Mas o Que É Mesmo Variação Linguística

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Mas 0 que € mesmo variacgao lingtistica? Ailusao da lingua homogénea S pessoas que vivem em sociedades com uma longa tradigao escrita, com uma historia literaria de muitos séculos e um sis- tema educacional organizado se acostumaram a ter uma idéia de lingua muito influenciada por todas essas institui¢Ges. Para elas, sO merece 0 nome de /ingua um conjunto muito particular de pronuncias, de palavras e de regras gramaticais que foram cuidadosamente selecionadas para compor 0 que vamos chamar nesse livro aqui de norma-padrao, isto €, 0 mo- _|_A gente vai estudar mais demorada- delo de lingua “certa”, de “bem falar” que, nes- | mente no capitulo 3 0 proceso his- sas sociedades, constitui uma espécie de tesou- | Smee Ge constilulsse oe d U A padrao do portugués. ro nacional, de patriménio cultural que, assim como as florestas, os rios, a flora, a fauna e os monumentos arquitet6nicos, precisaria ser preservado da ruina e da extingao.... Ora, a escrita, a literatura e a escola sao instituigdes eminentemente sociais, sdo invengoes culturais, criacdes artificiais e muito recentes na historia da humanidade — as formas mais antigas de escrita tem menos de 6.000 anos, ou seja, durante 99% da historia da nossa espécie ninguém escreveu nem leu nada, e até hoje uma grande parcela dos seres humanos permanece assim, excluida da escrita e da leitura! Portanto, 0 que se convencionou chamar de “lingua” nas sociedades letradas 6, na verdade, um produto social, artificial, que néo corresponde aquilo que a lingua realmente é. Mas sera que a gente pode mesmo pensar nesse modelo de lingua Mas 0 que é mesmo variagdolinguistica? roduto, semelhante 20 logurte, 20 vinho, & borracha, a0 papel, ao zeit e a tantas outras invengoes humanas? Pode, mas com uma diferenca 52 “ingva€ um produto de um tipo diferente, um produto sociocultural elabo- rado ao longo de muito tempo, pelo esforco de muita gente — por isso ela é uma grande abstragdo ou, como se diz hoje em dia, um patriménio imaterial. como um pi Bem, entdo, se o que nos chamamas de “lingua” é sO uma aparéncia, uma ilusdo nascida dos nossos habitos culturais e das nossas relagGes sociais, como é a lingua, de fato? Arealidade heterogénea das linguas ‘Ao contrario da norma-padrao, que ¢ tradicionalmente concebida como um produto homogéneo, como um jogo de armar em que todas as pecas se encaixam perfeitamente umas nas outras, sem faltar nenhuma, a lingua, na concep¢ao dos sociolingiistes, ¢ intrinsecamente heterogénea, miltiola, variével, instavel e esta sempre em desconstrugao e em reconstrug: contrério de um produto pronto e acabado, de um monumento historico feito de pedra e cimento, a lingua é um processo, um fazer-se permanente e nun- ca concluido. A lingua é uma atividade social, um trabatho coletivo, empre- endido por todos os seus falantes, cada vez que eles se poem a interagir por meio da fala ou da escrita. Justamente pelo cardter heterogéneo, instavel e mutante das linguas huma- nas, a grande maloria das pessoas acha muito mais confortavel etranquilizador pensar na lingua como algo que jé terminou de se construir, como uma ponte firme e solida, por onde a gente pode caminhar sem medo de cair e de se afogar na correnteza vertiginosa que corre Ié embaixo. Mas essa ponte nao ¢ feita de concreto, € feita de abstrato... O real estado da lingua € o das aguas de um rio, que nunca param de correr e de se agitar, que sobem e descem conforme o regime das chuvas, sujeitas a se precipitar por cachoeiras, a se estreitar entre as montanhas e a se alargar pelas planicies. Também ao contrario do que muita gente acredita, a lingua ndo esta regis- trada por inteiro nos dicionarios, nem suas regras de funcionamento so exa- tamente (nem somente) aquelas que aparecem nos livros chamados grama- ticas, € mais uma ilusdo social acreditar que € possivel encerrar num unico livro @ verdade definitiva e eterna sobre uma lingua, "Nana lingua € por acaso por uma pesogogla da vaiaéolingstica Com tudo isso, a gente esta uerendo dizer que, na contramao das crengas mais difundidas, a variacdo e a mudanca linguisticas 6 que sio 0 “estado natural” das linguas, 0 seu jeito proprio de ser. Se a lingua é falada por seres humanos que vivem em sociedades, se esses seres humanos e essas socie- dades sao sempre, em qualquer lugar e em qualquer época, heterogéneos, diversificados, instaveis, sujeitos a conftos e a transformacées, o estranho, 0 paradoxal, 0 impensavel seria justamente que as linguas permanecessem estaveis e homogéneas! Por isso, no tem sentido falar da variacao linguistica como um “problema” Vira e mexe recebo mensagens de pessoas que perguntam como tratar em sala de aula 0 “problema da variacdo”. Podemos comecar respondendo que © problema esta em achar que a variagdo linguistica 6 um “problema” que pode ser “solucionado”. 0 verdadeiro problema € considerar que existe uma lingua perfeita, correta, bem-acabada e fixada em bases sdlidas, e que todas as inlimeras manifestacOes orais e escritas que se distanciem dessa lingua ideal s40 como ervas daninhas que precisam ser arrancadas do jardim para que as flores continuem lindas e coloridas! Assim, no so as variedades lingUisticas que construgéo de uma norma-padrao, de um que as aguas de um rio prossigam no cami- Ultimos milhdes de anos. nossa sociedade 6, sob os mais diversos pontos de brasileira passam — a pé, de carro, de Oni- cexcludentes, bus, de bicicleta, de motocicleta, de cadeira aso que ¢ mesmo variacoingusta? Ao contrério do que declaram algu- = ae at mas pessoas desavisadas, os linguis- constituem “desvios" ou “distorgdes” de uma | tas nde consideram 0 processo de lingua homogénea e estavel. Ao contrario: a constituigao de uma norma-padrao ‘como uma coisa intrinsecamente E negativa. Eles sabem que a vida modelo idealizado de lingua, é que represen- | Social’ regulada por normas, entre ta um controle dos processos inerentes de | as qual ¢stio as normas de compor variagéo e mudanga, um refreamento artifi- er ceric es cial das forgas que levam a lingua a variar € | Sure fatoda normatizagao da lin: a mudar — exatamente como a construcdo | gua nao ser um processo “natural”. de uma barragem, de uma represa, impede | mls simo resultado de agdes huma- nas conscientes,ditadas por necessi- dades politicas e culturais, ¢ nas nho que vinham seguindo naturalmente nos |) guais impera freqlentemente uma | ideologia obscurantista, dogmatica ‘eautoritéria. Alguns lingtstas (mas Vamos pensar Brasil. Sem duvide, a |) em tedost)/ sereditan) que! uma 0S pensar no caso do . args pee, d elemento cultural desejavel, desde de vista, uma das mais heterogéneas do mun- |” que eonstitufda com o auxlio da do, Em qualquer rua movimentada de uma cida- | pesquisa efentifiea com base em projetos socials democriticos nio- de rodas, as vezes até a cavalo... — pessoas de ambos os sexos, das mais diferentes faixas etarias, de multiplas origens étnicas, de todas as classes socials, de todos os graus de escolaridade, das mais diferentes profissdes, das mais diferentes religioes, de diversas orientagdes sexuais, de diferentes opinices politicas, vestidas de todos os modos possiveis etc. Como seria possivel imaginar que toda essa gente, td0 diversificada em tudo 0 mais, tivesse que falar a sua lingua sempre da mesma maneira? Heterogeneidade lingilistica e social O objetivo central da Sociolinguistica, como disciplina cientifica, € precisamnen- te relacionar a heterogeneidade linguistica com a heterogeneidade social. Lin- gua e sociedade estdo indissoluvelmente entrelacadas, entremeadas, uma in- fluenciando a outra, uma constituindo a outra. Para o sociolingtista, é impossi- vel estudar a lingua sem estudar, ao mesmo tempo, a sociedade em que essa lingua é falada, assim como também outros estudiosos — socidlogos, antrop6- logos, psicdlogos sociais etc. — ja se convenceram que nao da para estudar a sociedade sem levar em conta as relagdes que os individuos e os gru- os estabelecem entre si por meio da linguagem. Assim, 0 que temos nas sociedades com- plexas e letradas € uma realidade lingiiis- tica composta de dois grandes polos: (1) a va- Tiago linguistica, isto 6, a lingua em seu es- tado permanente de transformacao, de flui- dez, de instabilidade e Q)anorma-padrao, produ- to cultural, modelo artificial de lingua criado justamente para tentar “neutralizar” os efel ‘Nada na lingua @ por acaso: por uma pedagogta da variacto lingistica tos da variaco, para servir de padrao para os comportamentos linguisticos considerados adequados, corretos e convenientes. > Rein) ed Entre esses dois polos, existe uma grande zona intermedidria, em que a nor- ma-padrdo influencia a variacdo linglistica e a variagdo linguistica infiuencia ‘a norma-padrao. Por isso, mesmo reconhecendo que a norma-padrao é um produto cultural, uma “lingua” artificial, por assim dizer, a gente ndo pode deixar de reconhecer que ela existe — ainda que somente no nivel do discur so, da ideologia —, faz parte da vida social, e tem que ser levada em conta sempre em toda investigagdo sobre lingua e sociedade. O.conceito de variagao linguistica é a espinha dorsal da Sociolinguistica. Para ajudar a gente a compreender esse fenémeno complexo e fascinante, os sociolinguistas formularam alguns conceitos e definigdes, todos derivados do verbo variar. € importante ter clareza dessa terminologia para evitar emprega- la de forma equivocada como, infelizmente, acontece com muita frequéncia. Variagao primeiro desses conceitos, como ja vimos, 6 o de variac&o. Dizer que a lingua apresenta variacdo significa dizer, mais uma vez, que ela € heterogé- nea. A grande mudanca introduzida pela Sociolingulistica foi a concep¢ao de lingua como um “substantivo coletivo”: debaixo do guarda-chuva chamado LINGUA, no singular, “Quase me apetece dizer que ndo ha m lingua portuguesa, hd linguas se abrigam diversos conjuntos de realizagbes | Qh pormgués Possiveis dos recursos expressivos que eStdO 4 ast Sarawaso, eseritor portugués, em disposigo dos falantes. ———— a ee Lopes e exibido no Brasil em 2004), ‘A variaco ocorre em todos os nivels da lingua: B variagdo fonético-fonolégica > pense em quantas proniincias voce conhece para o R da palavra PORTA no portugués brasileiro; ‘as 0 que é mesmo varia ings? B® variacdo morfolégica ~ as formas PEGAIOSO € PEGUENTO exibem sufixos diferentes para expressar a mesma idéia; B® variacao sintatica > nas frases UMA HISTORIA QUE NINGUEM PREVE 0 FINAL / UMA HISTORIA QUE NINGUEM PREVE FINAL DELA / UMA HISTORIA CULO FINAL NIN- ‘Guém prev, o sentido geral é 0 mesmo, mas os elementos estao organiza dos de maneiras diferentes; B variaco semantica + a palavra vexame pode significar “vergonha" ou “pressa”, dependendo da origem regional do falante;, B variacdo lexical > as palavras MuO, xixi € URINA Se referem todas a mes- ma coisa; B variacdo estilistico-pragmatica > os enunciados QUEIRAM SE SENTAR, POR FAVOR @ VAMO SENTANO Al, GALERA correspondem a situagdes diferentes de interagao social, marcadas pelo grau maior ou menor de formalidade do ambiente e de intimidade entre os interlocutores, e podem inclusive ser pronunciados pelo mesmo individuo em situacdes de interacao diferentes, Heterogeneidade, sim, mas ordenada Um dos postulados basicos da Sociolinguistica é 0 de que a variacdo nao aleatoria, fortuita, cadtica — muito pelo contrario, ela é estruturada, organi- zada, condicionada por diferentes fatores. Dai o titulo do nosso livro ser: Nada na lingua 6 por acaso. A Sociolinguistica trabalha com o conceito de heterogeneidade ordenada. Vamos ver o que ¢ isso, Pronuncie com cuidado as duas palavras abaixo: RASPA———— RASGA Observe que na primeira palavra aparece um som [s], enquanto na segunda aparece um som [2], embora as duas se escrevam com a mesma letra S. Por qué? Muito simples: o s de rasPa vem antes de um /p/, que é uma consoante Surda, isto 6, produzida sem a participacao das pregas (ou cordas) vocais, ¢ or isso 0 s se pronuncia como [s], que também € um som surdo. 48 NO caso de RASGA, 0 s esta diante de uma consoante sonora, o /g/ (produ- ida com a participagdo das pregas vocais), e por isso ele se realiza como um {2l, que também € uma consoante sonora, E 0 contexto fonético, ou seja, 4 influencia de uma consoante sobre a outra, que vai explicar, neste caso, "Naga na lingua 6 por acaso: por uma pedagogia d varagbo ingtistica variagao [s] ~ [2]. A sonoridade (ou vozeamento) de um fonema vai provoc: a sonorizagao do outro; a nao-sonoridade (ou ndo-vozeamento) de um fonema vai provocar a ndo-sonoridade do outro, ‘Aqui estamos diante de um fendmeno de variagao que esta condiciona do apenas linguisticamente — todo e qualquer falante de portugués, in dependentemente de sua origem social ou regional, sexo, grau de esco: laridade etc., vai apresentar, na sua fala, essa alternancia {s] ~ [z] em ares COMO RASPA/RASGA, ESCAMA/ESGANA, F1SCO/FISGO, DESTINO/DESMA\O etc € um fendmeno tao impregnado na lingua que ninguém se da conta dele, ele nao chama a atencdo, nao desperta nenhum tipo de reagao negativa ou positiva da parte dos falantes, que nem sequer tém consciéncia de que ele acontece. A coisa ja muda de figura quando, com o mesmo par de palavras Raspa/ RASGA, acontece a seguinte variacao: RASPA —— RASGA | | i {31 N.B.:0 simbolo {f] representa o som do xem xx, €0 [3] representa o som do ema. Quando um falante que pronuncia ralsJpa ouve uma pessoa pronunciar Ralf]PA, com 0 “s chiado”, essa variacéio de prontincia logo chama a atencao, provo- ca alguma reagdo da parte do primeiro falante, que tem consciéncia da ciferenga — ¢ muito AIMS se nase solani dos che provavel que procure identificar seu interlocutor apenas Bares cone ‘como proveniente de um estado ou de uma re- ‘mos pelo outro par é porque cu ido diferente da sua. mesmo, autor do livro, nao sou fa- oe lante do “s chiado”. ‘Aqui estamos diante de um tipo de variacao que ndo é condicionada apenas linguisticamente, mas também extralinghistica- mente, isto 6, condicionada por algum fator de ordem social — neste caso, a origem geografica do falante. No portugues brasileiro, diversas areas geogré ficas apresentam 0 “s chiado", como o Rio de Janeiro, o Para, 0 Nordeste em geral, zonas do Mato Grosso, algumas comunidades da ilha de Santa Catarina (onde fica Florianopolis), entre outras. aso que € mesmo vriago ingisea? Outro exemplo da. heterogeneidade ordenada, des- ta vez no plano morfossintatico, estd nos casos variaveis de concordancia nominal. Observe as trés frases abaixo: LV a SoCo Gey iN co (@) aquelas casinha amarelinha (b) *aquela casinhas amarelinha ( *aquela casinha amarelinhas Somente a frase (a) ocorre no portugués bra- sileiro, enquanto (b) e (c) nao ocorrem (por isso, estdo assinaladas com um asterisco, simbolo usado pelos linguistas para identificar uma construgao improvavel ou impossivel). A fra- se (a) € usada por praticamente todos os bra- sileiros, inclusive os altamente escolarizados em situagdes de fala espontaneas, distensas. Dai se deduz claramente que existe uma regra por tras dessa construcao, uma regra que diz: , regra que € per- feitamente obedecida por todos os que se servem dela. Atencao! A palavra REGRA esta sendo usada aqui com um sentido muito diferente daquele que aparece nas gramaticas normativas. Ali, regra é uma espécie de “lei” que dita e impde o que é “certo” e condena o que 6 “errado". Na perspectiva cientifica, regra 6 tudo aquilo que revela uma regularidade (as palavras regra e regular tem a mesma origem). Quando conseguimos detectar e descrever alguma coisa que acontece na lingua com regularidade, com previsibilidade, segundo uma légica linguistica coe- rente, fazemos essa descrigdo na forma de uma regra (como a que enun- Clei acima: ). Quando, no discurso do senso comum, se diz que determinado uso vai “contra as regras da lingua” ou “desobedece as regras do Portugués”, 0 que se esta querendo dizer é que tal uso desrespeita as regras exclusivas e excludentes, padronizadas e escolhidas artificialmente como as “cer- tas” pela tradi¢ao normativa, Usos Como AQUELAS CASINHA AMARELINHA OU. VOCE SABE QUE EU TE AMO OU O TIME QUE EU TORO etc. sdo perfeitamente regrados, € a prova maior disso é justamente a regularidade com que eles correm na lingua! Com isso, fica claro que é ‘simplesmente impossivel Nada naling ¢ po caso: por uma pedagogia da vaio lingistica desrespeitar as regras da lingua, simplesmente porque é impossivel fa- lar sem obedecer regras lingiisticas! A heterogeneidade ordenada tem a ver, entdo, com essa caracteristica fas cinante da lingua: 0 fato dela ser altamente estruturada, de ser um sistema organizado e, sobretudo, um sistema que possibilita a expressdo de um mes: mo contetido informacional através de regras diferentes, todas igualmente légicas e com coeréncia funcional. € mais fascinante ainda: um sistema que nunca esta pronto, que o tempo todo se renova, se recompée, se reestrutura, sem todavia nunca deixar de proporcionar aos falantes todos ‘os elementos necessérios para sua plena interacao social e cultural. E la mentavel que uma coisa to maravilhosa, complexa e apaixonante tenha sido reduzida, na tradicao escolar, a uma divisdo estiipida entre “certo” e “errado”, ainda mais estupida porque se baseia em preconceitos socials e culturais que ja deviamos ter abandonado ha muito tempo. Fatores extralingilisticos Para fazer um trabalho de investigagdo minucioso sobre a variaco lingUisti- a, 08 sociolinguistas selecionam um conjunto de fatores sociais que podem auxiliar na identifica¢do dos fenémenos de variacao lingulistica. Que fatores ‘sociais so esses? Dentre os muitos possiveis, os que tém se revelado mais interessantes para a pesquisa sd0 os seguintes: B ORIGEM GEOGRAFICA: a lingua varia de um lugar para 0 outro; assim, podemos investigar, por exemplo, a fala caracteristica das diferentes re- gides brasileiras, dos diferentes estados, de diferentes areas geograficas dentro de um mesmo estado etc.; outro fator importante também é a origem rural ou urbana da pessoa; > STATUS SOCIOECONOMICO: as pessoas que tém um nivel de renda muito baixo nao falam do mesmo modo das que tém um nivel de renda médio ou muito alto, e vice-versa; GRAU DE ESCOLARIZACAO: 0 acesso maior ou menor a educacao for- male, com ele, a cultura letrada, a pratica da leitura e aos usos da escrita, 6 um fator muito importante na configuracao dos usos linguisticos dos diferentes individuos; B® IDADE: os adolescentes ndo falam do mesmo modo como seus pais, nem estes pais falam do mesmo modo como as pessoas das geragdes anteriores; ‘Mas 0 que ¢ mesmo variacoingistica? B® SEXO: homens e mulheres fazem usos diferenciados dos recursos que a oferece; D Rec DE TRABALHO: 0 vinculo da pessoa com determinadas pro- fissdes e oficios incide na sua atividade lingiistica: uma advogada nao usa os mesmos recursos lingufsticos de um encanador, nem este os mes- mos de um cortador de cana, B REDES SOCIAIS: cada pessoa adota comportamentos semelhantes aos das pessoas com quem convive em sua rede social, entre esses compor- tamentos esta também o comportamento linguistico. ‘As pesquisas linguisticas empreendidas no Brasil tem mostrado que 0 fator social de meior impacto sobre a variacao lingliistica é ograu de escolarizacao que, em nosso pais, esté muito ligado ao status socioecondmico: a escola de qualidade e a possibilidade de permanéncia mais prolongada no sistema educacional sao bens sociais limitados &s pessoas de renda econdmica mais elevada. Estudos sociologicos apontam que existe uma relacdo muito estreita entre escolaridade e ascensao social: os melhores empregos e Os postos de comando da sociedade estao reservados predominantemente aos cidaddos mais escolarizados. Com esse conjunto de fatores podemos estudar a lingua falada por grupos socials especificos: como falam os jovens do sexo masculino, entre 18 e 25 anos, com escolaridade inferior a 4 anos, que vivem na periferia da cidade de S40 Paulo? Como falam as mulheres agricultoras do sertao da Paraiba com mais de 60 anos, analfabetas? Como falam os homens com mais de 40 anos, com curso superior completo, com renda superior a dez salarios minimos, moradores da zona sul do Rio de Janeiro? Selecionando fatores sociais e fendmenos linglisticos relevantes para o estudo, a pesquisa sociolinguistica permite que a gente faca um retrato bastante fiel de como € a realidade dos uusos da lingua no Brasil Variacao estilistica Mas a variagao lingUistica ndo ocorre somente no modo de falar das diferen- tes comunidades, dos grupos sociais, quando a gente compara uns com os Outros. Ela também se mostra no comportamento linguistico de cada indivi- uo, de cade falante da lingua. Nos variamos o nosso modo de falar, individual- "Nada a lingua € por acaso: por una pedagoga da varia lngistica mente, de maneira mais consciente ou menos consciente, conforme a situa Go de interagao em que nos encontramos. Essa situa¢ao pode ser de maior ou menor formalidade, de maior ou menor tensao psicologica, de maior ou menor pressdo da parte do(s) interlocutor(es) e do ambiente, de maior ou menor inseguranga ou autoconfianga, de maior ‘ou menor intimidade com a tarefa comunicativa que temos a desempenhar etc. Cada um desses tipos de situacao vai exigir do falante um controle, uma atengao e um planejamento maior ou menor do seu comportamento em geral, das suas atitudes e, evidentemente, do seu comportamento verbal Tudo isso pode ser sintetizado no conceito de monitoramento estilistico. © monitoramento estilstico ¢ uma escala continua, que vai do grau minimo a0 grau maximo, a depender de todos os fatores que acabamos de elencar. monitoramento oquaweLoUOW owe. © monitoramento opera no sO na lingua fala- Baas sana da, mas também na lingua escrita. Nao escre- | termos estilo ou registro para desig vemos um bilhete para o namo- eae cee ag uum individuo segundo a situa- rado da mesma maneira como ease escrevemos uma carta de apre- «tra, Para classificar 0s es sentagao a uma empresa onde estamos tentando obter uma vaga para trabalhar. adequado usar as grada- goes de monitoramento: (mais monitorado, menos Os sociolinguistas enfatizam sempre que nao existe fa- lante de estilo Unico: todo e qual- quer individuo varia a sua maneira de falar, monitora mais ou menos 0 seu comportamento verbal, independente- mente de seu grau de instrucéo, classe precisos como “estilo co- loquiat’, “registro culto”, “estilo cuidado” etc. Mas que mesmo variagdoingusta? Trata-se de um comportamento que € adquirido muito ee ccake social, como é facil verificar observando a variacao dos, modos de falar das criancas quando se dirigem a outras criangas da mesma idade, a criangas maiores, a adultos familiares, a adultos desconhecidos etc. 0. monitoramento da fala, sobretudo quando se trata de exibir respeito e conside- rago pelos outros, faz parte do aprendizado das normas sociais que prevale- cem em cada cultura, normas que sao apreendidas por observacao e imitagao, mas também ensinadas explicitamente as criangas pelos pais € outros adultos. No caso do monitoramento da escrita, ele vai depender, ¢ claro, do grau de Jetramento do individuo, isto é, 0 grau de sua insergao na cultura da leitura e da escrita. Uma pessoa que foi alfabetizada, mas nao ultrapassou os primeiros anos da escola formal nem criou 0 hébito de ler e de escrever com frequéncia, certamente nao vai dispor dos mesmos recursos de monitoramento estilistico de alguém que cursou a universidade, tem bom desempenho no dominio da escrita, conhece as convengées dos diferentes géneros textuais, maneja um vocabulario mais amplo e diversificado etc. O grau de letramento elevado tam- bem favorece, é claro, a producao de textos falados mais monitorados, em que @ pessoa tenta reproduzir na oralidade mais formal tragos caracteristicos dos géneros textuais escritos mais monitorados. Classificacao da variagao sociolingiiistica A variagao sociolinguistica costuma vir acompanhada, nos textos especializados, de alguns adjetivos que vale a pena conhecer: B® variacao diatopica > ¢ aquela que se verifica na comparagao entre os modos de falar de lugares diferentes, como as grandes regioes, os es- tados, as zonas rural e urbana, as reas socialmente demarcadas nas Brandes cidades etc. O adjetivo DiaTOPIco provém do grego biA-, que signi- fica “através de”, e de TOPos, “lugar” BP variacao diastratica > ¢ a que se verifica na compara¢ao entre os modos de falar das diferentes classes sociais. 0 adjetivo prove de DA- € do latim stratum, “camada, estrato” B variacdo diamésica > 6 a que se verifica na comparacao entre a lin- ua falada e a lingua escrita. Na andlise dessa variagao é fundamental © conceito de género textual. 0 adjetivo provém de piA- e do grego mésos, “meio”, no sentido de “meio de comunicacao". "Nada a lingua 6 por acaso: por uma pedagogla da variagSoingstca B® variacao diafasica > 6 a variacao estilistica que vimos mais acima, isto é, 0 uso diferenciado que cada individuo faz da lingua de acordo com o grau de monitoramento que ele confere ao seu comportamento verbal, 0 adjetivo provém de DiA- e do grego PHAss, “expresso, modo de falar’ ® variacao diacrOnica > é a que se verifica na comparacao entre diferen- tes etapas da hist6ria de uma lingua. As linguas mudam com 0 tempo (vamos ver isso mais de perto no capitulo 8) e o estudo das diferentes etapas da mudanca 6 de grande interesse para os lingliistas. O adjetivo provém de DiA- e do grego KHRONOS, “tempo”, Variedade Outro conceito muito importante na Sociolinguistica é o de variedade lingiiisti- ca. Uma variedade lingUistica é um dos muitos “modos de falar” uma lingua. ‘Como ja vimos, esses diferentes modos de falar se correlacionam com fatores sociais como lugar de origem, idade, sexo, classe social, grau de instrucdo ete. Podemos delimitar e descrever quantas variedades linglisticas quisermos, de acordo com os fatores sociais que incluirmos na nossa investigacao, como Nos exemplos que dei mais acima: 0 modo de falar dos jovens do sexo mas- culino, entre 18 e 25 anos, com escolaridade inferior a 4 anos, que vivem na Periferia da cidade de Sao Paulo é uma variedade linglistica. O uso que fa- zem da lingua as mulheres agricultoras do sertao da Paraiba com mais de 60 anos, analfabetas, € outra variedade. Os tracos linglisticos caracteristicos dos homens com mais de 40 anos, com curso superior completo, com renda superior a dez salérios minimos, moradores da zona sul do Rio de Janeiro também constitui uma variedade especifica — e assim por diante. Partindo da nogao de heterogeneidade, a Sociolingtistica afirma que toda lingua é um feixe de variedades. Cada variedade lingistica tem suas ca- Tacteristicas proprias, que servem para diferencié-la das outras variedades. Por exemplo, nem todas as variedades lingliisticas do portugués brasileiro apresentam o “s chiado” em final de silaba (Fe[§]ra) ou final de palavra (Fe[f}rals]); algumas variedades usam Tu como pronome de 2" pessoa, enquanto outras usam voce; a maioria das variedades que apresentam o Tu eliminaram a ter- minago -s na conjugacdo verbal (Tu FALA, TU Come), enquanto outras (poucas) conservam © -s (TU FALAS, TU COMES), € por ai vai... ‘Mas o que ¢ mesmo vaio ingiistica?

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