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Bs ISTVAN JANCSO ORGANIZADOR INDEPENDENCIA: HISTORIA E HISTORIOGRAFIA EDITORA HUCITEC S_FAPESP Sao Paulo, 2005 A INDEPENDENCIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 7 Witma Peres Costa Universidade Estadual de Campinas Particularidade irredutivel da histéria das nagdes americanas, o passado vivido nos quadros do sistema colonial do Antigo Regime constitui maté- ria constantemente reciclada na construgio de suas identidades € temas persistentes em suas historiografias. No Brasil, 0 tema tem sido claborado em diferentes abrangéncias, reve- lando-se especialmente sensfvel a paixdo politica, continuando a produzir fecundas polémicas dentro ¢ fora do mundo académico. Recompor sua traje- t6ria na historiografia brasileira € assaz dificil, pois impde selecionar, da grande massa de material disponivel, os trabalhos mais representativos ¢ apontar os momentos em que emergiram enfoques novos, transformagdes de sentido ou mudangas de énfases, indicadores de inflexGes significativas.' 1 Partinnos de alguns repert6ric: “léssicos como 0 de Rubens Borba de Morais. Manual biblio- grdfico de estudos brasileiros, Brasilia: Senado Federal, 2000. Valemo-nos também de Maria de Lourdes Viana Lyra. Hist6ria ¢ historiografia: a Independéncia em questio. Revista do Instituto Histbrico e Geogrdfico Brasileiro, Rio de Janciro, vol. 153(377), pp. 124-7, 1992; de Estudas Histéricos, n° 17, 1996, nimeco inteiramente dedicado historiografia; dos artigos eontides em Marcos Cezar de Freitas (org). Historiografia brasileira em perspectiva. Sio Paulo: Universidade Sio Francisco-Contexto, 1998 ¢ de José Jobson Arruda & José Manuel Tengarrinha. Histo- riogrnfid luso-brasileira contempordnea, Bauru: Edusc, 1999. Para o perfodo mais recente, vale~ * mo-nos dé Carlos Fico & Ronald Polito. A Aistéria no Brasil (1980-1989). 2 vols. Ouro Preto: Universidade Federal de Ouro Preto, 1992; Ciro Flamarion Cardoso & Ronaldo Vainfas (org.). Dominios da histbria. Ensaias de teoria e metodologia, Rio de Janeiro: Campus, 1997. De inestim4- “+ vel utilidade foi o trabalho de Jurandir Malerba, especifico sobre a historiografia da Indepen- déncia, a quem agradecemos a autorizagio de uso, enquanto aguarda publicagio. Versio _ preliminar do trabalho em . 3 53 54 WILMA PERES COSTA O esforgo que se faz aqui, a0 sublinhar alguns dos trabalhos mais impor- tantes, € o de realizar um recorte que funcione como fio condutor capaz de iluminar os modos pelos quais operamos com o tema no presente, com base em algumas balizas historiograficas comuns. Estas, por certo, nio poderiio ser premissas com as quais todos concordamos, proeza impossivel em qualquer debate de ciéncias humanas, mas construgées historiogrdficas com as quais temos de dialogar, interlocugées necessirias para a pesquisa que desenvolvemos hoje. Na busca de uma perspectiva de onde pudéssemos interrogar a produ- go historiografica brasileira, procuramos estabelecer uma periodizagao que, ao eleger os trabalhos mais signiticativos, indagasse também sobre os contextos histéricos ¢ institucionais de sua produgao. Este € um ponto de observagio que nio se pretende exclusive, mas convém assinalé-lo em uma conjuntura em que alguns setores da disciplina tém sido tomados por crescente desconfianga da teoria.? Os trabalhos selecionados ¢ os comentarios a eles apostos esto marca- dos pela preocupagio com a complexa temética da construgio do Estado ¢ da Nagio brasileira, na primeira metade do século XIX, vale dizer, por uma valorizagdo da Histéria Politica ¢ pela exploragio de suas interfaces com a Histéria Social, Econémica e Cultural.’ A linha demarcatéria das escolhas privilegia estudos que, de diferentes modos, indagaram sobre a relacio entre 0 movimento de emancipasio politica (a Independéncia, nas mais diversas abrangéncias) ¢ a formagao do Estado ¢ da Nagao brasileira, assumindo as polissemias de que foram dotados, ao longo do tempo, todos esses termos. Deve-se esclarecer que, estando limitado a historiografia brasileira, este apanhado nio da conta da fecunda interlocugio que esta vem mantendo, nas ultimas décadas, com outras tradigdes académicas, em particular com a historiografia portuguesa ¢ norte-americana.* Nesse sentido, ele deve operar de forma complementar aos que tratam dessas historiografias, nes- se mesmo volume. : ¥ Discussdo fundamental, nesse aspecto, encontra-se em Ciro Flamarion Cardoso, “Hist6ria ¢ paradigmas rivais”, in: Ciro Flamarion Cardoso & Ronaldo Vainfas (org.). Dominios da histbria, Ensaios de teoria ¢ metodologia. Rio de Jancito: Campus, 1997, pp. 1-25. Ver também José Jobson Arruda & José Manuel Tengarrinha. Op. cit., pp. 75-110. Para essa discussio ver Pierre Rosanvallon. Por uma histéria conceitual do politico (nota de trabalho). Revista Brasileira de Histéria, Sto Paulo, 1995, vol. 15, n° 30. ‘Alguns dos exemplos significativos dessa interlocugdo sio A. J. R. Russell-Wood (org.). From Colony to Nation: Essays on the Independence of Brasil. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1975 ¢ Maria Beatriz Niza da Silva (org,).O Jmpério luso-brasileiro(1750-1822), vol. 8 de Joel Serio & A. H. Oliveira Marques. Nova histéria da expansdo portuguesa. Lisboa: Estam- Pa. 1986. Mencdo especial deve ser feita, no caso dos portugueses, & repercussdo dos tra- balhos de Valentim Alexandre. Os sentidos do Império. Questdo nacional e questdo colonial na crite do Antigo Regime portuguts, Porto: Afrontamento, 1993 e de J. M. Viana Pedreira. Os a enyets aes htc @ A INDEPENDENGIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 55 a CoNnTINUIDADES E DESCONTINUIDADES ‘A complexidade que cerca 0 processo de Independéncia brasileira ins- creve-se no prdprio encadeamento peculiar dos acontecimentos que mar- caram; na América portuguesa, a cclosio da crise do Antigo Regime: a instalago da Corte no territério americano (1808), a subseqUente extin- ¢30 do:exclusivo comercial ¢ a transformacao do estatuto politico do anti- go dominio colonial para a condigio de Reino Unido a Portugal ¢ Algarves (1816): Dentre outros efeitos econdmicos ¢ politicos de imensas conse- qléncias, essas medidas demarcaram, para os agentes politicos que se de- frontavam naqucla.quadra-histérica, um horizonte onde emergia possibili- dade de, combinar a climinagio dos.entraves econdmicos da dominagio colonial com a continuidade do pertencimento, em novas bases, a nagio portuguesa. A partir daf, projetos de reorganizagao politica que procura- vam combinat a superagio do vinculo colonial com a manutensio da uni- dade da nacio portuguesa encontraram abrigo tanto no campo da lealdade a D. Joao VI quanto. nos setores que aderiram a Revolugio Liberal do Porto entre 1821 ¢, 1822. Além disso, 0 posterior retorno da Corte (1821), deixando-no Brasil, agora Reino Unido, um herdeiro /gftimo da Coroa foi uma decisio polftica que teve efeitos importantissimos na dindmica de todo 0 processo, estabelecendo uma das diferencas cruciais entre a Amé- rica“ portuguesa ¢ a América hispanica’ ' Outro desafio para os estudiosos da Independéncia do Brasil reside no seu resultado, A consolidagao da Independéncia e a empresa de construgao do Estado Nacional com a teiteragio do escravismo ¢ a reinvengio da mo- narquia foram decisées que impuseram, na experiéncia da América portu- guesa, continuidades ¢ reiterages desconhecidas na América espanhola. Tomens de negicio da Praga de Lisboa (1755/1822). Doutorado. Universidade Nova de Lisboa, 1995, mimeo, Dentre os trabalhos que repercutem essa interlocugao ver Joo Fragoso; Maria Fernanda Bicalho-& Maria de Fatima Gouvéa (orgs.). Antigo Regime nos Trépicos: dindmica imperial portuguesa (steulos XVI-XVIIL). Rio de Jancito: Civilizagao Brasileira, 200 Junia Ferreira Furtado (org,), Didlogos ocednicos, Minas Gemnis ¢ as novas absrdagens para 0 Império portugués. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2001. Em outra linha interpretativa, Istvin Jancs6, “A sedugio da Liberdade”, in: Femandy Novais (dir.). Histbria da vida privada no Brasil. Sto Paulo: Companhia das Letras, 1997, vol. 1, pp. 388- 437 (Cotidiano¢ vida privada na América portuguesa) ¢ Istvin Jancs6 & Jodo Paulo Pimen- ..'@. “Pegas de um mosaico: apontamentos para o estudo da unidade nacionai brasileira”, in: ™ Carlos Guilherme Mota (org.). Viagem incompleta. A experifncia brasileira (1500-2000). Forma- fo: histérias, Sto Paulo: Senac, 2000 (publicado também em Coimbra). Frangois-Xavier Guerra. Modernidad eindependencias. México: Fondo de Cultura Econémica, 1993 € A nacdo na América espanhola: a questio das origens. Revista Marnaman. Rio de Janeiro, ano 1, n* 1, pp. 9-30, 1999-2000. Ver também o texto de Juan Carlos Garavaglia, neste volume. : 56 i WILMA PERES COSTA E compreensivel, portanto, que as abordagens que operam na perspec- tiva da continuidade sejam numerosas, incluindo estudos que se tornaram classicos da historiografia brasileira como os de Varnhagen (1854-1857), Oliveira Lima (1922), Sérgio Buarque de Holanda (‘960) e, de modo algo paradoxal, 0 de Caio Prado Junior (1942). Por outro lado, é inegavel que descontinuidades profundas, claramente visiveis algumas, encobertas outras, estiveram presentes em um processo que transformou uma colénia em pais auténomo. Diferente da entidade politica que o precedera, este era regido por um ‘sistema constitucional, inserido nos fluxos internacionais de produgdo ¢ comércio a partir de uma entidade estatal soberana no plano interno e externo. Mesmo as continui- dades mais amplamente enfatizadas, como a forma mondrquica ¢ a perma- néncia da escravidao, dependetam de grande dose de reinvengio e de criago de novas estratégias, compativeis com a construgio de uma ordem vidvel'e de formas de governabilidade que a ela se adequassem. Embora possua antepassados mais ou menos ilustres como Gonzaga Duque (1898) ¢ Caio Prado Junior (1933), a perspectiva que poe énfase nas rupturas ganhou espaco em tempos mais recentes, sobretudo a partir de José Ho- nério Rodrigues (1972) e Fernando Novais (1972). . Partindo do suposto de que o amélgama peculiar entre continuidades © descontinuidades tornou-se um componente incontornavel do debate sobre a Independéncia na historiografia brasileira, procuramos fazer dele o fio congutor no estabelecimento das balizas mais importantes para o estudo da Independércia na historiografia brasileira, buscando testar sua utilida- de heurfstica para o entendimento dos trabalhos recentes. Reconhecer.do os desafios ¢ paradoxos presentes na interpretagao do significado da Independéncia, um dos pesquisadores pergunta: “Como com- preender que a independéncia tenha sido simultaneamente uma «revolu- do liberal», uma «cransigio pacifica», um «desquite amigivel», uma «revo- lugdo» de ampla repercussio «popular» € uma «reagio conservadora» senio por intermédio de circunstancias densas ¢ intricadas, que na multiplicidade de seus desdobramentos possibilitaram ¢ possibilitam leituras multiplas?”* O presente texto procura tratar de alguns aspectos desse enigma. FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN: z A NAGAO COMO HERANCA A primeira versio do que poderfamos chamar de México da continuidade nasceu com as primeiras narrativas dos sucessos que levaram a separagdo * Cecilia Helena de Salles Oliveira. A asnicia libernl. Relarbes de mercado ¢ projetos politices no Rio de Sanciro (1820-1824), Braganga Paulista: Edusf-{cone, 1999, p. 59. IS FORIOGRAPIA RRASTLETRA A INDERENDENCIA NAM . nificativa cana do Império portugues, sendo uma parte chou? Sua expressio maior no scculo XIX cia, a obra fundadora da histoniogra ational, a Histéria Geral do Brasil (854) de Francisco Adolfo de Var- ho da emancipacio politica, o qual foi ‘c, a Histiria da Inde- da porgio ameti nperi delas patrocinada pela propria Comms ee manifestou por meio dc uma ausc! nhagen, encerra-se antes do desfec tratado pelo autor em obra publicada postumament pendéncia (1916)? O fato de que tardiamente an eed Gio dos episédios que levaram & ruptura com Portugal fossem incor das ao projeto de Hist6ria do Brasil realizado por Varnhagen é,em si mesmo, elucidativo do fraco acento que a historiografia produzida sob patrocinto dda Coroa ps nas temiticas que tinham afinidade com a idéia de raprirs A Histéria Geral tratou dos tés séculos de colonizagio portuguesa na ‘Amética como processo de constituiydo de uma nacionalidade, 0 que significa va tomar uma posigio aitida no intenso debate que envolvia as elites le- tradas do Segundo Reinado, aglutinadas em tomo do Instituto Histérico ¢ Geografico Brasileiro (1838)." Essa entidade de cariter oficial era 0 pon to nodal de uma rota de peragrinapdo quase que exclusiva na contormagio das carrciras intelectuais do periodo ¢, por forga de sua missio atribulda, engajava-se em tarcfa drdua ¢ contraditéria: forjar uma identidade para a emergente nagio brasileira, elaborando a ruptura com o passado ibérico 40 mesmo tempo que procedia a americanizagio da monarquia. O debate que se travava em suas sessies € nas piginas de sua revista, tendo como interlocutores principais os viajantes € estudiosos curopeus, focalizava-se nas oportunidades de manutencio, em um corpo politico unificado, das partes que haviam experimentado, no pasado colonial, vivéncias admi- arrativa ¢ interpreta ——_—_ Ver José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu, Historia dos principacs successos politicas do Império do Brasil, vols. Rio de Jancize: Typografia Imperial ¢ Nacional, 1826-1830. # Francisco Adolfo Varnhagen. Historia geral do Brasil. \* vol. Rio de Jancito: Laemmert, 1854 + Francisco Adolfo de Varnhagen. Historia da Independéncia do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Histotico ¢ Geografico Brasileiro, 1916. We Sobre esta visio € suas raizes ver Lucia Maria Pasche.! Guimaries. Debwixo da imediata protto de Sua Majestade Imperial: 0 Instiato Histéricoe Geogrifice Brasileiro. Doutorado. Si0 Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras ¢ Ciéncias Humanas, Universidade de Sio Paulo, 1994 e Manoel I. S. Guimaries. Nagle e eivilizagio nos ts6picos: O ILH.G.B. ¢ 0 projeto de uma histéna nacional. Essudas Histérioas, n° 1 (Rio dc Janciro, 1988), pp. 5-27. Ver também ‘a coletinea de Amo Wehling (coord.). Origens do Instituto Histérico ¢ Geogrdfico Brasileiro: idéiasfilasificas esociais eestruturas de poder xo Segundo Reinado. Rio de Janeiro: IHGB, 1989. Sobre Varnhagen e a fundacdo da Histéria Nacional ver Nilo Odili. As formas do mesmo, Sio Paulo: Unesp, 1997; Amo Wehling. Estado, histéria, meméria: Varnhagen ¢ a construgio da identidade nacional, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999 ¢ Temistocles Correa Cezat. L'éeriture de Phistoire an Brésil, au XIXe sitcle, Essai sur une rhétorique de la nationalitt: le cas Varnhagen. Doutorado. Paris: Boole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, 2002. A idéia da peregn- sogéo, aplicada a trajetéria dos intelectuais e de suas carreiras, ¢ tomada aqui de Benedict Anderson. Apto ¢ consciéncia nacional. Sio Paulo: Atica, 1989. 58 WILMA PERES COSTA nistrativas ¢ politicas distintas. Ao mesmo tempo, qu no menos con- tundente, incidia sobre a possibilidade de construgio de uma nacionalida- de, como a entendiam os curopeus da primeira metade do século XIX, a partir da intensa diversidade étnica e cultural, agravada pela presenga da escravidio." ‘A interpretagio desenvolvida por Varnhagen para a formagio da nagao brasileira no apenas enfatizou as continuidades entre a Coldnia ¢ 0 perio- do nacional, como atribuiu a essas continuidades conotagio fortemente positiva: valorizava-se com ela a obra civilizadora da monarquia portugue- sa ¢ seu papel na construgio da nagio. O Brasil Independente, colénia ar nagio sob a égide benevolente da mie- vilizagdo curopéia sobre a que amadureceu para se torn patria, expressava, em Varnhagen, a vitéria da ci barbérie autéctone."? A obra maxima do engenho europeu fora a apro de um territério, legado intacto 4 nova nagio. A Independéncia, desse modo, inscrevia-se em uma espécie de “ordem natural dos acontecimen- tos [. ..]” segundo a qual “o Brasil devia, como a quase todas as coldnias, chegar o dia da sua emancipagio da metrépole”." Alguns fatores “apres- saram” esse devir natural, dentre os quais a vinda da familia real para a ‘América (e sua posterior retirada), 2) os “‘arbitrios injustos ¢ despéticos [...] resolvidos pelas Cortes de Lisboa e 3) “o apoio generoso € franco que veio a dar-lhe o proprio herdeiro da coroa”. Este tiltimo fator (0 apoio do herdeiro legitimo do trono ao projeto emancipador) emergia como diretamente responsivel pelo sucesso da empreitada ¢ pela manuten- do da unidade territorial e politica do Brasil, pois “[. . .] nfo podemos deixar de acreditar que, sem a presenga do herdeiro da coroa, a Indepen- déncia no houvera ainda talvez nesta época triunfado em todas as provin- cias, e menos ainda se teria levado a cabo esse movimento, organizando- priago € consolidagao 41 A interlocugdo de Varnhagen para além do sempre citado ensaio de Philipp von Martius. vitorioso no célebre concurso promovido pelo IHGB sobre a forma de se escrever a Histéria do Brasil (Carl F. P, von Martius. Como se deve eserever a histéria do Brasil. Revista do Instituto Histbrico e Geogrdfico Brasileiro, 6(24), 1845, pp. 381-403) estende-se aos diversos estudos produzidos sobre 0 Brasil no século XIX. A interpretagao luséfila de Varnhagen despertou acerbas criticas na Sociedade de Geografia de Paris, da qual ele cra membro militante, Para seguir o debate ver os ntimeros do Bulletin de la Sucitté de Géogruphie de Paris, do ano de 1857 € 1858, Ver Themfstocles Correa Cesar. Op. cit. Sobre a interlocugao estratégica do primeiro nacionalismo brasileiro com os viajantes curopeus ver Wilma Peres Costa. “Viagens ¢ peregrinagdes”, in: Elide Bastos; Marcelo Ridenti & Denis Rolland. 1, melectuais: sociedade e politica, Brasil-Franga. Sio Paulo: Cortez, 2003. ’ Dentre outras fontes, a interpretagio aqui & tributdtia da de Southey, em sua Hiséria-do Brasil, publicada originalmente em 1816. Ver Maria Odila S, Dias. 0 fardo do homem dranco: 1, Southey, historiador do Brasil. Si0 Paulo: Nacional, 1974.” Francisco Adolpho de Varnhagen, “Hist6ria da Independencia do Brasil”, i do Brasil, vol, 3. Belo Horizonte-Sio Paulo: Itatiaia-Edusp, pp. 258-9. Histbria geral A INDEPENDENGIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 59 se uma s6 nagio unida ¢ forte, pela uniio, desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul”.'* E relevante observar que “continuidade” enfatizada por Varnhagen de- correu de uma postura politica € niio do reconhecimento de algo “real- mente existente”, pois cle proprio reconhecia que “na época da Indepen- déncia, a unidade nao existia: Bahia ¢ Pernambuco algum tempo marcha- ram sobre si, € 0 Maranho e o Pari obedeciam a Portugal, ¢ a prépria provincia de Minas chegou a estar por meses emancipada”.'® Nessa visio historiogréfica 0 significado da construgdo da nagio se identi- Sica com a prépria idéia de colonizagdo, seja no passado (0 legado ibérico) seja no presente (os projetos de imigracio ¢ colonizagio que einpolgavam as elites politicas do Estado imperial).'* Se a forma politica da Indepen- déncia, com a preservaco da Monarquia, fora a principal garautia da ma- nutengio de um territério politicamente unificado, livre de secessionis- mos internos, ¢ reconhecido pelas poténcias lim{trofes, a Monarquia continuava a ser a Gnica forca aglutinadora contra tendéncias centrifugas, que podiam levar a desagregagio, a0 caudilhismo ¢ a barbirie, associados 4 forma republicana e 4 América espanhola, Na construgio dessa idéia de nagio, a diferenga das duas porgdes americanas da colonizagio ibérica foi enfatizada em todos os planos, da natureza ao regime politico, marcando a superioridade da nacionalidade brasileira. A defesa da precedéncia da cultura européia ¢ da raga branca sobre as culturas e ragas nio européias ¢ a énfase na superioridade do regime mo- narquico sobre o regime republicano formam, assim, pontos cruciais dessa interpretagio. A partir dessas énfases, a narrativa tendia a desfocar, quan- do nio a combater, os episédios de resisténcia ao dominio colonial, como as conjuras e inconfidéncias, bem como a negar formas alternativas de identidade politica coletiva, fossem elas raciais ou regionais. Se interrogarmos a obra de Varnhagen em busca do significado nela atribuido a Independéncia na construgao do Estado ¢ da Nagi, verifica- remos que este significado € diminuto, pois ambos (Nagao ¢ Estado) esta- vam jé configurados na colonizacio portuguesa. A agdo colonizadora, se~ mente européia lancada em solo bérbaro, é entendida como ado divilizadora que se impée sobre a barbarie, cristianizando indios ¢ escravos, estabele- cendo ¢ defendendo essa imensidio territorial. A Independéncia, feita sob a égide da legitimidade mondrquica, foi o gesto pelo qual.esse legado 4 Francisco Adolpho de Vamhagen. Op. cit. p. 259. 45 Tbidem, p. 15. i 16 Para uma leitura de grande perspicicia sobre posicio vamhaguiana no debate sobre a formagio do povo brasileiro, ver Pedro Puntoni. “O st. Varnhagen € 0 patriotismo caboclo”, in: Istvin Jancs6 (org). Brasil: formardo do Estado ¢ da Nagdo. Sto Paulo;Tjut: Hucitec- Fapesp-Unijut, 2003, pp. 633-77. i o } WILMA PERES COSTA se transmitil, cabendo aos herdeiros defendé-lo ¢ preservé-lo em sua in- tegridade ¢, soberania. ‘Em razio de sua vinculacio ao Instituto Histérico, ao patrocinio da Coroa 8 perspectiva diplomitica, a interpretagio de Varnhagen tem sido sem- pre identificada com a visio conservadora. A atribuigio, de resto indiscu- tivel, no deve obscurecer o cariter militante ¢ identitério de sua obra em seu esforco por estabelecer uma ligagio entre o passado, o presente © 0 futuro da nagio. Elaborada com base em pesquisa exaustiva de fontes primrias, essa versio era construfda a partir da maquina do Estado ¢ de seus canais letrados, mas ela buscava amalgamar uma visio que as elites letradas do Pafs tinham de si mesmas € de sua missio politica na segunda metade do réculo XIX. A militincia de Varnhagen se empenhava no esta- belecimente de uma versio brasileira da nacionalidade, em contraposigao As versdes cxistentes, escritas por letrados estrangeiros ¢ viajantes, das quais faz uma apropriagio seletiva e extremamente severa, em uma forma de interlocucao defensiva, para afirmar a precedéncia das fontes.lusas. A posigdo que responsabilizava a forma mondrquica pela preservagio da unidade territorial do Brasil foi divulgada pela maioria dos publicistas ¢ cronistas ligidos & Coroa, forjando uma versio histérica de longa vigéncia na cultura brasileira.” Na verdade, a tese s6 comegaria a ter suas primeiras contestacdes, quando 0 préprio edificio imperial comegasse a apresentar suas primeisas fissuras, nas décadas de 1860/1870. AANVERSAO LIBERAL/REPUBLICANA: O PASSADO COMO FARDO Nao obstante a longa preeminéncia de Varnhagen na historiografia bra- sileira, a percepgdo de que havia algo de profundamente problematico no legado colonial esteve presente, a0 longo do século XIX, em pensadores de virias teadéncias politicas. Ela é evidente, por exemplo, em José Bo- nifacio, no inicio do Primeiro Reinado,"* como o seria no Nabuco de 0 ———____—_———- 17 Batre seus cultores cvevos estio Justiniano José da Rocha. Accao; reaccao; sransaceao, Duas palavras area da actualidade politica do Braail. Rio de Janeiro: ‘Typ. Imp. ¢ Const. de J. Villeneuve, 1855, republicado em Raymundo Magalhaes Jr. Trés panfleddrios do Segundo Reinado, Sio Paulo: Nacional, 1956; J. M. Percira da Silva, Histéria da fundagéo do Impéno Braritcire, Rio de Jancitu: B. L. Gatnict; Patis: Garnict Inniios, 1664-1868, 7 vols., na versio tardia, ver Joaquim Nabuco em Um eitadista do Império — Nabuco de Aratjo, sua vida, suas epinides, sua ipoca. Patis, 1896. Em rota divergente Alexandre José de Melo Morais. Histéria do Brasil-Reino e Brasil-Império, Rio de Jancito: Pinheiro & Cia., 1871-1873; ¢ Independéncia co Império do Brasil. Rio de Janeiro: Globo, 1877. Sobre a posigio de Vamhagen nos debates de seu tempo ver: Carlos Guilherme Mota. “Idéias de Brasil: formagao ¢ problemas (1817- 1850)", in: Catlos Guilherme Mota (org.). Viagem incompleta, A experiéncia brasileira. Sto Paulo: Senac, 2000, vol. 1, pp197-241. " José Bonifitio de Andrada e Silva. “Apontamentes para civilizagdo dos indios bravos do Brasil” ¢ “Representacio 2 Assembléia Geral Constituinte ¢ Legistativa do Império do ene pescauage nag eaesere at A INDEPENDENCIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 7 Abolicionismo, na tiltima década do Império."” Monarquistas figis, reagindo diante de desafios distintos ¢ partindo de diferentes concepgées da idéia de Nagio, Bonificio ¢ Nabuco apontaram um aspecto em que a continui- dade se revelava ameagadora para a consolidagio da Nayio brasileira: a rciteragio do escravismo, Mesmo um précer conscrvador como Paulino José Soares de Sousa, um dos principais artifices da ordem politica do Se- gundo Reinado, admitia que o passado podia ser representado como um grande fardo. Discutindo a necessidade de estabelecer um tratado para 0 fim do trifico africano, em 1850 (¢ cumpri-lo), ele expressava essa idéia io da nacionali- da auséncia de ruptura como um problema para a constru dade: “|... hf certas épocas, certas circunstancias, certos homens, certas nagdes, que podem dar a sua politica uma diregao diversa daquelas que Ihes imprimiu o passado, dominar os acontecimentos ¢ mudar-lhes rapida- mente a face. Nao estamos nesse caso. Todo 0 nosso passado nos embara- 8 por tal modo, que sé lentamente nos podemos ir livrando das peias que nos pés [.. "2 A concepgio do passado como um fardo a ser superado (no lugar de um legado a preservar) encontrou largo curso no campo politico oposto ao de Paulino Soares de Sousa, pois os liberais fizeram dela 0 seu mote jé na primeira metade do século XIX. Retomando essas idéias no esforgo de reorganizar 0 Partido Liberal nos anos 60 Aurcliano Candido Tavares Bas- tos (1839-1875) escreveu um livro significativamente intitulado Os males do presente ¢ as esperangas do futuro (publicado em 1860), onde identificava os “males” brasileiros com instituigées que vinham do passado colonial que perpetuavam seus efeitos na vida do Pais apés a Independéncia: 0 Absolutismo Mondrquico, uma daninha tradigao de centralizagio politica © a insticuigdo da escravidio." Para cle, a centralizagio politica a escra- Brasil sobre a escravatura”, in: José Bonificio de Andrada de Silva, Projetes para 0 Brasil, (org. Miriam Dohlnikoff. Sao Paulo: Companhia das Letras, 1998), Sobre José Bonificio ver também Ana Rosa Cloclet da Silva, Consirugao da Nagio e escraviddo no pensamento de Jase Bonifdaio: 1783-1823. Campinas: Unicanp-Centio de Meméria, 1999. '9 0 Abolicionismo, de Joaquim Nabuco, foi publicado em 1883, As posigdes de Nabuco em relagioa formagao da nacionalidade € 0 papel da monarquia tomaram, ao longo de sua vida, diresdes divergentes, sendoa argumentacio desenvolvida em Um estadista do Império (1897) bastante proxima da visdo vainhiaguiana. Sobre isso ver Marco Aurélio Nogueira Acdewem- turas do Liberalismo. Joaquim Nabuco, a Monarguia ea Repiiblica. Rio de Jancito-Sio Paulo: Paz ¢ Terra, 1984; Milton Carlos Costa, Joaguim Nabuco entre a politica ¢a historia, Rio de Janeiro: Relume Dumar4, 2003; Wilma Peres Costa. Joaquim Nabuco, a Guerra do Paraguai e acrise do Império. /déias, Revista do IFCH, Unicamp, n° 6, 1999-2000, pp. 191-219. 2 Citado em José Antonio Suarcs Uc Souza. A vida do Visconde do Unuguai, Sao Paulo-Rio de Janeiro: Nacional, 1944, p, 222, Ne 4 "Tavares Bastos procurava apropriat-se politicamente das tescs dos liberais histéricos desen- volvidas na década de 1840. Sobre Tavares Bastos ver Walquitia G, Domingues Leio Régo A utopia federalista, Estudo sobre o pensamento politico de Tavares Bastos, Macei6: Edufal, 2002, 62 WILMA PERES COSTA vidio mantinham-se gragas 4s manobras persistentes da oligarquia conser vadora que desde 0 processo de consolidagio da Independencia freava 0 desenvolvimento da nagio ¢ peava scu futuro. Interessado em recuperar as franquias provinciais usurpadas pela centralizagio monrquica, Tavares Bastos enfatizava a importincia das lutas das provincias contra o absolutis- mo no pasado € no presente, em um momento em que os liberais criavam grande celeuma em torno da estitua eqiiestre de D. Pedro I inaugurada na praca onde acreditavam dever estar homenageada a figura de Tiradentes.* Atores importantes da crise do sistema politico do Império, que se tor- nou endémica a partir de meados da década de 1860, os liberais iniciaram a revisio da “versio saquarema” da construgio da nacionalidade ¢ 0 acen- to que ela punha na idéia de continuidade. A partir dela, a ruptura com Portugal passava a ser enfatizada, abrindo caminho para os temas que ope- ravam com a idéia de conflito: dissensées ocorridas ao longo da primeira Constituinte © os episédios que levaram A sua dissolugao, bem como a crise do Primeiro Reinado ¢ a Abdicacio.* Ao mesmo tempo despontava © interesse pelas narrativas da luta pela Independéncia nas provincias.”* Os setores mais radicais do republicanismo militante tenderiam, por sua vez, a extremar essa visio revisionista, chegando mesmo a produzir uma espécie de inversdo da interpretagao varnhaguiana. Partindo do mesmo pressuposto (a continuidade que caracterizara a passagem da fase colonial para a vida independente), tratavam de analisd-lo sob um foco intensa- mente critico: a continuidade nao era mais “natural”, como se fosse um lento amadurecimento da nagio. Ela passava a ser vista como produto de um processo histérico perverso que levara reiteradamente ao esmagamento das forcas da renovagio pelas forgas monérquicas e conservadoras. A vonta- 22 Aureliano Cindido Tavares Bastos. Os males do presente e as esperancas do futuro. Sao Paulo- Rio de Janeiro: Nacional, 1939. A questo da estétua permanecia no inicio da Repiblica— ver André P. L. Werneck. D. Pedro Ie Independéncia (a propésito da demoligito da estétua da Praca Tiradentes). Rio de Janeiro: Empreza Democratica, 1895. 2 E 0 caso, por exemplo, de Francisco Indcio Marcondes Homem de Mello. A Constituinte perantea histéria, Rio de Janeiro: Tip. da Atualidade, 1863, um dos primeiros estudos sobic a Constituinte de 1823; Luis Francisco da Veiga. O Primeiro Reinado, estudado a luz da citncia ou a revolugio de 7 de abril de 1831 justificada pelo direito e pela histéria, Rio de Janeiro: G. Leuzinger & Filhos, 1877. No periodo, foi dada também a luz a publicagdo da correspon déncia das provincias brasileiras durante a Revolugio Constitucionalista Portuguesa: Cor respondéncia oficial das provincias do Brasil durante a legislaturn das cortes constituintes de Portu- 2 nos anos de 1821-1822, precedida das cartas dirigidas a el-rei Dom Joi V1, pelo Principe Real ‘ da Pedro de Alcantara, como regente, Lisboa: Imprensa Nacional, 1872. ‘or exemplo, Luis AntOnio Vieira da Silva, Histéria da Independéncia da provincia do Marankao, 822-1828. Maranhao: Tip. do Progresso, 1862; Domingos Ant6nio Raiol. Motins polticas ou Aira des principais acontecimentos politicos da provincia do Pard, desde o ano de1821 att 1835. jo, Maranhao e Paré, 1865-1890, 5 vols.; J. Brigido. Os precursores da Independen «fates do Ceard, Fortaleza: Tip. Universal, 1899. Sobre Sao Paulo, ver Ant6nio de Toledo Piza, Recotdagdes histéricas. RIHGB, vol. 10, pp. 220-324, 1906. : A INDEPENDENCIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 63 de republica a desde sempre presente no imaginario ¢ nas priticas politicas brasileiras, manifestando-se em todas as conjuras ¢ rebelides contra 0 dominio portugués havidas antes da Independéncia. Esmagadas pela onda monérquico-conservadora, elas voltavam a se manifestar durante as rebe- lides regenciais ¢, de novo, na década de 1870 em um continuum de lutas que encontrava o seu grand finale na Proclamagio da Repubiica, Para essa linha interpretativa, a Emancipagio Politica ndo resultara em uma verda- deira Independéncia, pois mantivera a Monarquia, a aristocracia territorial € a escravidio, tristes legados do dominio portugués.”® A derrubada da Monarquia € que era a condigio para a nova e verdadeira Independéncia. Essa formulagio, comum nos historiadores ¢ publicistas do inicio do periodo republicano, deslocava a énfase da tematica da ordem para o elo- gio da revolugdo, fazendo emergir como personagem histérica 0 povo bra- sileiro, valorizado por sua indole indémita ¢ combativa, diversas vezes pro- vada, Gonzaga Duque, por exemplo, fazia publicar em 1898 um optisculo de Histé6ria do Brasil, centrado em suas Revolugdes, sendo as principais 0 Quilombo de Palmares, a Independéncia, a Aboligio ¢ a Reptiblica.” Assim, para o republicanismo radical, a nagio também estava prefigura- da na Colénia, em movimentos de resisténcia ¢ revolta que se opunham ao absolutismo metropolitano. Essa postura convidava a incorporar as re- beldias, revoltas, conjuras e movimentos dissidentes do perfodo colonial, comegando ainda que debilmente a introduzir novos temas para a historio- grafia politica do perfodo colonial ¢ do processo de Independéncia. E nes- se periodo, por exemplo, que a figura Tiradentes, consolidou a sua posi- gio de icone dos republicanos e, com menor énfase, comegava a ser resgatada a figura histérica de Frei Caneca.” Ao inverter 0 sinal politico do debate, a revisio que comegou com os publicistas liberais ¢ emergiu com maior forca no republicanismo radical 25 Um dos exemplos mais eruditos dessa historiografia é Felisbelo Freire. Historia constitucio- nal da Repiblica dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Moreira Maximino Chagas, 1894. Sobre os idcdrios que cinergiram da crise da ordem imperial ver Angela Maria Alonso. Idéias em movimento. A geragto 1870 na crise do Brasil-Império, Sao Paulo: Paz e Terra, 2002. Sobre 0 jacobinismo republicano ¢ seus idedrios ver Wilma Peres Costa, Notas preliminares sobre 0 jacobinismo brasileito. Cadernos do IFCH, n° 16, Campinas: Instituto de Filosofia ¢ Citrcias Humanas, Unicamp, jancizo de 1985 ¢ Sucly Robles Reis de Queiroz Os ractezis da Republica: jacobinismo — ideologia ¢ agdo, 1893-1897. Sto Paulo: Brasiliense, 1986. 2 Gonzaga Duque. Revolusées brasilesmas, rewmas Auris onanizarto Francisco Foot Hardman & Vera Lins). Sto Paulo: Edunesp, 1998 (1* ed. 1898). | 7 £ desse ot por exemplo, + publicacto das obras de Frei Caneca. Obras polices e for Antonio Joa literdrias de Frei Joaquim do Amor Divino Cancca, collecionadas pelo Sere en errors quim de Melle, Recife, 1875, bem como o bem documentado extudo de Joaquim Larente de Soura e Silva. Histéria da conjurngdo mincirn: extudas sobre as primeinas Renin DAME independencia nacional basendos em numerosos documentos impresses ow orf varias repartiySes. Rio de Jancito: B. L. Gamier, 1873. 64 : WILMA PERES COSTA mudou a maneira de encarar a emancipagio politica, mesmo depois de es tarem ultrapassados os aspectos mais férvidos do republicanismo. Entre outras mudangas cla tendeu a reduzir o papel do principe D. Pedro no desencadear dos acontecimentos € a langar luz sobre outros episédios do Processo de :uptura, como o processo constituinte € a elaboragio das ins- tituigdes.# Se esse idedrio ndo chegou a produzir obra historiogrifica de vulto, ca- paz de abala- de imediato a preeminéncia da visio varnhaguiana, ele re- Presentou uma brecha importante na solidez de sua construgio. Ela se expressou tainbém de forma importante no esforgo de imprimir sua marca sobre os “lugares de meméria". E relevante, por exemplo, relembrar 0 Papel dessa disputa na Histéria do Museu Paulista, planejado no final do regime imperial e depois empalmado, por breve period, pelos republica- nos radicais.? NOVAS PERSPECTIVAS “PARA DENTRO” E “PARA FORA": © LUGAR DA NAGAO A mais importante revisio critica da matriz varnhaguiana, pela radicali- dade da transformagio historiogrifica que suscitou ¢ pela extensio de sua influéncia na historiografia do século XX, foi a realizada por Capistrano de Abreu (1853-1927). Pensador de miltiplas tematicas, todas elas concen- tradas no pesiodo colonial, Capistrano nio € a rigor um “historiador da —— 4 Merecem atcngdo, nesse sentido, os estudos sobre temas constitucionais. presentes no Primeiro Congresso de Historia Nacional (1916). Ver: Augusto Olimpio Viveiros de Castro. “Manifestago de sentimento constitucional no Brasil-Reino— A convocagio de uma cons tituinte pelo decreto de 3 de junho de 1822 — Os deputados brasileitos nas Cortes de Lisboa", in:Anais do I* Congresso de Histéria Nacional, vol. 111, Rio de Janeiro. 1916, pp. 5-12; ¢ Rodrigo Otivio Langaard de Menezes. “A constituinte de 1823", in: Ibidem:, pp. 63-84, que confronta os projetos de Constituigdo ¢ analisa a influéncia das idéias de Benjamim Constant. O tema jé tivera tratamento privilegiado em Agenor de Roure. Formagio constitu- Gonal do Brasil. Rio de Jancito: Tip. do Jornal do Comércio, 1914. Em 1916 foram também publicadas as Carzas de D. Pedro, principe-rgenie do Brasil a seu pai D. Jodo V1, rei de Portugal: 1821.1822, contendo importantes informagdes sobre o periodo, incluindo a dissolugio da Constituinte. . F . 2° Sobre a transformagio do Imagindrio por obra da militancia republicana, ver José Murilo de Carvalho. A formardo das almas, ¢ também Noé Freite Sandes. A invengio da napéo: entre a Monarquia ¢1 Repiblica. Doutoramento. Sio Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras ¢ Cién- ‘cias Humanas, Universidade de Sio Paulo, 1997. Especificamente sobre a meméria da Independéncia ver Cecilia Helena de Salles Oliveira. O “Espetdaulo do Ypiranga”: mediagées eure histbria ¢ menéria, Livte-docéncia, Szo Paulo: Museu Paulista, Universidade de Sio Paulo, 1999. : . 3° Jodo Capistrano de Abreu. Capitulos de historia colonial: 1500-1800. Rio de Janciro: Soc. Capistrano de Abreu, 1928 (1* ed. 1906); Caminkas anriges ¢ povoamento do Brasil. Rio de Janeiro: Ediglo da Sociedade Capistrano de Abreu, Livraria Briguiet, 1930 ¢ Exsaios ¢ ‘erttica ¢ histéria, 2' série. Rio de Jancito: Briguiet, 1932. ss ee A INDEPENDENCIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 65 Independencia”. Se 0 mencionamos aqui € em razio da mudanga de roa Peetiva que seus estudos ajudaram a operar na prépria idéia de formagay da nacionalidade, incidindo profundamente sobre o debate historiogratice das décadas subseqticntes, Como Varnhagen, Capistrano buscava a nagio brasileira em lento pro- Sesso de formagio ao longo dos trés séculos do periodo colonial. Se, en- tretanto, em Varnhagen, a visio se projetava a partir do alto, da maquina lo Estado ¢ das fontes que dela emanavam, para Capistrano, a fabricagio da Nagao se desenvolvia em outro lugar social. O povoamento, a ocupa- fe do territério, a obra dos homens anénimos € que deveria ocupar os "storiadores, Jogando luz sobre os processos que, silencidsamente, & mar- Bem © as vezes até mesmo a revelia das ordens metropolitanas, engendra- ae ee olhada sob a nova ética, mostrava-se em identidades di Scente, em sua diferenciagio em relagio 4 Metrépole, mas Wersa na vastidio do territério © no isolamento das populages. Seus estudos voltam-se, sobretudo, para a economia e sociedade da Colénia, onde a nacio, variada em suas manifestagces regionals fa2-se margem ou em rebeldia com a ordem metropolitana.!! : Essa estratégia de deslocamento das tematicas, da esfera da politica administrativa para a esfera econdmica.e social, fez de Capistrano o ver- dadeiro precursor da histéria econémica entre nés. Esse novo foco pos bilitava inovagdes interpretativas em varias frentes. Em primeiro lugar, ele operava como um “antidoto” contra a histéria politica tradicional, 0 que possibilitava a construgio de‘uma outra temporalidade, além da des- coberta, para a historiografia, de um Brasil interior com seus personagens anénimos, os colonos do sertio, distantes das ordens régias e dos capities- generais. Além disso, fazia emergir a concepgio da nacionalidade brasileira como uma entidade compésita de diversas identidades regionais. A partir da grande aceitagZo que mereceu dos contemporineos, a obra de Capis- trano de Abreu contribuiu para estimular os esforgos de uma vigorosa his- toriografia regional que, ao defender a ancestralidade da nagdo nos movi- mentos econémicos ¢ politicos do perfodo colonial, disputava também o papel nele desempenhado pelas varias regides: Esse movimento se fez em grande simbiose com a multiplicagio de Institutos Histéricos no plano a 31 Sobre a interlocugio entre.6s Institutos Histéricos, particularmente na relacio entre Afonso " ‘Taunay ¢ Oliveira Lima, ver Karing Anhezini, Correspondéncia © escia ees a trajet6ria intelectual de Afonso Taunay, Estudos Histéricos, n° 32, vol 1 Rio de) ae 2003, Sobre Capistrano de Abreu ver as anotagSes ¢ 0 preficio Para Oscomintos antigo ¢ a Jodo Capistrano de Abreu. Gaphtulas de histéria colonial (1500-1800): : on ee 0 povoamento do Brasil. 4 cd, Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de eae ale Briguict, 1954. Ver também Laure de Mello e Souza, “Aspectos ot hiss mie dees cm sobre 0 Brasil Colonial”, in: Marcos Cezar de Freitas (org,): Histonegra (perspectiva; Sao Paulo: USF-Contexto; 1998. ce 66 WILMA PERES COSTA Shean Parce do inicio do periodo republican, ave se cornavam glutinadores das elites estaduais de politicos ¢ letrados, empe- nhados na reuniiio de fontes, na promogio de pesquisas de hist6ria regio nal, ¢ na exploragio das novas possibilidades intelectuais ¢ politicas aber- tas pelo federalismo republicano.” Na historiografia paulista, um dos representantes mais expressivos se movimento foi o do historiador Afonso Taunay, cujo nome se asse estudo da Independéncia nio apenas pelos trabalhos que escreveu enfati- zando o papel de Sio Paulo, mas por sua marcante contribuigao para consolidar uma determinada versio da emancipagio politica no imagin’'t® dos paulistas. Ela se materializou nas imensas esculturas em homenagem aos bandeirantes que, por sua iniciativa, foram colocadas no Museu Pau- lista, 4 €poca em que foi diretor da Instituigio. As estdtuas foram o s¢u modo peculiar de comemorar 0 centenfrio da Independéncia, afirmando simultaneamente a ancestralidade da “patria paulista” ¢ © papel histérico Se Séo Paulo como lugar da proclamagao da Independéncia pela sobrepo- sigdo das imagens dos bandeirantes & do principe D. Pedro.” _ (© “olhar para dentro”, que expressava a influéncia ¢ # penctragao de Capistrano de Abreu, convergia com movimentos de grande amplitude no plano internacional. Uma grande metamorfose da “idéia de nagao afeta- va o mundo que emergiu da Primeira Guerra Mundial, atingindo de modo especial os paises situados fora da Europa ¢ ela ligados pelos lagos do velho ¢ do novo colonialismo. . 70 conflito significara a hecatombe da visio eurocéntrica da “questo nacional”, que se irradiara, a0 longo de todo © século XIX, do centro para a periferia do capitalismo, abrindo caminho para novas abordagens, algu- wins delas elaboradas a partir da prépria periferia. No Brasil, os anos que se seguiram a Grande Guerra foram férteis em propiciar uma renovagio dos idedrios, pois os marcos de referéncia deixavam aos poucos de ser exclu- sivamente europeus para ceder lugar a um processo de busca de identida- __ 4 Alguns exemplos dessa historiografia regional sto Braz do Amaral. Hi “ada Independencia akin, elaborada para a commemorarfa do seu primeiro centenario, Bahia: Imprensa Official do Estado, 1923; Thomaz Pompéo de Sousa Brazil.O Ceard no centenario da Independencia do Brasil, organisado pelo dr. Thomas Pompto de Sousa Brasil, Cear4, Fortaleza: Typ. Minerva, de ‘Assis Bezerra, 1922. Joio Marcondes de Moura Romeiro. De D. Joio VI a Independincia: cstudo sobre os facts que mais contribuiram para ser proclamada em S. Paulo no dia 7 desetembro. Rio de Janeiro: J. Leite, 1921. 7 Ver Afonso de Escragnolle Taunay. Grandes oultos da Independencia brasileira: publicagio comemorativa do primeiro centendrio da Independéncia nacional. Sio Paulo: Weiszflog Irmios, 1922 ¢, também, Do Reino ao Imptrio: cpisddios de 1822 eda Independencia; depoimentos sobre D. pees corte, S40 Paulo: Difrio Oficial, 1927. See ea Constructo do imaginério paulista, ver Wilma Peres Costa, “Affonso Bane ba Hila Gore das Bandciras Paulistas", in: Lourengo Dantas Mota (org.).Jnéro- um banquete no trépico, Sio Paulo: Senac, 2001, vol. 2, pp. 97-122. aes ‘A INDEPENDENGIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 67 des que valorizava a originalidade do processo civil nos tr6picos. A diversidade étnica ¢ cultural, 6 tipos ¢ a prépria mestigagem, foram temas qu nacionalismo de matiz. modernista, rentes campos poli zatério desenvolvide S sineretismos de todos o¢ fe Se tornaram caros a esse ue empolgou historiadores de dife. 08. Primeiro centendrio da Independéncia, favoreceu a publicagio de grande quantida desigual,"’ em muitos dos quais ecoavam t mundial. Um interesse especial ligava-se 3 acompanhando em parte o realinhamento Para o norte-americano Ielamente, comemorado nesse contexto, ide de estudos, de qualidade ‘mas relacionados a0 conflito S questées de politica externa, brasileiro do campo curopeu que se consolidara apés a Grande Guerra. Para- eventos da dindmica interna da politica republicana marcavam também a sua influéncia. E 0 caso da separagio entre a Igreja ¢ o Estado, despertando para o tratamento de temas até entdo pouco tocados, como o da participacao do clero na Independéncia,” ¢ estimulando a teconstitui- go de trajetérias de personagens polémicos.* Por outro lado, a crise do federalismo oligarquico, que agonizava lenta:e conflituosamenie ao longo da década de 1920, suscitava temiticas que contemplavam a histéria re- gional/estadual ao mesmo tempo que se valoriza o pertencimento ¢ a con- tribuigio de cada uma delas ao todo € ao passado comum.” ° Paras iniciativas oficiais do Instituto Hist6rico ¢ Geografico Brasileiro, ver principalmente O ano da independéncia, Tomo especial da Rev. Inst. Hist. Geo. Bras. Rio, 1922 ¢ Pedro Calmon Moniz de Bittencourt. Hisiéria da Independencia do Brasil (separata da Rev. Inst. Hist. Geo. Bras., t. 94, vol. 148, Rio, 1927). Instituto Histérico e Geogrifico Brasileiro. O anno da Independéncia. Rio de Janciro: Imprensa Nacional, 1922; Afonso de Escragnolle Taunay, Do Reino ao Império, cit. Jornal do Commercio;edigto commemoration co 1° Centenario do Brasil, Rio: Jornal do Commercio, 1922; Livro de ouro commemorntivo do centenario da Independencia do Brasil eda Exposicto Internacional de Rio de Janciro, 923. ; 3* A tendéncia tinha j4 um representante ilustre em Manuel de Oliveira Lima.€ reconhecimento do Império:histbriadiplométicg do Brasil Patis-Rio: Garnier, 1901; ver também Alberto Rangel. Textos ¢ pretextos: incidentesda crénica brasileira a luz de documentos conservados na Europa. Tours, Franga: Typ. da Arraule & Cia., 1926; Hildebrando de Acisli. O recontecimento da Independencia do Brasil, Rio: Imprensa Nacional, 1927, que trata do oo a i is tar focaria também o reconhecimento déncia pela Inglaterra. Mais tarde, oautor enfocat onh ; Ice coaeeed pelos Estados Unidos da América em ieee de Ast O reconheci il ic ic : Nacional, . mento do Brasil pelos Estados Unidos da Ambrica. Sio pa ona 1936 1928 ” Ido ¢ Silva. O clero ea Independencia, Rio de Janeiro: Cen a Soreeeee Francisco de Assis Cintra. O Aomem da Independencia, Si0 Paulo: Mel faeces pee eee aatuagio de José Bonifacio. ramentos, 1921, polatizando a defesa de Gongalves Ledo contra atu 20 dest Bone Ver, do mesmo autor, tambén. A role, uefa ola Sto Pc otged e D. |; Revelabes histbricas para o centendrio, Ris A j ; Pao leo ik indepentinca, Sto Paulo: Melhoramentos, 192 acne Mince 3 Ver Liicio José de Santos.A Inconidenia Mine papel Tieden fone Go Equador. izonte: Oficial, 1922): ae rh ee (Belo Horizonte: Imprensa Ofic Ulises Brandt, 1 em bus Recife: Oficina Grafica ds Repartcto de Publicagdes Ofiias OPS TS072 stam de Aor no séeulo XIX, Recife: Imprensa Industrial-Inicio Nery Taun: bém = cago de obras ‘aunay nos trabal a é tami re-publicagi balhos mencionados. Digno de nota € ju 68 WILMA PERES Costa Ouive EIRA LIMA EO LEGADO IBERICO: UM “DESQUITE AMIGAV O trabalho mais i tendrio da Independencia fo, € representative publicado no primeito cen- Lima,® a quem devemo: oi, sem divida, o de Joao Manuel de Oliveira Varnhagen. A ea ° ra erudito tratamento dado ao tema desde iemerscnetinences 4 oe até porque foi a partir da edigio co- Passou a estar incorporade gue Se da Independéncia de Varn ee ar ‘istéria Geral do Brasil cm edig: 0 anota- DOI ee ‘odolfo Garcia. A construgio historiogrdfica ee presentava entretanto uma nova versio da idéia da Bi ‘olénia ea nacao. Relaugee Bans grande cultura, Oliveira Lima entrou para 0 Ministério de riores em 1890, onde desenvolveu brilhante carzeira até 1913, tendo servido em Portugal, Alemanha, Estados Unidos, Bélgica, Japio © Venezuela. A experiéncia diplomitica favoreceu seu trabalho de pesquisador, possibilitando a incorporagio de fontes ainda inexploradas, presentes em arquivos da Europa ¢ dos Estados Unidos." ‘Como em Varnhagen, a escrita da hist6ria em Oliveira Lima foi bastan- te influenciada pela visio diplomitica. Os tempos, entretanto, eram our tros, demarcados pela recente implantagio do regime republicano ¢ pelo cyescente vies americanista da politica externa brasileira. Todo 0 seu es- forgo operou' no sentido de coadunar a nova aproximagao diplomatica com suas simpatias monarquistas pessoais. Conservendo marcada inclinagao monarquista, Oliveira Lima faz convergir em seu trabalho uma revaloriza- 0 da obra Ja monarquia, mas procurou compé-la com 0 federalismo re- publicano, colocando énfase na participagio das elites regionais no pro- cesso de construgio da nagao.* . Outra facta desse esforgo de composigio de interesses foi o seu em: penho em nzutralizar a imagem largamente difundida pelo republicanis- ro radical d2 que a monarquia havia sido um regime esdnixulo que provo- _ ——_— como é 0caso de Francisco Muniz Tavares, Histéria da Revolueio de 1817, Recife: Imprensa Induserial, 1917, publicada originalmente na década de 1840 ¢ a nova edigdo de Bernardino Ferreira Not ie Memdria habia sobre as vitiriasalcangadas pelos iaspanianos nodes 20 campanta da Bahia, quando o Brasil proclamow a sua independéncia. Nova edigdo anotada por Pirajé da Silva. Bahia, 1923. . ah 4° Jodo Manuel de Oliveira Lima. O movimento de Independéncia, 18211822. S30 Paulo: Melho- ramentos, 1922. 1 41 Sobre Oliveira Lima, ver Teresa Malatian, Oliveira Lima ¢ a construgio da nacionalidade. Bauru: Eduse, 2001. . 3 4: Cf Jodo Manuel de Oliveira Lima. Pernambuco e seu desenvotvimento histérica, Leipzig: FA. Brockhaus, 1895. A INDEPENDENCIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA, eS cava 0 isolamento do Brasil no continente americano. Buscando reverter essa visio, Oliveira Lima sublinhava o fato de que 0 regime monarquico brasileiro fora, na verdade, desprovido dos tragos aristocraticos ¢ antipo- pulares que caracterizavam 0 regime na Europa. Embora fosse imperador legitimo (nas mesmas atribuigdes das monarquias européias), faltavam ao monarca brasileiro outras condigdes para que se estabelecesse no Brasil um Império “verdadeiro”: a nobreza privilegieda, o exército disciplinado ¢ um clero defensor do direito divino dos reis. Aclimatada aos trépicos, a monarquia fora, na verdade, quase republicana. Em seus préprios termos, fora. uma Democracia Coroada.® Quando da publicagio de seu trabalho sobre a Independéncia, Manuel de Oliveira Lima era j4 um historiador maduro, conhecido principalmente POr.scu extenso ¢ largamente documentado trabalho sobre o perfodo joa- nino,* no qual os mais diversos aspectos da presenga da Corte na América haviam sido postos em relevo. Este trabalho deve com justica ser conside- tado como parte integrante da interpretagio que o autor desenvolveu so- bre.o processo de Independéncia, pois, nele, a obra politico-administrati- va realizada por D. Jodo traduzia-se como a verdadeira instauragio de um Estado Soberano em terras americanas. Fundada sobre essas bases, edifi- cando sobre clas sem destruf-las € que a Independéncia foi considerada como um “desquite amigivel”, expresso que enfatizava também o caré- ter pacifico do povo brasileiro, infenso as mudangas bruscas € is adesdes tadicais. O desdobramento dessa idéia fazia que se encarasse a Indepen- déncia como resultante de uma transagio politica entre os elementos “avan- gados” e “reaciondrios”, 0 que permititia produzir esse ser bifronte tao caro As interpretagdes conservadoras: uma transformagio politica com con- servagiio da ordem. O elemento “avangado” teria conduzido o Pais ao regime republicano, como ocorrera nas outras nagdes da América, enquanto o elemento “reaciondrio”, o lusitano, resistia a uma ruptura que se con- fundia como uma “felonia” para com a antiga metrépole. A base da transa- gio fora a permanéncia da dinastia de Braganga, mitigada cmbora com as atribuigde> da monarquia constitucional, “cujo soberano se dizia procla- mado «pela graga de Deus ¢ pela unanime aclamagao dos povos», a um tempo ungido do Senhor ¢ escolhido pela vontade popular”.5 . : Ao alinharmos Oliveira Lima entre os que enfatizaram as continuidades do processo de Independéncia, & preciso ressalvar que, a de Varnhagen, ele nfo se comprazia no elogio generalizado da colonizagao —_S 4 Jogo Manucl de Oliveira Lima,O movimente de Independencia. . 103. Paraaonga vBhnc® "Ga iia de “democtacia coroads", ver Joo Camilo de Oliveira Tors, 1915-1973.A dence Gia coroada (teoria politica do Império do Brasil) [1* ed.] Rio de Janeiro Jc Neh pi 4” Manuel Oliveira Lima, D. Jodo VI no Brasil. Typ. Jornal do Commessio. 48. Jodo Manuel de Oliveira Lima. O movimento de Independéncia. . .. p.3. ' : 70 WILMA PERES COSTA ibérica. Ao contririo, & ; ratio, € notério & ibérica, Ao co » em seu trabalho o apelo ideia cara Capistrano de Abreu: a peculiaridade da civil fede ou Ames poe guesa, a originalidade de sua cultura gem A da América espanhol 0 forjada na América por- ; que podia ser comparada com vanta- tage erga desta mesmo 8d Ames inglesa. Dentre esses ¢ racial, Prefigurando-se ae aoe lemocri ica, no sentido social Volvida por seu conte gga Oliveia Lima angumentagio que sera desen- orie: ineo Gilberto Freire na década seguinte. Q ‘ima tetomava, de forma sutil ¢ original, a problemética da lcfesa da soberani: i ilej f ees ja soberania do Império Brasileiro. Por um lado, buscava distingui- lo das reptiblicas hispa ; ae ‘bl cone Piblicts hispano-americana; por outo, aproximavaco da republic 0 anto nas “‘virtudes” (0 pendor democratico) como nos defeitos (a escravidio). Assim & que ele podia alegar que embora fossem ‘terras de escravidio”, o Brasil ¢ os Estados Unidos da América abriga- vam mais “cspirito democritico” do que nas colénias espanholas, cujo pendor aristocratico ele via manifesto na oligarquia portenha ¢ na chilena. No caso brasileiro, ele atribufa a contengio das inclinagées “feudais” dos senhores de engenho a duas ordens de fatores distintas e complementa- res: 0 efeito democratizador da intensa mestigagem ¢ a supremacia incon- testada do imperador. Por essa razio, os grandes senhores territoriais, “[. . -] em vez de constitufrem uma vasta oligarquia, delegaram desde 0 comego sua participagio na vida ptblica nos profissionais da administrag’o — ba- charéis, juristas, legisladores”.“* Se, para Oliveira Lima, a Independéncia se fez sem ruptura revolucion4- 1if radical, a nagio que ela ajudou a criar estava prefigurada na originalidade da civilizagao criada nos trépicos pela colonizagio portuguesa, Foi a partir dela que pode emergir uma ordem politica, a monarquia constitucional, que Oliveira Lima nio considerava como férmula importada da Europa, mas como construgao original levada a cabo a partir da emancipagio politica. MANUEL BonFIM E A VIAGEM EM BUSCA DA NAGAO: “ATRAVES DO BRASIL” O revisionismo critico trazido por Capistrano de Abreu ¢ 0 abalo que este historiador impés sobre a matriz varnhaguiana ¢ seus “quadros de ferro” interpretativos foram absorvidos por estudiosos localizados nas di- 46 Jodo Manuel Oliveira Lima. O movimento. . ,p. 199.0 tema da identidade brasileira vist-ois 4s outras identidades americanas havia sido tratado por ele em Manuel de Oliveira Lima. Formation historique de la nationalitt brésilienne: série de conférences faites en Sorbonne. Pati Garnier, 1911 (recentemente reeditada como Farmapto histérica da nacionalidads brasileira. io Paulo: Topbooks-Folha de S4o Paulo, 2000) ¢ consolidado em América latina ¢ América ingleaa: a evolugfo brasileira comparada com a hispano-americana ¢ com a anglonamerieana. Rio de Janeiro: Gamier, 1913.

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