esconde por detrés ira radical a So de fragmentos de vealidade transforma de mar )bra de arte, Nao o artista renuncia & conformagio do todo do quadro; também 0 quadro adquire um outro status, pois frente & realidade, suas partes no assumem mais aquela rela- sfio que ¢ caracteristica da obra de arte organica. Como signos, as partes nio se referem mais realidade, elas sdo realidade. E questionavel, no entanto, a possibilidade de se atribuir ao procedimerito artistico da montagem também ica, como o faz Ad propria impoténcia frent no. “A arte quer & inaugurar a sua aboligSo."* Contra isso depde tagem ter si Jo utilizada no s6 pelos futur quem em absoluto nfo se pode dizer que tivessem pretendido abolir 0 capitalismo, como pelos vanguardistas russos depois da Revolugéo de Outubro, trabalhando numa sociedide soci lista em construgio. Fundamentalmente, € pr rer atribuir a um procedimento um significado fixo, A abor- dagem de Bloch é, aqui, mi dodo srsos, um proce itos diferentes. Bloch estabelece, as apropriada & coisa, par fato de que, em contextos historicam: dimento pode ter e! uma distingSo entre “montage de forma direta” (isto €, no na sociedade socialista). mente permanegam pouco Bloch oferece da montagem, deve 146 de que 0s procedimentos nla so semanticamente redutiveis ‘um significado que se Ihes imponha como definitivo. Dentre as definigdes de Adorno, serd preciso tentarfiltrar as que realizam a descriglo do fenémeno sem prove. tum significado fixo. O que se segue pode ser tomado como cexemplo de tal determinagio da montagem: intese se transforn negagio da «em principio de criagd0”.** Do ponto de vista da estética da produglo, a negacio da sintese capta aquilo que, do ponto de vista da estética da recepgio, foi designado como repiincia & reconctliagao, Se, para examinar a constate- fo de Ador dos cubistas, de fato poderemos dizer, entio, que elas permi uma vez mais nos orientarmos pelas colagens tem reconhecer um principio de construgo, mas nenhuma sintese, justamente no sentido de uma unidade de significado (considere-se a oposiglo entre “ilusionismo” e “abstragio”, & «qual nos reportamos acima).” Quando Adorno interpreta a negagio da negacio de sentido," & preciso sempre lembrar que mesmo a denegagdo de sentido representa ainda um tipo de atribuigéo de sentido, Tanto os textos automiticos dos surrealistas, quan- 0 0 camponts de Pars ce Aragon e Nadja de Breton, podem ser mencionados como textos marcados pela téenica da montagem. Ora, ocorre que, em nivel superficial, os textos autométicos sio caracterizacos por uma destruigdo do encadeamento de sentido. Mesmo assim, uma interpretaglo que nao se pren: da & apreensio de concatenagdes légicas, mas que se atenha 05 procedimentos de construgio do texto, pade muito bem encontrar, neles, um significado relativamente consistente, 156 Coisa semelhante se pode dizer sobre a enumerayio de é acontecimentos individuals com que Breton inicia No. verdade que nfo existe entre eles nenhuma conexi tiva ~ de modo que, pela légica da narrativa, o tltimo inei- dente pressupusesse os prececlentes; mas é claro que entre cesses acontecimentos existe uma conexio de outra espé- cie: todos seguem 0 mesmo padrio estrutural, Para formular com 05 conceitos do estruturalismo, a conexio ¢ de matu- reza paradigmética, ¢ no sintagmitica. Enquanto o padrio estrutural sintagmitico ~a frase, por m: Tonga que seja—se caracteriza por ter um final, 0 padrao estratural paradigmstico a série ~ é, por principio, inacabado. Como conseqiiéncia, essa diferenga essencial tem também dois diferentes modos de recepeao.* A obra de arte onginica é construida segundo o padrao estrutural sintagmitico: as partes individuals ¢ o todo formam uma unidade dialéticd. A leitura adequada & descrita através do circulo hermenéutico: as partes s6 podem ser compreen- didas a partir do todo da obra, ¢ este, por sua vez, somente a artir de Significa que uma concepgio aatecipada do todo dirige 2 concepgio das partes, sendo, ao mesmo tempo, co! ¢gida por esta, O pressuposto bisico deste tipo de recepgao & a accitaglo de uma concordancia necesséria entre o sentido das uals € 0 sentido do todo.” Este pres partes a diferenga decisiva em relagio & obra de arte or itado pela obra nfo-orgénica. As partes se “emaneipa um todo a clas sobreposto, ¢ 20 4 como partes constituti- 8, estar associadas. Mas isso significa que as 1 partes carecem de necessidade, Num texto automitico, que enumera imagens, poderiam faltar algumas delas, sem que 0 texto se transformasse substancialmente. O mesmo vale para osacontecimentos relatados em Nadja. Seria possivel, sem com isso introduair qualquer transformagio substancial, tanto inse~ novos acontecimentos do mesmo tipo, como deixar de lado alguns dos acontecimentos relatados, Permotas seria também admissiveis. Decisivo & 0 principio de construgio subjacente a essa série de acontecimentos, e nio cada acontecimento em sua particularidal Tudo isso, ligico, traz conseqiiéncias essenciais para a recepgio. O receptor da obra vanguardista vivencia a expe riéncia de que o seu procedimento para a apropriagio de obje- \Gdes intelectuais, formado no contato com obras de arte orginicas, é inadequado ao abjeto, A obra vanguaridista no cria uma impressio total, condigdo para uma interpretagdo de seu sentido, nem confere clareza & impressio que, porventura, vena a se produzir no retorno 4s partes individuals, uma vez que estas nao se encontram mais subordinadas a wma intenga0 da obra. O receptor experiments essa denegacio de sentido como choque, Este choque ¢ intencionado pelo artista de va .guarda, que mantém a esperanca de, gracas a essa privagio de sentido, alertar o receptor para o fato de a sua propria préxis vivel e para a necessidade de transformé-la lante, no sentido de vital ser ques © chogue ¢ ambicionado como estim uma mudanga de atitude; e como meio, com o qual se pode romper a imanéncia estética ¢ introduzir uma mudange da praxis vital co recepto sa A mente provocada no receptor, consiste no fato de el geral, nio ser especifico, Mesmo admitindo como logrado blematica do choque, como reag © rompimerito da imanéncia estética, a direcio das pos rouclangas de atitucle por parte do receptor nao pode ser dada ainda como decidida. A reagio do piblico as manifestagoes dada & significativa para a compreensio do carter da reagio aque Toge da especificidade. Cego de edlera, 0 de & provocagio dos dadaistas.* Dificilmente poderiam vir ‘ocorrer mudangas de atitude na praxis vital do receptor. E mesmo questiondvel se a provocacio ndo faz por reforgar ainda mais as posturas existentes, propiciando-lhes ocasifo para que se expressem abertamente."* Uma estética do cho- ide de que levanta ainda um outro problema: a impossib tornar duradouro,esse tipo de efeito. Nada per com maior rapidez do que o choque, por ser ele, de acordo ica. Na ropetigio, ele se ‘aque espevado existe €a as reacdes do piblico & 1 choque através de reportagens esperava, portanto. Um choque a quase zado, pode produzir um minimo de efeito sobre a pr do receptor. Ele acaba sendo “consumido” O que permanece & 0 carter enigmatico das obras, a resisténcia que elas opdem 4 tentativa de thes extrair sen tido, $2 0 receptor nao acei a mera resignacio, ou seja, s¢ no se di por satisfeito com atribuigdes arbitrérias de sentido apoiadas to-somente numa das partes individuais da obra, tera de tentar entender justamente o carter enig- mitico da obra vanguardista, voltando-se, com isso, para um outro 1 da interpretagio. Em vez de, segundo o princi- pio do circulo hermenéutico, querer seguir percebendo um sentido a partir da conexfo entre 0 todo € as partes, sus- penderd a busca de sentido e voltaré sua atengio para os principios de construcio que determinam a constituigio da obra, a fim de, neles, encontrar uma chave para o cardter enigmatico do produto. Por conseguinte, a obra vanguar- dista provoca na recepcio uma ruptura que é anloga ao seu cordter fragmentirio (sua nio-organicidade). Entre a expe- rigncia registrada no choque, da impropriedade do modo de recepgio cultivado no convivio com as obras de arte ‘rginicas, e 0 esforgo visando a uma compreensao dos prin- cipios de construgio, encontra-se uma ruptura: a rentineia & interpretagio de sentido, Uma das transformagies efetuadas, pelos movimentos histéricos de vanguarda, as quais foram decisivas para o desenvolvimento da arte, consiste no tipo de recepgio provocedo pelas obras de arte vanguardistas. A atengio do receptor ndo se volta mais para um sentido da obra a ser apreendido por meio da leitura das partes, mas para o seu principio de construgio. Esse tipo de recepgao imposto ao receptor da seguinte maneira: na obra vanguar: dista, a parte — que dentro da obra de arte organi teriza pela necessidade, na medida em que tem ums atuagio na constituigio de sentido do todo da obra ~ se transforma em mero recheio de um padrao estrutural wo ‘Tentamos reconstruir geneticamente conexfo entre a obra de arte vanguardista os métodos formais das ciéneias Ja arte e da literatura, estes apresentadlos como reagio do recep- tor as obras vanguardistas, refratévias que sio & abordagem dos procedimentos hermenéuticos tradicionais. Nessa tentativa de \¢do, era necessirio salientar de maneii recon: ruptura entre os métodos formais (voltalos para os procedi- especi mentos) ¢ a hermenéutica voltada para uma interpretagio de sentido, No entanto, tal reconstrugio de uma cc xo gendti- cannio deve ser mal entendida, no sentido de que a determina- dos tipos de obra devessem ser correlacionados determinados cos. As obras orginicas, por cxemplo, seria stas, os métodos, cados ci acionade 0 hermenéutico; is vangu n Bagrante contradigio cor te vin fori Tal correlagio estaria aqui esbocado, E verdade que a obra de 0 raciod! _guardista requer um novo método de apreensio. nto, cle.nio é de aplicagio restrita as obras vanguardistas e nem faz desaparecer a problemitica hermenéutica da compreensio de sentido, Antes, em razio das radicais transformagdex do ambi to do objeto, chega-se também a uma reestruturagdo dos pro- cedimentos de apreensio cientifica do fendmeno arte. Pode: se supor que esse proceso que con hermenéuticos caminha para um que a.eman. ipagio das partes mesmo na obra vanguardista, Vv. do obra, Mesmo onde a negacSo da sintese se torna u VANGUARDA E ENGAJAMENTO pio criativo, ¢ preciso que uma unidade, por mai ela seja, possa ainda ser pensada. Para a re hermenéutica critica, aos métodos formais de andl medida em jpostulada pela hermenéu- literdrias cabe certamente tn significado mai ma da necessiria concordincia entre o todo e as part 14 a investigagdo das contradigdes entre as camada daobra ¢, 9b a partir da, val infer 0 sentido do tode.

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